Sanções contra a Rússia afetarão as vendas de armas à África. A invasão da Ucrânia, e a consequente aplicação de diversas sansões econômicas impostas pelos países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) a Rússia, em uma tentativa de prejudicar sua capacidade de participar de forma significativa na economia global, começam a afetar os mercados de influência dos russos em todas as aéreas, inclusive o militar.
Os bloqueios, que incluíram a exclusão do Bank for International Settlements e saída do SWIFT, que facilita as mensagens de transferências de dinheiro entre fronteiras, limitou a indústria russa. As sanções abrangentes devem trazer sérias implicações para a indústria de defesa russa, em especial para a África, um continente altamente dependente de compras de armas de prateleira, afetando a capacidade do continente de adquirir e manter equipamentos militares da Rússia.
Quase metade das importações africanas de equipamento militar (49%) vem da Rússia. Estes incluem armas como carro de combate, navios de guerra, aviões de combate e helicópteros de combate e armas pequenas (pistolas e rifles de assalto, como o novo rifle da série Kalashnikov AK-200). Em comparação direta, a China responde por 13% das importações de armas do continente. Os maiores compradores de armamentos da Rússia – e importadores mais antigos – são Argélia, Angola, Burkina Faso, Egito, Etiópia, Marrocos e Uganda.
Egito e Argélia estão na lista dos 10 maiores importadores do mundo. O Egito é responsável por 5,8% das importações de armas globais e a Argélia por 4,3%. A Rússia, juntamente com os quatro maiores exportadores de armas para o continente – os EUA, França, Alemanha e China – responderam por 76% das principais exportações de armas entre 2016-2020. A Rússia comandou 20% da participação de mercado na África, perdendo apenas para os EUA (37%). A França representou 8,2%, a Alemanha 5,5% e a China 5,2%. Com 7,3%, a África não é um importador significativo de armas, se comparado a Ásia e Oceania (42%), Oriente Médio (33%) e Europa (12%).
A Rússia capitalizou seus clientes africanos com base em suas ligações históricas com o continente desde a era da União Soviética. Isso permitiu negociar acordos de armas com relativa facilidade. Além disso, sua estrutura de preços e a falta de condicionalidades políticas, como sensibilidade aos direitos humanos, tornam suas vendas de armas atraentes e acessíveis.
A suspensão da Rússia dos sistemas financeiros globais interromperá essas vendas. Isso apresenta riscos e oportunidades para o continente. Os riscos incluem insegurança no fornecimento de peças de reposição essenciais, interrupção dos planos operacionais e de treinamento das forças de defesa que utilizam equipamentos russos e alto custo de sustentação de equipamentos já implantados nas operações.
Mas esta situação apresenta uma oportunidade para os países africanos recorrerem às suas próprias indústria de defesa para preencher a lacuna. As sanções têm algumas implicações práticas da indústria de defesa para os países africanos. A primeira é que os pedidos atuais de equipamentos militares da Rússia não podem mais ser atendidos. A segunda é que reparar, manter ou revisar o hardware existente made in Rússia será difícil e até impossível. Isso ocorre porque peças de reposição essenciais, ferramentas e certificação não podem ser fornecidas, e mais, se a guerra se prolongar a indústria russa irá se voltar para apoiar as Forças Armadas do país. Terceiro, as obrigações contratuais, incluindo obrigações financeiras e de desempenho, não poderão ser cumpridas. Isso implica que nem a Rússia nem os países africanos podem ser responsabilizados pela quebra de contratos, pois é impossível cumprir, mesmo que eles quisessem. Quarto, o vazio criado pela suspensão da Rússia do comércio global terá que ser preenchido por fornecedores alternativos. Os países africanos terão que procurar outras empresas da indústria de defesa que possam realizar operações de manutenção, reparo e revisão em seu hardware existente.
No passado, a Rússia foi astuta em preencher o vazio deixado pelos países ocidentais. Ele fez isso em 2013, quando os EUA cortaram a ajuda militar e as armas ao Egito depois que os militares deram um golpe. Fornecedores como Rússia e França ficaram felizes em preencher a lacuna. Da mesma forma, em 2014, quando os EUA cancelaram um contrato de helicópteros de combate com a Nigéria por violações de direitos humanos, a Rússia interveio para fornecer ao país helicópteros de ataque Mi-35M.
Por fim, a interrupção na cadeia de valor de fornecimento devido às sanções poderia facilitar e promover um enorme mercado negro de transferências de armas. Isso pode ser difícil de reverter mesmo após o fim da guerra da Rússia na Ucrânia. À medida que os países africanos deixam de negociar abertamente com a Rússia equipamentos e serviços de defesa, é provável que o mercado negro floresça. Isso reverteria os ganhos obtidos pelo Programa de Ação do Escritório das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento e a estratégia da União Africana sobre transferências ilícitas de armas.
Muitas armas pequenas e leves, como os fuzis de assalto M16 e M4 padrão da OTAN, rifles de precisão, metralhadoras e pistolas, inundaram o mercado negro após a retirada dos EUA do Iraque e do Afeganistão. Existe um perigo real de que as transações de armas no mercado negro, envolvendo atores estatais e não estatais, se tornem entrincheiradas no continente.
A demanda por equipamentos e serviços militares continuará apesar da saída ou suspensão da participação da Rússia. Isso apresenta uma oportunidade ideal para os países africanos consolidarem e alinharem suas capacidades da indústria de defesa para a sustentabilidade.
Os equipamentos fabricados na Rússia ainda podem ser mantidos e apoiados por especialistas da indústria de defesa africana. Países como África do Sul, Egito, Nigéria e Argélia têm indústrias de defesa locais confiáveis que, coletivamente, poderiam preencher o vazio deixado pela Rússia. Também pode ser aconselhável engajar a Rússia, por meio de canais diplomáticos, para a transferência de contratos de manutenção para empresas africanas da indústria de defesa. Por exemplo, existem pelo menos 80 caças MiG-29 de fabricação russa na Argélia, Chade, Eritreia e Sudão, enquanto o Egito tem pelo menos 46 aeronaves das variantes atualizadas do MiG-29. Essas aeronaves e outros equipamentos militares podem ser suportados por empresas referencialmente localizadas na África.
As sanções abrangentes impostas à Rússia provavelmente durarão além do conflito atual. Isso implica que o que pode ser considerado como ‘medidas provisórias’ para preencher um vazio temporário pode acabar sendo uma solução duradoura para o desejo da África de produzir seu próprio equipamento militar para uso próprio e também para reduzir a dependência de fornecedores externos.
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