Ucrânia: E-3 Sentry da OTAN monitoram de perto os russos desde o início da invasão. Na manhã de 24 de fevereiro, os tripulantes de um Boeing E-3 Sentry da OTAN, em missão ISR (Intelligence, Surveillance and Reconnaissance) sobre a Polônia, tiveram os primeiros contatos do iminente ataque aéreo russo à Ucrânia. A aeronave AWACS (Airborne Warning and Control System) havia decolado às 08h30 da manhã (horário local) da Base Aérea da OTAN em Geilenkirchen, Alemanha, para realizar a missão na área de interesse da Aliança, nas confluências das fronteiras da Polônia, Ucrânia e Belarus.
Naquele dia, o Tenente-Coronel Denis Guillaume, era o Diretor Tático da Missão A18438 da OTAN. Ele disse que, assim que iniciaram a missão, foram visualizados pelos radares do E-3A diversos aviões militares russos naquela manhã. “Havia uma dúzia deles, todos voando dentro do espaço aéreo da Belarus”, disse o Oficial belga, em serviço da OTAN.
Inicialmente as informações coletadas naquela manhã não indicavam o objetivo dos aviões, mas havia grande suspeita de que eles seguiriam para dentro do território ucraniano. No final da tarde, pouco antes do AWACS da OTAN encerrar sua longa missão de vigilância, a suspeita se concretizou.
De acordo com o Tenente-Coronel Guillaume, no início da noite os radares do seu E-3A captaram pelo menos “meia-dúzia de aviões militares russos deixando a Belarus em direção sul, rumo a Kiev, na Ucrânia”. Os operadores de radares do jato da OTAN observaram que os aviões invasores estavam voando muito baixo, “talvez para se posicionarem para um bombardeio”, complementou o Oficial belga.
Embora os operadores do AWACS não soubessem o objetivo final dos voos dos russos no interiro da Ucrânia, eles puderam coletar dados detalhados como a identificação do tipo e modelo dos aviões, além da sua direção, altitude e velocidade.
Essas informações foram captadas pelo poderoso radar montado sobre a fuselagem do Boeing E-3A Sentry, em uma cúpula de dez metros de diâmetro, dois metros de espessura e que realiza seis giros por minuto.
Além do radar (rotodome), uma série de avançados sensores, instalados em ambos lados na parte dianteira da fuselagem, são os “ouvidos de escuta” do E-3A. Eles captam emissões eletromagnéticas vindas das aeronaves monitoradas, e que permitem determinar o tipo e o modelo do avião.
Naquele dia, além dos caças-bombardeiros Sukhoi, o Ten Cel Guillaume disse que foi possível observar um avião Beriev A-50 AWACS russo, que evidentemente estava monitorando o espaço aéreo e passando instruções de controle de missão para os pilotos russos.
As aeronaves de nações Aliadas, consideradas “amigas”, voando no espaço aéreo da OTAN, são plotadas na tela dos radares do E-3A com um símbolo azul, enquanto o avião hostil, no caso os jatos russos, aparecem com indicação laranja, informou Guillaume.
Especialmente neste conflito há um problema para os operadores do radar e sensores do E-3A AWACS: ambas forças aéreas, russa e ucraniana, operam com jatos MiG-29 fabricadas na Rússia.
Como todos os pilotos em combate desligam os transponders de suas aeronaves (equipamentos de identificação dos voos), os sensores do AWACS não pode distinguir se um MiG-29 voando na área em conflito é russo ou ucraniano. Mas, conforme Guillaume, a matemática diz que é mais provável que sejam russos, uma vez que a Força Aérea da Ucrânia tem uma quantidade muito menor desses jatos que a Rússia.
A OTAN mantém na Base Aérea de Geilenkirchen, uma frota de 12 Boeing E-3A Sentry AWACS, além de outros dois deslocados para a Turquia. Cerca de 1.500 militares trabalham diretamente nessas aeronaves, para mantê-las operacionais.
Originalmente eram 18 aeronaves AWACS, mas uma foi perdida em um acidente decolando de Préveza-Aktion, na Grécia, em 1996, e outras três foram aposentadas, para servir como fornecedores de peças e componentes sobressalentes para a frota operacional. Todos os 14 restantes foram modernizados e devem permanecer em serviço até 2035, com mais de mais de meio século desde o primeiro voo. Muitas das tripulações desses E-3A são muito mais jovens do que as próprias aeronaves.
O interior de um E-3A parece um escritório longo e estreito, com fileiras de telas de computador conectadas à sistemas de vigilância, geradores alimentados pelos motores da aeronave e uma série de eletrônicos, modernos e antigos, instalados em racks.
Uma tripulação típica para uma missão AWACS da OTAN é composta por 21 militares, oriundos das forças armadas de diversos países da Aliança, como dos Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Bélgica, entre outros. Entre eles estão técnicos-especialistas em operações de console-radar, controladores de voos táticos e gerenciadores de unidades de caça.
Particularmente na missão A18438 de 24/02, a tripulação técnica era toda norte-americana, sendo uma piloto-comandante, dois co-pilotos e o engenheiro de voo. Um quinto tripulante, um leão-de-pelúcia, estava escondido atrás no cockpit. Ele é o mascote do Esquadrão 2 AWACS, enquanto um tigre-de-pelúcia é o mascote do Esquadrão 1.
A missão A18438 na manhã de 24/02, era voar em órbitas anti-horárias de 16 milhas náuticas de extensão (30 km), a uma altitude de 27 mil pés (9 mil metros), dentro de uma área restrita chamada “Triângulo”, próximo a tríplice fronteira entre a Polônia, Belarus e Ucrânia.
O Boeing E-3A tem uma autonomia para voar missões de até 12 horas contínuas, e para isso na parte de trás há seis beliches rebatíveis para descanso dos tripulantes, uma cozinha para aquecer refeições pré-cozidas, banheiro similar ao de qualquer avião comercial, além de oito assentos voltados para descanso de tripulantes.
Apesar da enorme autonomia, os E-3A não decolam “full tanks”, portanto é necessário receber combustível em voo. No caso da missão A18438, um avião-tanque KC-135 da USAF KC-135 reabasteceu E-3A após quatro horas do início da missão. Devido a turbulência naquele dia, a operação demorou cerca de 45 minutos.
Neste conflito entre a Rússia e a Ucrânia, as missões AWACS da OTAN tem duas funções básicas, explicou Guillaume. A primeira é monitorar os voos dos aviões de guerra que atacam a Ucrânia, e determinar se eles decolaram da Rússia ou Belarus. A segunda, é garantir o espaço aéreo da OTAN, especificamente o dos membros da Europa Oriental, como a Polônia e Romênia, para o caso de uma eventual incursão de uma aeronave não pertencente à OTAN. Neste caso, o AWACS saberá imediatamente e irá alertar o centro de comando da Aliança.
Especialmente na primeira função, os dados e informações coletadas pelo AWACS são enviados à OTAN, que por sua vez repassa aos vários países membros da Aliança, incluindo o Canadá. Não se sabe oficialmente o destino final dessas informações, mas quase certamente elas são entregues em tempo real (ou quase em tempo real), aos militares ucranianos.
Um funcionário da OTAN, que não foi identificado porque não estava autorizado a falar com a mídia, disse ao The Globe and Mail que “a OTAN tem um acordo de cooperação de longa data com vários parceiros, incluindo a Ucrânia, para a troca de dados. Este acordo estava em vigor antes do conflito e continua a funcionar”.
O poderoso radar principal dos AWACS tem alcance de centenas de quilômetros, e quando voam em altitude máxima de cruzeiro, eles podem monitorar uma área de 312.000 quilômetros quadrados, equivalente ao tamanho do Vietnã. “A partir da Polônia, conseguimos monitorar até a região de Kiev”, disse o suboficial Peter Miller, Engenheiro de Voo do E-3A, nascido em Terra Nova, no Canadá. Assim, os voos de vigilância e inteligência são realizados longe da zona de conflito, evitando uma incursão acidental do espaço aéreo ucraniano, o que seria considerado um ato de guerra pela Rússia.
Embora a maioria das missões AWACS sejam realizadas em áreas afastadas e seguras, um ambiente contestado é sempre um local imprevisível e pode haver momentos tensos, como aconteceu em uma missão noturna no domingo (06/03).
De acordo com o Suboficial Miller, eles estavam em uma missão de monitoração dos caças-bombardeiros que haviam decolado da Rússia e da Belarus, quando alguns deles voaram em alta velocidade em direção ao seu E-3A, chegando a cerca de 130 quilômetros de distância. Isto significava que, se cada um mantivesse o seu curso, eles se encontrariam em poucos minutos. A tripulação do AWACS não se arriscou. “Quando eles chegaram perto o suficiente, nós evadimos do local”, disse ele, observando que os aviões russos acabaram fazendo o mesmo.
O oficial Miller disse que, como canadense acostumado a tempos de paz, as missões AWACS na fronteira da Ucrânia podem ser perturbadoras. A maioria dos canadenses não conhece a guerra, mas aqui estava ele, voando perto do maior conflito da Europa desde a Segunda Guerra Mundial.
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