Ucrânia: piloto de MiG-29 ucraniano fala sobre o dia-a-dia dos combates e a vida na guerra. Entre as capacidades mais essenciais de um piloto de caça, está a compartimentação emocional, ou seja, não se deixar envolver sentimentalmente com os motivos e riscos da sua missão. Especialmente em tempos de guerra, há pouco tempo para refletir sobre a morte de terceiros, ou sobre a sua própria mortalidade.
Além dos medos e tristezas, sentimentos inerentes ao ser-humano, há outra uma outra emoção exclusiva da guerra, e que os pilotos de caça também devem controlar cada vez que voam: a raiva. Pensando especialmente nos caçadores da Força Aérea Ucraniana (UAF), esse sentimento sobre o inimigo é algo que naturalmente permeia os esquadrões, principalmente após ver as cenas de agressões dos pilotos russos, que bombardeiam insistentemente alvos civis, matando idosos, mulheres e crianças indiscriminadamente.
“Às vezes você respeita seu oponente, mas neste caso, não!”, disse um piloto de MiG-29 “Fulcrum” da UAF, com 29 anos, que utiliza o indicativo de chamada “Juice”. “Eles são loucos. Eles não são humanos. É um pecado para toda a sua vida matar pessoas inocentes assim. É absolutamente estúpido e imoral, e não consigo imaginar como eles vão viver com isso ao longo dos anos… e suas famílias também”, após uma pausa, Juice acrescenta: “Mas, como profissionais, devemos manter a calma e manter nossas mentes frias”.
Muitos especialistas militares previam antes do início da guerra, que o poder aéreo russo rapidamente alcançaria a superioridade aérea sobre toda a Ucrânia. Entretanto, depois de um mês, isso não aconteceu.
Em vez disso, a UAF permanece lutando graças à criatividade, coragem e talento de seus pilotos e pessoal de terra. Os russos alcançaram a superioridade aérea em poucos setores no sul e leste da Ucrânia. Em grande parte do país, os céus permanecem contestados e os pilotos de caça ucranianos continuam a realizar missões de combate diariamente.
“Os russos pensaram que seria apenas um passeio no parque. Eles não estavam preparados para a nossa resistência. Eles também têm muitas perdas, e ainda têm medo de voar mais alto e se sentirem confortáveis em nosso espaço aéreo”, disse Juice.
“Juice” contou um pouco da sua rotina para revista norte-americana on-line Coffee or Die Magazine, através de uma video-chamada, enquanto estava de serviço em uma Base não-revelada UAF. Obviamente, por questões de segurança, o piloto ucraniano pediu que seu nome completo não fosse divulgado. Ostentando uma barba cheia e cabelos longos, “Juice” fala inglês fluente, e demonstrava ser rápido em fazer uma piada. Quando um alerta de ataque de míssil soou durante a entrevista, Juice simplesmente riu e disse: “Eu não dou a mínima”, e seguiu na sua linha de pensamento.
Tirando prontidão de Alerta de Reação Rápida (QRA) 24 horas por dia e 7 dias por semana, Juice alterna turnos alternados de 24 horas, com um colega, mas sempre prontos para encarar missões de interceptação. Todos pilotos do Esquadrão compartilham do mesmo padrão. Não existe um dia de folga de verdade. “Dormimos perto do rádio. O local mais distante que posso ir é o banheiro”, disse Juice.
O ritmo das operações em tempo de guerra é extenuante. Juice disse que voa em uma surtida de combate “quase diariamente, às vezes duas vezes por dia, durante o dia e à noite”. Os briefings e verificações pré-voo cuidadosos, itens básicos na rotina de operações de um piloto de caça em tempos de paz, são deixados de lado pela necessidade de simplesmente decolar e entrar em combate o mais rápido possível.
O Esquadrão de Juice é responsável por um setor específico do espaço aéreo ucraniano, no qual os seus MiG-29 são acionados por controladores de radares terrestres para interceptar e identificar qualquer voo suspeito. Algumas vezes, os seus caças são acionados em missões de Patrulha Aérea de Combate (CAP), apenas demonstrar a sua presença na região. Um mês após o início da guerra, os caças e a defesa aérea ucraniana continuam impedindo que aviões russos operem livremente no espaço aéreo contestado do país.
“Às vezes é apenas uma patrulha, às vezes é uma interceptação imediata. A missão de Patrulha Aérea de Combate é muito importante para demonstrar a nossa presença aqui e afastar os russos das nossas regiões pacíficas. Estamos tentando manter a linha aqui, mas é muito difícil”, disse Juice.
Denolan Peterson, autor desta entrevista, chamou a atenção que muitas das táticas e técnicas empregadas pela UAF para alcançar seus resultados permanecem classificadas. Muitas informações ainda não podem ser publicadas, mas está claro que os ucranianos redefiniram o padrão de uma ampla gama de doutrinas e dogmas de combate aéreo pré-estabelecidos.
“Os ucranianos estão definindo a guerra moderna”, disse Jersey, um piloto aposentado do F-15C da 144ª Ala de Caça da Guarda Aérea Nacional da Califórnia, que voou em missões de treinamento com a UAF. O ex-piloto da USAF trabalha com os ucranianos desde 2013, e não terá seu nome completo identificado.
“Quaisquer ideias, técnicas e táticas que acreditávamos serem perpétuas foram desenvolvidas por uma nação que não enfrenta uma ameaça direta há muito tempo. Deixe-me ser claro, treinamos os pilotos ucranianos como especialistas, mas não há substituto para o combate aéreo. Eles são os especialistas agora”, disse Jersey.
A partir de agora, a história da UAF sem dúvidas influenciará o pensamentos dos especialistas e aviadores de combate pelas próximas gerações. Acima de tudo, nesta era de tecnologias avançadas, os pilotos de caça ucranianos demonstraram claramente a importância do elemento humano no combate aéreo.
“Pode ser estúpido, mas não damos a mínima para tecnologias – estamos apenas tentando fazer tudo com o que temos”, disse Juice. “É nossa terra, são nossas famílias, são nossas cidades que estamos defendendo. Essa é a nossa principal motivação. E estamos tendo sucesso, porque os russos estão surpresos. Eles estão muito surpresos! Especialmente sobre nossas defesas aéreas e terrestres. Eles não esperavam tamanha resistência pelo ar.”
“Não há motivação que se compare a de defender sua casa e sua família. Supera tecnologia e números”, disse Jersey. “Além disso, os ucranianos estão escolhendo a hora e o local das suas missões. As aeronaves invasoras russas precisam ser eficazes o tempo todo, mas os gloriosos defensores precisam ser eficazes apenas quando decidem ser.”
Em contraponto, a Força Aérea Russa parece ter ficado complacente, após anos voando no espaço aéreo incontestável da Síria. E essa complacência provavelmente contribuiu para eles subestimarem a UAF.
“A Síria era apenas uma área de treinamento para eles”, disse Juice. “Eles estavam voando em altas e médias altitudes sem resistência. [Na Ucrânia] eles foram preparados para missões típicas em condições meteorológicas favoráveis e com total domínio de todas as tecnologias, como sistemas GPS e sistemas de guerra eletrônica. Mas aqui na Ucrânia, há uma situação absolutamente diferente. Usamos sistemas muito mais avançados do que na Síria. E é um problema para os russos realizarem suas missões. Mesmo com as nuvens, mesmo com o mau tempo. É um problema para eles.”
Os russos parecem estar enviando os seus aviões para as defesas aéreas da Ucrânia, efetivamente sacrificando os seus pilotos à medida que os mísseis antiaéreos ucranianos constantemente fazem os seus trabalhos.
“Os russos são malucos. Eles não contam as vidas dos seus pilotos”, disse Juice. “Eles estão enviando seus jatos para nosso território, mesmo sabendo dos nossos [sistemas antiaéreos] MANPADS, Buks e S-300s. Mesmo assim eles ainda estão enviando jatos e helicópteros para a linha de frente do combate.”
A criatividade é um pilar fundamental da guerra aérea dos ucranianos. Por exemplo, depois que os russos destruíram muitos dos auxílios à navegação terrestres, os pilotos ucranianos improvisaram soluções ad hoc para continuar voando com segurança. Quando se trata de livrar as defesas aéreas russas, os ucranianos simplesmente voam “mais baixo e mais rápido”, disse Juice, ressaltando outro atributo fundamental da força aérea ucraniana – a coragem de assumir riscos extremos.
“É extremamente difícil voar a muito baixo a noite, sem sistema de visão noturna, sem GPS, tendo muitos obstáculos em solo”, disse Juice. “Somos mais flexíveis que os russos. Desde 2014, somos treinados para missões não típicas, e estamos preparados para fazer alguma merda. Estamos prontos para ser implantados em aeródromos absolutamente não operacionais. Podemos fazer tudo.”
Natural do leste da Ucrânia, Juice é solteiro e não tem filhos. Sem adoçar a tensão emocional da guerra aérea, ele demonstra uma atitude jocosa em relação aos perigos letais que enfrenta. Ao explicar que sua barba não atrapalha a vedação da máscara de oxigênio no seu rosto, ele brincou que “a barba é uma tática para o caso de uma merda”. Ela permitirá que ele se misture com os operadores especiais ucranianos se necessitar de resgate em caso de uma eventual ejeção.
Para os não iniciados, o comportamento otimista e até mesmo arrogante de Juice pode parecer incongruente com os perigos diários que ele enfrenta. A verdade, porém, é que o humor é uma defesa proposital contra os níveis astronômicos de estresse que os pilotos de combate enfrentam em tempos de guerra. A piada, o comportamento legal, a compartimentação, o vocabulário estéril – tudo isso faz parte de uma cultura de piloto de caça bem afiada, que enraíza a resiliência mental necessária para sobreviver.
“Todos nós estamos prontos para lutar. Mesmo com as derrotas, ainda estamos fazendo o nosso trabalho nesse clima de combate real, com humor e piadas malucas”, disse Juice. “Temos um grande moral. Mas também é limitado, porque não queremos morrer. Para os caras com família é muito mais difícil.”
Ao falar com Juice, mesmo através da tela de um computador, é difícil ignorar os fardos que pesam sobre os ombros desse jovem. Ele se refere ao combate aéreo contra jatos russos, tecnologicamente superiores e mais numerosos, como um “bilhete de ida”. Ele lamenta a perda de seus companheiros da caça, mas não se preocupa com os mortos – “haverá tempo para honrar sua memória depois que a guerra for vencida”, disse ele.
Além das ameaças mortais que enfrenta, Juice também é responsável, pelo caça que voa, um bem especialmente precioso para o seu país, principalmente quando a guerra se arrasta e cobra seu preço constantemente.
“Temos uma guerra aérea e precisamos de mais equipamentos e tecnologias para ter sucesso”, disse Juice. “Não quero uma passagem só de ida, quero matar alguém, não apenas ser morto. Esse é o ponto principal. Estamos prontos para ser mortos, mas não queremos. Queremos ser eficazes e para isso precisamos das ferramentas.”
Apesar das vantagens da Rússia em tecnologia e números, a guerra aérea ucraniana se tornou desgastante. Neste ponto, portanto, as principais prioridades dos ucranianos são encontrar maneiras de reabastecer seus estoques de mísseis antiaéreos e repor os seus aviões abatidos.
“Não posso estimar quantos dias, quantas semanas podemos manter a linha de voo”, disse Juice. “Novos sistemas de mísseis terra-ar e jatos de combate são as nossas prioridades, para repor as perdas e manter o policiamento aéreo afastando os jatos russos. Podemos dividir em duas etapas. O primeiro, mais fácil e mais rápido estágio é a Ucrânia receber material soviético antigo, como MiGs, S-300s, Buks, [sistemas de mísseis terra-ar 9K33 Osa] e outros sistemas.”
“Ao mesmo tempo”, acrescentou Juice, “precisamos iniciar, o mais rápido possível, um segundo estágio de entrega de sistemas ocidentais mais avançados – incluindo caças americanos. Ambas as etapas são essenciais para ganharmos superioridade aérea.”
Até o momento, as defesas aéreas terrestres ucranianas foram bastante bem-sucedidas, disse Juice. Mesmo assim, os mísseis anti-radar russos – o Kh-31P, em particular, lançado por caças Su-35 – estão afetando os limitados recursos de defesa aérea terrestres da Ucrânia.
Além do fornecimento de equipamentos da era soviética, Juice sugeriu que o Ocidente também fornecesse imediatamente à Ucrânia sistemas mais avançados, como o NASAMS – uma versão terrestre do AIM-120 Advanced Medium-Range Air-to-Air Missile (AMRAAM). que é usado para defender locais de alta prioridade, como a área em torno de Washington, DC. Em relação ao cronograma para a Ucrânia empregar um sistema de defesa aérea tão inovador e avançado, Juice disse: “Pode levar meses, mas devemos começar agora”.
Os pilotos ucranianos e suas equipes de terra agora operam em condições básicas, vivendo em bases secretas estabelecidas após o início da guerra. As suas famílias não sabem as suas localizações e a comunicação entre as unidades é mínima. Mesmo assim, essas bases não escapam totalmente da ameaça dos incessantes ataques russos, que não poupam nenhum canto do território ucraniano. No combate aéreo, os ucranianos estão sofrendo perdas ao enfrentar os aviões russos que dispõem de armas mais sofisticadas e são reforçados por sistemas de radar russos de alerta antecipado.
“Nosso principal problema é o equipamento”, disse Juice. “Estamos absolutamente em diferentes páginas de tecnologias, entre a moderna força aérea russa e as defesas aéreas russas e nossas coisas.”
Uma das principais desvantagens que os ucranianos enfrentam são seus mísseis ar-ar, que dependem de direcionamento de radar semiativo. Isso significa que os mísseis ucranianos, uma vez lançados de um jato, dependem dos pilotos manterem os radares de bordo de suas aeronaves apontados para os oponentes russos até o impacto, disse Juice. Os russos, por outro lado, têm seus próprios mísseis de radar ativo, permitindo que eles alcancem os alvos de forma autônoma, sem a ajuda do caça que o disparou. Isso significa que o piloto russo pode se afastar, ou desligar o seu radar, após lançar seu míssil. “Infelizmente, não temos algo assim”, disse Juice.
“Não podemos obter superioridade aérea sem bons radares… e sem bons mísseis”, continuou ele. “E também, a consciência situacional [dos russos] é muito melhor porque eles têm AWACS – o A-50. Esta aeronave, e também alguns sinais de inteligência, também estão patrulhando perto da fronteira [ucraniana], e estão dando todas as informações sobre nossos voos para seus caças. Então eles sabem tudo sobre nós.”
Juice relatou um combate aéreo no qual doze caças russos enfrentaram dois jatos ucranianos em um engajamento além do alcance visual (BVR). Um piloto ucraniano foi morto nesse combate. “Nossos caras estavam tentando interceptá-los, empurrá-los da fronteira. E um por um os russos estavam tentando atirar em nossos caras. Infelizmente, o míssil deles encontrou o alvo”, disse Juice. “Precisamos da plataforma para mísseis avançados”, acrescentou, pressionando para que os EUA entreguem caças, como o multifuncional F-16, que é capaz de missões ar-ar e ar-solo.
Pelo relato de Juice, as fileiras de pilotos de caça experientes e testados em batalha da Ucrânia – alguns dos quais já ganharam exposição a jatos dos EUA durante exercícios de treinamento – poderiam ser treinados para operar os jatos dos EUA em poucos meses. Ele também disse que os pilotos ucranianos podem aprender a pilotar caças americanos em menos tempo do que levaria para atualizar a frota de caças antigos da Ucrânia para usar mísseis mais avançados.
Pelo lado norte-americano, Jersey disse que os EUA perderam tempo após a invasão russa da Crimeia em 2014, quando não ajudou na modernização da UAF. Agora, diante de uma guerra em grande escala, os EUA deveriam dar mais crédito às necessidades dos pilotos ucranianos, afinal, há poucos pilotos norte-americanos com a experiência em combate aéreo dos ucranianos, disse Jersey.
“O que os ucranianos mais precisavam era que priorizássemos sua modernização. Não o fizemos, mas não é tarde demais”, disse Jersey. “Eles precisam dos MiG-29 da Polônia. Isso foi acordado pela OTAN, mas foi retirado no último minuto. Algumas das razões eram ridículas – que eles não seriam treinados para operá-los? Acho que os pilotos [da UAF] saberiam o que precisam melhor do que nossos analistas do Pentágono sentados em mesas que nunca pisaram na Ucrânia, nem viram o cockpit de um Fulcrum.”
Os primeiros dias da guerra foram angustiantes para os pilotos ucranianos – tanto em termos de guerra aérea quanto das ameaças enfrentadas no solo entre as missões. Durante os primeiros dias da guerra, a base de Juice foi atingida por ataques de mísseis e ataques aéreos, e enfrentou a constante ameaça das operações especiais russas. “Foi algo terrível, tivemos muitas ameaças ao redor do aeródromo”, disse Juice.
Entre as missões de combate, Juice vestiu um colete à prova de balas e pegou uma arma para ajudar a defender a sua base aérea. À medida que os sistemas de defesa aérea russos se aproximavam, os caças ucranianos foram forçados a deixar suas bases, voando “abaixo do topo das árvores, ou mais baixo”, logo após a decolagem.
Em 24 de fevereiro, Juice, como muitos ucranianos, foi despertado pelos sons de ataques de mísseis russos. Esperando a guerra com antecedência, ele comprou suprimentos médicos e equipamentos de proteção, bem como um estoque de munições para seu rifle de assalto AR-15 pessoal. Ele até comprou um carro novo especialmente para uso em tempo de guerra. Ainda assim, Juice disse que sentiu um momento de descrença atordoada quando a guerra realmente começou – como se sua psique precisasse de uma batida extra para realmente acreditar no que seus sentidos estavam lhe dizendo.
“Eu estava me preparando para isso, mas ainda não estava pronto”, disse ele. “Precisei de alguns minutos para entender a situação. Nos primeiros minutos, me perguntei: Que porra está acontecendo? ”
Juice disse que imediatamente ligou para as esposas de alguns de seus colegas de caça (incluindo uma que estava grávida) para se certificar de que todas estavam bem – e então ele se apresentou para o serviço. Passando pelo posto de controle de sua base aérea, que havia sido atingida por um míssil russo, ele furou o pneu de seu carro novo. “Foi muito emocionante e muito quente na minha base”, disse ele.
Desde então, a unidade MiG-29 de Juice mudou-se para fora do alcance dos ataques aéreos russos. Comparado com aqueles primeiros dias, Juice diz que sua localização atual parece um “resort de praia”, mesmo que ele e seus colegas ainda vivam sob a constante ameaça de mísseis e ataques aéreos russos.
“Os combatentes da Ucrânia são os espartanos desta geração”, disse Jersey. “Eles lutam contra a Rússia há muito tempo, bem antes da invasão. Ao longo dos anos, eles aprimoraram suas táticas para fazer o que estão fazendo hoje. Isso não é surpresa para quem conhece os seus pilotos e as suas táticas. Isso não é um transtorno; eles sabiam que iriam arruinar os planos do ditador do Leste.”
Outro fardo emocional que os pilotos ucranianos devem enfrentar em tempos de guerra é a segurança de suas famílias. Embora a maioria dos pilotos tenha evacuado seus familiares para longe das linhas de frente, nenhum quarto da Ucrânia foi poupado de ataques de mísseis russos. “A ameaça de mísseis é a principal ameaça desta guerra, mesmo para regiões pacíficas da Ucrânia”, disse Juice. “Então você não pode ter certeza de que eles estão em segurança.”
Além de tomar uma dose de vodka e um pedaço de pão, não há nenhuma cerimônia ou tradição específica para homenagear os mortos dentro da Força Aérea Ucraniana. Os pilotos simplesmente continuam lutando e se consolam com a ideia de que todas as honras para todos os caídos serão dadas assim que a vitória for conquistada. Como a maioria das atividades permanece classificada em tempos de guerra, também não é possível dar às famílias dos mortos um relato completo de como seus entes queridos morreram.
“Foi muito difícil falar com a esposa do meu colega de classe, com dois filhos muito pequenos”, disse Juice sobre um amigo falecido. “Mas temos que estar moralmente prontos para outro voo.”
Existe um vínculo fraterno entre as comunidades de combatentes dos EUA e da Ucrânia, forjado ao longo de décadas de trabalho conjunto. Em particular, há a 144ª Ala de Caça da Guarda Aérea Nacional da Califórnia, que é parceira da UAF por meio do programa de parceria do governo dos EUA (SPP). Como parte desse relacionamento, pilotos de caça ucranianos, incluindo Juice, viajaram para a Califórnia para treinamento. Em 2018, os F-15C da USAF foram enviados à Ucrânia para participar do exercício Clear Sky. Foi o primeiro e maior exercício de combate aéreo conjunto realizado em território ucraniano desde o final da Guerra Fria.
Antes da guerra, Juice participou de treinamentos OTAN nos EUA, Turquia e Noruega. No entanto, ele disse que o Clear Sky 2018 foi o exercício mais importante na história pós-soviética da Ucrânia. Ele ainda evoca seu lema, “Juntos pela Paz e pela Vitória”, como a estrela-guia para a cooperação contínua entre os EUA e a Ucrânia em tempos de guerra. Apesar de sua importância, o exercício teve uma reviravolta trágica quando um piloto americano e um ucraniano foram mortos em um acidente com um caça Su-27.
“Foi uma situação terrível, mas pessoalmente acho que foi um grande momento para unir a Guarda Aérea Nacional da Califórnia e a UAF”, disse um oficial da USAF que esteve envolvido no Clear Sky 2018. “Todo mundo se esforçou para voar o restante do exercício, e as missões mais complicadas. Eles e nós reconhecemos que o treinamento era muito importante e deveria continuar. Acho que esse vínculo e o treinamento estão pagando dividendos agora”, disse o oficial, que pediu para não ser identificado devido a restrições de comunicação com a mídia.
Esse vínculo entre os pilotos de caça ucranianos e americanos se aprofundou desde que a guerra em grande escala da Rússia começou no final de fevereiro. Para Jersey, que fez questão de orientar os jovens pilotos de caça ucranianos, esta guerra é particularmente pessoal.
“Juice, desde o início, foi um dos pilotos em que mais investimos”, disse Jersey ao Coffee or Die . “Ele era um piloto de caça talentoso, era carismático e se preocupava com sua força aérea e queria melhorá-la. Não me entenda mal, os pilotos mais velhos [da força aérea ucraniana] são tão incríveis e patrióticos, mas vimos o futuro em Juice e nos outros pilotos mais jovens.”
A cultura de combate da Ucrânia não possui tantos rituais e tradições quanto os seus parceiros norte-americanos. Juice pretende que a UAF adote a cerimônia de nomeação dos pilotos, como fazem nos EUA. O próprio indicativo de chamada de Juice, na verdade, foi concedido a ele durante uma cerimônia com seus parceiros norte-americanos.
Enquanto estava participando de um treinamento na Califórnia, a abstinência alcóoolica de Juice chamou a atenção de seus colegas ucranianos e americanos. Afinal, uma maneira consagrada pelo tempo para os pilotos de caça aliviarem a tensão é desfrutar de uma bebida ocasional.
Juice contou as origens de seu indicativo: “Desde o primeiro dia em Fresno, fomos para um bar, e nossos colegas colocaram vodka na mesa, e eu bebi apenas suco. O tempo todo, em todos os bares, eu bebia somente suco. Então foi algo estranho para eles, já que todos sabem que os pilotos bebem muito… principalmente os pilotos ucranianos.”
Assim, quando chegou a hora da cerimônia da sua nomeação, foi natural os seus colegas o batizarem como o código “Juice” (suco em inglês). “Em Fresno, decidimos que deveríamos iniciar a tradição de dar nomes na Força Aérea Ucraniana”, disse Juice. “Acho que minha cerimônia de nomeação foi a primeira oficial da nossa Força Aérea.”
Há pouca “largura de banda emocional” em tempos de guerra para os pilotos de caça da Ucrânia criarem novas tradições. Especialmente quando se trata de honrar os mortos. No entanto, se Juice conseguisse, ele e seus colegas pilotos seriam chamados por códigos de chamada individuais, em vez de números de voo, enquanto estivessem no ar.
“Ainda acredito que serei capaz de iniciar essa tradição”, disse Juice. “Agora, em condições de combate, muito mais pessoas entendem essas coisas… é legal ter um indicativo e não um número. Ninguém dá a mínima para números em voo. Quando você conhece a voz do seu Ala ou do Líder de esquadrilha… em condições de combate, você ouve esse indicativo, é algo mais, muito mais, do que um apelido. Quando você ouve o sinal de chamada de alguém no rádio… você ouve exatamente o seu companheiro, e você entende que ele está com problemas, e que você deve ajudá-lo a sobreviver a este inferno.
Fonte: Coffee or Die Magazine
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