Talibã caçou pilotos de A-29 Afegãos. Um capítulo a mais na queda do governo do Afeganistão, e, no consequente desmanche da Força Aérea do Afeganistão (AAF), que havia sido reconstruída nos últimos anos com apoio de diversos países, principalmente dos Estado Unidos, veio a toda nos últimos dias. O Talibã ordenou à caça de pilotos da Força Aérea, em especial, dos de Embraer A-29 Super Tucano.
A redução das tropas americanas, que já vinha ocorrendo desde a administração Trump, e a confirmação do acordo de retirada total dos militares antes do aniversário de 20 anos de guerra (07/10) pela administração Biden, criou um cenário novo para a AAF. Sob o diagnóstico dos EUA, de que eles estavam prontos para assumir integralmente as ações contra o Talibã, a AFF passou a partir de 2021 a ter um papel de protagonista nas ações de ataque, reconhecimento e apoio logístico contra a milícia armada radical islâmica que há duas décadas busca retomar o poder. Isto gerou enorme pressão e estresse sobre a pequena força aérea.
Em meio a esta pressão de sustentar o combate, houve dois fatores importantes que pesaram, e muito: a redução da disponibilidade e uma exposição maior do pessoal da AFF, cada vez mais sem a “cobertura” americana. Ciente disto o Talibã viu uma oportunidade de avançar, criando mais um ponto de “ruptura”, ao lançar uma uma campanha para matar os pilotos afegãos “traidores”, que foram treinados pelos “infiéis americanos”.
Em meio a uma horda de fanáticos, não houve dificuldades de achar quem estivesse disposto, em nome da “causa”, de alvejar e eliminar os pilotos que “bombardeiam o seu povo”, segundo os líderes do Talibã.
Nos últimos meses, pelo menos sete pilotos de A-29 afegãos foram assassinados fora de suas bases. Entre eles está o Major Dastagir Zamaray, 41 anos, pai de sete filhos, morto por um atirador em frente ao filho de 14 anos, em uma imobiliária no centro de Cabul. Em face aos assassinatos de colegas, o Maj Zamaray havia decidido vender sua casa, e se mudar para uma aérea protegida próximo a base. O atirador se fez passar por comprador, e na data de fechar o negócio, executou o corretor e o piloto, poupando o filho do aviador. O Maj Zamaray só foi na imobiliária porque conhecia pessoalmente o corretor de imóveis e achou que era um lugar seguro.
Em 30 de dezembro, Masood Atal, um piloto de helicóptero Black Hawk, estava dirigindo o carro no seu dia de folga, para comprar frutas para sua mãe, quando duas motocicletas flanquearam seu Toyota Corolla cinza em uma rodovia da cidade de Kandahar, uma de cada lado do carro. Homens armados na garupa das duas motos abriram fogo contra Atal, atirando nele 11 vezes, uma no rosto, seis no braço e na mão direitos e o resto no peito, disse sua família. Atal confidenciou a sua família que havia recebido ameaças de morte do Talibã, a última em um telefonema cheio de palavrões apenas dois dias antes de ser morto.
Dois pilotos de Mil Mi-17 da Força Aérea Afegã foram mortos em 7 de junho enquanto tentavam evacuar os soldados feridos durante uma onda de combates contra a insurgência do Talibã. A mídia local identificou os pilotos falecidos como Milad Massoud e Abdul Alim Shahrayari.
O governo do Afeganistão não divulgou publicamente o número de pilotos assassinados em mortes seletivas, mas fontes da Reuters afiram que não só pilotos de A-29, mas de helicópteros e de aeronaves de transporte também foram assassinados em locais públicos por atiradores (snipers) a serviço do Talibã. Fontes afirmam que, para os líderes do Talibã, milicianos que matam pilotos, tem reconhecimento maior dentro da organização.
O Talibã não é mais o mesmo de antes de 11 setembro de 2001. É bem organizado, com funções definidas e muito eficiente em se comunicar e premiar aqueles que se destacam. Amadureceu em termos de gestão, e claro, em táticas militares. Se antes eles eram um “bando de guerrilheiros”, hoje são um grupo bem armado, organizado e que sabe lidar com suas limitações.
Mas, por que os pilotos estavam no topo da lista de alvos do Talibã? Ao fazer isso, eles viram uma oportunidade de nivelar o “jogo”. Pilotos levam anos para serem treinados, são caros, e no campo de batalha cumprem missões importante que atrasam, e causam muitas baixas. São ativos valiosos. Ao eliminar eles, você cria dois fatores importantes: quebra e reduz capacidade de emprego, porque só os pilotos podem empregar as aeronaves e são caros e difíceis de serem substituídos, além de criar o medo coletivo, ao fazer eles de alvos.
Quebrar a capacidade de ataque das aeronaves ao aniquilar pilotos, permitiu um avanço rápido das tropas do Talibã em solo e um rápido controle dos vilarejos, o que com apoio aéreo sempre foi mais difícil. O medo também foi aliado do Talibã. Cada assassinato seletivo gerava uma insegurança nas tripulações, sendo que muitas delas, acabaram desertando ou fugindo e pedindo asilo nos EUA ou em outros países.
Em uma força aérea que tinha pouco mais de 340 pilotos, eliminar alguns e gerar a fuga de outros, criou uma situação problemática e difícil – pela própria situação, de arrumar substitutos, o que representava na prática um golpe descomunal na defesa do país a cada perda. Ao juntar isto com a baixa disponibilidade gerada pelo excesso de missões, proporcionado pela saída americana, a AFF quase sumiu do céu a partir do final de julho.
O local mais perigoso para alguns pilotos eram as ruas de seus próprios bairros, de onde os ataques podiam vir de qualquer lugar. Suas vidas corriam um risco muito maior fora da base do que quando estavam voando em missões de combate. Vale ressaltar que os assassinatos de pilotos pelo Talibã sempre estiveram em voga, mas nos últimos meses se intensificaram e passaram a ser uma estratégia para se opor a Força Aérea Afegã, que vinha a cada dia assumindo um protagonismos maior.
Não foram apenas as ameaças de morte do Talibã contra ele e sua família que expulsaram do Afeganistão o condecorado piloto de helicóptero Major Naiem Asadi, que disse que a Força Aérea Afegã falhou em proteger pilotos vulneráveis a assassinatos fora da base.
“Eles gastam muito dinheiro (no treinamento) dos pilotos, mas não podem gastar nenhum dinheiro com a sua segurança”, disse Asadi à Reuters em entrevista, após chegar a Nova Jersey em junho para pedir asilo. “Eles não estão cuidando de todos os pilotos igualmente”, disse ele.
Asadi reclamou que nem todos os pilotos afegãos recebiam o mesmo salário, ou mesmo recebiam salário regularmente. Como membro da minoria étnica Hazara, Asadi acreditava que também havia sido preterido para promoção.
Uma revisão feita por um órgão de vigilância do governo dos EUA descobriu que quase metade de todos os estagiários militares estrangeiros Ausentes Sem Licença (AWOL- Absent Without Leave) enquanto treinavam nos Estados Unidos desde 2005 eram do Afeganistão. O Pentágono acabou interrompendo o treinamento de pilotos afegãos dentro dos Estados Unidos, porque descobriu que grande parte ou pedia asilo ou passava a viver clandestinamente.
Niloofar Rahmani, a primeira mulher piloto de asa fixa da Força Aérea Afegã, conseguiu asilo nos Estados Unidos em 2018, depois de receber ameaças de morte do Talibã e de outros membros da sociedade afegã que a condenaram por trabalhar ao lado dos militares americanos. Rahmani, que agora está treinando na Flórida para se tornar instrutora de voo, disse que o governo afegão não levou essas ameaças a sério e que mesmo alguns de seus colegas pilotos não achavam que as mulheres deveriam voar. Ela disse que não foi paga por um ano e viu colegas morrem em casa nas mãos de assassinos. Ainda assim, a decisão de deixar o Afeganistão não foi fácil.
“Sinceramente, partiu meu coração, fiquei deprimida por dois anos só de pensar nisso”, disse Rahmani, explicando que sentia como se tivesse abandonado a família e o que antes parecia uma carreira militar promissora. Ela disse temer que muitos pilotos abandonem a força “por falta de apoio, por causa da ameaça”.
Nas últimas semana vários pilotos estavam tentando descobrir uma maneira de fugir do país em face da deterioração da segurança. Alguns estão encontrando a porta dos EUA fechada. Mohd Hamayoun Zarin, um ex-piloto de A-29, teve eu visto negado pela Embaixada dos Estados Unidos em Cabul em março. Como veterano da Força Aérea Afegã que passou anos treinando na América, Zarin está convencido de que o Talibã cumprirá suas muitas ameaças de matar ele e sua família agora que eles assumiram o poder.
Seria uma vingança, diz ele. “Eu não estava jogando flores sobre eles. Eram bombas”.
Cerca de uma década depois de for formada a nova AFF, com investimentos bilionários, ela se se desmanchou no último dia 15 com a volta ao poder do Talibã.
Fonte Reuters
@CAS