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Revista Força Aérea — Edição 156 Free

11 de outubro de 2025

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Índice

Esse número de Revista Força Aérea é dedicado à Philip Haegler.

Editorial

Inteligência de Mercado

Texto por: Anastácio Katsanos

Visão Estratégica

Texto por: Roy Reis Friede

Esquadrões Lendários

Texto por: Leandro Casella

Fora da Caixa

Texto por: Rudnei Dias da Cunha

Direto do Convoo

Texto por: José Luiz Barreira

O AT-6TH Wolverine

Texto por: Leandro Casella

KF-21 Boramae!

Texto por: Ângelo Melo

British Forces South Atlantic Islands

Texto por: Rudnei Dias da Cunha

10 de maio de 1972!

Texto por: Marcelo Ribeiro da Silva

Operação Summit of Fire

Texto por: Leandro Casella

Um helicóptero Kamov Ka-52 “Alligator” (OTAN Hokum-B) das Forças de Defesa da Federação Russa é visto em voo, armado com lançadores de foguetes. Apesar de imponente, mais de 66 aparelhos foram perdidos na Guerra da Ucrânia. Até junho de 2025, mais de 335 aeronaves de asas rotativas russas haviam perecido na guerra. O conflito no leste europeu já traz uma nova lição: o custo e a eficiência dos helicópteros já não superam os dos drones, que além de mais baratos, são hoje mais eficientes. Foto: Kamov.   

Editorial

A guerra está se transformando a cada dia diante dos nossos olhos.

Novas tecnologias em desenvolvimento há algum tempo ou criadas em tempo recorde estão aparecendo nos campos de batalha do mundo todo. Na Ucrânia, aeronaves convencionais russas não conseguiram obter a superioridade aérea sobre o teatro de operações. Tanques e outros blindados, helicópteros de ataque e grandes navios de superfície mostraram comprovada vulnerabilidade. Institutos internacionais de estudos estratégicos respeitados estimam que não menos de 3.000 tanques russos foram destruídos na Ucrânia.

Já os ucranianos perderam 87% de seus tanques norte-americanos M1A1 Abrams e 20% de seus tanques Leopard até aqui. Ao todo, a Ucrânia havia perdido 919 carros de combate até setembro do ano passado.

Os helicópteros de ataque também sofreram pesadas baixas. Até junho, 336 aeronaves de ataque com asas-rotativas foram perdidas pelos russos sobre a Ucrânia, vítimas de mísseis MANPAD (Man Portable Air Defense System) – mais conhecidos por aqui como mísseis de ombro – tipo FIM-92 Stinger, Starstreak, Igla, Mistral e RBS-70. O helicóptero russo mais temido é o Ka-52 Alligator, um dos mais manobráveis do mundo. Cerca de 64 unidades da frota russa, de 166, foram perdidas na Ucrânia.

Até o início de junho, 336 helicópteros russos foram derrubados naquela guerra. Mas os números não param aí: 413 aeronaves de asa fixa também foram destruídas; destas, 37 eram modernos Su-34 Fullback.

No mar, a guerra começou com uma determinante vitória da frota russa que se transformou em um bloqueio dos portos ucranianos no Mar Negro. No entanto, drones aéreos e navais, além de mísseis lançados da costa, destruíram um grande número de navios russos – algumas estimativas calculam que até 40% da frota russa do Mar Negro foi destruída ou incapacitada. Navios como o Moskva, o Capitânia da frota russa, um cruzador de 11.500 toneladas, foi destruído por dois mísseis Neptune lançados de terra; o Ivanovets e o Tsezar Kunikov, foram afundados por drones navais Magura V5, mostraram-se obsoletos diante de tecnologias simples e baratas. O afundamento de tantos navios forçou a Rússia a proteger seus vetores em portos mais distantes da linha de frente.

Já as guerras de Nagorno Karabakh, o conflito entre a Índia e o Paquistão e a guerra Irã-Israel vêm demonstrando que era eficaz até pouco tempo atrás, atualmente, não surte mais efeito. Blindados, baterias antiaéreas, bases aéreas fixas e algumas capacidades como grandes operações aerolançadas, aerotransportadas ou anfíbias em áreas contestadas – o que não inclui as operações de forças especiais ou de comandos anfíbios – são extremamente vulneráveis.

O que vemos nos campos de batalha é a integração de meios em sistema, a dominância das aeronaves AEW no combate BVR, a utilização de drones baratos usados em massa e às vezes lançados de dentro do território inimigo, como fizeram a Ucrânia e Israel, a superioridade das aeronaves furtivas, os mísseis de ombro dificilmente localizáveis e altamente móveis, armas de energia dirigida e até robôs. Sim, existem relatos de que pelo menos um oficial de alta patente do Irã foi morto por um robô.

Um interessante exemplo dessa revolução no campo da guerra foi a recente desistência da Polônia de adquirir 32 helicópteros S-70i Black Hawk, afirmando que a guerra na Ucrânia tem ensinado que eles não são mais tão necessários. Disseram, ainda, que preferem adquirir algo mais eficiente como drones, por exemplo.

Em todos os campos de batalha deste conturbado 2025, quem tem demonstrado a capacidade de reagir rapidamente e de pensar fora da caixa tem obtido sucesso.

A massa tem superado a sofisticação. As últimas ações militares provaram que, em muitos casos, mais vale um grande número de vetores simples e baratos do que caríssimas e sofisticadas armas e capacidades de uma época que já se pode chamar de recente.

Não é fácil obter, treinar, operar e manter vetores sofisticados no meio de uma guerra. O preço dos meios e o seu tempo de maturação são altos e longos demais para estarem prontos no estalar de um dedo. É aí que entra a criatividade humana.

INTELIGÊNCIA DE MERCADO

Palavra de Expert
Anastácio Katsanos


Vulnerabilidade extrema

Antes do amanhecer de 1º de junho de 2025, agentes e forças especiais ucranianas acionaram pequenos drones FPV (visão em primeira pessoa) armados com explosivos, que estavam escondidos em caminhões de entrega de mercadorias perto de quatro bases de bombardeiros estratégicos russos espalhadas pela Rússia, algumas a milhares de quilômetros da fronteira com a Ucrânia. Em questão de minutos, vários bombardeiros, incluindo Tu-160, Tu-95, Tu-22M e aeronaves de alerta antecipado A-50, estavam em chamas nos pátios das bases aéreas, no que foi chamado de Operação Spiderweb (teia de aranha).

De acordo com o presidente ucraniano, 117 drones foram usados ​​na operação para neutralizar mais de 30% da frota de bombardeiros de longo alcance e estratégicos russos, que eram usados para lançar ataques mortais contra civis nas cidades ucranianas.

No conflito entre Israel e Irã, na segunda quinzena de junho, na Operação Leão em Ascensão (Rising Lion), forças especiais e agentes israelenses pré-posicionaram drones suicidas e lançadores de mísseis antitanque no interior do Irã nas proximidades de alvos como defesas e bases aéreas e residências de pessoas-chave na hierarquia iraniana, e os acionaram remotamente com sucesso.

Em 18 de junho, o Grupo ativista Palestine Action vandalizou dois Airbus A330 Voyager, aviões de reabastecimento em voo da RAF na base Brize Norton no Reino Unido. A ação foi em protesto contra o apoio inglês a Israel. Dois ativistas cruzaram as cercas de proteção da base e pulverizaram tinta vermelha nos motores dos aviões, simbolizando sangue palestino.

Os ativistas conseguiram entrar, vandalizar e escapar ilesos.

Esses tipos de ameaça não são tão recentes. Em dezembro de 2023, a base aérea da Força Aérea dos EUA em Langley, na Virgínia, foi sobrevoada diversas vezes por drones não identificados. Ela fica próxima à principal base naval dos EUA em Norfolk, onde está baseada a principal frota de porta-aviões do planeta. Em novembro de 2024, drones de origem desconhecida sobrevoaram as bases de Wright-Patterson da USAF e de Lakenheath, na Inglaterra.

O Pentágono avalia que, em 2024, ocorreram cerca de 350 violações do espaço aéreo sobre bases dos EUA por drones e veículos aéreos não identificados. Mesmo após todos esses eventos, apenas uma pessoa foi presa. Os EUA disseram que se trata de um estrangeiro, mas não divulgaram mais detalhes por questões de segurança. Essa ameaça pode ser considerada um pesadelo, uma vez que somente os EUA têm mais de 800 instalações e bases militares espalhadas pelo mundo a serem protegidas.

Os especialistas em defesa aprofundam suas análises de cenários, buscam identificar novos riscos e desenvolver meios de neutralização das ameaças e de mitigação dos danos de ataques.

Até recentemente, a principal preocupação na proteção de bases aéreas e instalações militares era impedir atividades de inteligência e espionagem dos inimigos. Países com ameaças claras ou inimigos históricos investem em proteção de suas instalações há muito tempo.

Esse assunto evoluiu a partir da 2ª Guerra Mundial e teve grande relevância durante a Guerra Fria, em que muitas forças militares construíram abrigos e instalações subterrâneas para seus aviões, navios, submarinos e veículos terrestres. Alguns países construíram fábricas de aviões e munições subterrâneas.

Finlândia, Noruega, Suécia e Suíça são alguns dos países com instalações desse tipo. Nas últimas duas décadas, o Irã construiu bases aéreas e centros de produção e lançamento de armas, drones e mísseis subterrâneos. Israel também conta com instalações desse tipo. Inúmeros países estão investindo pesadamente na construção de abrigos e hangares reforçados.

Com a rápida adoção de drones de todos os tipos no campo de batalha, a questão da proteção das instalações ganhou nova dimensão. O desenvolvimento de sistemas antidrones está em ritmo acelerado. Sistemas de defesa ativa com mísseis solo-ar de baixo custo ou drones antidrones estão em desenvolvimento. Armas que usam laser ou micro-ondas para combater ataques-enxame de drones estão em testes. Meios passivos também estão sendo adotados, tais como redes de proteção, maquetes de armamento e camuflagem.

Algumas forças militares já consideram a realocação de bases e instalações e a dispersão de forças e meios concentrados para áreas remotas longe dos centros urbanos, onde seria mais fácil sua defesa.

Um analista de um think tank do mercado de defesa disse que, até recentemente, se investia pesadamente em defesa e proteção dos meios militares durante sua operação. Ele chamou a atenção para o fato de que a maioria dos meios de defesa fica parada e exposta boa parte de suas vidas. Também comentou que um avião de caça passa 97% de sua vida no chão! Esse cálculo é baseado em 30 anos de operação e uma vida em voo de 8.000 horas. No mesmo raciocínio, um avião de transporte militar passa cerca de 90% de sua vida no chão, exposto a riscos no solo como os comentados.

Estamos diante de um cenário desafiador que vai demandar fortes investimentos e abrirá novas oportunidades nos próximos anos.

VISÃO ESTRATÉGICA

Projeção de Forças
Roy Reis Friede


Invisibilidade e Furtividade: a Gênese da Tecnologia Stealth

A ideia de prover invisibilidade aos ativos militares no campo de batalha nasceu durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com o Projeto Philadelphia. Diferentemente de seu congênere – o Projeto Manhattan (que desenvolveu e construiu a bomba atômica) –, o Projeto Philadelphia não obteve qualquer êxito operacional, sendo abandonado após o término do conflito mundial e retomado apenas em tempos mais recentes – ainda assim, a partir de premissas científicas completamente diferentes daquelas originalmente formuladas.

Em seu lugar – com ênfase não mais em navios de guerra, mas em aeronaves militares, em decorrência da negativa soviética de aceitar a proposta estadunidense de “política de céus abertos” –, nasceu a ideia (original) da furtividade, uma concepção totalmente diversa, associada não propriamente à questão da proteção contra a visibilidade ótica, mas à defesa contra a detecção eletrônica, realizada por equipamentos de radar, o que se convencionou chamar de “invisibilidade relativa”.

O ineditismo dessa tecnologia revolucionária acabou por lhe assegurar não somente uma denominação especial, mas um conceito próprio e específico na Polemologia (Ciência da Guerra): a “tecnologia stealth”.

A necessidade de se conceber uma tecnologia inovadora de invisibilidade relativa das aeronaves em relação aos radares e aos demais meios de detecção nasceu, originariamente, no final da década de 1950 (em relação, sobretudo, aos aviões de reconhecimento estratégico), acentuando-se durante os anos 1960, quando ficou claro para as autoridades militares norte-americanas que o contínuo avanço no desenvolvimento da tecnologia de mísseis antiaéreos (SAM) acabaria por suplantar todas as tentativas estadunidenses de projetar e construir aeronaves que voassem, cada vez com melhor desempenho, em altitudes extremamente elevadas (superiores a 25.000 metros) e em velocidades cada vez maiores (acima de Mach 3.0), e mesmo de desenvolver técnicas de interferências eletrônicas nos radares adversários.

A destruição de uma sofisticada aeronave de reconhecimento estratégico U-2 em 1959 por um míssil soviético SA-2 Guideline sob os céus da União Soviética – ainda que não tenha convencido parte da elite militar norte-americana sobre a necessidade de tornar suas aeronaves relativamente invisíveis aos radares –, acendeu a luz amarela quanto aos limites do desenvolvimento de aeronaves de altíssima performance.

Ainda assim, projetou-se e construiu-se protótipo do caça interceptador YF-12 (dotado de mísseis ar-ar de extrema sofisticação que, mais tarde, viabilizaram a construção e o desdobramento do AIM-54 Phoenix para o caça F-14 Tomcat); fabricou-se o lendário avião de reconhecimento estratégico SR-71 Blackbird (dotado de capacidade de voar, em situações extremas, a até 36.000 m de altitude e a Mach 3.2; não obstante o seu teto operacional fosse de 25.000 m e sua velocidade ficasse em torno de Mach 3), que se tornou operacional entre 1966 e 1999; e concebeu-se o incrível bombardeiro estratégico B-70 Valkyrie, uma aeronave projetada para voar em elevadíssimas altitudes (entre 25 e 30.000 metros) e a uma velocidade superior a Mach 3 (supostamente invulnerável aos mais sofisticados mísseis de defesa aérea e a caças interceptadores soviéticos de última geração, ainda em fase de projeto), mas que jamais entrou em operação, sendo substituída pelo projeto do bombardeiro B-1A, dotado – em uma verdadeira reviravolta de toda a concepção estratégica que perdurou até o final da década de 1960 – de uma capacidade (inversa) de penetração com reduzida imagem de radar (Radar Cross Section [RCS]) e em baixíssimas altitudes, combinada com altas velocidades relativas, próximas a Mach 1.2, considerando a reconhecida incapacidade, naquele momento histórico, de se detectar aviões voando a baixas altitudes, próximas ao solo ou ao mar.

Com o rápido desenvolvimento de radares cada vez mais sofisticados – inclusive com a surpreendente capacidade soviética de copiar, já no final dos anos 1960, um radar semelhante ao utilizado, pela primeira vez, no F-4 Phantom II (do tipo lock down, shot down), em seu interceptador de altíssima velocidade MiG-25 Foxbat (Mach 2.8) –, toda a concepção, tanto a apresentada pelo B-70 Valkyrie como pelo B-1A (e mesmo pela sua versão aprimorada B-1B Lancer, provida de menor velocidade [Mach 1.2 em comparação com a Mach 2 da versão original], mas com maior carga bélica – 60 toneladas vs. 51 toneladas da versão primitiva – e melhor habilidade de penetração a baixa altitude), tornou-se obsoleta, criando, finalmente, uma unanimidade dentre os principais líderes militares estadunidenses quanto à necessidade de meios que anulassem (em definitivo) a capacidade de detecção de suas aeronaves militares, ou seja, a tecnologia stealth.

Posteriormente, uma ampla reflexão sobre as elevadas perdas de meios aéreos na Guerra do Vietnã reforçou o convencimento das autoridades norte-americanas, disparando um verdadeiro “alerta vermelho” no Pentágono quanto à imprescindibilidade do desenvolvimento e aprimoramento da tecnologia stealth (e a correspondente criação de aeronaves de 5ª geração), posto que a eficiência operacional dos sistemas defensivos soviéticos “jogava por terra” toda a estratégia militar de contenção (através do estabelecimento de uma nítida superioridade aérea) em uma eventual (e hipotética) guerra na Europa contra as forças do Pacto de Varsóvia – superiores em efetivos e blindados e recém-dotadas de múltiplos sistemas SAM –, potencialmente anulando a capacidade ocidental de implantar o imperioso “domínio dos céus” no campo de batalha.

ESQUADRÕES LENDÁRIOS

Um pouco de história
Leandro Casella


“Consilio et Man”

(Aconselhar e Golpear)

Existem unidades aéreas de combate que, por sua história, feitos e capacidade operacional, tornaram-se respeitadas, temidas, exemplares e, por que não, lendárias. Neste número: o 2 Squadron (2 SQN) da Royal Australian Air Force (RAAF), o esquadrão mais condecorado da RAAF.

As origens do 2 Squadron (2 SQN) da Royal Australian Air Force (RAAF) remontam ao Esquadrão No. 2 do Australian Flying Corps (AFC) do Exército Australiano (Australian Army), que foi formado em Kantara, Egito, em 20 de setembro de 1916. Os pilotos do esquadrão eram, em grande parte, oriundos de unidades australianas da Cavalaria Ligeira, enquanto muitos dos membros da equipe de solo haviam servido no pioneiro esquadrão australiano – Esquadrão No. 1 do AFC.

O esquadrão partiu para o treinamento no Reino Unido logo após sua criação, sendo incorporado ao Royal Flying Corps (RFC) do Exército Britânico (British Army), onde foi redesignado 68 Squadron (Australian) ou 68 Sq (Aus) RFC, e teve como primeiro comandante o Capitão Oswald Watt. Sua chegada à Inglaterra ocorreu em janeiro de 1917, e iniciou o treinamento como uma unidade de reconhecimento de combate monoposto em Harlaxton, como parte da 24ª Ala de Treinamento do RFC.

Um De Havilland DH-5 Fighting Scout do 2 SQN tendo à frente o Capitão A G Wilson. Foto: AFC.
Um De Havilland DH-5 Fighting Scout do 2 SQN tendo à frente o Capitão A G Wilson. Foto: AFC.

O 68 Sq (Aus) consistia em três esquadrilhas: a Esquadrilha A, com 6 Avro 504; a Esquadrilha B, com 2 Bristol Scouts e 4 Sopwith Scouts; e a Esquadrilha C, com 6 DH-5 (Esquadrilha de Serviço). Após ser declarado operacional em agosto de 1917, todas as aeronaves de instrução foram realocadas para outras unidades de treinamento da RFC. A unidade foi reequipada apenas com os De Havilland DH-5 Fighting Scout e foi destacada para Baizieux, França, em setembro de 1917, para ingressar na Campanha do Reino Unido durante a I Grande Guerra.

Liderados pelo Comandante, Major WO (Oswald) Watt, do 68 Sqn (Aus) RFC, voou com 15 DH-5 Scouts de Harlaxton, Lincolnshire, em 21 de setembro de 1917, para St. Omer, França, chegando às 17h do mesmo dia. No dia seguinte, o esquadrão voou para Warloy e, em 23 de setembro, para o aeródromo de linha de frente que lhe foi atribuído – Baizieux.

O esquadrão tornou-se parte da 13th Army Wing do RFC, operando em apoio ao 3º Exército Britânico. Na terça-feira, 1º de outubro, a unidade realizou a primeira patrulha operacional. Nos primeiros 2 meses, o 68 Sq (Aus) tinha 18 DH-5 e esteve engajado em trabalho típico de reconhecimento de combate e missões de patrulha ofensiva de curta distância. Vários combates foram refutados, devido à velocidade das máquinas inimigas, que ditavam os termos do combate.

O De Havilland SE-5A foi a principal aeronave de combate do 2 SQN na Primeira Guerra. Foto: Sierra Dynamix.
O De Havilland SE-5A foi a principal aeronave de combate do 2 SQN na Primeira Guerra. Foto: Sierra Dynamix.

O DH-5 era muito lento, e problemas com o rotor Le Rhone eram comuns. Além disso, seu desempenho a 10.000 pés não foi tão bom quanto o do Sopwith Scouts. Aliás, sua falta de velocidade, provavelmente, causou a primeira perda da unidade. O Tenente Morrison ficou fora de sua esquadrilha, devido a problemas no motor, sendo atacado e abatido por 4 Albatross D.Va da Alemanha. Seu DH-5 (A9277) deixou Baizieux às 8h40 em voo de reconhecimento, e foi abatido no regresso perto de Queant, em 13 de outubro de 1917. A aeronave fez um pouso forçado e incendiou. O piloto conseguiu sair das chamas, foi resgatado pelo 13º Regimento de Londres, mas veio a falecer em 29 de outubro, no hospital.

Batalha de Cambrai

Em contraste com o tradicional ataque maciço de artilharia que precede uma ofensiva, o 3º Exército Britânico planejou um ataque aos alemães com o uso de tanques (blindados) em massa e o poder aéreo, a fim de apoiar uma ofensiva do Exército entre 20 de novembro e 7 de dezembro de 1917. A estratégia escolhida foi reduzir a destruição e a devastação que geralmente ocorriam após uma barragem de artilharia. A 13th Army Wing foi convocada para atuar como cavalaria aérea no que ficou conhecido como a “Batalha de Cambrai”.

Apesar do mau tempo, o 68 Sq (Aus) e o 64 Sq se engajaram em operações de apoio à ofensiva do Exército. Realizando missões de ataque terrestre em esquadrilhas de seis DH-5 Scout, em duas formações, o esquadrão bombardeou e metralhou fortalezas e tropas inimigas. Três pilotos foram perdidos em dois dias de operações intensas, com mais de 25 aeronaves danificadas só do 68 Sq (Aus). Os pilotos perdidos foram o 2º Tenente David Goodlet CLARK (A9277) e o Tenente Sydney Winton (A9263) AYERS, ambos em 22 de novembro, em Bourlon Wood, perto de Cambrie, e o Tenente Albert GRIGGS (A9428), um piloto americano voluntário, abatido em 23 de novembro, também em Bourlon Wood.

Os alemães invadiram o teatro de operações com Jagdgeschwader I, mais conhecido como “O Circo Voador” ou “Circo de Richthofen”, em uma tentativa de retomar o controle aéreo e apoiar o Exército Alemão em um contra-ataque no final de novembro. Os pilotos do 68 Sqn (Aus) voaram a alturas de árvores e metralharam e bombardearam os locais alemães, com grande sucesso, detendo o avanço alemão. As linhas britânicas foram mantidas. Os esquadrões continuaram a realizar ondas sucessivas de missões de ataque terrestre até 7 de dezembro, quando a Batalha de Cambrai terminou.

Foi com as aeronaves Avro Anson, como as da foto, que o 2 SQN fez patrulhas marítimas contra os japoneses entre 1939 e 1941. Foto: RAAF.
Foi com as aeronaves Avro Anson, como as da foto, que o 2 SQN fez patrulhas marítimas contra os japoneses entre 1939 e 1941. Foto: RAAF.

Na Batalha, pela primeira vez, aeronaves e tanques foram utilizados para apoiar uma ofensiva terrestre; a combinação foi um sucesso extraordinário para o poder aéreo. Os alemães nunca esqueceram esse emprego altamente bem-sucedido. Embora o DH-5 Scout tenha sido usado com excelentes resultados em missões de ataque terrestre na Batalha, foi o fim das operações do DH-5 na França.

Os pilotos de esquadrão e a equipe de solo receberam diversas condecorações por seus esforços na Batalha de Cambrai. Seis pilotos australianos receberam a Cruz Militar, em um mesmo dia de operação, mais do que qualquer esquadrão da RFC havia recebido em um dia.

SE-5A (Scout Experimental-5A)

O 68 Sq (Aus) foi reequipado com os SE-5A em dezembro de 1917. A aeronave – Scout Experimental-5A – foi construída pela Royal Aircraft Factory para combater o caça alemão Albatross DV. A versão aprimorada, o modelo “A”, tinha duas metralhadoras, um motor mais potente, maior velocidade e maior resistência. Ele permaneceu com o esquadrão até o final da guerra.

O 68 Sq (Aus) realizou treinamento na nova máquina, e foram necessários alguns meses até que os pilotos do esquadrão estivessem suficientemente treinados para conduzir missões de combate. Devido à necessidade, esse treinamento ocorria em meio às missões de combate. Foi na mesma época que a unidade retomou a sua designção original de 1916. Em 15 de janeiro de 1918, o 68 Sq (Aus) RFC voltou a ser 2 SQN AFC. Em 24 de janeiro, todos os SE-5A estavam no ar, em voos de treinamento. Foram seis pousos forçados de um total de 18 aeronaves em voo.

Lockheed Hudson do 2 SWQ no aeródromo de Batchelor, em Batchelor, Território do Norte, Austrália, durante a II Grande Guerra. Foto: SQN 2/RAAF.
Lockheed Hudson do 2 SWQ no aeródromo de Batchelor, em Batchelor, Território do Norte, Austrália, durante a II Grande Guerra. Foto: SQN 2/RAAF.

Após a conversão inicial para o SE-5A, o 2 SQN foi para Auchel, França, onde realizou a “Patrulha de Linha Combate” sobre as linhas inimigas. Quedas e pousos forçados continuaram frequentes à medida que novos pilotos ainda estavam com poucas horas de voo na nova máquina.

O esquadrão ocupou diversos aeródromos – muito improvisados – em operações contra o Exército Alemão. Nessas missões, o esquadrão se envolveu em combate aéreo contra o novo caça alemão – o Albatross D.VII. O esquadrão também continuou a realizar missões de bombardeio e metralhamento de baixa altitude. As ações dos Aliados resultaram em pesadas perdas de alvos terrestres inimigos. O período de maior sucesso do esquadrão ocorreu a partir de abril de 1918, quando se mudou para o campo de aviação de La Bellevue, França.

No entanto, a ofensiva alemã da primavera, em março de 1918, manteve os esquadrões do RFC e do AFC fortemente engajados em apoio ao Exército Britânico. Os ataques dos esquadrões contra tropas e locais inimigos ajudaram a evitar uma derrota severa para os Aliados. Mais uma vez, o poder aéreo provou seu valor na guerra terrestre e com sito, no início de maio, a ofensiva alemã estava sendo contida. O esquadrão deslocou suas operações para o sul e, juntamente com dois esquadrões da RFC, adotou a tática “Circus”. Além disso, o esquadrão realizou patrulhas ofensivas e escoltas fotográficas, mas houve pouca atividade aérea inimiga, pois a guerra já estava em sua fase final.

O 2 SQN foi um dos usuários dos Bristol Beaufort fabricados na Austrália pela DAP. Foto: RAAF.
O 2 SQN foi um dos usuários dos Bristol Beaufort fabricados na Austrália pela DAP. Foto: RAAF.

A partir de maio de 1918, o destaque foi a adoção das formações “Circus”, nas quais o esquadrão trabalhou em conjunto com os 43 Sq e 80 Sq da recém-criada (em 1º de abril) Royal Air Force (RAF), ambos equipados com Sopwith Camels. As altitudes de trabalho dos três esquadrões eram, em geral, 16.000 pés, 14.000 pés e 12.000 pés, respectivamente. O sucesso obtido com o “Circus” não foi tão grande em termos de resultados reais quanto se poderia esperar, principalmente porque estavam trabalhando em uma frente tranquila da guerra.

No entanto, a operação teve o “efeito de limpar” a atmosfera superior das formações de aeronaves de reconhecimento Alemanha. Já em julho, o aumento das atividades do Exército Alemão na área de Somme envolveu o esquadrão em um número crescente de operações. O novo Fokker D.VII era um oponente formidável, permitindo que os alemães recuperassem um certo grau de controle das operações aéreas. No outono, todos os esquadrões de caça alemães estavam equipados com o novo Fokker. Em junho de 1918, na campanha do Somme, o Major Roy Phillipps abateu quatro aeronaves inimigas, incluindo dois triplanos Fokker, em um único dia.

Apesar do novo caça, a ofensiva alemã foi repelida, e os esquadrões RFC e AFC restabeleceram a superioridade aérea. O último grande ataque em que o 2 SQN esteve envolvido foi em 9 de novembro de 1918. Nos 10 meses finais da guerra, até novembro de 1918, o 2 SQN voou 8.987 horas com os SE-5A.

A capitulação alemã ocorreu em 11 de novembro de 1918. Não houve voos de combate naquele dia. Alguns voos de teste foram realizados, mas a guerra havia chegado a um “ponto de parada”. Em 12 de novembro, oito pilotos de esquadrão patrulharam o que ficou conhecido como “Linha dos Balões” pela manhã. O restante do mês foi dedicado a voos de treinamento e testes, além de muitos voos em formação. Era o fim da guerra.

De volta para casa

O comboio rodoviário do esquadrão rumou para Havre, em 28 de fevereiro de 1919, para aguardar a transferência para a Inglaterra. Embarcando no navio de transporte Duchess of Argill à meia-noite, a unidade chegou a Weymouth, Inglaterra, na manhã de 4 de março, antes de embarcar para Wilton, seguido por uma caminhada de 7 km até o Acampamento nº 6, em Hurdcott, também na Inglaterra.

Depois dos Beaufort, foi a vez de voar um misto de NA B-25D/J durante a campanha final da II Grande Guerra. Foto: RAAF.
Depois dos Beaufort, foi a vez de voar um misto de NA B-25D/J durante a campanha final da II Grande Guerra. Foto: RAAF.

Todo o pessoal da AFC embarcou no navio de transporte Kaisar-i-Hind, no porto de Southampton, em 6 de maio de 1919, para a viagem à Austrália. O navio partiu em 7 de maio e chegou a Fremantle em 9 de junho, chegando ao seu destino final, Sydney, em 18 de junho de 1919.

O 2 SQN alcançou resultados excepcionais na Frente Ocidental e provou o valor do poder aéreo. No entanto, a Primeira Guerra Mundial foi, em grande parte, uma guerra de trincheiras. Embora RFC, AFC e outras forças tenham demonstrado suas capacidades em ataques e apoio aéreo aproximado, foi uma guerra de tropas em solo. As lições aprendidas exigiram o desenvolvimento de estratégias e táticas para o futuro emprego do poder aéreo. Poucas dessas estratégias foram incluídas nos manuais de guerra ou de poder aéreo que antecederam a Segunda Guerra Mundial.

Após a criação da Royal Australian Air Force (RAAF), em 31 de março de 1921, o 2 SQN foi estabelecido como um esquadrão de caça monoposto com quatro SE-5A, baseado em Laverton, Victoria – Austrália. No entanto, severas restrições orçamentárias forçaram a dissolução dos cinco esquadrões formados a apenas alguns meses antes pela RAAF. O esquadrão foi dissolvido em julho de 1922. As equipagens foram então agrupadas no 1 SQN dividido em seis esquadrilhas. A RAAF ficava restrita a uma unidade. Foi um período limbo para a RAAF. Unidades compostas foram formadas e, embora muitas atividades de aviação tenham sido realizadas, foi somente na década de 1930 que o governo australiano forneceu os recursos para a reorganização RAAF tão necessária para desenvolver uma força aérea moderna.

O 2 SQN só foi reativado em Laverton, Victoria, em 1º de maio de 1937, como uma unidade de Reconhecimento com aeronaves Hawker Demon. Aeronaves Bristol Bulldogs e Avro Ansons também foram introduzidas em 1938, seguidas por um North American NA-12. Era uma frota mista, mas os Ansons foram o vetor em maior quantidade da frota. Foi necessária uma ameaça real para o 2 SNQ voltar a ter uma identidade típica de unidade de combate.

II GM – Pacífico

Com a expansão japonesa crescendo ao longo da década de 1930 na região do Indo-Pacífico – que piorou com a segunda Guerra Sino-Japonesa, em 1937 –, não demorou muito para a Austrália entrar na rota nipônica, a partir da eclosão da II Guerra Mundial. Com isso, os Avro Anson passaram a patrulhar as águas australianas de 1939 até meados de 1941, em busca de navios japoneses que pudessem ameaçar comboios marítimos. A unidade desempenharia essa função por quase 3 anos, realizando patrulhas e escoltas de comboios de Sydney a Albany, Washington.

Um dos B-25J da Royal Australian Air Force. Foto: RAAF.
Um dos B-25J da Royal Australian Air Force. Foto: RAAF.

Com o recrudescimento da guerra, a unidade foi reequipada com Lockheed Hudsons, mudando-se para Darwin em abril de 1941. Em dezembro daquele ano, um destacamento do esquadrão foi enviado a Timor para cobrir as tropas australianas na área, mesmo período que o Japão atacou Pearl Harbor em 7 de dezembro.

No Timor, a unidade realizou ataques a alvos aéreos, terrestres e marítimos nas áreas de avanços e operações japonesas. No entanto, os ataques aéreos inimigos e o rápido avanço japonês forçaram o destacamento a retornar a Darwin em fevereiro de 1942. A guerra estava muito perto da costa australiana.

Durante 1942 e 1943, o 2 SQN realizou missões de bombardeio, ataque terrestre, antinavio e reconhecimento sobre as Índias Orientais Holandesas (NEI) ocupadas pelos japoneses. Uma operação especial envolveu o reabastecimento da “Força Sparrow”, que resistia, com grande coragem, ao avanço japonês por Timor. Como resultado das operações nas NEI, o esquadrão recebeu a US Presidential Unit Citation (PUC) ou “Blue Ribbon” em julho de 1943, por “excelente desempenho em ação”. Foi a primeira unidade não americana a receber a PUC, uma das mais altas condecorações de combate.

Meses depois, o 2 SQN foi novamente reequipado. Em dezembro de 1943, começaram a chegar os primeiros Bristol Beaufort, que foram construídos na Austrália sob licença da Division of the Commonwealth pelo Department of Aircraft Production (DAP). O Bristol Beaufort (Tipo 152) foi escolhido para produção australiana pelo DAP em agosto de 1938. A produção seria realizada entre 1941 e 1944 em Fishermen’s Bend, Melbourne e Mascot, Sydney.

Pós-guerra, a unidade empregou por 10 anos os Avro Lincoln Mk30/A. Foto: RAAF.
Pós-guerra, a unidade empregou por 10 anos os Avro Lincoln Mk30/A. Foto: RAAF.

Foram produzidos os Beaufort Mk.V, Va, VI, VII e VIII, em um total de cerca de 700 unidades.
Com o Beaufort, o esquadrão continuou a atacar alvos japoneses sobre as NEI, a partir de Hughes, Território do Norte. Aqui, um ponto a destacar: de 1939 até 1943, as aeronaves do 2 SQN usavam o código “B” pintado na fuselagem. A partir dos Beaufort e até o fim da guerra, o código do 2 SQN passou a ser “KO”.

Em maio de 1944, o esquadrão converteu-a para os bombardeiros North American B-25D/J Mitchell, que permaneceram em serviço pelo restante da guerra, no caso do Teatro do Pacífico, isso significa até agosto de 1945. Foram 30 B-25D Mitchell II e 20 B-25J Mitchell III. Baseado em Hughes, ao sul de Darwin, o esquadrão realizou seu primeiro ataque com a nova aeronave em 27 de agosto de 1944, contra o aeródromo de Lautem West, na Ilha de Timor. O esquadrão continuou com as operações contra alvos japoneses pelos 12 meses seguintes, com ataques aéreos constantes em NEI e Nova Guiné.

Em agosto de 1945, a unidade foi enviada para Balikpapan, via Biak e Morotai, chegando lá apenas após o fim da guerra, que ocorre com a rendição japonesa em 14 de agosto de 1945. No entanto, as operações aéreas ainda eram realizadas, principalmente reconhecimento, entrega de alimentos em campos de prisioneiros de guerra e repatriação de prisioneiros de guerra. As operações aéreas cessaram em novembro de 1945, e as aeronaves foram transportadas de volta para a Austrália para descarte.

Com o fim da guerra, o 2 SQN foi dissolvido em maio de 1946. Ele ressurgiria pouco mais de 28 meses depois, com a redesignação do 21 SQN em 2 SQN, agora dedicado a missões de ataque e bombardeio, equipado com os veteranos quadrimotores da II Grande Guerra Avro Lincoln Mk30/A. Foram 10 anos de operação, até que, em 1958, o 2 SQN entrou na era a jato com a chegada dos bombardeiros English Electric Canberra.

De volta à guerra

A RAAF operou 52 Canberra – nas versões de bombardeiro e de treinamento. As primeiras versões da variante B2 (chamadas de B20 e T21 na RAAF) tinham motores Rolls Royce Avon Mk1, enquanto as versões posteriores tinham o motor mais potente Mk109. Ao todo, 48 foram fabricados em solo australiano, pela DAP, sob licença. A variante utilizada pela Austrália foi alterada para incluir maior capacidade de combustível, menor número de tripulantes e um sistema de rádio diferente.

A entrada na era a jato se deu através dos Canberra B20 e T21. Foto: RAAF.
A entrada na era a jato se deu através dos Canberra B20 e T21. Foto: RAAF.

Após o reequipamento, o 2 SQN foi enviado para Base Aérea de Butterworth – Malásia, em junho de 1958, servindo na Força Aérea do Extremo Oriente, como parte da Reserva Estratégica do Extremo Oriente (Far East Air Force – FEAF) da Commonwealth. Butterworth, que havia sido recém-reformada, fica na Malásia continental, perto da Ilha de Penang. O 2 SQN chegou em 1º de julho de 1958 à Malásia. A unidade operou vinculada ao 224 Grupo da RAF, que tinha sede em Changi, Cingapura.

Os Canberra B20, equipados com os motores Mk 109, realizaram missões de bombardeio tanto com apoio de radares terrestres quanto com mira visual, contra os grupos terroristas comunistas na chamada Malayan Emergency – um conflito ocorrido entre 1948 e 1960, no qual o grupo comunista Malayan National Liberation Army (MNLA) lutou para obter a independência da Malásia do Império Britânico. O 2 SQN já chegou no final do conflito, que foi encerrado em julho de 1960, sendo que, em 1957, a Malásia conquistou sua independência, porém, mantendo sob a proteção britânica.

A maioria das missões foi conduzida a altitudes médias, de 4.500 a 6.000 metros (15 a 20.000 pés), em meio à densa selva, o que dificultou a avaliação da eficácia do bombardeio. Por fim, os grupos terroristas recuaram para a fronteira entre Tailândia e Malásia, passando a realizar perseguições e ataques ocasionais nas áreas de fronteira, não representando mais uma ameaça direta às bases, às principais cidades ou à população.

Após o fim da emergência em julho de 1960, a unidade manteve um estado operacional de prontidão e operou com as forças aéreas aliadas em Singapura, Índia, EUA e Filipinas em treinamento. O 2 SQN esteve em Ubon, Tailândia; Agra, Índia; Clark, nas Filipinas; e Okinawa (Kadena), Japão. Os voos de longo curso de Butterworth para a Base Aérea da RAF de Kai Tak, em Hong Kong, para bases australianas e para a Base de Ohakea, Nova Zelândia, feitos em 80% sobre o mar, foram marcos para programar missões de longo curso da RAAF.

Em 1963, Malásia, Singapura e os territórios de Bornéu se fundiram em uma nova federação. A filiação de Cingapura é de curta duração, e cessou em 1965, para dar lugar a uma república independente. Contudo, antes disso, a Indonésia resolveu lutar contra a nova federação na chamada Konfrontasi Indonesia.

Foi com o Canberra que o 2 SQN passou a adotar o famoso raio vermelho na deriva, marca registrada da unidade. Aqui, um B20 sobre o Vietnã em 1970. Foto: RAAF.
Foi com o Canberra que o 2 SQN passou a adotar o famoso raio vermelho na deriva, marca registrada da unidade. Aqui, um B20 sobre o Vietnã em 1970. Foto: RAAF.

Indonésia via a formação da Federação Malaia, uma estratégia britânica para manter a influência na região e assim impedir a expansão de outros países. O confronto envolveu ataques militares e sabotagem entre 23 de janeiro de 1963 e 11 de agosto 1966. O pico das ações aéreas ocorreu ao longo de 1965. Nesse cenário de mais de 3 anos e meio, o 2 SQN foi acionado várias vezes para bombardear as posições indonésias, usando bombas de 450 kg, muitas das quais na Base Aérea de Medan, Sumatra da Indonésia. Foram mais de três anos tensos, até que o confronto cessou com a derrubada do presidente indonésio, Kusno Sosrodihardjo, mais conhecido como Sukarno.

Vietnã

Menos de 7 meses após o fim da Konfrontasi Indonesia, em 19 de abril de 1967, o 2 SQN deixou Butterworth, Malásia e seguiu para o Vietnã do Sul, voltando à guerra, em apoio aos EUA. O esquadrão ficou baseado a 260 quilômetros a nordeste de Saigon, na Base Aérea de Phan Rang da Royal Thai Air Force (RTAF), como parte da 35th Tactical Air Wing da USAF, que usava aeronaves North American F-100D Super Sabre (8th FS) e Martin B-57 – versão americana do Canberra (13rd FS). No Vietnã, o 2 SQN inicialmente conduziu missões noturnas de bombardeio em altitude controladas por radar, antes de adotar com sucesso o bombardeio diurno de baixa altitude.

O Canberra não era uma aeronave ideal para operações de “ataque” no Vietnã, mas, por uma série de razões, era a escolha óbvia para implantação. As principais ameaças no Vietnã do Sul foram avaliadas como de baixa a média intensidade. A ameaça aérea de aeronaves inimigas era inexistente, embora fosse uma ameaça em potencial a implantação de mísseis terra-ar (SAM) perto da Zona Desmilitarizada e artilharia antiaérea automática (AAA), principalmente nas regiões do norte. A falta de instalação de receptores de alerta de radar (Radar Warning Receiver – RWR) era uma grande desvantagem operacional. Embora o curto período entre a decisão de enviar os Canberra ao Vietnã e a implantação tenha impedido sua instalação, pouco foi feito nos 4 anos em que o 2 SQN esteve no Vietnã.

Inicialmente, os Canberra foram empregados em missões de Combat Sky Spot, nas quais a aeronave era rastreada pelo radar MSQ77 em solo e o piloto recebia instruções de direção e velocidade até o ponto de lançamento. O Canberra se manteve geralmente estável em altitudes de lançamento de 4.500 a 7.600 m (15 a 25.000 pés), embora a falta de mapeamento ou radar meteorológico frequentemente colocasse a aeronave em turbulência média a severa em nuvens de tempestade durante a temporada de monções.

Foi com o Canberra que a unidade viveu boa barde de sua vida operacional em combate. Seja na Malásia e Indonésia, seja no Vietnã. Foto: RAAF.
Foi com o Canberra que a unidade viveu boa barde de sua vida operacional em combate. Seja na Malásia e Indonésia, seja no Vietnã. Foto: RAAF.

As primeiras missões diurnas de baixa altitude do 2 SQN começaram em setembro de 1967, com controladores aéreos avançados (CAA) em aeronaves leves como o Cessna O-2 marcando os alvos com fumaça. Voando a cerca de 915 metros acima do solo para evitar fogo terrestre, as tripulações alcançaram precisões de cerca de 45 metros. A altura mínima de lançamento segura para as bombas de projeto britânico, de 227 kg (500 lb), e as bombas de alto explosivo de 455 kg (1.000 lb) era de cerca de 440 metros (1.400 pés). O esquadrão lançou 10.000 bombas nos primeiros 6 meses.

A Ofensiva Comunista do Tet de 1968 aumentou o alcance e a intensidade das operações do Esquadrão. Em 30 de janeiro, quatro Canberra, operando em duplas, bombardearam bunkers inimigos ao redor da base sitiada dos Fuzileiros Navais dos EUA em Khe Sanh, enquanto outras tripulações eram direcionadas contra alvos inimigos em Quang Tri. Em 1º de fevereiro, os Canberra B20 estavam em ação sobre três das quatro regiões militares do Vietnã do Sul.

No dia seguinte, quatro aeronaves realizaram missões de apoio à Força-Tarefa Australiana na área de Long Binh e Bien Hoa.

Embora tivesse apenas oito aeronaves e voasse apenas de 4 a 6% das missões realizadas pela 35th TFW em 1968, o 2 SQN foi responsável por 16% de todos os danos provocados ​​por bombas ​​pela ala.

Na primavera de 1970, os Canberra do 2 SQN expandiram ainda mais o seu papel quando começaram a voar missões de interdição nas rotas de abastecimento inimigas através do Vale A Shau, a sul da Zona Desmilitarizada (DMZ).

Será que o Canberra está baixo? Uma passagem baixa de um B20 do 2 SQN. Foto: RAAF.
Será que o Canberra está baixo? Uma passagem baixa de um B20 do 2 SQN. Foto: RAAF.

Já durante a estação das monções de outono, com as suas nuvens baixas, nevoeiro e chuva, obrigou os Canberra a voltarem as missões de observação aérea de combate guiadas por radar. Em uma dessas missões, realizada sobre a área de Da Nang em 3 de novembro de 1970 algo daria muito errado. O Canberra RAAF A48-231, indicativo de chamada Magpie 91, era pilotado por Michael Herbert e pelo navegador Robert Carver. Após lançarem as suas bombas a 22.000 pés, Herbert reportou “seis de distância, quebrando à esquerda” pelo rádio, provavelmente se referindo a um SAM SA-2. Ele desapareceu do radar e não regressou à base. Apesar de uma busca intensiva, os destroços e os restos mortais da tripulação só foram encontrados em abril de 2009.

Com o lançamento da Operação Lam Son 719, em 29 de janeiro de 1971, o 2 SQN foi novamente convocado para fornecer apoio aéreo aproximado, dessa vez às tropas da Army of the Republic of Vietnam (ARVN), que invadiam o Laos, em um esforço para cortar os ramais da Trilha Ho Chi Minh que atravessava o país vizinho.

Embora os Canberra tenham desempenhado bem suas funções, apesar do terreno montanhoso, o North Vietnam Army (NVA) continha armamento antiaéreo melhor, tornando as operações aéreas mais perigosas. Em 14 de março, o Comandante John Downing, então comandante do 2 SQN, estava voando em sua 100ª missão de bombardeio ao sul da Zona Desmilitarizada quando sua aeronave, A84-228, Magpie 61, foi atingida por um míssil SA-2. John ainda teve tempo de pedir socorro de Mayday antes que o Tenente Allen John Pinches, seu navegador, ejetasse, seguido dele próprio. Ambos sofreram ferimentos ao chegar ao solo e, após passarem uma noite angustiante na selva, evitando serem capturados pelo NVA, conseguiram contato com o helicóptero de C-SAR por meio de seus rádios de sobrevivência. Após 27 horas da ejeção, foram içados para um local seguro.

Com a retirada das forças aliadas em andamento, o governo australiano decidiu retirar o 2 SQN em maio de 1971. Em 4 anos, de 23 de abril de 1967 até a última missão em 31 de maio de 1971, o esquadrão realizou 11.994 missões.

Regresso a arquipélago

Ao retornar à Austrália em 4 julho de 1971, o 2 SQN foi sediado na RAAF Base Williamtown e continuou a operar o Canberra, porém não mais em missões de bombardeio e, sim, em funções de levantamento fotográfico e reboque de alvos. Essa foi sua tarefa até a aeronave ser retirada de serviço, em março de 1982.

Linha de voo dos Boeing E-7A Wedgetail na RAAF Williamtown. Foto: RAAF.
Linha de voo dos Boeing E-7A Wedgetail na RAAF Williamtown. Foto: RAAF.

A função de reboque de alvos envolvia deslocamentos regulares para a RAAF Butterworth para treinamento de defesa aérea de esquadrões de caças Mirage IIIO. Os Canberra realizaram um total de 24 deslocamentos de “Tugbut”, cada um com duração de cerca de 6 semanas, geralmente envolvendo uma ou duas aeronaves em cada deslocamento, antes do fim das operações em 1982.

As operações de levantamento fotográfico aéreo na Austrália, Sudeste Asiático e Pacífico Sudoeste alcançaram uma qualidade de mapeamento fotográfica considerável. O Canberra era ideal para as tarefas fotográficas, pois era relativamente estável, podia transitar rapidamente, adquirir imagens em grandes altitudes e podia desviar para outras áreas para tarefas alternativas ou adicionais.

O esquadrão conduziu as seguintes operações de levantamento fotográfico:

Skai Piksa em Papua Nova Guiné (PNG) – de março a dezembro de 1973 e novamente em 1975;
Gading4, operando a partir da base aérea de Tengah, em Cingapura, e mapeando Kalimantan, Sumatra e Irian Jaya – 1974;
Gading 5, operando na base aérea de Kemajoram em Jacarta – 1976;
Ilha Christmas, grupo Cocos/Keeling – 1976;
Cenderawasih (Ave do Paraíso) do campo de aviação de Mokmer, (Biak), Gove e Darwin – 1976, 1977; 1978, 1979, 1980 e 1981 (a cobertura contínua de nuvens impediu a conclusão da pesquisa).
 
No final da década de 1970, a fadiga por corrosão nas longarinas das asas tornou-se um problema, e trocas frequentes de asas eram necessárias para manter um número adequado de aeronaves na linha de voo. Juntamente com outras economias na RAAF, o alto custo de manutenção pôs fim à vida útil do Canberra em julho de 1982, resultando também na inativação da unidade. O esquadrão realizou um sobrevoo sobre Brisbane em junho de 1982, antes da despedida oficial no final do mês seguinte.

Wedgetail

Depois de 18 anos de inatividade, a RAAF decidiu reativar o 2 SQN, em janeiro de 2000, na RAAF Williamtown, em Nova Gales do Sul (YWLM), indicando-o para operar a mais nova aeronave de Alerta Aéreo Antecipado e Controle (AWACS) australiana: o Boeing E-7A Weggetail. Seria uma mudança radical de função.

E-7 do 2 SQN operando em Nellis, Nevada, ao lado de um E-3C da 552nd Air Control Wing, Tinker AFB, da USAF, durante um conjunto em 7 de junho de 2024. Foto: USAF/Brianna Vetro.
E-7 do 2 SQN operando em Nellis, Nevada, ao lado de um E-3C da 552nd Air Control Wing, Tinker AFB, da USAF, durante um conjunto em 7 de junho de 2024. Foto: USAF/Brianna Vetro.

Com base no Boeing 737NG, a RAAF foi o primeiro cliente dessa aeronave, que entraria em serviço somente uma década depois. O contrato foi assinado em 1997 pelo Governo da Austrália e a Boeing Defense para fornecer quatro aeronaves E-7, com opções para outras três, das quais duas dessas opções foram exercidas. As entregas das aeronaves deveriam começar em 2006, mas ocorreram atrasos significativos no programa, principalmente devido a problemas na integração do radar com outros sensores e sistemas importantes.

As aeronaves AEW&C oferecem a capacidade de “ver” além do horizonte, permitindo que o radar detecte atividades no espaço aéreo e em terra, em até 400 km, sendo um posto de controle e alerta indispensável no atual cenário operacional. O E-7 é baseado na fuselagem do Boeing 737-700IGW e foi projetado para atender aos requisitos da Austrália dentro do Projeto Wedgetail. A RAAF foi a lançadora do programa Wedgetail da Boeing. O E-7A utiliza o radar MESA (Multi-role Electronically Scanned Array) da Northrop Grumman Electronic Systems. O radar é montado em uma aleta dorsal na parte superior da fuselagem, chamada de top hat (chapéu superior), e foi projetado para minimizar o efeito aerodinâmico e o arrasto. Outras modificações incluem aletas ventrais para contrabalançar o radar e antenas montadas no nariz, pontas das asas e cauda. A aeronave australiana opera dez consoles na cabine principal, com espaço para mais dois. A BAE Systems forneceu sistemas de autoproteção (ECM, dispensadores de chaff & flare) e as medidas de suporte eletrônico (ESM) e sistemas de apoio em solo.

2 SQN ressurge

As duas primeiras aeronaves Wedgetail foram montadas pela Boeing e submetidas a testes nos EUA antes da entrega à RAAF. As quatro aeronaves restantes foram montadas pela Boeing Austrália na Base da RAAF em Amberley, Queensland. Elas foram matriculadas e E-7A RAAF A30-001 a A30-006.

As duas aeronaves foram entregues ao 2 SQN da RAAF Williamtown, em novembro de 2009, inicialmente de propriedade e operação da Boeing. A RAAF aceitou formalmente a aeronave em serviço na RAAF em 5 de maio de 2010. Quatro aeronaves adicionais foram entregues em 2010/2012. Em 2011, o 2 SQN foi declarado operacional no E-7.

Placa de 2007 mostra por que o 2 SQN é o Esquadrão mais condecorado da RAAF. Foto: Veteranos da RAAF Vietnã.
Placa de 2007 mostra por que o 2 SQN é o Esquadrão mais condecorado da RAAF. Foto: Veteranos da RAAF Vietnã.

Com a retomada dos voos em 2009, a unidade passou a ser os olhos da RAAF nos céus, desempenhando uma missão, de certo modo, que remontava suas origens: reconhecimento. Só que não mais visual, mas, sim, eletrônico e de controle do espaço aéreo do campo de batalha. A partir de 2011, a unidade passou gradualmente a participar de operações da RAAF e de aliados.

A atual bolacha do 2 SQN referente aos E-7. Foto: RAAF.
A atual bolacha do 2 SQN referente aos E-7. Foto: RAAF.

Operação OKRA

De volta à guerra. A RAAF desempenhou papel crucial na Operação OKRA de 2014 a 2017, que foi a contribuição australiana para a coalizão internacional contra o ISIS, liderada pelos EUA. A operação começou em setembro de 2014, quando a Austrália enviou um Grupo de Tarefa Aérea (ATG) para apoiar a coalizão. Durante a operação, a RAAF empregou aeronaves de caça F/A-18 Hornets e F/A-18F Super Hornets; AWACS E-7A Wedgetail, aviões-tanque KC-30A (A330 MRTT) e de transporte C-130J Hercules e C-17 Globemaster. Muitos desses ativos estavam estacionados em bases nos Emirados Árabes Unidos e operavam no Iraque e na Síria.

Durante a OKRA, o E-7A Wedgetail do 2 SQN, operando pelo ATG, alcançou uma taxa recorde de sucesso de 100% nas operações da Coalizão contra o Daesh no Oriente Médio durante 36 surtidas. O recorde é atribuído a 5ª rotação de tripulantes e pessoal de manutenção, que operaram a aeronave nos últimos 4 meses da operação.

O Comandante do Grupo de Tarefa Aérea, Comodoro do Ar Antony Martin, afirmou que os homens e mulheres do destacamento E-7A devem estar imensamente orgulhosos de seus esforços. “Todos eles estabeleceram um padrão excepcionalmente alto, especialmente alcançando 100% de conclusão da missão – um esforço fantástico”, disse ele. “Tal sucesso diz muito sobre o que toda a equipe conquistou nos últimos meses. A conclusão da Rotação 5 é que o papel deles e do E-7A Wedgetail em facilitar a capacidade do poder aéreo de combate no Oriente Médio é de primeira classe”.

Interação! O E-7A Wedgetail RAAF 030-001 do 2 SQN reabastece com KC-46A AF 18-46041/86041 do 418th Flight Test Squadron de Edwards AFB, durante testes de certificação com o KC-46 da USAF. Foto: USAF.
Interação! O E-7A Wedgetail RAAF 030-001 do 2 SQN reabastece com KC-46A AF 18-46041/86041 do 418th Flight Test Squadron de Edwards AFB, durante testes de certificação com o KC-46 da USAF. Foto: USAF.

O comandante do destacamento da 5ª rotação, líder de esquadrão David, explicou que o recorde foi a primeira vez que uma rotação de E-7A no Oriente Médio conduziu com sucesso todas as missões que lhe foram atribuídas durante o período de sua implantação – nesse caso, todas as 36 missões. A 6ª e última Rotação do destacamento E-7A do ATG concluiu sua implantação operacional na região do Oriente Médio no final de 2016, regressando à Austrália. A seção recebeu uma recomendação do Comandante do Grupo de Tarefa Aérea por (mas não se limitando a) demonstrar excelente trabalho em equipe e ser adaptável em um ambiente operacional dinâmico, garantindo que o E-7A estivesse seguro para voar em todas as missões que lhe foram atribuídas.

Com as tensões da região do Indo-Pacífico, agora por causa da expansão chinesa, os E-7 têm voado muito na vigilância do espaço aéreo, mar e na orientação de aeronaves de combate em treinamentos da RAAF e com aliados.

O 2 SQN deve voar com os E-7 por muitos anos. Este ano, a RAAF anunciou que está modernizando as aeronaves através da Boeing Defense Australia para qualificar ainda mais a aeronave. Além disso, já está realizando testes de integração para controlar aeronaves de combate colaborativas (CCA) não tripuladas Boeing MQ-28 Ghost Bat. Por tudo isso, o 2 SQN deverá se manter na ativa por décadas, agora não mais na linha de frente, mas nos bastidores, fornecendo todo o staff necessário para as aeronaves de combate da RAAF realizarem sua missão. O call-sign Magpie continua a ser usado, honrando as tradições de combate da unidade em duas guerras mundiais, Malásia, Indonésia, Vietnã e, mais recentemente, no Oriente Médio, já com os Wedgetail. Nenhuma unidade da RAAF é tão reconhecida e condecorada como o 2 Squadron.

O E-7 Wedgetail da RAAF mata a sua sede! Foto: RAAF
O E-7 Wedgetail da RAAF mata a sua sede! Foto: RAAF

CENÁRIO GLOBAL

Fora da Caixa
Rudnei Dias da Cunha


Enxame de drones e os riscos de escalada na guerra

O avanço da inteligência artificial (IA) está remodelando profundamente o cenário da guerra moderna, especialmente com o desenvolvimento de sistemas autônomos e o uso de enxames de drones. Essas tecnologias emergentes podem alterar a dinâmica dos conflitos armados, introduzindo novas vantagens táticas, mas também riscos significativos de escalada involuntária e desafios éticos e regulatórios.

A aplicação da IA em sistemas militares permite que decisões sejam tomadas com velocidade e precisão superiores às capacidades humanas. Em particular, os enxames de drones – grupos de veículos aéreos não tripulados operando de forma coordenada e descentralizada – representam uma mudança radical na forma como operações militares podem ser conduzidas. Esses sistemas são capazes de realizar missões complexas, tais como reconhecimento, ataque e defesa, sem depender de controle humano direto. A autonomia dos drones, combinada com algoritmos de aprendizado de máquina, permite que eles se adaptem rapidamente a mudanças no ambiente de combate, tornando-os ferramentas altamente eficazes.

Recentemente, foi noticiado que a Ucrânia vem utilizando regularmente enxames de drones, há aproximadamente 1 ano. Utilizando um software desenvolvido por uma empresa startup ucraniana, enxames com até 25 drones têm sido usados. De certa forma, apesar de se desconhecer detalhes do sucesso (ou insucesso) do seu emprego, tal notícia mostra que um futuro no estilo dos melhores filmes de Hollywood já se tornou realidade.

No entanto, essa eficácia vem acompanhada de riscos. Um dos principais pontos a se considerar é o potencial de escalada involuntária de conflitos. Sistemas autônomos podem interpretar erroneamente sinais ou ações de adversários, levando a respostas militares desproporcionais. Por exemplo, um drone pode identificar erroneamente um alvo como hostil e iniciar um ataque, desencadeando uma reação em cadeia que poderia ter sido evitada com supervisão humana. A velocidade com que esses sistemas operam – muitas vezes, em ciclos de decisão que ocorrem em milissegundos – dificulta a intervenção humana em tempo hábil, aumentando o risco de decisões precipitadas.

Além disso, há uma crescente ambiguidade em relação à responsabilidade por ações tomadas por sistemas autônomos. Quando uma máquina toma uma decisão letal, quem deve ser responsabilizado? O programador, o operador, o comandante militar ou o próprio Estado? Essa questão é particularmente sensível no contexto do direito internacional humanitário, que exige responsabilidade clara por atos de guerra. A ausência de um agente humano direto na cadeia de decisão complica a atribuição de culpa, e pode dificultar processos de responsabilização em tribunais internacionais.

Outro aspecto crítico é a guerra algorítmica – um conceito que descreve o uso de IA para acelerar o ciclo de detecção, decisão e ataque (OODA). Em cenários de conflito, essa aceleração pode ser vista como uma vantagem estratégica, permitindo que forças militares reajam mais rapidamente do que seus adversários. No entanto, essa mesma velocidade pode ultrapassar a capacidade humana de supervisão e correção, tornando os sistemas vulneráveis a erros catastróficos. A guerra algorítmica também levanta preocupações sobre a estabilidade estratégica, pois pode incentivar uma corrida armamentista baseada em quem possui os algoritmos mais rápidos e eficazes.

E o que dizer a respeito dos desafios éticos e regulatórios associados ao uso de IA em armamentos? Embora existam esforços internacionais para estabelecer normas que limitem o uso de armas autônomas letais, ainda há pouca convergência entre os principais atores globais. Países com capacidades tecnológicas avançadas tendem a resistir a restrições que possam limitar sua vantagem estratégica. Ao mesmo tempo, organizações da sociedade civil e especialistas em ética alertam para os perigos de delegar decisões de vida ou morte a máquinas. O debate gira em torno de questões como transparência dos algoritmos, supervisão humana obrigatória e limites morais para o uso da força.

Uma vez aberta essa “caixa de Pandora”, não há como fechá-la. Portanto, a integração de IA e enxames de drones nas forças armadas deve ser acompanhada por mecanismos robustos de controle e supervisão. Isso inclui a implementação de sistemas de verificação, protocolos de segurança cibernética e treinamento especializado para operadores humanos. Além disso, é necessário desenvolver estruturas legais que possam lidar com os novos desafios impostos por essas tecnologias, garantindo que os princípios do direito internacional sejam respeitados.

Por fim, embora a IA e os enxames de drones ofereçam oportunidades significativas para aumentar a eficácia militar, eles também introduzem riscos inéditos que exigem atenção urgente. A escalada involuntária, a ambiguidade de responsabilidade e a velocidade da guerra algorítmica são fatores que podem desestabilizar o equilíbrio estratégico global. Portanto, é essencial que governos, militares, acadêmicos e organizações internacionais colaborem para desenvolver normas, políticas e tecnologias que mitiguem esses riscos e promovam o uso responsável da IA em contextos militares.

DIRETO DO CONVOO

O Aviador Naval
José Luiz Barreira


Call Sign – O “Código de Chamada” 

O código de chamada é uma identificação normalmente utilizada por aeronaves, em geral, durante o contato via rádio com um órgão de controle aéreo, que detém a jurisdição daquela região. Ele serve não só para identificar, mas para separar quem é quem. Internacionalmente, é conhecido como Call Sign.

O Call Sign é normalmente formado por letras e números. A primeira informação geralmente consiste em letras que identificam origem da aeronave (a quem pertencem), ou seja, se são companhias comerciais, privadas, militares ou de governos. A segunda parte do Call Sign é normalmente formada por números, que identificam o número do voo ou matrícula. Claro que há Call Sign composto por apenas a matrícula da aeronave, que pode consistir em letras (civil) ou números (militar).
 
Na Marinha, quando em contato com Órgãos de Controle de Tráfego Aéreo, naturalmente, usamos a origem “MARINHA”, seguida do número de matrícula na Força Aeronaval.

Já quando estamos em atividades militares, utilizando o controle aéreo de Bases Militares e Navios com capacidade aérea, sejam Navios Aeródromos, Fragatas, Corvetas ou qualquer outro navio que utilize as aeronaves no apoio as suas operações, utilizamos um Call Sign que expresse o tipo de aeronave e seu emprego operativo seguido dos números de registro.

Em geral, na aviação militar, associamos o Call Sign a um animal, ou característica natural, normalmente bélica! Por exemplo: Águia, Pelicano, Pégasus entre outros.
 
Na Aviação Naval, depois que fomos proibidos de operar aeronaves de “asa fixa” (aviões), em 1961, e começamos a operar apenas aeronaves de “asa rotativa” (helicóptero), passou a existir uma certa dificuldade para os Esquadrões criarem Call Sign que exprimisse as suas atividades.

Dessa forma, surgiram Call Sign alternativos do tipo: Guerreiro, Faz-Tudo, Piaba e outros, até os Westland Sea Lynx SAH-11 serem adquiridos para operarem a bordo das Fragatas da Classe Niterói, sendo criado o 1º Esquadrão de Helicópteros de Esclarecimento e Ataque Antissubmarino, o HA-1.

A mesma Lei que impedia a Marinha de possuir aeronaves de asa fixa (aviões) criava outras restrições. A Marinha só poderia operar suas aeronaves de asa rotativa, a partir de navios e de uma única Base Aérea – a de São Pedro da Aldeia. Além dessas restrições, nossos Esquadrões só poderiam dedicar a atividade aérea apenas “atacando submarinos” (daí o fato de o HA-1 ter em seu nome explicitamente a função).

Pode parecer um absurdo, mas era assim que a Aviação Naval – que foi a primeira Aviação Militar do Brasil – era tratada. Aviação esta que completou, em 23 de agosto, 109 anos de existência. 

Não podíamos ter um avião de “caça” operando embarcado no nosso “porta-aviões”, o A-11 Minas Gerais. A bordo, a FAB nos socorria com seus P-16 Tracker (aviões de asa fixa), que podiam lançar bombas de profundidade em missões antissubmarino.

Não era o suficiente para a Marinha.

A aquisição dos Lynx mudou tudo. As aeronaves de características próprias podiam operar em qualquer condição meteorológica e condições de mar, diurno e noturno, em qualquer plataforma marítima, mesmo as menores, como as das Corvetas da Classe Inhaúma. Além disso, vieram armadas com bomba de profundidade e torpedos (armamentos próprios para “caçar” submarinos), além do seu arsenal aéreo: mísseis Sea Skua – uma arma ideal para caçar navios de superfície.

Em função dessa particular característica, por que não o associar a um “verdadeiro caçador aéreo” (mesmo sendo de asas rotativas)? Assim nasceu o Call Sign FALCÃO para o HA-1, que passou a ser usado nas comunicações militares dos Lynx da Marinha.
 
O tempo passou. Ocorreu o “ataque noturno” à baixa altitude a navios de superfície com os mísseis Sea Skua, que tiveram seu batismo de fogo na Guerra da Malvinas (1982) e do Golfo (1991), operados pela Royal Navy. A partir daí, passou a ser o desejo dos Comandantes de Fragatas no Brasil ter pelo menos um Falcão a bordo de seus navios durante os exercícios de Free Play no mar. O Sea Lynx evoluiu e se tornou o novo Super Lynx (AH-11A) a partir de 1997. A evolução trouxe novos equipamentos de busca, como Radar 360°, adoção de MAGE, motores mais potentes e velocidade maior. Hoje ele já está na sua terceira geração. O Wild Lynx (AH-11B).

Em 1998, a Marinha adquiriu 23 A-4/TA-KU Skyhawks (surpreendentemente), criando o 1° Esquadrão de Aviões de Interceptação e Ataque, o VF-1, nomeando o Comandante Marcondes (meu contemporâneo de Escola Naval) como seu comandante. 

Nessa época, eu era o Comandante do HA-1 (Esquadrão Falcão). O Comandante do VF-1, Marcondes, me procurou e, diante de uma rápida exposição de motivos lógicos, me pediu para renunciar ao Call Sing FALCÃO, por dever de justiça com os “Hawks” e com as aeronaves de asa fixa. E eu não titubeei. Cumprimentei-o, desejando boa sorte ao agora comandante do novo Esquadrão Falcão da Marinha.
 
Por tabela, eu acabava de me tornar o primeiro comandante do Esquadrão Lince (pelo menos no Call Sign). Na época, me preocupei com a reação dos antigos Falcões que compuseram as primeiras tripulações do HA-1, mas resolvi assumir a nossa verdadeira personalidade. Hoje, olhando o passado, constato que foi uma boa decisão. A imagem do Lince nas nossas “bolachas” de macacão, na fuselagem de nossas aeronaves e na parede da nossa “Caverna” não deixava dúvidas: esses caras são LINCES, de fato. Não são Falcões. Cuidado com eles… Em qualquer lugar! 

Feliz o país que tem LINCES para sua defesa.
Ivenire Hostem et Delere.
 


 

A Royal Thai Air Force (RTAF) tornou-se a primeira força aérea do mundo a pôr em serviço a versão de ataque e contrainsurgência (COIN) do Beechcraft T-6A/C Texan II, o AT-6TH Wolverine. Eles entraram em serviço no Esquadrão 411 em 1º de outubro de 2024, marcando uma nova fase da RTAF em cumprir missões de COIN e ataque, em especial depois de mais um breve embate contra no Camboja, ocorrido em julho de 2025.

Leandro Casella

A Royal Thai Air Force (RTAF) é a primeira força aérea do mundo a operar o Beechcraft AT-6 Wolverine. No caso, oito AT-6TH, versão tailandesa do AT-6E. – Foto: Katsuhiro Tokunaga.
A Royal Thai Air Force (RTAF) é a primeira força aérea do mundo a operar o Beechcraft AT-6 Wolverine. No caso, oito AT-6TH, versão tailandesa do AT-6E. – Foto: Katsuhiro Tokunaga.

A Royal Thai Air Force (RTAF) anunciou, em novembro de 2021, que a aeronave de ataque leve Textron Aviation (Beechcraft) AT-6 Wolverine havia sido escolhida como seu novo vetor de ataque leve, contrainsurgência (COIN) e para missões de segurança de fronteira. Essas missões incluiram o fornecimento de apoio aéreo aproximado às forças terrestres, a busca por “entrada ilegal no país e transporte de drogas ao longo da fronteira”, assistência em desastres e combate a incêndios florestais, informou a Força Aérea. A RTAF acrescentou que os AT-6TH conduziriam operações em cooperação com agências de segurança.

O anúncio foi feito durante o Dubai Airshow, nos Emirados Árabes Unidos, fazendo da RTAF o cliente de lançamento da família de aeronaves de ataque leve AT-6 Wolverine da Textron. A Tailândia é o primeiro cliente internacional do modelo e, na prática, o primeiro a colocar em serviço o Wolverine. No contrato original de 2021, as entregas estavam previstas para 2024 e 2025.

Antes da RTAF, a US Air Force (USAF) encomendou e recebeu a primeira aeronave de ataque leve Beechcraft AT-6E Wolverine, em 17 de fevereiro de 2021. A divulgação da chegada da nova aeronave veio através do Centro de Gerenciamento do Ciclo de Vida da USAF (Air Force Life Cycle Management Center [AFLCMC]). A USAF adquiriu três aeronaves, e foram usadas no programa Airborne Extensible Relay Over-Horizon Network (AEROnet), com o objetivo de desenvolver uma plataforma de baixo custo, atuando no compartilhamento de dados e comunicações, em auxílio às tropas aliadas em operações conjuntas de ataque ao solo. No entanto, ela passou a ser usada para testes ao lado de três Embraer A-29 Super Tucano. O programa não resultou na compra de uma grande frota, e a USAF decidiu encerrar os testes, declarando essas aeronaves como “artigos de defesa em excesso”, o que faz da RTAF o único operador do AT-6.

Além de oito AT-6TH, como o da foto, a RTAF também emprega 12 T-6TH Texan II, versão de treinamento baseada no T-6C Texan II. Foto: Katsuhiro Tokunaga.
Além de oito AT-6TH, como o da foto, a RTAF também emprega 12 T-6TH Texan II, versão de treinamento baseada no T-6C Texan II. Foto: Katsuhiro Tokunaga.

No caso da RTAF, foram adquiridas oito unidades com opção para mais quatro, ao valor de US$ 143 milhões, para substituir os Aero Vodochody L-39ZA/ART Albatros desativados em março de 2021. A versão escolhida é uma variante do AT-6E da USAF, que foi designada como AT-6TH. A designação TH significa somente Thai = Tailândia, mas também que a TA Defense firmou uma parceria com a RTAF, trabalhando com a RV Connex e a Thai Aviation Industry na integração de software e armas. Por exemplo, a RTAF poderia aumentar a capacidade do AT-6TH com o IRIS-T – que, em breve, se tornará o míssil padrão dentro do alcance visual (WVR) da RTAF. A TA Defense também firmou uma parceria com a RV Connex para a fabricação de componentes internos e com a Thai Aviation Industry para a montagem final.

A escolha do AT-6TH veio de maneira lógica e na esteira da escolha pela RTAF pelo treinador avançado T-6TH Texan II, escolhido pela Tailândia em 28 de setembro de 2020 para substituir sua frota de Pilatus PC-9M. Foram adquiridas 12 unidades por US$ 162 milhões. O T-6TH é uma versão tailandesa do T-6C Texan II. O AT-6TH tem grande compatibilidade com a versão de treinamento T-6TH Texan II, em uso a Academia da RTAF sediada em Kamphaeng Saena.

Ambas as compras estão alinhadas com a estratégia S-Curve 11 do governo tailandês, um programa que promove o desenvolvimento da indústria de defesa nacional tailandesa, cultiva a diversidade e apoia a participação de empresas estrangeiras e tailandesas.

A missão dos Wolrerines da RTAF é COIN, ataque e proteção das fronteiras, e para isso, sua capacidade de emprego é fundamental. Além de até dois pods de metralhadoras FN HMP-400 calibre .50 (visto na foto), o AT-6TH pode levar bombas convencionais – como a Mk.82 da foto, bombas inteligentes (LBG, ISG. GPS) e foguetes de 70 mm convencionais ou guiados.  Foto: Katsuhiro Tokunaga.
A missão dos Wolrerines da RTAF é COIN, ataque e proteção das fronteiras, e para isso, sua capacidade de emprego é fundamental. Além de até dois pods de metralhadoras FN HMP-400 calibre .50 (visto na foto), o AT-6TH pode levar bombas convencionais – como a Mk.82 da foto, bombas inteligentes (LBG, ISG. GPS) e foguetes de 70 mm convencionais ou guiados. Foto: Katsuhiro Tokunaga.

Texan II e Wolverine

O Texan II é, atualmente, um dos melhores treinadores avançado de sua categoria, tendo voado pela primeira vez em 15 de julho de 1998. Está em serviço em diversas forças armadas. São 19 usuários em 15 nações, com duas escolas de voo da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) que voam mais de 1.000 unidades dos T-6A/B/C/D/JP/TH já entregues. Os operadores do T-6A/B/C/D Texan II incluem:

· Euro NATO Joint Jet Pilot Training Program (ENJJPT)
· NATO Flight Training Program in Canada (NFTC)
· U.S. Air Force Aviation Leadership Program (ALP)
· U.S. Air Force (USAF)
· US Navy (USN)
· US Army (AA)
· Marinha Mexicana (FAN)
· Força Aérea Mexicana (FAM)
· Força Aérea da Grécia (HAF)
· Força Aérea Argentina (FAA)
· Força Aérea Iraquiana (IqAF)
· Força Aérea Israelense (IAF)
· Royal Air Force (RAF)
· Royal Canadian Air Force (RCAF)
· Royal Moroccan Air Force (RMAF)
· Royal New Zealand Air Force (RNzAF)
· Força Aérea Colombiana (FAC)
· Força Aérea Real Tailandesa (RTAF)
· Força Aérea da Tunísia (TnAF)
· Força Aérea Popular do Vietnã (VPAF)
· Força Aérea de Autodefesa do Japão (JASDF)
 
O T-6C (principal modelo de produção) dispões de um cockpit de arquitetura aberta com três telas multifuncionais de cristal líquido; um Up-Front Control (UFCP) e um sistema de controle de voo tipo HOTAS (Hands-On Throttle And Stick), ou seja, mãos sempre no manete e no manche, o que significa que o piloto não precisa tirar as mãos dos controles durante as fases cruciais do voo. Os dois assentos ejetáveis são o Martin-Baker MkUS16LA tipo 0/0 (ejeção a zero altitude e velocidade).

Conta ainda com aviônicos Advanced Esterline CMC Cockpit 4000, com duplo sistema de gerenciamento de voo (FMS) – certificado pela Federal Aviation Administration (FAA); sistemas de navegação GPS/INS; Heads-Up Display (HUD) e gravador de vídeo digital, entre outros sistemas de última geração. Em termos de desempenho, o Texan II é equipado com um motor Pratt & Whitney PT6A-68 com potência de 1.100 cv; o que lhe permite voar a uma altitude de cruzeiro de 31.000 pés e atingir uma velocidade de 316 KIAS, com um alcance de 1.637 quilômetros.

Já o AT-6E/TH Wolverine é uma versão do turboélice de treinamento T-6 Texan II, dedicada para missões de vigilância, inteligência e reconhecimento (ISR), bem como de ataque leve, contrainsurgência e apoio aéreo aproximado. Ele conta com seis pods sob as asas que podem carregar mísseis, foguetes e bombas inteligentes ou convencionais, além de casulos de metralhadoras e uma estação equipada com câmeras eletro-ópticas e infravermelhas. O Wolverine incorpora o computador de missão do A-10C, sistema HOTAS similar ao F-16, sistema Helmet Mounted Cueing System (HMCS) e um cockpit digital com três MFD coloridos que apresentam uma aviônica e sistemas de armas integrados. Possui dois assentos ejetáveis tipo 0/0 Martin Baker MK16LA, o mesmo do T-6A/C.

As primeiras oito aeronaves foram entregues, e a RTAF tem opção para mais quatro, que deverão ser exercidas em breve. Foto: Katsuhiro Tokunaga.
As primeiras oito aeronaves foram entregues, e a RTAF tem opção para mais quatro, que deverão ser exercidas em breve. Foto: Katsuhiro Tokunaga.

O modelo AT-6TH Wolverine combina tecnologia avançada com a comprovada herança do T-6 Texan II. Equipado com um motor turboélice Pratt & Whitney Canada PT6A-68D de 1.600 hp (mais potente que o T-6A/C), ele atinge uma velocidade máxima de 858 km/h (316 nós), um teto de serviço de 9.949 metros (31.000 pés) e um alcance de 3.194 km (1.725 milhas náuticas). Com capacidade de carga útil de 1.864 kg (4.110 lbs), a aeronave está equipada para uma variedade de missões, incluindo contrainsurgência, ataque e combate a organizações extremistas violentas (C-VEO).

Seu sistema de câmera eletro-óptica/infravermelha (EO/IR) WESCAM MX-15Di, montado sob a fuselagem, aprimora as capacidades de reconhecimento, enquanto seu arsenal inclui bombas guiadas a laser como a GBU-12 Paveway II de 500 lb, pods de para foguetes guiados ar-superfície BAE AGR-20 Advanced Precision Kill Weapon System (APKWS) ou Hydra 70, dois pod de metralhadora FN HMP-400 calibre .50 e mísseis AGM-114 Hellfire.

A integração dos AT-6TH Wolverine na RTAF é um componente-chave da parceria de defesa entre a Tailândia e os EUA, promovendo a interoperabilidade e o treinamento conjunto. Essa parceria é ainda mais fortalecida pelos programas de treinamento contínuos facilitados pela Textron Aviation Defense.

Dados técnicos do AT-6 Wolverine
Fabricante: Beechcraft/Textron Aviation Defense
Wichita, Kansas – EUA.
Primeiro voo: 10 de setembro de 2009 (AT-6).
Variantes: AT-6E e AT-6TH Wolverine.
Tipo: Variante de ataque leve/reconhecimento armado do T-6A/C.
Motor: Um turboélice Pratt & Whitney Canada PT6A-68D de 1.600 shp. Hélices: Hartzell HC-E4A-2 Hub de 4 pás com pás E9612, 8 pés e 1 pol. (2,46 m) de diâmetro.
Tripulação: Dois pilotos em tandem em assentos Martin Baker MK16LA – ejeção zero/zero.
Dimensões: Envergadura 33,5 pés, comprimento 33,4 pés, altura 10,7 pés. Peso máximo: 10.000 lb.

Desempenho: Velocidade 360 ​​mph, alcance 1.700 milhas (com quatro tanques externos), autonomia de missão 4,5 horas (7,5 horas de balsa). Teto: 31.000 pés.
Armamento: pod metralhadora FN HMP-400 calibre .50. Amplo conjunto bombas guiadas por laser/inercial como a GBU-12 Paveway II, bem como foguetes AGR-20 Advanced Precision Kill Weapon System (APKWS) ou Hydra (70 mm), AGM-114 Hellfire e/ou canhão calibre .50 em seis pontos fixos montados nas asas.

Todos os AT-6TH foram alocados ao 411 Sq com sede na RRAFB de Chaing Mai. Foto: Katsuhiro Tokunaga.
Todos os AT-6TH foram alocados ao 411 Sq com sede na RRAFB de Chaing Mai. Foto: Katsuhiro Tokunaga.

Na RTAF

Inicialmente, a RTAF recebeu os T-6TH, que seriam usados como base para formar os pilotos que voariam da Força Aérea e, futuramente, os pilotos de AT-6TH. Os dois primeiros monomotores Beechcraft T-6TH Texan II da RTAF foram entregues pela Textron Aviation no início do mês de outubro de 2021, nos EUA.

As aeronaves realizaram um longo voo de translado entre os EUA e a Ásia, ainda com matrículas norte-americanas provisórias N2773B (c/n PM-147), futuro F22-01/65 (RTAF 01), e N2792B (c/n PM-148), futuro F22-02/65 (RTAF02). A dupla decolou de Wichita (EUA) no dia 2 de novembro de 2021, passando por Sault Ste Marie, Val D’or e Goose Bay (ambos no Canadá), e depois para Keflavik (Islândia), Glasgow (Reino Unido), Turim (Itália) e Heraklion (Grécia). A rota posterior é desconhecida, mas o pouso final foi em Nakhon Pathom, em 22 de novembro.

Os dois primeiros T-6TH, bem como os demais, foram enviados ao dois Squadron (Advanced) da Flight Training School (FTS) da Base Aérea de Nakhon Pathom, onde fica sediada a Escola de Treinamento de Voo de Kamphaeng Saen, que é subordinada a 4th Air Division. Lá eles substituíram os antigos Pilatus PC-9M. Com os T-6TH, a RTAF iniciou a formação dos novos pilotos da RTAF, inclusive para os futuros pilotos de AT-6TH.

No início de 2024, oito pilotos da RTAF concluíram o treinamento avançado nas instalações da Textron em Wichita, Kansas, com foco nos cursos de Instrutor de Voo e Piloto de Teste. Esses pilotos retornaram à Tailândia para continuar as operações de treinamento doméstico no T-6TH. Além disso, o treinamento de manutenção para o pessoal da RTAF começou em 2023, garantindo que a experiência local dê suporte à nova frota de T-6TH/AT-6TH.

Os dois primeiros AT-6TH da RTAF foram recebidos oficialmente em 16 de julho de 2024, em cerimônia realizada na Base Aérea de Chiang Mai, sede da Ala Aérea 41, como fruto do projeto “Werewolf”. Os AT-6TH, matrículas 41101 e 41102, chegaram ao país via marítima, desmontados em maio daquele ano. A empresa Thai Aviation Industries, sediada em Takhli, província de Nakhon Sawan, foi responsável pela montagem final dos turboélices. Localizada perto da Ala 4 de Takhli, essa instalação cuidará da montagem das seis aeronaves restantes, com todas as unidades previstas para serem entregues até fevereiro de 2025.

No 411 Sq, os AT-6TH substituíram os jatos Aero Vodochody L-39ZAART Albatross desativados em março de 2021. Foto: Katsuhiro Tokunaga.
No 411 Sq, os AT-6TH substituíram os jatos Aero Vodochody L-39ZAART Albatross desativados em março de 2021. Foto: Katsuhiro Tokunaga.

Os demais AT-6TH foram entregues em setembro de 2024 (2), janeiro de 2025 (2) e março de 2025 (1), e a última em 7 de agosto de 2025. Todos foram alocados ao Esquadrão 411 (411 Sq), unidade sediada na Base Aérea da RTAF (RTAFB) de Chiang Mai. O 411 Sq é vinculado a 41 Ala (41st Wing) e a 3rs Division da RTAF, tendo sido criado oficialmente em 1º de outubro de 1977 em Chaing Mai, equipado com os bimotores North American OV-10C Bronco, que voaram na unidade até abril de 2004. Nessa data, a unidade entrou na era a jato ao receber os Aero Vodochody L-39ZAART Albatross, que permaneceram em serviço até 31 de março de 2021, quando os três últimos L-39 foram aposentados.

A retirada dos L-39 deixou a unidade sem aeronaves, à espera de um novo vetor, que viria com a compra dos AT-6TH. Contudo, somente mais de 43 meses depois, o Esquadrão Thuder voltaria à vida. Seu primeiro voo operacional com os AT-6TH foi em 1º de outubro de 2024, com a aeronave RTAF 41102, justamente no dia do aniversário da fundação da Ala e da unidade. Esse voo marcou o ápice de meses de preparação, após a chegada dos dois primeiros AT-6TH Wolverines. Foi realizada uma cerimônia especial e típica tailandesa de boas-vindas para a aeronave, com a presença da mídia e de estudantes locais.

Com a incorporação do AT-6TH, o Esquadrão 411 atingiu, neste ano de 2025, capacidade operacional inicial (COI). A introdução dos AT-6TH Wolverines complementa a frota existente de treinadores Beechcraft T-6TH Texan II da RTAF. Tanto o T-6TH quanto o AT-6TH compartilham uma plataforma comum, aprimorando a transição do treinamento para o combate para os pilotos da RTAF e proporcionando flexibilidade na gestão da frota.

Na RTAF, a designação militar dos dois modelos T-6 é distinta. A versão de treinamento é chamada localmente de BF22 (T-6TH) e a versão de ataque, BJ8 (AT-6TH).

Outro ponto curioso é a sequência da designação. Na RTAF, isso é bem mais complexo que em outras forças aéreas, em que, basicamente, é designação + matrícula. Na Tailândia, além da designação local de tipo, no caso dos AT-6TH BJ8, há um número de ordem na frota e a dezena final do ano tailandês de compra e, por fim, uma matrícula, que pode estar ou não vinculada à unidade. Exemplo BJ8-01/67 RTAF 41101: refere-se ao AT-6TH (BJ08), número de ordem “01” – primeira aeronave da frota, recebida no ano 67 (2567) – o ano, segundo o calendário budista tailandês, está 543 anos à frente do calendário gregoriano e, portanto, ele foi recebido em 2024, porém no ano 2567 tailandês. Por fim, a matrícula RTAF 41101, que, no caso, faz alusão à aeronave 01 do 411 Sq.

Frota de 12 Beechcraft T-6TH Texan II do 2 Sq FTS
(RTAFB Base Aérea de Nakhon Pathom Kamphaeng Saen)
BF22-01/65 RTAF 01
BF22-02/65 RTAF 02
BF22-03/65 RTAF 03
BF22-04/65 RTAF 04
BF22-05/65 RTAF 05
BF22-06/66 RTAF 06
BF22-08/66 RTAF 07
BF22-09/66 RTAF 09
BF22-10/66 RTAF 10
BF22-11/66 RTAF 11
BF22-12/65 RTAF 12

Frota de 8 Beechcraft AT-6TH Wolverine II do 411 Sq
(RTAFB Chaing Mai)
BJ8-01/67 RTAF 41101
BJ8-02/67 RTAF 41102
BJ8-03/67 RTAF 41103
BJ8-04/67 RTAF 41104
BJ8-05/67 RTAF 41105
BJ8-06/68 RTAF 41106
BJ8-07/68 RTAF 41107
BJ8-08/68 RTAF 41108

Feito para COIN

A entrada em serviço dos AT6 TH ocorre em meio a uma escalada de tensões na fronteira com o Camboja, que, em julho de 2025, envolveu ataques cruzados com foguetes BM21, fechamento de pontos de passagem e o primeiro uso em combate dos Lockheed Martin F16 e Saab Gripen C/D da RTAF. Entre 24 e 29 de julho, um conflito de baixa intensidade ocorreu na fronteira dos dois países.

Os vizinhos estão envolvidos em uma disputa acirrada por uma área conhecida como Triângulo Esmeralda, onde as fronteiras dos dois países e do Laos se encontram, e que abriga vários templos antigos. A RTAF atuou diretamente no conflito, usando seus F-16A e Gripen C para atacar com bombas convencionais e guiadas alvos na fronteira. Foi a estreia do Saab Gripen C em combate.

A capacidade operacional inicial (IOC) dos AT6 TH ocorreu em meio a uma escalada de tensões na fronteira com o Camboja, em julho de 2025, o que certamente os colocará em um papel mais importante daqui para frente na região de fronteira cambojana. Foto: Katsuhiro Tokunaga.
A capacidade operacional inicial (IOC) dos AT6 TH ocorreu em meio a uma escalada de tensões na fronteira com o Camboja, em julho de 2025, o que certamente os colocará em um papel mais importante daqui para frente na região de fronteira cambojana. Foto: Katsuhiro Tokunaga.

A nova aeronave de ataque leve chegou para reforçar rapidamente os patrulhamentos de fronteira e dar suporte às tropas terrestres em áreas de conflito de intensidade moderada – uma resposta às exigências por controle e presença aérea sem recorrer à frota de jatos mais complexos.

Durante anos, a RTAF reconheceu a necessidade de uma plataforma dedicada de ataque leve e reconhecimento para gerenciar os persistentes conflitos de baixa intensidade ao longo de sua instável fronteira com Mianmar e Camboja. A aposentadoria dos antigos Rockwell OV-10C Broncos, em 2004, deixou uma lacuna de capacidade que seu sucessor, o Aero L-39ZA/ART Albatros, não conseguiu suprir completamente. A RTAF precisava de uma plataforma que não fosse apenas precisa e capaz, mas também sustentável e econômica. A tão esperada resposta a essa necessidade chegou agora com a introdução do Textron Aviation AT-6TH Wolverine.

A gênese do Wolverine reside na mudança vista após os ataques de 11 de setembro, que levou o mundo em direção à guerra assimétrica. Em ambientes de COIN, como Afeganistão e Iraque, o emprego de jatos de alto desempenho, como o F-16 Fighting Falcon ou o A-10 Thunderbolt II, para apoio aéreo aproximado (CAS) e reconhecimento armado, mostrou-se altamente ineficiente devido aos seus custos operacionais exorbitantes. Isso levou a Força Aérea dos EUA a iniciar o programa de Ataque Leve/Reconhecimento Armado (LAAR – Light Attack/Armed Reconnaissance) em 2009, buscando uma aeronave acessível, capaz de longos períodos de permanência no campo de batalha. Embora o próprio programa LAAR tenha fracassado em sua adoção em larga escala pelos EUA, ele produziu o AT-6. O subsequente emprego bem-sucedido da aeronave em combate com a Força Aérea Iraquiana contra o ISIL forneceu um histórico comprovado que influenciou diretamente a decisão de aquisição da Tailândia.

No coração do Wolverine, está seu avançado cockpit digital, centralizado no conjunto de aviônicos CMC Electronics Cockpit 4000. Com três MFD, um Head-Up Display (HUD) de última geração e um HOTAS, o piloto pode gerenciar navegação, comunicações, sensores e sistemas de armas sem tirar as mãos dos controles. A principal ferramenta de inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR) da aeronave é a torre multissensor L3 Harris Wescam MX-15Di montada sob a fuselagem.

Este sistema com giro estabilizado abriga câmeras eletro-ópticas (EO) de alta definição e infravermelho de onda média (MWIR), um telêmetro a laser, um designador a laser e um iluminador a laser. Ele pode detectar e rastrear alvos diurnos ou noturnos, gerando coordenadas GPS precisas para direcionamento ou compartilhamento com forças amigas via datalink. Isso representa um salto monumental em capacidade em relação aos ativos anteriores da RTAF, permitindo a vigilância 24 horas por dia, 7 dias por semana, das regiões de fronteira a partir de altitudes seguras de 15.000 a 25.000 pés, bem fora do alcance de fogo de armas de pequeno porte.

Dois AT-6TH do 411 Sq sobrevoam um templo budista na Tailândia, encravado em meio à selva. Esse é um ambiente do Wolverine. Operações de COIN e ataque em meio à selva tailandesa. Foto: Katsuhiro Tokunaga.
Dois AT-6TH do 411 Sq sobrevoam um templo budista na Tailândia, encravado em meio à selva. Esse é um ambiente do Wolverine. Operações de COIN e ataque em meio à selva tailandesa. Foto: Katsuhiro Tokunaga.

Para sua função ofensiva, o AT-6TH está equipado com armas versáteis. Isso inclui o pod de metralhadora FN Herstal HMP400, que abriga uma metralhadora FN M3P calibre .50 capaz de disparar a 1.100 tiros por minuto – ideal para fogo supressor em situações de perigo iminente. Ele também pode transportar pods de foguetes LAU-131/A, capazes de disparar tantos foguetes Hydra 70 não guiados quanto o Sistema Avançado de Armas de Precisão (APKWS) guiado por laser, oferecendo uma opção de ataque preciso e com baixo dano colateral. Para autoproteção, o AT-6TH é equipado com o sistema de alerta de aproximação de mísseis AN/AAR-47, que pode detectar ameaças desde mísseis em aproximação até clarões de boca de armas de pequeno porte e RPG.

Com um custo por hora de voo estimado em apenas um décimo do de um F-16, o AT-6TH Wolverine não é apenas uma aeronave nova – é um divisor de águas. Ele fornece à Força Aérea Real Tailandesa uma solução sustentável, altamente capaz e perfeitamente personalizada para proteger suas fronteiras e gerenciar com eficácia os complexos desafios de segurança do século XXI.

Seguindo o sucesso do T-50 Golden Eagle, a Coreia do Sul decide agora desenvolver seu primeiro caça a jato de produção nacional. Com capacidades ainda mais poderosas que o seu antecessor, o KAI KF-21A Boramae inicia uma nova era na indústria aeroespacial sulcoreana que passará a dominar tecnologias de última geração, além de impulsionar o mercado de trabalho com a geração de diversos empregos. Com a entrega da primeira unidade de produção prevista para o segundo semestre de 2026, o KF-21 irá renovar grande parte da frota de aeronaves de combate da Força Aérea da República da Coreia a partir dos próximos anos.

Ângelo Melo

O KF-21 Boramae (Jovem Falcão) deverá equipar a ROKAF a partir de 2026. A relação custo-benefício e o eficiente processo de produção deverão impulsionar as vendas do Boramae no mercado externo após sua entrada em serviço na ROKAF. Foto: ROKAF.
O KF-21 Boramae (Jovem Falcão) deverá equipar a ROKAF a partir de 2026. A relação custo-benefício e o eficiente processo de produção deverão impulsionar as vendas do Boramae no mercado externo após sua entrada em serviço na ROKAF. Foto: ROKAF.

Com o fim da guerra da Coreia e a assinatura do Tratado de Defesa Mútua de 1953, a República da Coreia (ou Coreia do Sul) tornou-se um dos principais aliados dos Estados
Unidos. A parceria entre os dois países alavancou o desenvolvimento da indústria sulcoreana nos últimos 70 anos, tornando a Coreia do Sul um dos maiores produtores de tecnologia do mundo. Atualmente o país apresenta um crescimento tecnológico e produtivo em diversos setores de sua indústria, especialmente o de defesa, que vem se desenvolvendo rapidamente através do apoio norte-americano no fornecimento de know-how, equipamentos, intercâmbios tecnológicos e programas de desenvolvimento conjunto.

No setor aeroespacial, a indústria sul-coreana se destaca nas últimas décadas com desenvolvimento e coprodução de aeronaves civis de fabricantes americanas, além do desenvolvimento e produção nacional de aeronaves militares que são atualmente utilizadas pela Força Aérea da República da Coreia (Republic of Korea Air Force – ROKAF) e outras forças aéreas. A Korea Aerospace Industries (KAI) estabeleceu-se no mercado de aeronaves de treinamento com o desenvolvimento dos modelos KC-100 Naraon, KT-1 Woongbi e o T-50 Golden Eagle, aeronaves exportadas para diversos países. Mas os planos para a futura indústria aeroespacial sul-coreana se tornariam mais ambiciosos e não ficariam limitados apenas ao mercado de aeronaves de treinamento. O próximo grande passo se daria com o desenvolvimento doméstico de uma aeronave de combate.

Motivação

A ROKAF possui uma grande frota de aeronaves de combate, constituída predominantemente por aeronaves americanas. No início da década de 2000 a ROKAF
iniciou estudos para futura substituição de sua frota de F-4D/E Phantom e F-5E/F Tiger II. Com a demanda por novas aeronaves aparecendo no horizonte, o governo sul-coreano precisou tomar uma decisão de profundas consequências: importar um lote de uma nova aeronave ou produzir localmente.

O protótipo 001 KF-21A decola armado com quatro misseis MBDA Meteor. Apesar do design furtivo, os KF-21 Block 1 não são equipados com compartimento interno de armas. Foto: KAI.
O protótipo 001 KF-21A decola armado com quatro misseis MBDA Meteor. Apesar do design furtivo, os KF-21 Block 1 não são equipados com compartimento interno de armas. Foto: KAI.

A aquisição de um novo lote permitiria resolver mais rapidamente o problema de idade da frota, algo fundamental frente à constante ameaça da vizinha Coreia do Norte. Por outro lado, o país continuaria dependendo do seu principal fornecedor. Já a opção de construção nacional, apesar de mais custosa, permitiria a médio prazo atender as demandas da ROKAF, além do retorno financeiro a médio e longo prazo, ao impulsionar o desenvolvimento da indústria local com geração de empregos, desenvolvimento e pesquisa na área além de um futuro potencial de exportação. O governo decidiu então uma solução hibrida: a compra de um lote de caças para atender as necessidades mais urgentes de atualização de seu inventário em conjunto com a produção nacional de uma aeronave de combate de 5a geração.

O governo da Indonésia, visando desenvolver sua indústria aeroespacial, decide participar do desenvolvimento do futuro caça sul-coreano ainda durante os estudos iniciais. A futura parceria foi oficializada em julho de 2010 em um acordo em que o governo indonésio se comprometeria financiar 20% dos custos do programa em troca de um protótipo, participação no desenvolvimento dos sistemas, compartilhamento de dados técnicos e resultados de pesquisas, além de coprodução.

O centro de pesquisas da universidade de Konkuk definiu alguns requisitos básicos para o sucesso do projeto. A nova aeronave deveria ter capacidades de combate de 5a geração, ser multimissão e ter capacidades de furtividade, além de apresentar desempenho superior ao F-16 com maior alcance de combate. Deveria ser impulsionada por dois motores com capacidade de impulso acima de 220kN e capacidade de sustentar voo em supercruise. A possibilidade de produzir um caça de 5a geração vinha sendo cogitada desde 2012, porém, o veto dos Estados Unidos em 2015 ao acesso de tecnologias derivadas do F-35 resultou na diminuição dos requisitos de furtividade. Fatores orçamentários também resultaram da diminuição do escopo de requisitos da nova aeronave, sendo rebaixada para um caça de geração 4.5 com capacidades limitadas de furtividade, porém com potencial de evolução para uma aeronave de 5a geração em versões futuras, seguindo a metodologia de produção em blocos.

A KAI iniciou a produção simultânea de seis protótipos do KF-21 visando empregar quatro aparelhos em testes de voo e dois em ensaios em solo. Foto: KAI.
A KAI iniciou a produção simultânea de seis protótipos do KF-21 visando empregar quatro aparelhos em testes de voo e dois em ensaios em solo. Foto: KAI.

Nasce o KF-X

Em setembro de 2014 a Agência de defesa da Corea do Sul (DAPA – Defense Acquisition Program Administration) propôs um acordo de compra de 40 caças F-35A, englobando a transferência de 25 tecnologias da Lockheed Martin para a KAI. O governo norte-americano aprovou em dezembro de 2015 a transferência limitada de tecnologias, vetando o acesso a dados críticos do F-35 como o radar de varredura ativa eletrônica (AESA), sistema infravermelho de busca e rastreamento (IRST), pod eletro-óptico e jammer de RF.

O programa KF-X (Korean Fighter eXperimental) foi oficialmente iniciado em janeiro de 2016 com um custo de desenvolvimento estimado em US$ 7,3 bilhões para projetar e produzir o caça multifuncional avançado para a ROKAF. O programa seria conduzido pela KAI e pela Agência para Desenvolvimento de Defesa (Agency for Defense Development – ADD).

Desenvolvimento

Entre 2016 e 2018 o programa focou em pesquisa, desenvolvimento e no projeto conceitual da fuselagem. A fase inicial de concepção produziu seis propostas distintas de configurações de design, algumas baseadas no F-35 com um único motor e outras baseadas em leiaute europeu, com canards dianteiros. A proposta de projeto com único
motor foi descartada por ser considerada inadequada ao tetro de operações indonésio. O conceito proposto pela ADD em conjunto com a KAI apresentava uma fuselagem um
pouco maior que as outras propostas e equipado com dois motores. O C109 apresentava uma configuração muito semelhante a um caça de 5a geração, com características de furtividade e equipado com dois motores GE F414. Em 2018, após dois anos de ensaios em túnel de vento, o conceito C109 foi selecionado como base para o desenvolvimento e a construção do protótipo do KF-X.

A partir de 2019 a KAI inicia os preparativos para a produção dos protótipos. Em setembro de 2019, o conceito foi certificado após uma Revisão Crítica de Projeto (CDR) permitindo assim o início da fase de produção. A KAI iniciou a produção simultânea de seis protótipos do KF-X visando empregar quatro aparelhos em testes de voo e dois em ensaios em solo. A previsão de entrega das unidades estava prevista para 2021. Segundo o cronograma, os aparelhos seriam submetidos a uma fase de ensaios e testes de quatro anos, com a conclusão da fase de desenvolvimento em meados de 2026.

A produção dos primeiros 40 KF-21 Block 1 foi iniciada em 2024. A ROKAF deve receber o primeiro KF-21 em setembro de 2026, com a conclusão das entregas prevista para o final de 2028. Foto: KAI.
A produção dos primeiros 40 KF-21 Block 1 foi iniciada em 2024. A ROKAF deve receber o primeiro KF-21 em setembro de 2026, com a conclusão das entregas prevista para o final de 2028. Foto: KAI.

Diferente de outros programas de desenvolvimento, o KF-X não foca na produção nacional de todos os componentes da aeronave. O objetivo central é o de desenvolver uma aeronave de geração 4.5 ao menor custo. Para isso, os componentes e tecnologias-chave são desenvolvidos localmente sempre que for possível ou devido à falta de fornecedores externos, caso contrário, emprega-se tecnologias de fornecedores estrangeiros já consolidados no mercado. Dessa forma, cerca de 60% dos componentes do tipo são desenvolvidos nacionalmente. Essa abordagem permite otimizar o desempenho da produção ao evitar custos e tempo em pesquisa e desenvolvimento de cada componente, além de diminuir o custo unitário. O radar AESA foi desenvolvido pela sul-coreana Hanwha Systems. O desenvolvimento do radar contou com consultorias externas como a israelense Elta Systems e a Saab. A Hanwha Systems também desenvolveu o rastreador infravermelho (IRST) e o pod eletro-óptico. A suíte integrada de guerra eletrônica foi desenvolvida pela sul-coreana LIG Nex1.

Surge o Jovem Falcão

O primeiro protótipo do KF-21 (001) foi apresentado oficialmente durante uma cerimônia realizada no dia 9 de abril de 2021 nas instalações da KAI em Sacheon. O evento contou com a participação do presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in e do primeiro-ministro da Indonésia, Prabowo Subianto, e revelou ao público o nome do novo caça que passou a ser denominado KF-21 Boramae (Jovem Falcão) em homenagem ao Parque Boramae em Seul, antiga sede da Academia da ROKAF. A aeronave apresentada possui um desenho muito semelhante ao F-22, resultado da consultoria técnica recebida pela Lockheed Martin durante o desenvolvimento.

O KAI KF-21 Boramae realizou o primeiro voo em 19 de julho de 2022. O protótipo KF-21-001 decolou de Sacheon realizando um voo de 40 minutos para testes de manobras em baixa velocidade (215 nós). O voo do protótipo fixou um marco histórico na indústria nacional sul-coreana. O segundo voo foi realizado dez dias depois, em 29 de julho, com duração de 39 minutos, e perfazendo ensaios necessários para a certificação do modelo. O protótipo 002 (ou KF-21-002) voou em 10 de novembro de 2022. O 003 (KF-21-003), realizou o seu primeiro voo a 5 de janeiro de 2023, em Sacheon. O protótipo 004 (KF-21-004), primeiro biposto, voou em 20 de fevereiro de 2023.

Em janeiro de 2023, o KF-21 realizou seu primeiro voo supersônico ao quebrar a barreira do som a uma altitude de 40 mil pés. Os protótipos foram submetidos a diversos ensaios, incluindo voos noturnos, em configuração adversas de tempo, reabastecimento em voo, lançamentos de mísseis Meteor e IRIS-T e disparos de armas. O modelo foi declarado provisoriamente adequado para combate em maio de 2023, e atingiu a velocidade máxima de Mach 1.8 em maio de 2024.

Os protótipos do KF-21 já realizaram mais de 1.100 surtidas executando uma série de testes operacionais, incluindo voos em condições adversas de tempo, voos noturnos, reabastecimento em voo (REVO) e emprego de armas. Na foto, o protótipo 004 é visto durante o primeiro REVO noturno em abril de 2025. Foto: ROKAF.
Os protótipos do KF-21 já realizaram mais de 1.100 surtidas executando uma série de testes operacionais, incluindo voos em condições adversas de tempo, voos noturnos, reabastecimento em voo (REVO) e emprego de armas. Na foto, o protótipo 004 é visto durante o primeiro REVO noturno em abril de 2025. Foto: ROKAF.

Produção

O cronograma de produção do KF-21 para a ROKAF previa a construção de 120 caças, sendo 40 Block I e 80 Block II. Em março de 2024 a KAI recebeu a aprovação da DAPA para produzir o primeiro lote de caças KF-21A Block I. O contrato foi orçado em US$ 5,8 bilhões para a produção de 20 unidades, metade que a KAI esperava para o primeiro lote de produção. O motivo da redução é incerto, mas segundo algumas fontes seria uma estratégia da DAPA para avaliar o nível de maturidade da produção e o desempenho das primeiras unidades em emprego real antes de autorizar a produção do restante.

Outro motivo seria a necessidade de um tempo maior de testes do radar AESA produzido localmente e da integração da plataforma com misseis ar-ar. Em junho de 2025 a DAPA autorizou a produção do segundo lote de aeronaves Block I. De acordo com as últimas estimativas, a ROKAF deve receber seu primeiro KF-21 em setembro de 2026, com a entrega de todas as 40 unidades até o final de 2028. Com o início do desenvolvimento do Block II previsto para 2025, o primeiro KF-21 Block II deve entrar em serviço a partir de 2028, e a entrega das 120 aeronaves deve ser concluída até 2032.

Futuras versões

O KF-21 Block I é a versão inicial de produção, com perfil operacional voltado para superioridade aérea. Disponível nas versões KF-21A (monoposto) e KF-21B (biposto), o
Block I é um caça semi-stealth (semifurtivo) com estrutura furtiva, mas sem compartimento interno de armas, o que o caracteriza como uma aeronave de geração 4.5, ou seja, com desempenho entre o F-16C de 4a geração e o F-35A, de 5a geração.

O KF-21 Block II é a evolução da versão inicial para permitir um perfil operacional multimissão. A aeronave deverá ter a mesma fuselagem do Block I mas com integrações adicionais de sistemas para expandir o perfil de missões, agregando capacidade de ataque ao solo e reconhecimento. Para isso a aeronave irá receber um software aprimorado para possibilitar a integração com uma gama maior de armamentos, incluindo misseis ar-superfície e antinavio.

O radar AESA desenvolvido pela sul-coreana Hanwha Systems é um dos principais componentes desenvolvidos domesticamente. A Hanwha iniciou a produção em série do radar em agosto de 2025, e deve entregar 40 unidades entre 2025 e 2028 que equiparão os primeiros lotes do KF-21 atualmente em produção. Foto: Hanwha Systems.
O radar AESA desenvolvido pela sul-coreana Hanwha Systems é um dos principais componentes desenvolvidos domesticamente. A Hanwha iniciou a produção em série do radar em agosto de 2025, e deve entregar 40 unidades entre 2025 e 2028 que equiparão os primeiros lotes do KF-21 atualmente em produção. Foto: Hanwha Systems.

A estratégia de produção e marketing para o KF-21 visa comercializar o quanto antes uma versão básica do aparelho e deixar o desenvolvimento de versões mais poderosas e complexas para o futuro, caso o sucesso do modelo se confirme. Dessa forma, a KAI está desenvolvendo três novas versões do KF-21. As novas apresentarão melhorias e capacidades específicas para cada perfil operacional:

• KF-21SA – versão específica para exportação. A ideia é fornecer uma plataforma de
combate altamente customizável para atender as necessidades específicas dos teatros de operação de cada cliente;

• KF-21EA – versão de guerra eletrônica. Essa versão deve ser baseada no KF-21B, com o posto traseiro totalmente remodelado com novos dispositivos, permitindo a operação dos sistemas pelo oficial de Guerra Eletrônica (EWO). A aeronave receberá integrações com sistemas de guerra eletrônica, como novos dispositivos de Inteligência eletrônica e ataque eletrônico. A aeronave deverá ser armada com misseis antirradiação, permitindo ao aparelho operar missões de supressão de defesas aéreas inimigas. O objetivo da KAI é disponibilizar uma aeronave com perfil operacional semelhante ao EA-18G Growler.

• KF-21EX – é a variante mais avançada. Com o KF-21EX, a KAI pretende realizar uma total reformulação na plataforma com o objetivo de produzir uma aeronave de geração 5.5. Para isso, a nova versão deverá receber uma extensa remodelagem estrutural para aumentar a furtividade. Dentre os itens necessários, um dos mais críticos é a adição de compartimentos internos de armas, que permitirão a operação de armamentos como o GBU-31 JDAM (Joint Direct Attack Munition) e mísseis BVR MBDA Meteor.

A atualização estrutural ainda contará com a remodelagem do radome, canopy e antenas, além do emprego de materiais radar-absorventes para permitir diminuir ao máximo a assinatura do RCS (Radar Cross-Section). A aeronave deverá ser equipada com um radar AESA aprimorado e diversos novos sensores e aviônicos de última geração. O KF-21EX deverá ser capaz de operar como plataforma de controle de aeronaves não tripuladas no conceito MUM-T (Manned-Unmanned Teaming) além de diversas outras melhorias como o aumento da consciência situacional, fusão de sensores, adição de um sistema de Mira Eletro-Óptica (Electro-Optical Targeting System – EOTS), um suíte de guerra eletrônica atualizado, além de diversas melhorias do software embarcado, como a inclusão de um computador de missão com inteligência artificial.

• KF-21N – Uma versão naval denominada KF-21N começou a ser estudada após o Ministério da Defesa Nacional (MND) anunciar que pretendia desistir da produção do seu navio aeródromo CVX para adquirir um porta aviões maior, caso uma aeronave embarcada fosse produzida nacionalmente. A KAI iniciou um projeto conceitual para converter o KF-21 em uma aeronave embarcada, incluindo um novo projeto das asas, 20% maiores para aumentar a estabilidade e dobráveis para otimizar a capacidade de transporte. Outras modificações estruturais serão necessárias para permitir operações CATOBAR (Catapult Assisted Take-Off Barrier Arrested Recovery) e STOBAR (Short Take-Off, Barrier Arrested Recovery), como o emprego de trens de pouso reforçados e a adição de um gancho de parada. Em setembro de 2022 a KAI apresentou um modelo conceitual para o KF-21N durante a feira DX 2022.

O cockpit do KF-21 deverá ser equipado com um único display multifuncional touch screen integrado com o capacete do piloto e ao HUD (Head-Up Display). O painel deverá fornecer diversas informações táticas, incluindo contatos do radar e informações sobre o estado do motor e armamentos. Foto: KAI.
O cockpit do KF-21 deverá ser equipado com um único display multifuncional touch screen integrado com o capacete do piloto e ao HUD (Head-Up Display). O painel deverá fornecer diversas informações táticas, incluindo contatos do radar e informações sobre o estado do motor e armamentos. Foto: KAI.

O modelo apresentado apresentava configuração para operações CATOBAR (decolagem assistida por catapulta e recuperação por cabos de arrasto) apresentando dimensões um pouco maiores que o Block I, com 17 metros de comprimento, 12 metros de envergadura, cinco metros de altura e um peso máximo de decolagem de 25,6 toneladas. Segundo o fabricante o KF-21N pode atingir uma velocidade máxima de Mach 1.6 e transportar uma carga útil de sete toneladas.

Especificações Técnicas

O KF-21 Boramae possui 16,9 m de comprimento, 11,2 m de envergadura, 4,7 m de altura e uma área alar de 46,5m2. A aeronave é propulsionada por dois motores turbofan General Electric F414-GE-400K com capacidade de 57.8 kN de impulso seco e 97.9 kN com póscombustão, permitindo um peso máximo de decolagem de 25.600 kg (56.400 libras). O KF-21 Boramae Block-1 possui 10 pontos de fixação externos, podendo transportar até 7,700 kg de armas. O Peso vazio da aeronave é de 11.800 kg e possui capacidade de transportar 6.000 kg de combustível. Em termos de desempenho, o KF-21 possui uma velocidade máxima de Mach 1.8 (2.200 km/h) e um raio de combate estimado de 1000 km.

Armamentos

O KF-21 Block I será armado com um canhão rotativo M61A2 Vulcan de 20 mm além de uma diversa gama de misseis e bombas que poderão ser distribuídas em 10 pontos de fixação (6 subalares e 4 sob a fuselagem central. O KF-21 deverá operar os seguintes armamentos:

• Mísseis ar-ar MBDA Meteor, Diehl IRIS-T, AIM-120 AMRAAM, AIM-9X Sidewinder, ASRAAM e o coreano SRAAM-II;

• Mísseis ar-superfície AGM-65 Maverick, Taurus KEPD 350, KALCM Cheonryong, KARM (Korean Anti-Radar Missile), MBDA Brimstone, SPEAR 3, AGM-84 Harpoon, Taurus KEPD 350;

• Bombas: CBU-87 CEM, CBU-97 SFW, Mk 82 e Mk 84 (a partir do Block 2);

• Bombas guiadas de precisão: JDAM, KGGB 2, CBU-105 WCMD, previsto para o Block 2: GBU-54/56 LJDAM, GBU-12 LGB, KGGB e GBU-39 SDB.

O KF-21 Block 1 é armado com um canhão rotativo M61A2 Vulcan de 20 mm e diversos misseis e bombas que poderão ser distribuídos em dez pontos de fixação, sendo subalares e quatro sob a fuselagem central. Foto: KAI.
O KF-21 Block 1 é armado com um canhão rotativo M61A2 Vulcan de 20 mm e diversos misseis e bombas que poderão ser distribuídos em dez pontos de fixação, sendo subalares e quatro sob a fuselagem central. Foto: KAI.

Perspectivas de mercado

Egito – A DAPA em conjunto com a KAI vem promovendo seus produtos ao Egito, que pretende atualizar sua frota de treinadores e caças. O KAI FA-50 foi oferecido ao Egito durante uma visita de uma delegação sul-coreana em agosto de 2022. Na ocasião, o Egito demonstrou interesse não só no treinador, mas também no KF-21.

Indonésia – A parceria entre os dois países no programa KF-21 vem sendo enfraquecida por episódios que vão desde a falta de pagamentos à espionagem industrial. Desde 2016, a Indonésia falhou diversas vezes em honrar seus compromissos com o orçamento do programa. Em fevereiro de 2024, segundo a DAPA, engenheiros indonésios estariam sendo investigados por suposto roubo de dados sensíveis do programa KF-21. Os engenheiros foram proibidos de deixar o país durante as investigações. Em agosto de 2024 a Coreia do Sul concordou em diminuir a contribuição orçamentária da Indonésia no programa e finalmente em junho de 2025, os países assinaram um acordo que diminuiu a participação da Indonésia de 20% para pouco mais de 7%. O acordo também ratificou a compra de 48 unidades do caça pela Indonésia, além da participação da estatal PT Dirgantara Indonesia na coprodução das unidades.

Malásia – A Força Aérea Real da Malásia (RMAF) atualmente busca atualizar sua frota no âmbito do seu programa Multi-Role Combat Aircraft (MRCA) que visa a aquisição de uma aeronave de combate multimissão. Dentre os concorrentes, o país estuda o russo Sukhoi Su-57 Felon e o KAI KF-21 Boramae. Em fevereiro de 2025 o comandante da RMAF, General Tan Sri Khan, visitou as instalações da KAI para supervisionar a linha de produção do KAI FA-50, além dos protótipos do KF-21.

Peru – Segundo um anúncio feito pela KAI em abril de 2025, o Peru estaria avaliando o KF-21 como um dos concorrentes do seu projeto de modernização da frota de caças. Além do KF-21, o Peru avalia também o jato de combate leve KAI F/A-50. Em novembro de 2024, os países assinaram um memorando de entendimento (MoU) entre a KAI e a estatal peruana SEMAN com o objetivo de produzir componentes do F/A-50 no Peru. A Força Aérea Peruana (FAP) opera 12 treinadores KAI KT-1P que foram montados no país através de um acordo de transferência de tecnologia. Atualmente o Peru conta com uma envelhecida frota composta por aeronaves Mig-29, Su-25, Cessna A-37 e Dassault Mirage 2000. A relação custo-benefício das aeronaves sul-coreanas aliada a uma parceria já consolidada entre os dois países aumenta as chances de o Peru se tornar um futuro operador do F/A-50 e KF-21 Boramae.

Os protótipos do KF-21 estão sendo submetidos a diversos ensaios de emprego de armas desde 2023. Na foto, o protótipo 002 lança um míssil MBDA BVR Meteor. Foto: ROKAF.
Os protótipos do KF-21 estão sendo submetidos a diversos ensaios de emprego de armas desde 2023. Na foto, o protótipo 002 lança um míssil MBDA BVR Meteor. Foto: ROKAF.

Filipinas – Em agosto de 2022, o porta-voz da Força Aérea das Filipinas (PhAF) Coronel Maynard Mariano declarou estar considerando o KF-21 como um dos concorrentes do seu programa de aeronave de combate multifunção (MRF). Segundo Mariano, o KF-21 é o mais furtivo que qualquer caça de 4a geração. O custo unitário do caça sul-coreano é outro ponto a favor. O programa MRF da Força Aérea das Filipinas pretende adquirir um lote de 12 caças de 4a geração, com capacidade de integração com os sistemas de radar empregados pela PhAF e com um alcance de 250 milhas náuticas. A PhAF também já é cliente da KAI, operando 12 F/A-50Ph.

Polônia – O rápido desenvolvimento do KF-21 vem aumentando as chances da Polônia se tornar um novo operador do caça sul-coreano. O país já é cliente da KAI, utilizando 12 caças F/A-50GF, além de um pedido de 36 F/A-50PL, fabricados especificamente para a Força Aérea Polonesa. Atualmente, a Polônia estuda a aquisição de um modelo para complementar a frota de F-35 e já recebeu propostas para a compra do Eurofighter
Typhoon e Boeing F-15EX. No último dia 28 de junho uma delegação da Força Aérea Polonesa visitou a sede da KAI na Coreia do Sul. Durante a visita o comandante da Força Aérea Polonesa, General Ireneusz Nowak e o comandante da ROKAF, General Lee Youngsoo realizaram um voo no KF-21B. O bom relacionamento comercial entre os países e a necessidade de reequipagem da frota polonesa devem aumentar as chances da escolha do modelo em breve.

Arábia Saudita – Os governos da Coreia do Sul e da Arábia Saudita mantêm conversações em termos de cooperação em pesquisa e desenvolvimento de produtos de defesa. O governo Saudita expressou interesse em participar do desenvolvimento das novas versões do KF-21.

Os motores GE F414-GE-400K que irão equipar os KF-21 Block 1 são produzidos localmente pela Hanwha Systems. Foto: Hanwha.
Os motores GE F414-GE-400K que irão equipar os KF-21 Block 1 são produzidos localmente pela Hanwha Systems. Foto: Hanwha.

Espanha – Com o aumento da incerteza em relação a compra do F-35 no âmbito do programa do Futuro Sistema Aéreo de Combate (FCAS), a Força Aérea Espanhola (Ejército del Aire y del Espacio – EdAE) e a Armada Espanhola estudam uma alternativa para substituir seus velhos F-18 e AV-8B Harrier II. Dentre as opções, o TAI KAAN e o KAI KF-21 Boramae são considerados alternativas viáveis em relação ao F-35 e estão em estudos.

Um ponto a favor ao KF-21 Boramae é o seu custo unitário, mas a falta de maturidade do modelo é algo que só será determinado após a entrada em serviço.

Emirados Árabes Unidos

Os Emirados Árabes Unidos também pretendem estreitar sua parceira com a Coreia do Sul no desenvolvimento de defesa. Atualmente o governo emirático aguarda a implantação dos sistemas de defesa antiaérea Cheongung-II (M-SAM II) encomendados à Coreia do Sul em 2022, e procura firmar um acordo de cooperação no desenvolvimento do KF-21.

Em abril de 2025, durante a visita da delegação emirática à Base Aérea de Sacheon, o comandante da Força Aérea dos Emirados Árabes (EAUAF), Major General Rashid al-Shamsi, e da ROKAF, General Lee Young-soo, assinaram uma carta de intenções para cooperação abrangente no programa de desenvolvimento do KF-21. Durante a ocasião o Major General al-Shamsi realizou um voo no protótipo do KF-21Boramae.

O protótipo 005 durante o primeiro teste de reabastecimento em voo. O KF-21 opera o sistema de transferência de combustível Flying Boom (lança). O reabastecimento em voo é uma funcionalidade essencial para maximizar a capacidade operacional do KF- 21 em missões de longo alcance. Foto: ROKAF.
O protótipo 005 durante o primeiro teste de reabastecimento em voo. O KF-21 opera o sistema de transferência de combustível Flying Boom (lança). O reabastecimento em voo é uma funcionalidade essencial para maximizar a capacidade operacional do KF- 21 em missões de longo alcance. Foto: ROKAF.

Considerações finais

O desenvolvimento do KF-21 Boramae foi marcado por diversos desafios. Mesmo com todo o apoio recebido pelos Estados Unidos, a Coreia do Sul precisou investir em pesquisa e desenvolvimento para preencher lacunas do projeto que não puderam ser preenchidas pelas consultorias externas. Por outro lado, a negativa americana em ceder dados sensíveis de tecnologias do F-35 promoveram a independência tecnológica das indústrias nacionais sul-coreanas com o desenvolvimento nacional dos sensores da aeronave, incluindo o radar AESA, que foi um desafio à parte. A produção nacional do motor ainda permanece em estudos, e é muito provável que os Blocks I e II ainda sejam equipados com o motor GE F414-GE-400K fabricado sob licença pela Hanwha Aerospace.

Um ponto positivo do programa de desenvolvimento do KF-21 foi a redução do escopo inicial, permitindo a entrega de uma versão mais enxuta, mas com potencial de agregar novas capacidades em versões futuras. A estratégia de produção em blocos permitirá antecipar a introdução do modelo no mercado, evitando um aumento progressivo do tempo de produção de uma versão cheia de capacidades, mas altamente complexa, o que acarretaria atrasos decorrentes de validações, correções de projetos além de atrasos de entregas de fornecedores, como foi o caso do F-35.

Outro ponto de destaque é a velocidade de produção. A Coreia do Sul desenvolveu um processo de fabricação inteligente que permitirá a produção dos primeiros lotes em tempo recorde. Embora as capacidades do KF-21 Boramae já tenham sido demonstradas durante a série de testes realizados, o mercado parece ainda aguardar a entrada em serviço no próximo ano para avaliar a maturidade do modelo em emprego real.

A estratégia de produção em blocos permitirá antecipar a introdução do KF-21 Boramae no mercado, além de permitir a evolução do aparelho em versões futuras. Foto: ROKAF.
A estratégia de produção em blocos permitirá antecipar a introdução do KF-21 Boramae no mercado, além de permitir a evolução do aparelho em versões futuras. Foto: ROKAF.

Comparando o desenvolvimento do KF-21 com o turco TAI KAAN, apenas pouco mais da metade dos componentes do aparelho foram produzidos domesticamente, o que demonstra o enorme desafio que envolve um projeto desse porte. Porém, seguindo outros países, a Coreia do Sul está galgando os últimos degraus para alcançar seu lugar entre os países com capacidade de produção nacional de um caça de combate de 5a geração.

Criadas na esteira do conflito das Ilhas Falkland, em 1982, as British Forces South Atlantic Islands (Forças Britânicas das Ilhas do Atlântico Sul – BFSAI) são formadas por unidades das três forças armadas britânicas. Com seu Quartel-General sediado nas Ilhas Falkland, as BFSAI têm uma grande área geográfica de abrangência, com mais de 6.000 milhas de extensão, cobrindo desde a Ilha Ascensão até o Território Antártico Britânico.

Rudnei Dias da Cunha

Dois Eurofighter Typhoon FRG4 Tranche 1 da Esquadrilha 1435 da RAF, que guarnecem o arquipélago 24 horas por dia nos 365 dias do ano. Em breve, estes Thyphoons devem ser substituídos pelo modelo FGR4 Tranche 4. Foto: RAF/Andy Donovan.
Dois Eurofighter Typhoon FRG4 Tranche 1 da Esquadrilha 1435 da RAF, que guarnecem o arquipélago 24 horas por dia nos 365 dias do ano. Em breve, estes Thyphoons devem ser substituídos pelo modelo FGR4 Tranche 4. Foto: RAF/Andy Donovan.

As Ilhas Falkland (ou Ilhas Malvinas) são um arquipélago distante aproximadamente 500 km da Patagônia e 1.200 km do ponto mais ao norte da Antártida. Formado por 778 ilhas, as duas maiores são denominadas Falkland Oeste e Falkland Leste (na qual se localiza a capital, Port Stanley). As ilhas têm um terreno bastante inóspito, varrido por ventos constantes, o que impede a presença de árvores, sendo coberto por vegetação rasteira. O relevo é irregular, com planícies ao sul e montes ao norte nas duas ilhas principais. A maior elevação é o Monte Usborne, na ilha Falkland Leste, com 705 m de altura.

As ilhas são um território ultramarino britânico, com governo próprio; a defesa das ilhas e a sua representação exterior ficam a cargo do governo do Reino Unido. Com uma população de aproximadamente 3.600 pessoas, as ilhas oferecem um bom padrão de vida aos seus habitantes, com uma renda per capita anual de quase 100.000 dólares, fruto da exploração econômica das águas em sua zona exclusiva e do turismo.

O painel no monumento situado à frente do terminal de passageiros do complexo de Mount Pleasant indica sua natureza conjunta, integrando elementos das três forças armadas britânicas. O Phantom FGR.2, ao fundo, simboliza a Esquadrilha N.º 1435, responsável pela defesa aérea das Ilhas Falkland. Foto: RAF.BFSAI.
O painel no monumento situado à frente do terminal de passageiros do complexo de Mount Pleasant indica sua natureza conjunta, integrando elementos das três forças armadas britânicas. O Phantom FGR.2, ao fundo, simboliza a Esquadrilha N.º 1435, responsável pela defesa aérea das Ilhas Falkland. Foto: RAF.BFSAI.

Fonte de disputa territorial entre o Reino Unido e a Argentina, desde meados do século XIX, as Ilhas Falkland foram invadidas pela Argentina no dia 2 de maio de 1982. A resposta britânica foi imediata, levando à chamada Guerra das Falkland ou Malvinas. O envio de uma força-tarefa naval britânica para a retomada das ilhas levou a um conflito de grande intensidade, com batalhas navais, aéreas e terrestres, culminando com a rendição argentina, em 14 de junho do mesmo ano.

Criação da infraestrutura de defesa das Ilhas Falkland

Após a vitória do Reino Unido no conflito, as forças militares britânicas nas Ilhas Falkland e nas Ilhas Geórgias do Sul foram organizadas sob um comando denominado British Forces Falkland Islands (BFFI). As BFFI compreendiam as unidades lá desdobradas, que incluíam caças Phantom FGR.2 e Harrier GR.3 (operando desde o aeroporto de Port Stanley, capital das Falkland), bem como belonaves (destroieres e/ou fragatas) e tropas do exército e dos fuzileiros navais.

Vista aérea do complexo de Mount Pleasant, com a pista principal em destaque; à direita, a área destinada à operação de helicópteros e área de estacionamento de aeronaves de grande porte, como os Voyager KC.2 (Airbus A330 MRTT) e Atlas C.1 (Airbus A400M). Ao fundo, a pista transversal, normalmente utilizada para as operações dos caças Typhoon FGR.4 da Esquadrilha N.º 1435. Foto: RAF.
Vista aérea do complexo de Mount Pleasant, com a pista principal em destaque; à direita, a área destinada à operação de helicópteros e área de estacionamento de aeronaves de grande porte, como os Voyager KC.2 (Airbus A330 MRTT) e Atlas C.1 (Airbus A400M). Ao fundo, a pista transversal, normalmente utilizada para as operações dos caças Typhoon FGR.4 da Esquadrilha N.º 1435. Foto: RAF.

A pista do aeroporto de Stanley era de extensão reduzida (originalmente de 1.350 m, à qual foi adicionada uma extensão de escape de mais 500 m) e permitia apenas a operação dos Phantoms em margens mínimas de segurança, bem como reduzia a capacidade de carga de aeronaves de transporte, para as quais sequer havia áreas adequadas para estacionamento. Além disso, a pista de acesso ao aeroporto era estreita, dificultando o transporte de carga; isso sem contar na falta de instalações adequadas para abrigar tripulações, mecânicos e outras tropas.

Assim, em junho de 1983, o governo britânico anunciou a construção de um complexo militar situado na ilha Falkland Leste, a 33 milhas de Stanley. Nesse complexo, além de pistas de pouso e decolagem de aeronaves, também seriam construídas instalações militares para o exército, residências e escola para os militares, posto médico e o QG das BFFI. Duas pistas foram construídas: a 10/28 com 2.589 m, e a 05/23 com 1.525 m, as quais se interceptam mais próximo à cabeceira da pista 28. Irradiando da pista 05/23, há uma série de hangares para abrigar caças; ao lado da outra pista, próximo à cabeceira da pista 10, fica o parque de estacionamento para aeronaves de maior porte, com um terminal de passageiros. Mais adiante, fica o heliporto, com dois helipads.

Um Atlas C.1 pertencente à Esquadrilha N.º 1312, fornece o meio de transporte aerotático. A foto foi tirada durante o primeiro voo no qual um Atlas foi reabastecido em voo operacional; o encontro com a aeronave Voyager KC.2 da mesma esquadrilha, que havia decolado das Falklands, se deu na altura da Ilha Ascensão, situada entre as costas do Brasil e da África. Foto: RAF.
Um Atlas C.1 pertencente à Esquadrilha N.º 1312, fornece o meio de transporte aerotático. A foto foi tirada durante o primeiro voo no qual um Atlas foi reabastecido em voo operacional; o encontro com a aeronave Voyager KC.2 da mesma esquadrilha, que havia decolado das Falklands, se deu na altura da Ilha Ascensão, situada entre as costas do Brasil e da África. Foto: RAF.

Conhecido como RAF Mount Pleasant, Mount Pleasant Complex ou, ainda, Mount Pleasant Airport (MPA), abriga entre 1.000 e 2.000 militares e alguns familiares. Inaugurado em 12 de maio de 1985, o complexo se tornou plenamente operacional no ano seguinte, com a transferência dos caças Phantom para lá, bem como de tropas do exército. O curto espaço de tempo no qual foi construído dá uma ideia da urgência de se reforçar e prover a defesa adequada das ilhas, a fim de impedir qualquer nova agressão argentina.

Estrutura das BFSAI

As BFSAI estão baseadas no Complexo Mount Pleasant e em várias estações remotas como uma demonstração visível da soberania do Reino Unido sobre as Ilhas Falkland. Elas também são responsáveis pela demonstração da soberania sobre as Ilhas Geórgia do Sul e Sandwich do Sul, além de serem responsáveis pela atividade militar do Reino Unido na Ilha de Ascensão, parte do território britânico d’além-mar de Santa Helena, Ascensão e Tristão da Cunha.

O mapa mostra os territórios ultramarinos britânicos, com as Ilhas Falkland, Ilhas Geórgias do Sul e Sandwich do Sul e o Território Antártico Britânico. Juntamente com as ilhas de Ascensão, Santa Helena e Tristão da Cunha, as BFSAI têm sob sua responsabilidade uma área com mais de 6000 km de extensão. Arte: Rudnei Dias da Cunha.
O mapa mostra os territórios ultramarinos britânicos, com as Ilhas Falkland, Ilhas Geórgias do Sul e Sandwich do Sul e o Território Antártico Britânico. Juntamente com as ilhas de Ascensão, Santa Helena e Tristão da Cunha, as BFSAI têm sob sua responsabilidade uma área com mais de 6000 km de extensão. Arte: Rudnei Dias da Cunha.

As BFSAI são comandadas por um oficial-general de 1 estrela – Comodoro (Marinha), Brigadeiro (Exército) ou Comodoro do Ar (Força Aérea) – usualmente selecionado em rotação entre as três forças. Atualmente, o comando é exercido pelo Brigadeiro Charlie Harmer, oficial de artilharia com experiência em Kosovo, Afeganistão e Iraque.

O dispositivo militar britânico no Atlântico Sul está sediado, em sua maioria, nas Ilhas Falkland; um pequeno destacamento da Royal Air Force (RAF), com 20 militares, é sediado na base da RAF em Ascensão, no campo de Wideawake, onde há uma pista de pouso, com 3.400 m de extensão; a maior presença militar em Ascensão, no entanto, é da US Space Force (USSF), a qual tem radares de rastreamento empregados para apoiar os lançamentos de foguetes feitos em Cabo Canaveral, Flórida (EUA).

Nas Falkland, estão sediados pessoal e meios das três forças armadas britânicas, além da Força de Defesa das Ilhas Falkland (Falkland Islands Defence Force – FIDF).

Dois Typhoon FGR.4 da Esquadrilha N.º 1435 fazem um “break” para o fotógrafo. Cinco dessas aeronaves se encontram sediadas em Mount Pleasant. Foto: RAF/Andy Donovan.
Dois Typhoon FGR.4 da Esquadrilha N.º 1435 fazem um “break” para o fotógrafo. Cinco dessas aeronaves se encontram sediadas em Mount Pleasant. Foto: RAF/Andy Donovan.

Royal Navy

Dois navios e um destacamento naval compõem os elementos da Royal Navy (RN).

Naval Party 2010 (NP2010): Este destacamento naval é responsável por operar as instalações portuárias em Mare Harbour, situada na Ilha Falkland Leste, no estreito de Choiseul. Esse porto recebe cargas destinadas ao complexo de Mount Pleasant, servindo também de depósito, e atende aos navios da RN sediados nas Falkland ou que passem por lá.

HMS Forth (P222): É uma embarcação de patrulha oceânica (offshore patrol vessel – OPV), da classe River bloco 2. O HMS Forth foi comissionado em 13 de abril de 2018 e, em janeiro de 2020, foi designado para operações nas Falkland e ilhas adjacentes. O navio é equipado com um canhão de 30 mm na proa e quatro reparos para metralhadoras 0.50 pol e 7,62 mm; em sua popa, situa-se um convoo capaz de receber um helicóptero AgustaWestland Merlin Mk. 2 ou Mk. 4.

Duas baterias de defesa antiaérea MBDA Sky Sabre, empregando os mísseis interceptadores CAMM e CAMM-ER, encontram-se sediadas nas Falklands. A foto mostra o veículo lançador à esquerda com oito tubos de lançamento, e o veículo transportador do radar Saab Giraffe. Foto: RAF.
Duas baterias de defesa antiaérea MBDA Sky Sabre, empregando os mísseis interceptadores CAMM e CAMM-ER, encontram-se sediadas nas Falklands. A foto mostra o veículo lançador à esquerda com oito tubos de lançamento, e o veículo transportador do radar Saab Giraffe. Foto: RAF.

HMS Protector (A173): É uma embarcação de patrulha de gelo. Foi construído pela Noruega em meados dos anos 2000. Como MV Polarbjørn, foi contratado pelo Ministério da Defesa britânico (MOD) para operações na Antártica em 2011, em substituição ao HMS Endurance, que havia sido desativado em 2008. Em setembro de 2013, foi adquirido pelo MOD.

Exército Britânico

A guarnição do Exército Britânico nas Falkland é sediada no complexo de Mount Pleasant e é composta por quatro elementos, listados a seguir.

Uma companhia de infantaria (entre 100 e 150 militares), destacada dentre os regimentos do exército para serviço nas Falkland, por um período de aproximadamente 4 meses. Atualmente, é uma companhia do 2º Batalhão do regimento “The Rifles”, parte da 51ª Brigada (Escocesa) de Infantaria; ela sucedeu a uma companhia do 3º Batalhão do Regimento de Paraquedistas.

Duas baterias de defesa antiaérea do 16º Regimento da Artilharia Real, parte do 7º Grupo de Defesa Aérea. Essas baterias utilizam o sistema MBDA Sky Sabre (também conhecido como Land Ceptor – a versão naval, Sea Ceptor, é armamento orgânico das novas fragatas classe Tamandaré da Marinha do Brasil, ora em construção), o qual é composto por radares de detecção e engajamento Saab Giraffe, com alcance de 120 km; uma unidade de comando e controle que utiliza o sistema Modular Integrated C4I Air & Missile Defence System (MIC4AD) da empresa israelense Rafael; e por quatro a 12 lançadores paletizados de mísseis interceptadores CAMM (Common Anti-Air Modular Missile) ou CAMM-ER, com alcances superiores a 25 e 45 km, respectivamente. Os três componentes do sistema são montados em caminhões.

Um esquadrão de engenheiros militares.
Uma unidade de comunicações.
Um destacamento de logística e serviços de apoio.

É importante ressaltar que o Exército Britânico dispõe, até o momento, de apenas seis baterias Sky Sabre; o desdobramento de duas delas para a proteção das Falkland, em 2022, dá uma noção da importância atribuída pelo governo britânico à região. Devido à crescente ameaça russa, em agosto de 2025, o governo britânico adquiriu mais seis sistemas Land Ceptor.

O Voyager KC.2 é a aeronave de reabastecimento em voo empregado pela Esquadrilha N.º 1312 Foto: RAF/Andy Donovan.
O Voyager KC.2 é a aeronave de reabastecimento em voo empregado pela Esquadrilha N.º 1312 Foto: RAF/Andy Donovan.

Royal Air Force

A Força Aérea Real Britânica (RAF) mantém uma presença importante nas Falkland, desde o final do conflito de 1982. Atualmente, ela consiste na Ala Aérea Expedicionária Nº 905, comandada por um coronel-aviador, à qual estão subordinadas duas esquadrilhas; outra unidade da RAF faz o controle radar de tráfego aéreo e interceptação.

Como já citado, um esquadrão de Phantom FGR.2 operou inicialmente no aeroporto de Port Stanley, passando depois para a base da RAF em Mount Pleasant. Devido às diferenças marcantes de operação dos Phantom nas Falkland e na região principal de atuação da RAF, na Europa Ocidental, os pilotos serviam em rotação, por períodos de 6 meses, sendo destacados dentre os esquadrões de Phantom da RAF. O primeiro esquadrão lá sediado foi o Nº 29, passando depois para o de Nº 23.

Em fins de 1983, foi reativada a Esquadrilha Nº 1435, uma unidade da RAF de longa tradição, formada em 4 de dezembro de 1941, na ilha de Malta. Nas Falkland, a esquadrilha operou os Harrier GR.3 desde a pista em Port Stanley, até maio de 1985, quando foi desativada.

Em novembro de 1988, o Esquadrão Nº 23 foi transferido para o Reino Unido, passando a operar o Panavia Tornado F.3. Para substituí-lo, a Esquadrilha Nº 1435 foi novamente reativada, passando a operar quatro dos Phantoms FGR.2 que tinham sido do efetivo do Esquadrão Nº 23, a partir da base em Mount Pleasant.

Três deles foram batizados como Faith, Hope e Charity, em alusão aos caças Gloster Gladiator, que defenderam a ilha de Malta entre 1940 e 1941. Um quarto Phantom foi batizado como Desperation.

A foto mostra a cabine de voo de um Atlas C.1, durante a Operação “COLDSTARE”, para monitorar o meio ambiente e atividades de pesca em torno das Ilhas Sandwich do Sul, utilizando reconhecimento marítimo com auxílio do radar instalado na aeronave. Foto: RAF.
A foto mostra a cabine de voo de um Atlas C.1, durante a Operação “COLDSTARE”, para monitorar o meio ambiente e atividades de pesca em torno das Ilhas Sandwich do Sul, utilizando reconhecimento marítimo com auxílio do radar instalado na aeronave. Foto: RAF.

Em julho de 1992, os Phantoms foram substituídos pelos Tornado F.3, os quais operaram até setembro de 2009, quando foram, por sua vez, substituídos por cinco Typhoon FGR.4. Assim como os Phantoms, tanto os Tornados como os Typhoons mantiveram a tradição, usando os mesmos nomes de aeronaves, identificados pela letra inicial do nome, pintado na deriva.

Além dos caças, a RAF mantém também a Esquadrilha Nº 1312, a qual opera um Voyager KC.2 de reabastecimento aéreo e um A400M Atlas C.1. Além de missões estritamente de cunho militar, essas duas aeronaves apoiam as atividades das estações de pesquisa no Território Antártico Britânico, com o Voyager reabastecendo em voo o Atlas, em um voo com mais de 4.000 km de distância percorrida (ida e volta).

A ligação aérea entre o Reino Unido e as Falkland é feita através de voos, dois por semana em cada direção, ligando a base aérea de Brize Norton a Mount Pleasant. São empregadas as aeronaves Voyager KC.2, pertencentes ao consórcio AirTanker e que opera o voo em proveito do MOD, com duração de 18 horas e escala em Ascensão.

Os serviços de helitransporte nas Ilhas Falkland são terceirizados, realizados pela Bristow International Helicopters (BIH). A foto mostra um dos Sikorsky S92 da empresa, transportando uma carga externa presa ao gancho ventral da aeronave. Foto: BIH.
Os serviços de helitransporte nas Ilhas Falkland são terceirizados, realizados pela Bristow International Helicopters (BIH). A foto mostra um dos Sikorsky S92 da empresa, transportando uma carga externa presa ao gancho ventral da aeronave. Foto: BIH.

Para prover a adequada cobertura radar das Ilhas Falkland, existem três estações, duas delas situadas na Ilha Falkland Oeste (em Monte Alice e nas elevações de Byron); a outra fica em Monte Kent, na Ilha Falkland Leste. Essas estações de radar são designadas na RAF como Remote Radar Heads (RRH) e encontram-se em terrenos com as seguintes elevações: RRH Mount Alice, 353 m; RRH Byron Heights, 492 m; e RRH Mount Kent, 444 m.

Desde outubro de 1998, essas três estações são controladas remotamente desde o Centro de Controle Radar (inaugurado em outubro daquele ano) no complexo de Mount Pleasant, operado pela Unidade de Sinais Nº 303 da RAF.

O Atlas C.1 da Esquadrilha N.º 1312 realizou recentemente o maior lançamento aéreo de carga dos últimos anos, pela RAF, por uma única aeronave. Foto: RAF/BFSAI.
O Atlas C.1 da Esquadrilha N.º 1312 realizou recentemente o maior lançamento aéreo de carga dos últimos anos, pela RAF, por uma única aeronave. Foto: RAF/BFSAI.

O leitor deve ter notado a ausência de aeronaves rotativas na descrição anterior. Isso se deve ao fato de que, desde 2022, a RAF não opera mais helicópteros nas Falkland. A empresa Bristow International Helicopters foi contratada para prover os serviços de busca e salvamento e de transporte utilitário, empregando os helicópteros AgustaWestland AW189 (SAR) e Sikorsky S92.

Falkland Islands Defence Force

As Falkland Islands Defence Force (ou FIDF) são uma força voluntária de defesa, subordinada diretamente ao Governo-Geral das Ilhas Falkland, e que atua em conjunto com as forças armadas britânicas. Suas origens remontam ao Corpo de Voluntários das Ilhas Falkland, criado em 1892. Durante a I Guerra Mundial, seus membros foram mobilizados para a defesa das ilhas, pois a presença de um esquadrão da Marinha Imperial Alemã era uma ameaça tangível.

Esse esquadrão, composto por dois cruzadores blindados e três cruzadores leves foi engajado por uma força naval britânica, a qual contava com dois cruzadores blindados, um cruzador leve e um cruzador auxiliar, ao largo da costa do Chile, na Batalha de Coronel, em 1º de novembro de 1914. A batalha terminou em severa derrota para a Marinha Real, a qual perdeu os dois cruzadores blindados, com a perda de 1.660 marinheiros. Essa derrota fez com que a Marinha Real enviasse uma força bem superior para destruir o esquadrão alemão, incluindo dois cruzadores de batalha.

Cada fardo pesando quase 900 kg foi lançado de uma altitude de 3.000 pés nas vizinhanças de Goose Green, local de célebre batalha durante o conflito de 1982. Tal lançamento serviu como teste para missões de larga escala em apoio a operações de assistência humanitária e socorro em desastres. Foto: RAF.
Cada fardo pesando quase 900 kg foi lançado de uma altitude de 3.000 pés nas vizinhanças de Goose Green, local de célebre batalha durante o conflito de 1982. Tal lançamento serviu como teste para missões de larga escala em apoio a operações de assistência humanitária e socorro em desastres. Foto: RAF.

No dia 8 de dezembro de 1914, as duas forças navais se encontraram novamente, na Batalha das Falkland, quando navios alemães tentaram ingressar na enseada de Port Stanley para atacar os navios britânicos que ali haviam fundeado, no dia anterior. A batalha naval ocorreu à vista da população, e culminou com a destruição de quatro belonaves e dois navios de transporte alemães, eliminando a ameaça alemã no Atlântico Sul.

O corpo de voluntários foi desativado, em 1919, ressurgindo no ano seguinte, agora designado como Falkland Islands Defence Force (FIDF). Durante a II Guerra Mundial, a FIDF foi mobilizada novamente, manejando alguns postos de artilharia em torno de Port Stanley. Aproximadamente 150 de seus membros serviram nas forças armadas britânicas, dos quais 26 perderam suas vidas em combate.

Com o término da II Guerra Mundial, um destacamento de fuzileiros navais foi estabelecido nas ilhas, e as FIDF passaram a desempenhar atividades cerimoniais. No entanto, em 28 de setembro 1966, um grupo de extremistas argentinos sequestrou uma aeronave DC-4 e a levou até as Falkland, pousando na pista de corrida de cavalos em Port Stanley, em uma ação simbólica de tomada das ilhas. Após pousarem, tomaram como reféns quatro pessoas. Juntamente com os fuzileiros navais, elementos da FIDF controlaram a situação e o grupo extremista se rendeu, sem baixas. Essa ação fez com que a FIDF permanecesse em alerta até fevereiro do ano seguinte.

O Typhoon FGR.4 é a ponta de lança da defesa aérea nas Ilhas Falkland. A foto mostra a aeronave “Charity”, indicada pela letra C na deriva, numa tradição que remonta aos tempos da Batalha Aérea de Malta, em 1940-1943. Foto: RAF.
O Typhoon FGR.4 é a ponta de lança da defesa aérea nas Ilhas Falkland. A foto mostra a aeronave “Charity”, indicada pela letra C na deriva, numa tradição que remonta aos tempos da Batalha Aérea de Malta, em 1940-1943. Foto: RAF.

Durante a Guerra das Falkland, seus membros foram novamente mobilizados. No entanto, muitos dos seus 120 membros moravam em localidades remotas e, devido à inexistência de estradas na época, apenas 32 se apresentaram a tempo e, juntamente com os fuzileiros navais, resistiram à invasão argentina. Alguns dos seus membros foram presos por tropas argentinas durante a ocupação.

Atualmente, a FIDF tem um efetivo aproximado de 200 integrantes, sendo metade na chamada reserva primária. Compondo uma companhia de infantaria, eles realizam treinamento semanal de 1 dia, voluntário. Além disso, desempenham tarefas secundárias de busca e salvamento montanhista e, quando necessário, integram-se à tripulação do navio de patrulha FPV Lilibet, operado pelo governo das Ilhas Falkland, para policiamento de atividades ilegais na zona exclusiva econômica em torno das ilhas.

Considerações finais

Hoje, 43 anos passados do fim da guerra de 1982, a Argentina está para receber caças multifuncionais relativamente modernos, na figura dos 24 Lockheed Martin F-16AM/BM adquiridos da Dinamarca (RDAF). Tais vetores representam, teoricamente, um potencial ameaça às forças britânicas nas Falkland – ainda que relatos na mídia deem conta de que tais aeronaves terão suas capacidades ofensivas degradadas.

A estratégia de defesa das Ilhas Falkland e demais ilhas próximas baseia-se na capacidade de prover um rápido reforço do dispositivo militar lá sediado. Para isso, a infraestrutura montada nas ilhas permite manter estoques de suprimentos, prontos para uso em caso de necessidade.

Um AgustaWestland AW139 da Bristow International Helicopters realiza um treinamento de evacuação aeromédica desde o navio de patrulha oceânica HMS Forth, atualmente operando nas Falklands. Foto: BIH.
Um AgustaWestland AW139 da Bristow International Helicopters realiza um treinamento de evacuação aeromédica desde o navio de patrulha oceânica HMS Forth, atualmente operando nas Falklands. Foto: BIH.

Outro fator importante diz respeito à adaptação e ao treinamento de tropas para combater nas ilhas, através da rotação de diferentes formações, cujo terreno é bastante diferente, sem a presença de árvores para ocultamento e dispersão de tropas, e cuja vegetação rasteira e os chamados “rios de pedras” (formações geológicas que remontam ao fim da última era glacial, 10.000 A.C.) dificultam a locomoção a pé. Nesse sentido, a falta de helicópteros militares sediados nas ilhas é um óbice a uma eventual necessidade de emprego, que teriam de ser transportados por via aérea e/ou marítima.

O reforço de tropas seria feito por meio de uma ponte aérea desde o Reino Unido, com aeronaves Airbus Voyager KC.2 e Airbus Atlas C.1. Para esse fim, a pista de pouso da ilha Ascensão é importantíssima, para permitir uma escala em território britânico na ponte aérea que seria estabelecida.

Para permitir o estabelecimento da ponte aérea, o dispositivo de defesa aérea nas Ilhas Falkland permite detectar e rastrear eventuais ameaças. A presença dos caças Typhoon, armados com mísseis ar-ar MBDA Meteor BVRAAM, permitiria manter a superioridade aérea em torno das ilhas e garantir a segurança da ponte aérea, com reabastecimento em voo tanto dos Eurofigter Typhoon como dos Airbus Atlas C.1.

Ressalta-se, ainda, a possibilidade de desdobramento de porta-aviões da classe Queen Elizabeth (R08 e R09) para reforçar a defesa aérea em torno das Ilhas Falkland, com o grupo aéreo embarcado dispondo dos caças F-35B Lightning II e helicópteros Westland Merlin Mk. 4.

O HMS Forth (P222) é um navio de patrulha oceânico da classe River bloco 2. O navio foi destacado para operar desde as Ilhas Falkland em 2020, e realiza missões de patrulha marítima, controle do meio ambiente, e de vigilância às atividades de pesca entre outras. Em 2021, o HMS Forth transportou as vacinas antivírus COVID-19 para a Ilha de Tristão da Cunha, para imunizar toda a população daquela remota localidade no Atlântico Sul. Foto: BFSAI.
O HMS Forth (P222) é um navio de patrulha oceânico da classe River bloco 2. O navio foi destacado para operar desde as Ilhas Falkland em 2020, e realiza missões de patrulha marítima, controle do meio ambiente, e de vigilância às atividades de pesca entre outras. Em 2021, o HMS Forth transportou as vacinas antivírus COVID-19 para a Ilha de Tristão da Cunha, para imunizar toda a população daquela remota localidade no Atlântico Sul. Foto: BFSAI.

Em menos de 24 horas, aviadores americanos abateram 11 aeronaves MiGs inimigas em uma sucessão de combates intensos que marcaram o dia mais decisivo da guerra aérea no Vietnã, também conhecido como “o mais longo dos dias!”

Marcelo Ribeiro da Silva

“Showtime 100”, o F-4J de Randy “Duke” Cunningham e Willy “Irish” Driscoll, foi impiedoso naquele 10 de maio de 1972 sob os céus do Vietnã do Norte. Nada menos do que três aeronaves inimigas foram abatidas pelos dois aviadores navais antes de serem eles também derrubados e resgatados. O desempenho acima da média dos Phantom II naquele dia ajudou a coroá-los como “caça por excelência” do conflito. Arte: Philip E West @1999.
“Showtime 100”, o F-4J de Randy “Duke” Cunningham e Willy “Irish” Driscoll, foi impiedoso naquele 10 de maio de 1972 sob os céus do Vietnã do Norte. Nada menos do que três aeronaves inimigas foram abatidas pelos dois aviadores navais antes de serem eles também derrubados e resgatados. O desempenho acima da média dos Phantom II naquele dia ajudou a coroá-los como “caça por excelência” do conflito. Arte: Philip E West @1999.

Poucos dias na história da aviação de combate condensam tanta intensidade, tecnologia e drama humano quanto o 10 de maio de 1972. Foi o início formal da Operação Linebacker, a ofensiva aérea mais agressiva dos Estados Unidos contra o Vietnã do Norte desde o fim da Rolling Thunder, encerrada em 1968.

O dia 10 de maio foi também uma data histórica para o combate aéreo. MiGs e Phantoms se enfrentaram como nunca antes, escrevendo para sempre um capítulo especial nos livros de história da aviação militar.

Era uma quarta-feira. Enquanto nos Estados Unidos a população seguia a vida normal e o conflito no Sudeste Asiático já não despertava o mesmo interesse, do outro lado do mundo milhares de militares americanos estavam prontos para lançar o maior ataque coordenado daquele ano e um dos maiores do conflito.

Um F-4B Phantom II deita sobre a asa esquerda e mostra suas garras: dois mísseis AIM-9D Sidewinder. Esses mísseis, guiados por infravermelho, eram uma versão atualizada do primeiro modelo, o AIM-9B, anteriormente utilizado pela aviação naval dos Estados Unidos. O AIM-9D foi utilizado no dia 10 de maio, e foi o responsável por algumas das perdas de aeronaves da Força Aérea Popular do Vietnã (VPAF). Foto: U.S. Navy.
Um F-4B Phantom II deita sobre a asa esquerda e mostra suas garras: dois mísseis AIM-9D Sidewinder. Esses mísseis, guiados por infravermelho, eram uma versão atualizada do primeiro modelo, o AIM-9B, anteriormente utilizado pela aviação naval dos Estados Unidos. O AIM-9D foi utilizado no dia 10 de maio, e foi o responsável por algumas das perdas de aeronaves da Força Aérea Popular do Vietnã (VPAF). Foto: U.S. Navy.

Do convés de três porta-aviões que navegavam no Golfo de Tonkin e das pistas das bases aéreas na Tailândia, dezenas de F-4 Phantom II rugiam em decolagens sucessivas e com um objetivo bem definido: neutralizar o poder ofensivo e defensivo do Vietnã do Norte e sufocar a chamada Ofensiva de Páscoa, iniciada por Hanói semanas antes.

A ordem de missão era clara. O presidente Nixon havia liberado o uso irrestrito da força aérea e aeronaval norte-americana para atingir centros logísticos, linhas férreas, depósitos de combustível, instalações antiaéreas, pontes estratégicas e qualquer outro alvo que contribuísse para o avanço das forças norte-vietnamitas. Pela primeira vez desde o início do conflito os pilotos americanos poderiam operar sem as limitações geográficas e políticas impostas até então. Não havia mais as “zonas proibidas” sobre Hanói. A guerra aérea havia retornado em sua forma plena.

A preparação

No Vietnã do Norte, os radares estavam ligados antes do nascer do sol. Os postos de defesa antiaérea já aguardavam um ataque. Ao longo dos anos, a Força Aérea Popular do Vietnã (VPAF) havia aperfeiçoado uma doutrina baseada na negação do espaço aéreo por meio de um tripé defensivo: canhões antiaéreos, mísseis superfície-ar – os famosos SAMs (Surface-to-Air Missiles) e interceptações de MiGs orientadas por controle terrestre.

Vista superior do “Showtime 100”, código de rádio do caça F-4J Phantom II pilotado pelo ás, tenente Randy Cunningham, e tendo como tripulante especialista em radar e armas o tenente J.G. Willy Driscoll. Esse caça abateu três MiG-17 “Fresco” no dia 10 de maio; porém, foi atingido fatalmente momentos depois e caiu no oceano. Ambos os tripulantes se ejetaram com sucesso e foram resgatados com vida. Foto: U.S. Navy.
Vista superior do “Showtime 100”, código de rádio do caça F-4J Phantom II pilotado pelo ás, tenente Randy Cunningham, e tendo como tripulante especialista em radar e armas o tenente J.G. Willy Driscoll. Esse caça abateu três MiG-17 “Fresco” no dia 10 de maio; porém, foi atingido fatalmente momentos depois e caiu no oceano. Ambos os tripulantes se ejetaram com sucesso e foram resgatados com vida. Foto: U.S. Navy.

Os pilotos vietnamitas estavam bem cientes de que os ataques, quando começassem novamente, seriam realizados por uma força aérea mais numerosa, tecnologicamente superior e ainda mais agressiva. Mas sabiam também onde estava sua superioridade: no conhecimento do terreno, na proximidade dos campos de pouso dos alvos americanos e no elemento surpresa.

Naquela manhã, a prontidão era quase total. Estima-se que mais de 100 caças estavam disponíveis, entre MiG-17s, MiG-21s e os problemáticos J-6 de origem chinesa (uma adaptação local do MiG-19). Os primeiros eram extremamente manobráveis em baixas altitudes, verdadeiros dançarinos dos céus. Já os MiG-21MF recém-recebidos eram supersônicos, com radares mais avançados, e armas de curto alcance letais, como o mísseis ar-ar R-3S (AA-2A ‘Atoll’), versão soviética do AIM-9B Sidewinder. A despeito da inferioridade numérica, havia confiança nas táticas de emboscada.

Do lado americano, muito havia mudado desde os primeiros anos da guerra. A Operação Rolling Thunder (1965-1968) havia revelado vulnerabilidades táticas, especialmente no combate aéreo. A USAF e a US Navy sofreram perdas que evidenciaram a necessidade de revisão profunda em doutrina, armamento e treinamento. O F-4 Phantom II, apesar de ser um caça de grande desempenho, havia sido originalmente projetado sem canhão, confiando apenas em mísseis guiados. Essa decisão mostrou-se desastrosa quando os combates se aproximavam e os mísseis falharam.

O Major Robert Lodge e o Capitão Roger Locher esperam a próxima missão em um F-4D Phantom II antes do 10 de maio de 1972. O F-4 de Lodge e Locker foi o primeiro caça americano a ser abatido naquele dia. Lodge caiu com o avião e foi considerado KIA (Killed in Action) enquanto Roger Locher conseguiu ejetar-se quando o Phantom perdia altura, e veio a ser o protagonista de uma das mais impressionantes missões de resgate do conflito. Foto: USAF.
O Major Robert Lodge e o Capitão Roger Locher esperam a próxima missão em um F-4D Phantom II antes do 10 de maio de 1972. O F-4 de Lodge e Locker foi o primeiro caça americano a ser abatido naquele dia. Lodge caiu com o avião e foi considerado KIA (Killed in Action) enquanto Roger Locher conseguiu ejetar-se quando o Phantom perdia altura, e veio a ser o protagonista de uma das mais impressionantes missões de resgate do conflito. Foto: USAF.

Em resposta aos fracassos, duas instituições foram protagonistas na mudança do jogo: a Fighter Weapons School, da USAF, baseada em Nellis, Nevada, e o lendário programa Navy Fighter Weapons School (NFWS), o famoso curso TopGun, da US Navy, implementado em 1969 em Miramar, próximo a San Diego, na Califórnia. Ambos os programas foram aperfeiçoados ou criados (como foi o caso do TopGun) para treinar novamente os pilotos, promover combates simulados realistas e aperfeiçoar técnicas de manobra ofensiva e evasiva. Os resultados começaram a aparecer já a partir de 1970 e seriam decisivos nos encontros com os oponentes em 1972.

Além disso, os aviões também evoluíram. Os novos F-4E, usados naquele dia, tinham um canhão interno M61 de 20 mm, suprimindo a principal deficiência do modelo anterior. Os AIM-9 Sidewinders foram aperfeiçoados e os AIM-7E-2, versão melhorada do Sparrow, agora ofereciam maior taxa de acerto. Algumas unidades da USAF passaram a operar com o sistema Combat Tree (APX-81), que lia os transponders dos MiGs soviéticos, permitindo aos pilotos “ver” seus alvos antes mesmo de avistá-los de fato, o que acarretou em uma virada de mesa no combate BVR (Beyond Visual Range – Além do Alcance Visual).

Randy Cunningham e Driscoll, já salvos na sala de briefing do esquadrão VF-96 “Fighting Falcons” após terem sido resgatados, contam aos seus colegas aviadores como foram os combates naquele dia 10 de maio. Cunningham faleceu recentemente, no dia 27 de agosto de 2025, aos 83 anos, em um hospital em Little Rock, no estado americano de Arkansas. Foto: U.S. Navy.
Randy Cunningham e Driscoll, já salvos na sala de briefing do esquadrão VF-96 “Fighting Falcons” após terem sido resgatados, contam aos seus colegas aviadores como foram os combates naquele dia 10 de maio. Cunningham faleceu recentemente, no dia 27 de agosto de 2025, aos 83 anos, em um hospital em Little Rock, no estado americano de Arkansas. Foto: U.S. Navy.

Mais importante talvez tenha sido a mudança de mentalidade. Muitos dos pilotos que decolaram no dia 10 de maio eram veteranos de 1967/68. Haviam aprendido da pior forma o que não fazer. Outros, mais jovens, foram treinados por esses veteranos. O espírito era diferente. A agressividade, disciplinada. A confiança, acompanhada de técnica. Não eram mais “meninos indo à guerra”, mas combatentes treinados, informados, coordenados.

Foi com essa combinação explosiva – de tecnologia de ponta, preparação intensa e pressão política máxima – que os dois lados se encontraram nos céus do norte do Vietnã naquele dia 10. Para cada MiG decolando de Kep, Phuc Yen ou Yen Bai, havia dois Phantoms patrulhando com sensores ativos. Para cada SAM preparado em um vale camuflado, havia um Wild Weasel com radar ativo e mísseis Shrike antirradiação prontos para disparar. Era o encontro inevitável entre duas forças que se prepararam por anos para aquele exato momento.

E as forças chegariam em ondas. Ataques programados decolando de porta-aviões a cada quatro horas. Missões da USAF partindo de Udorn e Takhli com trajetórias cronometradas ao minuto. Escoltas armadas com mísseis e muita experiência. Do outro lado, caças MiG esperando por cima das nuvens ou vindo em rasantes guiados do solo.

O icônico F-4J Phantom II dos “Fighting Falcons”, embarcado no porta-aviões USS Constellation, revela além dos AIM-9D, os poderosos mísseis AIM-7E-2 Sparrow levados em duas das suas quatro estações ventrais. Estes eram mísseis do tipo além do alcance visual e guiados por radar, e alguns caças da VPAF tiveram seu fim decretado pelos Sparrow naquele dia. Foto: U.S. Navy.
O icônico F-4J Phantom II dos “Fighting Falcons”, embarcado no porta-aviões USS Constellation, revela além dos AIM-9D, os poderosos mísseis AIM-7E-2 Sparrow levados em duas das suas quatro estações ventrais. Estes eram mísseis do tipo além do alcance visual e guiados por radar, e alguns caças da VPAF tiveram seu fim decretado pelos Sparrow naquele dia. Foto: U.S. Navy.

O que se veria naquele dia seria mais do que caças em ação. Seria um ponto de inflexão na própria guerra aérea moderna. A cada manobra, a cada radar travado, a cada ejeção, um capítulo da aviação estava sendo escrito.

As missões do 10 de maio
O que aconteceu no dia 10 de maio de 1972 não foi um ataque improvisado. Pelo contrário: foi o resultado de muita engenharia logística e coordenação entre os ramos da aviação de combate americana. Do Golfo de Tonkin à Tailândia, dezenas de esquadrões se prepararam para uma operação que envolvia mais de 120 aeronaves.

A Marinha dos Estados Unidos lançou três grandes ataques do tipo Alpha naquele dia, as famosas ofensivas massivas e coordenadas com múltiplos objetivos táticos, a partir dos porta-aviões USS Constellation (CV-64), USS Coral Sea (CV-43) e USS Kitty Hawk (CV-63). Essas embarcações operavam ao largo da costa norte-vietnamita, e lançaram as aeronaves encarregadas de atacar as instalações críticas do inimigo.

Também embarcados no Constellation, um F-4J do esquadrão VF-92 “Silver Kings” como o da foto acima (porém, com o código 211) foi responsável pela destruição de um caça MiG-21 “Fishbed” da VPAF pertencente ao 921st Fighter Regiment e pilotado por Nguyen Van Ngai. Foto: U.S. Navy.
Também embarcados no Constellation, um F-4J do esquadrão VF-92 “Silver Kings” como o da foto acima (porém, com o código 211) foi responsável pela destruição de um caça MiG-21 “Fishbed” da VPAF pertencente ao 921st Fighter Regiment e pilotado por Nguyen Van Ngai. Foto: U.S. Navy.

Cada Alpha Strike contava com uma composição cuidadosamente pensada e equilibrada:
6 A-6A Intruder: aviões de ataque médio, com navegação avançada e capacidade de bombardeio em qualquer tempo.

10 A-7A/E Corsair II: caças-bombardeiros leves responsáveis por ataques secundários e alvos de oportunidade.

9 F-4B/J Phantom II: caças com duplo papel, de superioridade aérea e escolta.

4 F-4B Phantom II: incumbidos da supressão de AAA (artilharia antiaérea) com bombas de fragmentação e mísseis.

2 A-7A/E Corsair II atuando em missões “Iron Hand”: equipados com mísseis AGM-45 Shrike e encarregados de atacar os radares dos sistemas SAM.
Um ataque Alpha típico começava com o voo dos “Iron Hand”, que sondavam e neutralizavam os radares norte-vietnamitas. Em seguida, os A-6 e A-7 entravam em formação, protegidos por escoltas de F-4, que também estavam prontos para enfrentar os MiGs a qualquer momento. O objetivo não era apenas atingir o alvo, mas sobreviver à passagem pelo chamado “Anel de Ferro” de defesa de Hanói.

Um caça F-4J Phantom II do VF-92 acompanha outro F-4J do mesmo esquadrão no processo de reabastecimento aéreo conduzido por um KA-6B Intruder modificado para esse tipo de missão. Um dos caças do VF-92, tripulado pelo comandante H.L. Blackburn e pelo tenente LT S.A. Rudloff teria sido abatido por um MiG-21 norte-vietnamita durante os combates do dia 10 de maio de 1972, vitória essa contestada pelos norte-americanos. Foto: U.S. Navy.
Um caça F-4J Phantom II do VF-92 acompanha outro F-4J do mesmo esquadrão no processo de reabastecimento aéreo conduzido por um KA-6B Intruder modificado para esse tipo de missão. Um dos caças do VF-92, tripulado pelo comandante H.L. Blackburn e pelo tenente LT S.A. Rudloff teria sido abatido por um MiG-21 norte-vietnamita durante os combates do dia 10 de maio de 1972, vitória essa contestada pelos norte-americanos. Foto: U.S. Navy.

Enquanto a Marinha alvejava áreas costeiras como Haiphong e Hon Gai, a Força Aérea dos EUA (USAF), operando a partir de bases na Tailândia, concentrou sua força sobre o interior do Vietnã do Norte, especialmente sobre Hanói, o coração político e logístico do país. A USAF organizou suas formações em segmentos especializados:
16 F-4D Phantom II da 8th Tactical Fighter Wing (8th TFW): armados com bombas guiadas por laser e eletro-ópticas. Esses Phantoms eram responsáveis por ataques de precisão a alvos fixos, como a ponte Long Bien e o pátio ferroviário de Yen Vien.

4 F-4D Phantom II do 555th Tactical Fighter Squadron (555th TFS – os famosos “Triple Nickel”): responsáveis pela escolta aérea e interceptação. Equipados com o sistema Combat Tree, esses aviões podiam rastrear MiGs antes do contato visual.

5 F-105G “Wild Weasel” do 17th TFS: Eram encarregados da supressão de SAMs. Voavam à frente das formações, provocando os disparos inimigos retaliando em seguida com mísseis antirradar.
Além desses, outros aviões especializados lançavam fitas de alumínio (chaff) e iscas eletrônicas para confundir os radares norte-vietnamitas. Todo esse aparato fazia parte do planejamento meticuloso montado para penetrar a muralha mais temida do mundo naquele momento.

A defesa norte-vietnamita também respondeu de forma coordenada. Segundo relatos vietnamitas, todas as unidades disponíveis foram mobilizadas, incluindo MiG-17, MiG-19 e MiG-21 em todos os quatro regimentos operacionais, com apoio concentrado de baterias SAM e AAA nas áreas a sudeste de Hanói, como Pha Lai, Bac Ninh e Son Dong.

Os F-4 Phantom II eram os caças-padrão tanto da Marinha (USN) quanto da Força Aérea dos Estados Unidos naquele momento do conflito. No dia 10 de maio, representavam a força de defesa aérea dos demais aviões que participaram da ofensiva. Aqui, um F-4B do esquadrão VF-51 - “Screaming Eagles” é movimentado pelo convoo do USS Coral Sea durante o tour pelo sudeste asiático. Um dos F-4B do VF-51 foi responsável pela derrubada de um MiG-17 norte-vietnamita durante os combates daquele 10 de maio de 1972. Foto: U.S. Navy.
Os F-4 Phantom II eram os caças-padrão tanto da Marinha (USN) quanto da Força Aérea dos Estados Unidos naquele momento do conflito. No dia 10 de maio, representavam a força de defesa aérea dos demais aviões que participaram da ofensiva. Aqui, um F-4B do esquadrão VF-51 – “Screaming Eagles” é movimentado pelo convoo do USS Coral Sea durante o tour pelo sudeste asiático. Um dos F-4B do VF-51 foi responsável pela derrubada de um MiG-17 norte-vietnamita durante os combates daquele 10 de maio de 1972. Foto: U.S. Navy.

Cronologia dos combates

Às 09h20 da manhã, o espaço aéreo sobre Kep e os arredores de Hanói começaram a ferver. O “Oyster Flight”, composto por quatro F-4D Phantom II do 555th TFS, estava em órbita de patrulha, protegendo a entrada das formações de ataque da USAF. O Major Robert Lodge e o Capitão Roger Locher, voando com o indicativo “Oyster 1”, foram os primeiros a fazer contato eletrônico com os inimigos graças ao sistema Combat Tree. Eles localizaram uma formação de quatro MiG-21 que havia decolado de Kep e que aguardavam ordens para interceptar os bombardeiros americanos.

Lodge e Locher atacaram a formação de frente com mísseis AIM-7E-2 Sparrow. Um dos mísseis encontrou seu alvo e o MiG-21 se desintegrou no ar. A vitória foi imediata, mas não foi a única. O Capitão Steve Ritchie e seu WSO (Weapons System Officer) Charles DeBellevue, voando como “Oyster 3”, seguiram o engajamento e também dispararam um AIM-7 que derrubou outro MiG. Essa foi a primeira vitória aérea da dupla, que mais tarde se tornaria uma das mais lendárias do conflito. As vitórias eram também a prova viva da eficiência da interceptação BVR (além do alcance visual), uma das apostas mais ambiciosas da USAF na guerra.

Mas a batalha era dinâmica ao extremo e reservava surpresas. Enquanto tentava manobrar para atacar um quarto MiG, Lodge foi surpreendido por um ataque vindo de cima. Um J-6 (versão chinesa do MiG-19) disparou seu canhão de 30 mm e atingiu o Phantom II americano. Com o avião em chamas, Lodge disse a Locher: “Você pode ejetar se quiser”. Locher obedeceu e ejetou. Ele passaria os próximos 23 dias em fuga pela selva em território inimigo até ser resgatado pela USAF (ver destaque). Lodge, por sua vez, não saltou, seguindo até o solo com seu avião. Não se sabe se foi uma perda de consciência ou fruto de um mau funcionamento no assento ejetor. O dia deixava sua primeira vítima americana.

“Os Phantons USN/USAF”

Este F-4B Phantom II do esquadrão VF-51 - “Screaming Eagles”, do porta-aviões USS Coral Sea e pilotado pelos tenentes Ken L. Cannon e Roy A. Morris, foi responsável por abater um MiG-17 no dia 10 de maio de 1972. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.
Este F-4B Phantom II do esquadrão VF-51 – “Screaming Eagles”, do porta-aviões USS Coral Sea e pilotado pelos tenentes Ken L. Cannon e Roy A. Morris, foi responsável por abater um MiG-17 no dia 10 de maio de 1972. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.
Caça-bombardeiro F-4D Phantom II pertencente ao 555th Tactical Fighter Squadron, conhecido como os “Tripple Nickel”, tripulado pelos capitães Steve Ritchie e Charles DeBellevue. No dia 10 de maio os oficiais abateram um avião-norte vietnamita. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.
Caça-bombardeiro F-4D Phantom II pertencente ao 555th Tactical Fighter Squadron, conhecido como os “Tripple Nickel”, tripulado pelos capitães Steve Ritchie e Charles DeBellevue. No dia 10 de maio os oficiais abateram um avião-norte vietnamita. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.
Phantom pertencente ao VF-92 - “Silver Kings” com o qual os tenentes Curt Dosé e James McDevitt engajaram caças inimigos e abateram um MiG-21 foi usando um míssil AIM-9 Sidewinder. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.
Phantom pertencente ao VF-92 – “Silver Kings” com o qual os tenentes Curt Dosé e James McDevitt engajaram caças inimigos e abateram um MiG-21 foi usando um míssil AIM-9 Sidewinder. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.

Enquanto isso, às 10h05, os F-4D Phantom II da 8th TFW já estavam sobre Hanói tentando destruir a famosa ponte Long Bien com bombas guiadas por laser. As bombas foram lançadas com precisão e, apesar dos impactos, a estrutura ainda assim resistiu. Em contrapartida, o pátio de manobras de Yen Vien foi severamente danificado. Durante essas ações, as baterias SAM dispararam com intensidade. Mísseis SA-2 subiam pelo céu exigindo manobras evasivas extremas por parte dos pilotos americanos, que já lutavam contra a pressão, o calor, a força G e a ameaça aérea dos MiGs.

Em outro ponto do combate, já sobre a região a noroeste de Hanói, o 1º Tenente J. D. Markle e o capitão S. D. Eaves, ambos do 555th TFS da USAF, engajaram um par de MiG-21s que tentava interceptar uma formação de bombardeiros. Após manobras evasivas em alta velocidade, Markle lançou um AIM-7 Sparrow que atingiu em cheio a aeronave adversária. O MiG explodiu no ar, sendo este um dos três abates confirmados pelos Tripple Nickels naquele dia.

Às 12h30, foi a vez dos F-4J do esquadrão VF-92 – “Silver Kings” da Marinha dos Estados Unidos e embarcados no USS Constellation (CV 64) entrarem em cena. Rumando para Hai Duong, os Phantom foram também interceptados por caças MiG-21. O tenente Curt Dosé e o comandante James McDevitt, atuando como ala, engajaram os caças inimigos. Um dos MiGs foi atingido por um AIM-9 Sidewinder lançado por Dosé. “Explodiu no ar. Não houve tempo para ejeção”, relatou posteriormente. Outros MiGs tentaram se aproximar, mas recuaram ao detectar os reforços americanos se aproximando.

Pilotos de MiG-17 do 925° Esquadrão de Caça da VPAF discutem táticas em uma sessão de treinamento em uma imagem de 1971. Caças MiG-17 desempenharam um importante papel na defesa dos alvos sobre o Vietnã do Norte naquele dia 10 de maio e deram trabalho para os caças norte-americanos. Foto: National Museum of the U.S. Air Force.
Pilotos de MiG-17 do 925° Esquadrão de Caça da VPAF discutem táticas em uma sessão de treinamento em uma imagem de 1971. Caças MiG-17 desempenharam um importante papel na defesa dos alvos sobre o Vietnã do Norte naquele dia 10 de maio e deram trabalho para os caças norte-americanos. Foto: National Museum of the U.S. Air Force.

Às 13h00 chegou o clímax do dia. O VF-96 – “Fighting Falcons”, também embarcado no USS Constellation, envolveu-se em um dos confrontos mais memoráveis da guerra. Randy Cunningham e Willy Driscoll, a bordo do F-4J com indicativo “Showtime 100”, haviam acabado de liberar suas bombas quando encontraram múltiplos MiG-17 sobre a região sul de Hanói. Engajaram dois deles de imediato e ambos os caças norte-vietnamitas foram abatidos com AIM-9 Sidewinder de guiagem por calor.

Mas aquele seria o terceiro duelo que entraria para a história. Um MiG-17, provavelmente pilotado por Tra Van Kien, manobrava com precisão, desafiando o Phantom com curvas fechadas e manobras verticais. Por quase dez minutos os dois aviões dançaram no céu. Em uma escalada vertical, lado a lado, Cunningham finalmente conseguiu vantagem, travou o míssil e disparou. O MiG explodiu.

Com essa terceira vitória, Cunningham e Driscoll se tornaram os primeiros ases da US Navy na Guerra do Vietnã, com cinco abates confirmados (dois deles obtidos um no dia 19 de janeiro e o outro no dia 8 de maio do mesmo ano). Mais que um feito tático, foi um símbolo da superioridade aérea reconquistada.

Poucos minutos depois, porém, a sorte virou e o Showtime 100 foi atingido por um míssil SAM. Com o avião fora de controle, os dois tripulantes ejetaram sobre o Golfo de Tonkin e foram resgatados horas depois por um helicóptero da Marinha.

Este MiG-17 está preservado no Museu da Força Aérea dos Estados Unidos, localizado em Dayton, no estado de Ohio. O MiG-17 era um caça menos avançado do que o MiG-21, não possuía radar, mas era extremamente ágil e manobrável. No dia 10, entretanto, sete MiG-17 foram ao chão pelos mísseis dos caças da Marinha americana. Foto: National Museum of the U.S. Air Force.
Este MiG-17 está preservado no Museu da Força Aérea dos Estados Unidos, localizado em Dayton, no estado de Ohio. O MiG-17 era um caça menos avançado do que o MiG-21, não possuía radar, mas era extremamente ágil e manobrável. No dia 10, entretanto, sete MiG-17 foram ao chão pelos mísseis dos caças da Marinha americana. Foto: National Museum of the U.S. Air Force.

Mais kills

O duelo lendário entre Randy Cunningham e Willy Driscoll contra os MiG-17 ao sul de Hanói não encerrou a ação do VF-96 naquele dia. O esquadrão continuaria participando ativamente dos combates nas horas seguintes. Os tenentes Michael Connelly e Thomas Blonsky, também a bordo de um F-4J Phantom II, engajaram dois MiG-17s da 923ª FR que tentavam atingir uma formação de A-7 Corsair II e conseguiram abatê-los com mísseis AIM-9 Sidewinder. O ataque defensivo foi executado com precisão. Um dos MiGs explodiu antes mesmo de o piloto ter tempo de reagir. O outro tentou evadir com uma curva apertada em baixa altitude, mas também foi alcançado por um Sidewinder no momento da manobra e explodiu em chamas.

Minutos depois, ainda no mesmo setor aéreo, os tenentes Steven Shoemaker e Keith Crenshaw, também do VF-96, localizaram mais um MiG-17 se aproximando em alta velocidade. O caça inimigo fazia parte de uma formação de cobertura que tentava interceptar os aviões americanos após os ataques a alvos ferroviários em Hai Duong. Shoemaker e Crenshaw executaram uma manobra de flanco, posicionando-se às cinco horas da aeronave inimiga, e lançaram outro AIM-9. O impacto destruiu o MiG em pleno voo.

O esquadrão VF-51, operando do USS Coral Sea (CV 43), também deixou sua marca naquele dia. Em um confronto próximo à região de Cam Pha, os Tenentes Roy Morris e Kenneth Cannon, tripulando um F-4B, interceptaram um MiG-17 que fazia ataque direto a um grupo de A-7s retornando da missão. O caça inimigo vinha de frente, em rasante, e os americanos realizaram uma curva defensiva para reposicionar sua aeronave, buscando uma solução de disparo. Com sucesso, dispararam um AIM-9 que atingiu em cheio a cauda do MiG. O avião inimigo entrou em parafuso e se espatifou em uma encosta montanhosa.

O outro lado sobre o 10 de maio de 1972

Os registros vietnamitas também documentam o enfrentamento histórico daquele dia. Segundo fontes da VPAF, na manhã de 10 de maio, quatro MiG-17 da 923ª FR foram enviados de Kep com a missão de proteger as pontes de Lai Vu e Phu Luong, a cerca de 15 km de Hai Duong, região que era alvo de intensos ataques navais americanos. Os pilotos Nguyen Van Tho e Ta Dong Trung tentaram interceptar os aviões da Marinha. Trung chegou a abrir fogo contra um caça americano, sem sucesso. Tho perseguiu um A-7 Corsair, mas errou os disparos. Ao perceber que era seguido por um F-4 Phantom II, fez uma curva agressiva e conseguiu escapar, ao menos momentaneamente.

“Os fantasmas da VF-96”

Com o F-4J “Showtime 106” pertencente ao esquadrão VF-96 Fighting Falcons os tenentes Michael Connelly e Thomas Blonsky abateram dois MiG-17 no dia 10 de maio de 1972. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.
Com o F-4J “Showtime 106” pertencente ao esquadrão VF-96 Fighting Falcons os tenentes Michael Connelly e Thomas Blonsky abateram dois MiG-17 no dia 10 de maio de 1972. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.
O F-4J Phantom II “Showtime 100” do VF-96 Fighting Falcons talvez seja o mais famoso F-4J a voar durante a Guerra do Vietnã. Nele, os oficiais aviadores, ambos tenentes, Randall “Duke” Cunningham e William “Willy Irish” Driscoll, derrubaram três caças da VPAF e se tornaram os primeiros e únicos ases da USN durante o conflito. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.
O F-4J Phantom II “Showtime 100” do VF-96 Fighting Falcons talvez seja o mais famoso F-4J a voar durante a Guerra do Vietnã. Nele, os oficiais aviadores, ambos tenentes, Randall “Duke” Cunningham e William “Willy Irish” Driscoll, derrubaram três caças da VPAF e se tornaram os primeiros e únicos ases da USN durante o conflito. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.
O terceiro caça do VF-96 a abater uma aeronave naquele dia foi o “Showtime 111”, pilotado pelos tenentes Steven Shoemaker e Keith Crenshaw. Eles derrubaram um MiG-17 usando um míssil AIM-9 Sidewinder de guiagem infravermelha. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.
O terceiro caça do VF-96 a abater uma aeronave naquele dia foi o “Showtime 111”, pilotado pelos tenentes Steven Shoemaker e Keith Crenshaw. Eles derrubaram um MiG-17 usando um míssil AIM-9 Sidewinder de guiagem infravermelha. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.

Logo depois, avisou pelo rádio que dois F-4s perseguiam seus companheiros. Um dos MiGs, pilotado por Nguyen Hang, foi atingido por dois mísseis e ejetou. Fontes vietnamitas alegam que ele foi alvejado em seu paraquedas, algo que os norte-americanos negam veementemente. Tho, por sua vez, esgotou sua munição tentando proteger o companheiro e acabou sendo atingido por um míssil Sidewinder. Ele também ejetou e caiu próximo a Tu Ky.

Os pilotos americanos envolvidos nesses abates eram dos esquadrões VF-96 e VF-51, que reivindicaram, juntos, sete MiG-17s ao longo do dia, grande parte deles nesta sequência de combates na região de Hai Duong. A narrativa revela a intensidade dos confrontos e a letalidade do modelo tático americano, mas também ressaltam o esforço e sacrifício dos pilotos vietnamitas, que lutavam em inferioridade tecnológica e numérica.

Enquanto os MiG-17s da 923ª FR enfrentavam os F-4J da Marinha sobre Hai Duong, outro drama se desenrolava ao norte, nos céus de Tuyen Quang. A 925ª FR havia colocado no ar seu 1º esquadrão de MiG-19 (J-6) a partir da base de Noi Bai às 09h44 tentando distrair os Phantoms americanos que patrulhavam os acessos a Hanói, e também proteger a movimentação de aeronaves da VPAF. Mas o plano falhou: os Farmers foram rapidamente detectados e os combates começaram quase imediatamente após a decolagem.

O mesmo caça reproduzido e preservado no museu da USAF é visto aqui em operação durante o conflito. Alguns caças MiG-17 voavam sem pintura, com o acabamento totalmente em alumínio. Já outros receberam camuflagens desordenadas e possivelmente aplicadas de maneira artesanal na própria base área. A camuflagem fazia com que sua identificação voando a baixa altura fosse muito mais difícil ao olho nu. Foto: PLAAF.
O mesmo caça reproduzido e preservado no museu da USAF é visto aqui em operação durante o conflito. Alguns caças MiG-17 voavam sem pintura, com o acabamento totalmente em alumínio. Já outros receberam camuflagens desordenadas e possivelmente aplicadas de maneira artesanal na própria base área. A camuflagem fazia com que sua identificação voando a baixa altura fosse muito mais difícil ao olho nu. Foto: PLAAF.

Outro momento crítico do dia 10 de maio para os americanos ocorreu quando Nguyen Van Phuc, da 925ª FR, conseguiu acertar em cheio o Phantom II do Major Robert Lodge e do Capitão Roger Locher, que minutos antes havia abatido um MiG-21. Phuc, guiado do solo e voando a partir de Yen Bai, localizou o F-4D e disparou duas rajadas de canhão de 30 mm. Os projéteis rasgaram a fuselagem da aeronave americana, que partiu ao meio às 09h58, vitimando o piloto na queda. (Evento citado anteriormente).

Após o abate, Phuc ainda tentou engajar outro Phantom, mas foi forçado a recuar devido à aproximação de mais caças americanos. Seu ala, Le Duc Oanh, foi abatido por um míssil ar-ar e não sobreviveu à ejeção (Abate este nunca considerado real pelas autoridades americanas. Não há registros de nenhum MiG-19 abatido em combate ar-ar naquele dia).

Alguns relatos vietnamitas atribuem ainda outro abate à 925ª FR naquela manhã. Segundo essas fontes, o piloto Le Van Tuong, do segundo esquadrão da unidade, teria alvejado com canhão o F-4E (67-0386, “Harlow 4”) do Capitão Jeffrey Harris e do WSO Capitão D. E. Wilkinson, do 58th TFS (58th Tactical Fighter Squadron), ambos mortos no impacto. O ataque teria ocorrido logo após a chegada de reforços vietnamitas à base de Yen Bai.

Essa, porém, é uma vitória controversa. Os registros cruzados de vários documentos mostram que, de fato, o Capitão Jeffrey L. Harris e o WSO Capitão D. E. Wilkinson foram abatidos no dia 10 de maio de 1972 por disparos de canhão de um MiG-19 norte-vietnamita por volta das 10h14, ao noroeste de Hanói. No entanto, há uma ambiguidade histórica sobre o autor do feito. Outras fontes vietnamitas atribuem a vitória a Pham Hung Son (‘C’) ou mesmo a Dang Ngoc Ngu. Os registros americanos não ajudam: indicam apenas que a aeronave foi destruída por fogo de canhão de um MiG-19, sem especificar o piloto.

“MiGs Inimigos”

Os MiG-17 “Fresco C” como este do perfil, foram os modelos mais abatidos pelos caças americanos no dia 10 de maio de 1972. Ágeis a baixa altura, ainda assim não conseguiram fazer frente aos mais capazes e potentes F-4 Phantom e seus mísseis Sidewinder e Sparrow. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.
Os MiG-17 “Fresco C” como este do perfil, foram os modelos mais abatidos pelos caças americanos no dia 10 de maio de 1972. Ágeis a baixa altura, ainda assim não conseguiram fazer frente aos mais capazes e potentes F-4 Phantom e seus mísseis Sidewinder e Sparrow. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.
MiG-21PFM pertencente ao 921° Fighter Regiment “Sao Do”, que também atuou defendendo os céus do Vietnã do Norte naquele dia 10 de maio. O 921° perdeu quatro aeronaves naquele dia. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.
MiG-21PFM pertencente ao 921° Fighter Regiment “Sao Do”, que também atuou defendendo os céus do Vietnã do Norte naquele dia 10 de maio. O 921° perdeu quatro aeronaves naquele dia. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.
MiG-21PFM ‘Fishbed-F’ 5040 pilotado por Le Thanh Dao, do 927° Fighter Regiment “Lan Son”, no dia 10 de maio de 1972. Nenhuma aeronave do 927° foi perdida nos combates daquele dia. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.
MiG-21PFM ‘Fishbed-F’ 5040 pilotado por Le Thanh Dao, do 927° Fighter Regiment “Lan Son”, no dia 10 de maio de 1972. Nenhuma aeronave do 927° foi perdida nos combates daquele dia. Arte: Marcelo Ribeiro da Silva.

Apesar da ação agressiva dos Farmers, o 925ª FR sofreu perdas pesadas. Dois MiGs foram destruídos, sendo um deles em um pouso malsucedido após a missão. O esgotamento de combustível foi crítico, com vários pilotos voltando à base com os tanques vazios, e pelo menos dois aviões foram danificados ao tentar pousar. Nguyen Manh Tung morreu ao ultrapassar a pista e colidir com uma barreira. Ao final do combate, encerrado às 10h47, os oito pilotos do esquadrão haviam disparado mais de mil cartuchos de 30 mm e reivindicado dois abates, incluindo o F-4E destruído por Pham Hung Son, que mais tarde, em 23 de maio, registraria outro Phantom abatido, comemorado como o 3.600º avião inimigo destruído pela defesa do Norte.

Já no lado dos MiG-21 há uma controvérsia sobre a derrubada de um Phantom II do VF-92 “Silver Kings”. Embora registros da Marinha dos EUA atribuam a queda do F-4J (BuNo 155797/NG 212) pilotado pelo Comandante H. L. Blackburn e pelo Tenente S. A. Rudloff ao fogo antiaéreo de 85 mm, o piloto norte-vietnamita Le Thanh Dao afirma ter abatido o jato de Blackburn com um míssil R-3S após interceptação a oeste de Hai Duong.

O então tenente Willy Driscoll, que voava na mesma formação, relatou ter visto Blackburn e Rudloff sendo atingidos logo à frente, durante a saída do alvo, em meio a uma intensa barragem de artilharia antiaérea. Segundo ele, o F-4J da VF-92 entrou diretamente na zona de fogo de 85 mm ao finalizar sua passagem sobre o objetivo.

Um F-4D Phantom II da USAF, pertencente ao 555° Esquadrão de Caças Táticos, os “Tripple Neckel” alija combustível sob os céus do Vietnã. Os Phantom do 555th TFS foram responsáveis por derrubar três caças supersônicos MiG-21 e tiveram uma das suas aeronaves abatidas por um MiG-19 da VPAF. Foto: USAF.
Um F-4D Phantom II da USAF, pertencente ao 555° Esquadrão de Caças Táticos, os “Tripple Neckel” alija combustível sob os céus do Vietnã. Os Phantom do 555th TFS foram responsáveis por derrubar três caças supersônicos MiG-21 e tiveram uma das suas aeronaves abatidas por um MiG-19 da VPAF. Foto: USAF.

Já o Tenente Vu Van Hop diz ter abatido o caça de Cunningham e Driscoll na mesma região. Ambos os americanos, porém, negam, alegando que foram derrubados por um míssil SAM e que no momento não estavam aptos a engajar caças, já que faziam parte do Alpha Strike e que somente após liberarem as bombas é que partiram para cima dos MiGs.

É possível que o piloto norte-vietnamita Vu Van Hop tenha confundido sua suposta vitória aérea sobre Cunningham e Driscoll com o Phantom de outro par da VF-92, o de Rod Dilworth e Jerry Hill, que também foi danificado por estilhaços na mesma região e permaneceu por alguns momentos no local, mas que voltou para o Constellation momentos mais tarde com um só motor funcionando. Isso pode ter levado Hop a acreditar que havia abatido o mesmo avião que, na verdade, já havia sido derrubado por AAA. Essa divergência ilustra as complexidades na atribuição precisa de vitórias no caos do combate aéreo.

Aftermath

Ao final daquele dia sangrento, os registros da USAF e da US Navy indicavam pelo menos 11 aeronaves inimigas abatidas em combate ar-ar: sete MiG-17s e quatro MiG-21s. Esses números não se baseavam em estimativas. Havia provas. Imagens de câmeras de tiro (gun cameras), interceptações de rádio, avistamentos visuais de ejeções e confirmação cruzada entre alas. Era uma contabilidade rigorosa, voltada não apenas para estatísticas, mas para decisões de planejamento. As perdas americanas, embora menores, também foram sentidas. Ao todo, seis F-4 Phantom II foram derrubados.

O impacto do dia foi imediato. Em um ciclo de apenas 24 horas as forças armadas americanas provaram que uma doutrina baseada em treinamento avançado, integração entre Marinha e Força Aérea e armamento de precisão era não apenas eficaz, mas superior. O que se viu nos céus do Vietnã do Norte naquele dia não foi um simples engajamento. Foi a concretização de anos de aprendizados dolorosos e de correções profundas.

O capitão Steve Ritchie, juntamente com o seu oficial de armas e interceptação (WSO), o também capitão Charles DeBellevue, iniciaram seu caminho para se tornar ases da USAF no conflito exatamente nos combates do dia 10 de maio de 1972. Aqui, Steve Ritchie posa para uma foto ao lado do “seu” Phantom, naquele momento já ostentando os cinco abates que os tornaram ases. Foto: USAF.
O capitão Steve Ritchie, juntamente com o seu oficial de armas e interceptação (WSO), o também capitão Charles DeBellevue, iniciaram seu caminho para se tornar ases da USAF no conflito exatamente nos combates do dia 10 de maio de 1972. Aqui, Steve Ritchie posa para uma foto ao lado do “seu” Phantom, naquele momento já ostentando os cinco abates que os tornaram ases. Foto: USAF.
O capitão Charles DeBellevue foi essencial para que o F-4D de Steve Ritchie conseguisse abater um MiG-21 usando um míssil AIM-7E-2 Sparrow durante os combates do dia 10 de maio. O Sparrow requer que o avião continue iluminando o alvo até que o míssil o atinja, e o papel do WSO é garantir os melhores parâmetros e configurações para que o radar do F-4 mantenha o alvo iluminado durante todo o percurso do míssil até o impacto. Foto: USAF.
O capitão Charles DeBellevue foi essencial para que o F-4D de Steve Ritchie conseguisse abater um MiG-21 usando um míssil AIM-7E-2 Sparrow durante os combates do dia 10 de maio. O Sparrow requer que o avião continue iluminando o alvo até que o míssil o atinja, e o papel do WSO é garantir os melhores parâmetros e configurações para que o radar do F-4 mantenha o alvo iluminado durante todo o percurso do míssil até o impacto. Foto: USAF.

Pela primeira vez na guerra as operações conjuntas da US Navy e da USAF foram executadas com uma fluidez operacional próxima do ideal. Isso contrastava fortemente com os anos anteriores, nos quais rivalidades institucionais, falta de comunicação e sobreposição de missões prejudicava a eficiência da campanha aérea. Em 10 de maio, as duas forças atuaram como um só corpo, com táticas complementares, rotas coordenadas, zonas de atuação bem definidas e protocolos de emergência integrados.

As missões lançadas a partir dos porta-aviões no Golfo de Tonkin se encaixavam nos ciclos de ataques da USAF decolando da Tailândia. Enquanto os grupos Alpha Strike da Marinha golpeavam as defesas costeiras, a USAF penetrava com precisão cirúrgica até o coração de Hanói. Os encontros com MiGs aconteciam em camadas, com combates próximos ao litoral e duelos ferozes sobre o delta do Rio Vermelho. Em todos esses setores havia cobertura, escolta e reação coordenada.

Outro elemento que causou enorme impacto tático foi a introdução em larga escala de bombas guiadas por laser (LGBs) e bombas eletro-ópticas. A diferença foi sentida imediatamente. Com a possibilidade de atingir alvos pontuais, mesmo sob forte interferência antiaérea, os americanos passaram a destruir alvos estratégicos com muito menos aviões. A ponte Long Bien (antiga ponte Paul Doumer), embora ainda de pé, foi atingida com precisão por bombas guiadas. Já o pátio ferroviário de Yen Vien ficou inoperante por semanas.

Essas armas guiadas foram acompanhadas de equipamentos e metodologia que viabilizaram seu uso: designadores laser embarcados, sensores de rastreamento e coordenadas calculadas com precisão antes da decolagem. Em muitos casos os alvos eram designados em tempo real por outros aviões da formação, que sobrevoavam a área com apoio visual ou com sensores ópticos.

Paralelamente, o treinamento fez a diferença. O programa TopGun, concebido pela Marinha após os índices alarmantes de perdas em 1967/68, revelou todo o seu valor em 1972. Pilotos como Randy Cunningham não eram apenas bons. Eram excepcionais. Sabiam exatamente como administrar energia cinética, onde posicionar sua aeronave, como engajar com economia de armamento e quando quebrar o contato para sobreviver e retornar.

Pilotos de caças MiG-17 passam pelas suas aeronaves durante o conflito com os Estados Unidos. Os MiG-17 era o caça menos avançado nos céus do Vietnã do Norte naquele 10 de maio de 1972. Os outros caças eram o J-6 (versão chinesa do MiG-19) e o poderoso MiG-21, nas suas versões PFM e MF, esse mais moderno. Foto: National Museum of the U.S. Air Force.
Pilotos de caças MiG-17 passam pelas suas aeronaves durante o conflito com os Estados Unidos. Os MiG-17 era o caça menos avançado nos céus do Vietnã do Norte naquele 10 de maio de 1972. Os outros caças eram o J-6 (versão chinesa do MiG-19) e o poderoso MiG-21, nas suas versões PFM e MF, esse mais moderno. Foto: National Museum of the U.S. Air Force.

Os combates de 10 de maio mostraram que pilotos formados pelo TopGun, e também pela Weapons School, da USAF, possuíam reflexos apurados, domínio psicológico e capacidade de liderar em cenários caóticos. Esses homens sabiam quando disparar, sabiam confiar em seus WSOs e, mais importante, sabiam sair vivos de um céu onde o inimigo os esperava de armas prontas.

Desdobramentos Estratégicos e Doutrinários

As consequências do 10 de maio de 1972 foram profundas e imediatas. No dia seguinte, o comando da USAF em Udorn e Takhli iniciou uma revisão tática das rotas de aproximação. Novas formações foram propostas. A prática de dividir as forças em “pacotes” independentes deu lugar a modelos interligados, com caça, escolta, ataque e guerra eletrônica operando como uma só célula.

As varreduras MiGCAP (Combat Air Patrols específicas para interceptar caças inimigos) tornaram-se padrão. Em vez de apenas proteger as formações, esses voos passaram a ter papel ofensivo caçando MiGs antes mesmo que eles se aproximassem dos bombardeiros. Caças com Combat Tree passaram a ser distribuídos em todos os pacotes. A doutrina BVR (combate além do alcance visual) foi oficialmente adotada como regra, não mais exceção.

Na Marinha, o TopGun foi elevado a símbolo de eficácia. Seus instrutores passaram a ser requisitados para revisar táticas e treinar tripulações embarcadas. Oficiais recém-chegados ao teatro de operações eram colocados sob supervisão direta de veteranos dos combates de maio. Os erros de 1968 não se repetiriam.

Foi neste F-4D (65-0784) que os aviadores major Robert Lodge e o capitão Roger Locher voaram durante o dia 10 de maio, e foram os primeiros oficiais da USAF a serem abatidos naquele memorável dia para a história da aviação militar. Foto: USAF.
Foi neste F-4D (65-0784) que os aviadores major Robert Lodge e o capitão Roger Locher voaram durante o dia 10 de maio, e foram os primeiros oficiais da USAF a serem abatidos naquele memorável dia para a história da aviação militar. Foto: USAF.

O 10 de maio também criou um precedente de integração entre Navy e USAF. Missões subsequentes passaram a contar com esquadrões mistos. Em determinadas ocasiões, pilotos da USAF voavam lado a lado com alas da Navy. A coordenação foi tão intensa que algumas operações passaram a ser comandadas em conjunto, com briefings integrados e apoio cruzado de aeronaves de reabastecimento, guerra eletrônica e resgate.

O que começou como um dia planejado para enfraquecer as defesas do Vietnã do Norte terminou como um divisor de águas na guerra aérea moderna. O 10 de maio mostrou que doutrina, tecnologia e treinamento podem mudar o curso de um conflito e deixar uma marca permanente na história da aviação militar.

Combat Tree: enxergando o inimigo antes de ser visto

O APX-80 Combat Tree, instalado em algumas variantes do F-4D Phantom II da Força Aérea dos EUA, era um sistema mantido sob sigilo que permitia que os aviões americanos “vissem” os caças inimigos sem precisar emitir qualquer sinal ativo de radar. Ele operava aproveitando uma vulnerabilidade do inimigo: os transponders IFF (Identification Friend or Foe) dos MiGs da Força Aérea Popular do Vietnã (VPAF), que eram baseados em tecnologia soviética.

Esses transponders, usados para evitar fogo amigo dos próprios radares e baterias SAM Norte-vietnamitas, respondiam automaticamente quando recebiam uma “interrogação” com o código correto. O Combat Tree era, essencialmente, uma versão não convencional de IFF americano, mas configurado para interrogar os sistemas soviéticos. Assim, ao sobrevoar a área de combate com o radar desligado, um Phantom equipado com Combat Tree podia emitir um sinal que “enganava” os MiGs, levando-os a responder como se estivessem sendo desafiados por um radar aliado. O resultado: a localização do inimigo era revelada ao WSO americano, mesmo sem que o piloto vietnamita tivesse qualquer ideia de que estava sendo rastreado.

Este F-4D Phantom II pertencia ao capitão Steve Ritchie e ao seu WSO, o também capitão Charles DeBellevue, e recebeu as marcações de cinco aeronaves abatidas que os converteram em ases da USAF durante o conflito no Vietnã. Foto: USAF.
Este F-4D Phantom II pertencia ao capitão Steve Ritchie e ao seu WSO, o também capitão Charles DeBellevue, e recebeu as marcações de cinco aeronaves abatidas que os converteram em ases da USAF durante o conflito no Vietnã. Foto: USAF.

Essa capacidade deu aos americanos uma enorme vantagem tática. No lugar de varrer o céu em busca de MiGs, o que exigia ligar o radar e, portanto, denunciar sua própria posição, os pilotos dos F-4D podiam navegar silenciosamente até ficarem a uma distância ideal de disparo. Só então ativavam seus radares, travavam nos alvos já identificados e disparavam mísseis AIM-7 Sparrow antes que os MiGs pudessem reagir.

O conceito de “first look, first shot, first kill” ganhou novo significado com o Combat Tree. Era, literalmente, como lutar invisível. Enquanto os MiGs voavam acreditando que estavam a salvo, muitas vezes misturados ao terreno ou esperando em altitudes médias, os F-4D já os tinham na mira. Quando tudo funcionava corretamente, o primeiro aviso que o piloto vietnamita recebia era o sinal de alerta de lançamento de míssil. E nesse ponto, a chance de escapar era mínima.

A combinação do Combat Tree com os mísseis AIM-7E-2 Sparrow fez com que pilotos como Steve Ritchie e Chuck DeBellevue derrotassem diversos inimigos sem jamais serem vistos. Era uma virada doutrinária e tecnológica. Não bastava mais ter olhos afiados ou manobrar bem, era preciso saber operar sistemas complexos e antecipar o combate antes que ele começasse. O papel dos WSOs tornou-se ainda mais vital, transformando-os em caçadores eletrônicos no banco traseiro do Phantom.

Mudanças na doutrina de combate

Até a introdução do Combat Tree, a maioria das missões exigia identificação visual antes do disparo. Isso devia-se às regras de engajamento rígidas impostas para evitar fogo amigo especialmente entre a USAF, US Navy e USMC, que operavam em sentidos opostos no Vietnã do Norte. Essa realidade forçava os pilotos americanos a se aproximar perigosamente dos MiGs para confirmar visualmente que eram hostis, colocando-os em desvantagem em dogfights contra aeronaves menores e mais ágeis, como os MiG-17.

Com a implementação do Combat Tree e a integração crescente com aeronaves de alerta antecipado como os EC-121 “Warning Star”, algumas unidades da USAF obtiveram afrouxamento das regras de engajamento, permitindo ataques BVR baseados em identificação eletrônica. Isso não apenas reduziu os riscos como aumentou significativamente o índice de vitórias da aviação americana. Em vez de empatar com o inimigo, como nos primeiros anos da guerra, os EUA passaram a registrar uma proporção média de 2:1 nas fases finais do conflito, e o Combat Tree foi parte fundamental dessa virada.

Locher foi resgatado por um helicóptero HH-53C Super Jolly Green Giant, especialmente preparado para resgates de tripulações abatidas dentro do território inimigo. Foto: USAF.
Locher foi resgatado por um helicóptero HH-53C Super Jolly Green Giant, especialmente preparado para resgates de tripulações abatidas dentro do território inimigo. Foto: USAF.

Um divisor de águas na aviação de combate

A grande lição deixada pelo 10 de maio é clara: a guerra aérea moderna seria vencida por quem unisse inteligência eletrônica, tecnologia e preparação humana em um único sistema operacional de combate. Não bastava ter o melhor avião ou o melhor míssil, era preciso ter o melhor uso combinado de ambos.

O 10 de maio de 1972 ensinou aos EUA e ao mundo que, na guerra aérea, ver sem ser visto é mais do que uma vantagem, é a diferença entre voltar para casa ou não. E a linha de comando dos EUA percebeu que estava entrando em uma nova fase da guerra aérea. O domínio não viria apenas da superioridade numérica ou tecnológica, mas da integração total entre sistemas, tática e homem.
O dia 10 de maio de 1972 consolidou-se como o mais intenso da aviação de combate na Guerra do Vietnã. Os céus do norte do Vietnã testemunharam mais de 40 duelos e foi o dia em que os EUA recuperaram sua confiança aérea. Foi também o dia em que novos ases surgiram, como Ritchie, DeBellevue, Cunningham e Driscoll.

Mais do que números, o que esse dia representa é a consagração da preparação, da coragem e da adaptação. Os combates provaram que, mesmo em ambiente hostil, com regras imprevisíveis e um inimigo resiliente, a excelência técnica e tática pode prevalecer.

23 dias invisível: o resgate de Roger Locher

No dia 10 de maio de 1972, em meio aos combates aéreos mais intensos da Guerra do Vietnã, o Capitão Roger Locher se viu sozinho, atrás das linhas inimigas, sem suprimentos, sem contato e com pouquíssima esperança de resgate. Seu avião, o F-4D Phantom II “Oyster 1”, havia sido atingido por um MiG-19 durante uma missão de escolta contra a ponte Long Bien, em Hanói. Enquanto ejetava de um caça em queda livre e em chamas, Locher sabia que suas chances de voltar para casa eram mínimas. Ele só não sabia o quão difícil seria sobreviver pelos próximos 23 dias.

Roger Locher sorri pela primeira vez já em solo logo após descer do HH-53C que o trouxe de volta à segurança de uma base da USAF. Locher estava mais magro e cansado devido aos 23 dias de fuga, mas feliz ao reencontrar amigos e colegas de farda. Foto: USAF.
Roger Locher sorri pela primeira vez já em solo logo após descer do HH-53C que o trouxe de volta à segurança de uma base da USAF. Locher estava mais magro e cansado devido aos 23 dias de fuga, mas feliz ao reencontrar amigos e colegas de farda. Foto: USAF.

Seu piloto, o Major Robert Lodge, que já somava três vitórias confirmadas, teria recusado-se a ejetar. “Não quero ser capturado”, teria dito semanas antes. Cumpriu sua palavra até o fim. Locher, no entanto, sobreviveu à ejeção e caiu em uma região montanhosa a cerca de 90 milhas da fronteira com o Laos, profundamente imerso em território hostil.

Pouco depois de tocar o solo, Locher conseguiu se afastar de seu paraquedas e evitou ser capturado por uma patrulha de busca composta por moradores locais, incluindo crianças. “Alguns passaram a menos de 10 metros de mim”, contaria depois. Se tivessem cães, admitiu, teria sido encontrado.

Ele desligou o rádio de emergência após um breve contato e desapareceu no mato, decidido a caminhar todos os dias rumo ao oeste, até atingir uma área menos povoada, onde talvez um resgate fosse possível.

Locher calculou que, se caminhasse dois quilômetros por dia, teria chance. Viveu do que encontrava: frutas silvestres, brotos, raízes. Bebeu de córregos e se escondia durante o dia em vegetação espessa, só caminhando ao amanhecer e ao entardecer. Estava sozinho, armado com um revólver calibre 38, e com apenas algum equipamento de sobrevivência.

Tripulação do HH-53C que resgatou Roger Locher nas selvas do Vietnã após 23 dias de fuga e evasão, evitando assim sua captura. Locher usou tudo o que aprendeu no curso de sobrevivência para chegar ao ponto mais propício ao resgate. Foto: USAF.

As chances estavam todas contra ele. Estudos da Força Aérea demonstravam que se um piloto não fosse resgatado nas primeiras quatro horas após a queda, suas chances de retorno despencavam para menos de 20%. Locher ultrapassou as primeiras quatro horas, depois quatro dias, depois quatro semanas.

Na manhã de 1º de junho ele acordou tarde. Ficou frustrado por perder sua janela de deslocamento, mas ao ouvir o lançamento de um míssil SAM próximo da base de Yen Bai, percebeu que havia aviões americanos por perto. Ligou seu rádio e chamou por socorro.

A resposta demorou, mas veio. O Tenente Jim Dunn, em um F-4, ouviu o chamado e alertou sua unidade. A missão de resgate foi planejada imediatamente. Mas na primeira tentativa o helicóptero e os aviões de apoio foram recebidos com fogo pesado, tanto de solo quanto de MiGs, e tiveram de recuar. Locher passaria mais uma noite nas selvas do Vietnã do Norte.

No alto: tripulantes dos A-1J Skyraider que voaram missões “Sandy” durante as buscas pelo capitão Roger Locher após ele ser abatido no dia 10 de maio. Foi um desses A-1 que identificaram a localização de Locher no meio da selva, enquanto ele sinalizava com seu espelho de sobrevivência. Foto: USAF.

No dia seguinte, o General John Vogt, comandante da 7ª Força Aérea, tomou uma decisão sem precedentes: suspendeu todas as operações ofensivas para resgatar um único homem. Foram mobilizadas 119 aeronaves, incluindo reabastecedores, jatos de escolta, aeronaves de guerra eletrônica, caças Wild Weasel, Skyraiders e dois helicópteros HH-53 “Jolly Green Giant”.

“Paramos a guerra para resgatar Roger Locher”, disse o piloto do HH-53, Capitão Dale Stovall.
O plano funcionou com precisão cirúrgica. Um dos A-1 Skyraiders, voando baixo sobre a floresta, avistou o sinal de espelho de Locher. As aeronaves lançaram cortinas de fumaça para protegê-lo enquanto o helicóptero se aproximava. Dois minutos depois Locher subia pelo cabo do guincho, de volta à vida.

Durante o retorno, passaram por vilas hostis e até sobrevoaram um “trem de artilharia antiaérea”, o equivalente norte-vietnamita aos trens blindados da Segunda Guerra Mundial. Mas, três horas depois, aterrissaram em segurança em Udorn, na Tailândia. Lá desceu Locher 14 quilos mais magro e esgotado, mas vivo e livre.

Caça MiG-21PFM roda pela pista logo após pousar em uma base norte-vietnamita durante o conflito. O caça está armado com mísseis Atol, uma cópia do AIM-9B norte-americano. Os MiG-21 foram páreo duro durante os combates do dia 10 de maio; porém, quatro deles foram ao chão, abatidos por mísseis americanos naquele dia. Foto: National Museum of the U.S. Air Force.
Caça MiG-21PFM roda pela pista logo após pousar em uma base norte-vietnamita durante o conflito. O caça está armado com mísseis Atol, uma cópia do AIM-9B norte-americano. Os MiG-21 foram páreo duro durante os combates do dia 10 de maio; porém, quatro deles foram ao chão, abatidos por mísseis americanos naquele dia. Foto: National Museum of the U.S. Air Force.

O resgate de Roger Locher foi o mais profundo já realizado durante a Guerra do Vietnã. Dale Stovall recebeu a Air Force Cross, e Locher se tornou símbolo da coragem, disciplina e promessa não escrita entre os combatentes: ninguém será deixado para trás.

Desde os ataques de 7 de outubro de 2023, feitos pelo grupo terrorista Hamas, Israel está literalmente em guerra. As IDF ou Forças de Defesa de Israel têm aberto várias frentes, e feito ataques diretos e preventivos a alvos em pelo menos sete países, na Cisjordânia ocupada e, principalmente, a Faixa de Gaza. Em 10 de setembro, mais um ataque aéreo ousado foi realizado sob a bandeira de eliminar terroristas, dessa vez no Catar, algo que ainda não tem suas consequências bem claras.

Leandro Casella

Um F-15D Baz da IAF decola armado com um Rafael Silver Sparrow para um voo de ensaio. Esse míssil, que foi desenvolvido originalmente para simular mísseis balísticos, foi redirecionado para missões de ataque, tendo sido usado contra o Irã e agora no Catar, contra o Hamas. Foto: IAF.
Um F-15D Baz da IAF decola armado com um Rafael Silver Sparrow para um voo de ensaio. Esse míssil, que foi desenvolvido originalmente para simular mísseis balísticos, foi redirecionado para missões de ataque, tendo sido usado contra o Irã e agora no Catar, contra o Hamas. Foto: IAF.

Os últimos anos têm sido intensos para as Israeli Defense Force (IDF), em especial, os últimos dois, onde os combates não cessaram, obrigando o país a convocar reservistas, manter estado de prontidão constante e realizar inúmeras ações de guerra. Desde 2021 a capacidade das IDF, o que naturalmente inclui a Israeli Air Force (IAF), vem sendo posta à prova, e, experimentando um forte desgaste de suas tropas, munições, aeronaves, sistemas de defesa e todo e qualquer equipamento de uso militar, de resgate e salvamento, além, é claro, da rede de defesa civil, hospitalar e infraestrutura do país. Claro que o outro lado não está melhor, e a Guerra em Gaza gerou uma das maiores crises humanitárias da história. Esse aumento expressivo de prontidão/ação teve um gatilho na Operation Guardian of the Walls (Guardião dos Muros) disparada em maio de 2021 contra o Hamas. Foram 11 dias (10 a 21 de maio), onde a IAF bombardeou implacavelmente a Faixa de Gaza, buscando alvos do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina (PIJ – Palestinian Islamic Jihad), que iniciaram ataques com foguetes ao território de Israel, repetindo uma velha fórmula usada há anos.

O início da Operação Guardião dos Muros foi marcado por uma série de disparos de foguetes contra Jerusalém, capital de Israel, feito por organizações terroristas a partir da Faixa de Gaza e às 18h03 do dia 10 de maio de 2021. Segundo o IDF, até às 21h locais de 20 de maio de 2021, mais de 4.340 foguetes foram disparados da Faixa de Gaza em direção ao território israelense pelo Hamas e a PIJ, dos quais aproximadamente 640 lançamentos fracassaram e caíram na própria Faixa de Gaza. O Sistema de Defesa Aérea Iron Dome interceptou mais 3.330 foguetes, algo próximo a 90% dos foguetes que invadiram o espaço aéreo de Israel.

Desde a madrugada daquele dia 10, a movimentação nas principais bases aéreas da IAF foi intensa com a saída de diversas aeronaves, em especial dos F-16C/D/I e F-15C/D/I, para efetuar bombardeios em Gaza, em resposta aos ataques com foguetes feitos pelo grupo terrorista Hamas e PIJ. Além desses, caças F-35I, helicópteros de ataque AH-64E e drones como IAI Heron também participam ativamente das ações. A Guardian of the Walls efetuou mais de 1.400 surtidas sobre a Palestina, tendo até o dia 19 de maio, atacado mais de 1.000 alvos. Apesar da desproporcional capacidade de força, Israel não conseguiu eliminar o Hamas, de Gaza.

Desde maio de 2021- quando eclodiu a Operation Guardian of the Walls, os F-16I Sufa, como o IAF 610 da foto, têm sido constantemente usado em missões reais e passaram a ser o sustentáculo do combate. Foto: IAF.
Desde maio de 2021- quando eclodiu a Operation Guardian of the Walls, os F-16I Sufa, como o IAF 610 da foto, têm sido constantemente usado em missões reais e passaram a ser o sustentáculo do combate. Foto: IAF.

Um cessar-fogo foi articulado em 21 maio de 2021, entre Israel e o Hamas a partir das 2h da manhã de sexta-feira, 21 de maio de 2021 (20h no horário de Brasília), como informou um oficial do Hamas e o gabinete do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu. A trégua foi bilateral foi sem precondições. Fontes da Reuters informaram que a trégua teria vindo após forte pressão dos Estados Unidos, feita pelo presidente John Biden desde o dia 18 que pôs fim a 11 dias de hostilidades.

Desde o início dos combates em 10 de maio, 232 palestinos morreram e mais de 1,9 mil ficaram feridos em bombardeios aéreos. Do lado israelense foram 12 mortos e mais de 660 feridos ou pessoas que necessitaram de assistência médica. Israel diz que matou pelo menos 160 combatentes.

O cessar-fogo foi algo ilusório. Na noite de 16 e 17 de maio de 2021 (menos de um mês após o cessar-fogo), outros ataques aéreos foram feitos pela IAF com caças F-15D/E F-16D/I, desta vez, em resposta ao lançamento de balões incendiários por parte do grupo Hamas pelo terceiro dia consecutivo contra o território israelense.

Tripulação de um F-15D do 133 Sq fazem o check pré-voo para uma missão de ataque noturno. Nos pilones, vemos duas Elbit Delilah, míssil de cruzeiro capaz de atingir alvos a até 250 quilômetros.
Tripulação de um F-15D do 133 Sq fazem o check pré-voo para uma missão de ataque noturno. Nos pilones, vemos duas Elbit Delilah, míssil de cruzeiro capaz de atingir alvos a até 250 quilômetros.

Segundo o IDF, aeronaves de combate atingiram “complexos militares e um local de lançamento de foguetes do Hamas em resposta aos ataques com balões, que estariam sendo produzidos nesses locais”. Essas provocações seguiriam e, entre 10 e 11 setembro de 2021, a IAF bombardeou novamente a Faixa de Gaza após o Hamas lançar foguetes à região israelense de Eshkol e proximidades. Ao longo de 2022 e 2023, vários episódios de ataques e contra-ataques seriam reportados, especialmente ao longo de 2023, com o aumento dos ataques de colonos israelenses a moradores locais, que deslocaram centenas de palestinos de suas casas.

O fato é que a Guardian of the Walls e os seus desdobramentos desencadearam uma série de “efeitos colaterais” e, claro, para muitos, ela foi o primeiro ponto sem volta para o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2021, que contou com apoio do Irã e de outros atores classificados como Grupos Terroristas do Oriente Médio, como Hezbollah (Líbano), PIJ (Gaza), Houthis (Iêmen) e Jihad Islâmica, além do ISIS (Síria) e simpatizantes contra Israel.

A gota d’água veio em abril de 2023, quando houve confrontos na mesquita de Al-Aqsa, um local sagrado para o Islã e disputado em Jerusalém por questões político-religiosas, e terceira mais importante para o Islã. Uma série de confrontos violentos ocorreu entre os palestinos e a polícia israelense no complexo da mesquita de Al-Aqsa. Após a oração noturna do Ramadã em 5 de abril, os palestinos se amotinaram dentro da mesquita, motivados por relatos de que judeus planejavam sacrificar uma cabra no local (o que é proibido pela lei israelense). Em resposta, a polícia israelense invadiu a mesquita com equipamento antimotim, ferindo 50 pessoas e prendendo pelo menos outras 400.

Três F-15I Ra’am do 69 Sq armados com bombas GPS/INS JDAM. Nos ataques contra o Irã, os F-15I Ra’am, F-16D Barak e os F-16I Sufa, foram a espinha dorsal da Operação Leão Ascendente, muito por sua grande autonomia, que permitiu ir e vir do Irã (3000 km de voo) sem escalas ou reabastecimento em voo. Foto: IAF.
Três F-15I Ra’am do 69 Sq armados com bombas GPS/INS JDAM. Nos ataques contra o Irã, os F-15I Ra’am, F-16D Barak e os F-16I Sufa, foram a espinha dorsal da Operação Leão Ascendente, muito por sua grande autonomia, que permitiu ir e vir do Irã (3000 km de voo) sem escalas ou reabastecimento em voo. Foto: IAF.

Imediatamente após os confrontos, grupos militantes palestinos dispararam foguetes contra Israel a partir da Faixa de Gaza e do Líbano, atos amplamente interpretados como resposta aos eventos em Al-Aqsa. Mais uma vez, a religião havia sido usada para a guerra. Em maio ocorreram confrontos entre Israel e o grupo JIP, e em setembro, com o Hamas. Em 13 de setembro cinco palestinos foram mortos na fronteira. Israel disse que encontrou explosivos escondidos em um carregamento, e interrompeu todas as exportações de Gaza. O Hamas negou as alegações de Israel. Em resposta à proibição, o Hamas colocou suas forças em alerta máximo e conduziu exercícios militares com outros grupos, incluindo a prática aberta para invadir assentamentos israelenses. Isso foi o estopim. Era a justificativa dada pelo Hamas para a realização dos ataques de 7 de outubro, como pano de fundo e retaliação aos eventos em Al-Aqsa. Ao amanhecer daquele dia ocorreu uma série de atentados coordenados e conduzidos pelo Hamas, vindos da Faixa de Gaza para as áreas fronteiriças do sul de Israel. Os ataques marcaram o início da guerra Israel-Hamas, exatamente no cinquentenário da Guerra do Yom Kippur (6 de outubro de 1973).

O Hamas e outros grupos armados palestinos nomearam os ataques como Operação Dilúvio de Al-aqsa (devido ao incidente na mesquita). Já em Israel ficou conhecido como Sábado Negro (Black Sabbath).

Os ataques começaram com uma barragem de pelo menos 4.300 foguetes lançados contra Israel e por incursões de parapentes transportados por veículos e motorizados em Israel. Militantes do Hamas atacaram bases militares e 21 comunidades, incluindo Be’eri, Kfar Aza, Nir Oz, Netiv Haasara e Alumim. De acordo com um relatório das IDF, cerca de 6.000 moradores de Gaza violaram a fronteira em 119 locais, incluindo 3.800 das forças de elite Nukhba (Hamas) e 2.200 civis e outros militantes. Ao todo 1.195 pessoas foram mortas no ataque, sendo 736 civis israelenses 79 estrangeiros e 379 membros das forças de segurança.

Um A310 da Yemenia Airways em chamas no Aeroporto Internacional de Sanna, no Iêmen. Ele foi destruído por caças da IAF (F-15I/F-16D) entre dos dias 5 e 6 de maio de 2025. No ataque, vários aviões A310/320/330 da Yemenia Airways e um cargueiro Il-76 da Força Aérea Iemenita foram destruídos, além de prédios, pistas, terminal de passageiros, hangares e outras estruturas. O objetivo era atingir o grupo terrorista Houthi, que controla parte de Iêmen. Foto: via AP.
Um A310 da Yemenia Airways em chamas no Aeroporto Internacional de Sanna, no Iêmen. Ele foi destruído por caças da IAF (F-15I/F-16D) entre dos dias 5 e 6 de maio de 2025. No ataque, vários aviões A310/320/330 da Yemenia Airways e um cargueiro Il-76 da Força Aérea Iemenita foram destruídos, além de prédios, pistas, terminal de passageiros, hangares e outras estruturas. O objetivo era atingir o grupo terrorista Houthi, que controla parte de Iêmen. Foto: via AP.

O Hamas oficialmente afirmou que o ataque foi uma reação ao que alega serem esforços israelenses para tomar o complexo da mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém, terceiro local mais sagrado do islamismo. O Hamas também exigiu a libertação de milhares de palestinos em prisões israelenses, algo conseguido em troca de parte dos 251 reféns do 7 de outubro. Cerca de 48 ainda estão com o Hamas, nem todos eles vivos.

Efeito colateral

A partir de 7 de outubro a Guerra Israel-Hamas foi instaurada com efeitos devastadores. Até outubro de 2025, marco dos dois anos de conflito, a Faixa de Gaza havia sido total e literalmente destruída. O território tem 41 quilômetros de comprimento e apenas de 6 a 12 quilômetros de largura, com uma área total de 365 km2. Antes da guerra havia 2,2 milhões de habitantes.

As informações são contraditórias, mas as mais aceitas dão conta de que o número de palestinos mortos na Faixa de Gaza passa de 65 mil, com 166 mil feridos, vítimas dos ataques de Israel, e, claro, do conflito entre soldados do Hamas e das IDF. Vários desdobramentos do conflito ocorreram, com a IDF, em especial a IAF, realizando talvez o maior número de frentes de combate que Israel já teve em seus quase 80 anos de fundação.

Apesar de ser um conflito direto entre Israel e Irã, na prática tem sido também uma guerra por procuração, onde aliados de Israel vêm influenciando e dando não só apoio político, mas também, militar de forma indireta, fornecendo armas, missões de inteligência e até interceptando mísseis e drones iranianos. O caso mais visível é o dos EUA, que contam com respaldo de países da OTAN, da Arábia Saudita e da Jordânia.

Desde 2021, sem dúvida, a mais forte e ousada ação foi contra o Irã, na Leão Ascendente. Caças da IAF monopolizaram os céus do Irã, chegando a ter 230 aeronaves de combate ao mesmo tempo, sem sequer uma reação da IRIAF. Um F-16I pronto para mais uma saída, armado com mísseis supersônicos Elbit Rampage. Foto: IAF.
Desde 2021, sem dúvida, a mais forte e ousada ação foi contra o Irã, na Leão Ascendente. Caças da IAF monopolizaram os céus do Irã, chegando a ter 230 aeronaves de combate ao mesmo tempo, sem sequer uma reação da IRIAF. Um F-16I pronto para mais uma saída, armado com mísseis supersônicos Elbit Rampage. Foto: IAF.

Por outro lado, China e Rússia têm validado o Irã, pois têm investimentos fortes nesse país em áreas nucelares, marítimas e comerciais. A China, por sua vez, teria inclusive, enviado aeronaves ao Irã, provavelmente com insumos ou mesmo armas, para ajudar na guerra contra Israel. Além disso, grupos terroristas como Hamas, Hezbollah, PIJ, Houthis e Jihad Islâmica, ISIS entre outros, também estavam do lado iraniano. A Rússia tem boas relações com Israel e, por isso, Vladimir Putin declarou que era necessário evitar uma 3ª Guerra Mundial, que ocorreria com a escalada do conflito e entrada de outros atores da região e potências ocidentais e orientais.

Na carona destes dois anos de guerra, Israel fez operações reais de combate no Líbano, Cisjordânia, Síria, Iêmen, Irã, Tunísia, Iraque, Faixa de Gaza e Catar, que puseram à prova a capacidade militar e diplomática de Israel. Houve uma literal caça e eliminação de líderes de grupos terroristas (assassinatos), como Hamas, Houthis e Hezbollah e dos líderes do Irã.

Um dos ataques mais impressionantes e ousados foi feito em território iraniano, em 13 de junho, durante a Operação Leão Ascendente (Operation Rising Lion) contra o Irã. O ataque, feito no primeiro dia da guerra matou pelo menos os 18 oficiais e seis civis, todos peças-chave e ligados ao projeto nuclear e ao alto escalão IRGC. Tudo foi feito com a ajuda do Massad, que criou uma falsa reunião com os importantes personagens em um local conhecido por eles. Tudo falso. A IAF literalmente arrasou o lugar com um ataque aéreo maciço e pesado. Entre os mortos, o General Hossein Salami, líder da Guarda Revolucionária do Irã (IRCG), que teve sua morte confirmada pela televisão estatal iraniana. Os seis civis eram engenheiros e químicos principais do projeto nuclear iraniano. Algumas fontes relatam que 30 militares e 14 cientistas foram mortos ao todo nesse ataque em um local secreto (ou nem tão secreto) em Teerã.

Ataques do Irã contra Israel em junho de 2025, ficaram restritos a lançamento de mísseis balísticos e de cruzeiro e drones suicidas, que foram em 90% repelidos pela defesa aérea israelense. Foto: AP.
Ataques do Irã contra Israel em junho de 2025, ficaram restritos a lançamento de mísseis balísticos e de cruzeiro e drones suicidas, que foram em 90% repelidos pela defesa aérea israelense. Foto: AP.

A Leão Ascendente foi um desdobramento da Operação Espadas de Ferro (Operation Iron Swords) como foi chamado o contra-ataque israelense aos ataques de 7 de outubro.

Jerusalém afirmou ter realizado um “ataque preciso e preventivo” contra o Irã (Leão Ascendente), declarando que seu programa nuclear era ameaça iminente, e na sequência anunciou estado de emergência nacional enquanto os cidadãos se preparavam para retaliações.

Hoje Israel, leia-se governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, tem sofrido desgastes e pressões em meio a questões legítimas para a defesa do país e outras questões controversas, sendo acusado de genocídio e massacre, além de criar um cenário ainda sem definição. A intenção de tomar 100% do território de Gaza por terra retirando os palestinos de seu território tem criado protestos mundo afora. O que se tem visto é um efeito contrário, com aumento de países reconhecendo o Estado Palestino, algo proposto em novembro de 1947.

Um 2024 conturbado

Em verdade, a Operação Espadas de Ferro (Operation Iron Swords) não ficou restrita a Gaza, como a Guardião do Muros cujo maior alcance foi no sul do Líbano (Hezbollah). Ela se expandiu rapidamente pelo Oriente Médio, com respingos no mundo todo.

Assim Israel atacou a embaixada do Irã em Damasco na Síria em 1 de abril de 2024. No ataque aéreo, membros da Força Quds do IRGC foram mortos. O revide iraniano veio dias depois, em 13 de abril, com um ataque de 75 drones kamikazes e mísseis de cruzeiro, que quase em sua totalidade foram interceptados pelas defesas de Israel, em especial o sistema Iron Dome.

Imagem de satélite da planta de Fordow. Os impactos ficaram concentrados 3 a 3, atingindo duas áreas, uma de enriquecimento e outra das centrífugas. Foto: Maxar.
Imagem de satélite da planta de Fordow. Os impactos ficaram concentrados 3 a 3, atingindo duas áreas, uma de enriquecimento e outra das centrífugas. Foto: Maxar.

O contragolpe de Israel veio em 26 de outubro de 2024, com um ataque aéreo direto ao território do Irã. As primeiras explosões em Teerã foram observadas por volta das 02h15 (horário local) daquele sábado. Pelo menos duas ondas de ataques foram realizadas pela IAF com caças F-15/16/35. “Esta ação é uma resposta aos meses de ataques contínuos do regime iraniano contra o Estado de Israel”, disse as IDF em um comunicado, referindo-se ao financiamento do Irã aos grupos terroristas e aos próprios ataques do Irã.

O ataque, que visou eliminar parte das defesas aéreas, radares e sítios de mísseis, foi feito por mais de 100 aeronaves voando sobre o território iraniano sem serem incomodadas pela Islamic Republic of Iran Air Force (IRIAF). Na prática não foi só uma eliminação selecionada para evitar novos ataques a Israel, mas sim, uma prévia, um ensaio real para um ataque que visava eliminar o programa nuclear iraniano o qual vinha ensaiando há anos pela IAF.

O ano fecharia em 26 de dezembro, quando 25 aeronaves da IAF atingiram vários alvos nas áreas do Iêmen, controladas pelos Houthis, principalmente, no Aeroporto Internacional da capital Sanaa (SAH/OYSN). De acordo com Israel, os ataques, que faziam parte da Operação Sons da Vinha (Operation Tzelilei HaKerem), foram realizados em resposta ao disparo de mísseis balísticos e veículos aéreos não tripulados (VANT) em direção a Israel pelos Houthis. Esse ataque aconteceu como parte de vários outros ataques aéreos israelenses no Iêmen em dezembro para enfraquecimento dos Houthis, e para retirá-los do apoio ao Hamas na guerra de Gaza.

Um 2025 mais conturbado ainda

O ano de 2025 ficou mais conturbado ainda na região do Oriente Médio com a intensificação dos ataques, das questões políticas e, principalmente, da participação cada vez maior de atores como EUA, Rússia, China, Irã e comunidade europeia, pressionando por um acordo de paz, fornecendo apoio direto militar, humanitário e político, não necessariamente nesta ordem. A IDF atacou diversos alvos em 2025, e alguns dos ataques mais importantes foram ao Iêmen, Irã e Catar.

A IAF efetuou entre 05 e 06 de maio mais um ataque ao Aeroporto Internacional de Sanaa, no Iêmen, país controlado pelos rebeldes Houthis, financiados pelo Irã. Os ataques foram em retaliação ao ataque com um míssil balístico a Tel Aviv, mais especificamente ao aeroporto internacional Ben Gurion (TLV/LLBG), feito no dia 4 de maio pelo grupo rebelde Houthis. O ataque rebelde visava prestar um apoio direto a Gaza em detrimento das ações de Israel, de amplificação de suas operações militares na região.

No ataque, caças F-15I Ra’am, apoiados por caças F-16D Barak, deixaram inutilizáveis vários aviões A310/320/330 da Yemenia Airways, além de um cargueiro Il-76 da Força Aérea Iemenita. Prédios, pistas, terminal de passageiros, hangares e outras estruturas foram atingidas, e literalmente destruídas ou seriamente danificadas.

O B-2 foi a grande estrela da Operação Midnight Hammer, que atacou as usinas nucleares do Irã. Os Spirits não entraram sozinhos no Irã. Foram acompanhados por caças Lockheed Martin F-22A Raptors do 94th FS da 1st FW e F-35AA da 48th FW. Além disso, aeronaves F-16CJ e F-15E também cobriram o caminho, com apoio de caças F/A-18E/F e EA-18G da US Navy. Foto: USAF.
O B-2 foi a grande estrela da Operação Midnight Hammer, que atacou as usinas nucleares do Irã. Os Spirits não entraram sozinhos no Irã. Foram acompanhados por caças Lockheed Martin F-22A Raptors do 94th FS da 1st FW e F-35AA da 48th FW. Além disso, aeronaves F-16CJ e F-15E também cobriram o caminho, com apoio de caças F/A-18E/F e EA-18G da US Navy. Foto: USAF.

Com desdobramentos e intensificação da Operação Espadas de Ferro, Israel ativa a Operação Leão Ascendente contra o Irã em uma sexta-feira, 13 de junho. A Leão Ascendente foi direcionada ao programa nuclear iraniano. Os militares avaliaram que o país tinha urânio enriquecido suficiente para construir 15 bombas nucleares, bem como fábricas de mísseis balísticos, e para ampliar suas capacidades militares, segundo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e os comandantes das forças de defesa israelenses (IDF).

Israel disse que não tinha escolha a não ser atacar o Irã, acrescentando que havia reunido informações de que Teerã estava se aproximando do “ponto sem retorno” em sua busca por uma arma nuclear. Durante todos os 12 dias a aviação israelense atacou diuturnamente o Irã em missões complexas e distantes que obrigatoriamente tinham que sobrevoar a Síria e o Iraque ou a Jordânia e o Iraque para, então, ingressar no espaço aéreo do Irã. Tudo foi feito “sem pedir licença”.

Os caças israelenses voaram mais de 2.300 quilômetros dentro do território do Irã sem serem incomodados. Israel ainda alega ter conseguido superioridade aérea a ponto de criar uma “estrada para Teerã”. A maioria dos voos, para cobrir em média 1.500 quilômetros de ida e mais 1.500 quilômetros de volta, precisou de Reabastecimento em Voo (REVO), o que foi feito pelos KC-707 Re’em (Búfalo) do 120 Sq sediados em Nevatim (LLNV). Somente os F-16I Sufa (Tempestade) e F-15I Ra’am (Trovão) tinham a “força” de ir e vir sem a necessidade de dois REVOS (ida e volta). Eles também eram os únicos a cumprir missões sem REVO, trocando combustível em tanques externos ou conformais, por menos armas. Os F-16I foram os grandes protagonistas dos ataques. Mais de 600 missões de REVO foram feitas na Leão Ascendente e mais de 1.000 surtidas de combate.

A declaração de havia “uma estrada para Teerã” traz um fato importante: de que Israel obteve desde o primeiro dia total superioridade aérea sobre o espaço aéreo do Irã. Não há nenhum relato dando conta de que a aviação da IRIAF sequer tenha tentado interceptar as aeronaves israelenses, mostrando que as quase 550 aeronaves de combate, como os veteranos F-4D/E, F-5E/F, F-5E Saeghe, F-14A, F-1BQ/EQ, F-7N, FT-7N, MiG-29A e Su-24MK, não conseguiram defender o país. A tão badalada IRIAF, superestimada pelo regime dos aiatolás, se mostrou uma força aérea de desfile militar.

A frente da mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém, que teria sido um dos pivôs do ataque de 7 de outubro de 2023, após confronto com a polícia israelense. Foto: Godot13.
A frente da mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém, que teria sido um dos pivôs do ataque de 7 de outubro de 2023, após confronto com a polícia israelense. Foto: Godot13.

Além de não defender o país, o Irã não enviou aeronaves de combate tripuladas (apenas UAS kamikazes) para o espaço aéreo israelense. Já a IAF “alugou” o espaço aéreo iraniano, chegando a ter mais de 220 aeronaves de combate tripuladas e não tripuladas sobre o país persa, atacando múltiplos alvos ao mesmo tempo. Houve apenas três UAS perdidos durante um conflito, sendo dois Hermes 900 e um IAI Heron. Redes sociais da mídia estatal do Irã fizeram muitas postagens de vitórias sobre as aeronaves da IAF, entre elas relatos sem comprovação de que poderiam ter abatido um F-35I. Uma guerra midiática, nada além disso.

A IAF atacou ao menos oito bases aéreas/aeroportos, e estampou vídeos destruindo aeronaves da IRIAF no solo, como F-14A, F-5E, MiG-29 e até KC-747 e IL-76 destruídos em aeroportos como Tehran Imam Khomeini International Airport (OIIE) e Tehran Mehrabad International Airport (OIII), ambos em Teerã, além das Bases Aéreas de Dezful/Vahdati (OIAD), Shahid Beheshti (OIFM), Mashhad/Shahid Hashemi Nejad (OIMM), Tabriz/Shaheed Fakouri (OITT), Bushehr/Yassini (OIBB) e Omidiyeh/Shahid Ardestani (OIAJ).

Porém, além dos sistemas de defesa, fábricas de drones e lançadores de mísseis, o principal objetivo era as usinas e plantas nucleares do Irã. Israel desde o primeiro dia atacou as plantas de enriquecimento de urânio em Natanz e Fordow; o centro de pesquisas de Bonab e Isfahan; Planta Nuclear de Arak e Ardakan. O foco principal foi Arak, Isfahan, Natanz e Fordow, os dois últimos os principais centros dedicados à produção de urânico enriquecido a fim de permitir a produção de uma bomba nuclear. Mas apesar dos esforços a IAF não possui armas capazes de perfurar o solo e atingir as instalações postadas a dezenas de metros abaixo da superfície. Natanz, por exemplo, está a mais de 60 metros da superfície.

Primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu. Foto: Ronen Zvulun.
Primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu. Foto: Ronen Zvulun.

Ao obter superioridade área total sobre o Irã, destruir boa parte dos sistemas de radar e de defesa aérea, e anular a IRIAF, a IAF abriu espaço para os EUA porem em prática a Operação Midnight Hammer, uma operação planeja com 18 meses de antecedência, que tinha só um objetivo: aniquilar o programa nuclear do Irã. O ataque usando sete Northrop Grumman B-2A Spirit do 509th Bomber Wing (509th BW) equipados cada um com duas Boeing GBU-57 MOP (Massive Ordnance Penetrator), a única bomba capaz de destruir as usinas nucleares de Fordow, Natanz e Esfahan, esta última seria atacada por um submarino class cruise missile da Classe Ohio, USS Georgia (SSGN-729), que estava na região desde o fim de setembro de 2024.

O ataque foi efetivado na noite de 21 de junho de 2025. Fordow, recebeu ao todo seis impactos diretos. Outros seis impactos foram feitos em Natanz. Ao todo, 12 MOP foram lançadas, sendo a primeira vez que ela foi usada em um conflito real. O SSGN-729 lançou 30 de mísseis de cruzeiro de ataque terrestre Tomahawk contra alvos-chave da infraestrutura de superfície em Isfahan. O ataque não eliminou o projeto nuclear do Irã, apenas o atrasou em meses. A Midnight Hammer entrou para a história como uma das operações militares mais impressionantes e ousadas já realizadas. Ela mobilizou de mais de 125 vetores para atingir dois alvos a mais de 11 mil quilômetros de distância (+ de 22 mil ida e volta), com mais 163 toneladas de explosivos, em uma missão de 37,4 horas sem escalas por B-2A! Foi a segunda mais longa missão já feita pelos B-2, perdendo apenas para o ataque ao Afeganistão entre 7 e 8 de outubro de 2001 na OEF, com 44,3 horas.

Vale lembrar que Israel, além da frente aberta contra o Irã, estava envolvido em ataques na Faixa de Gaza contra Hamas, Líbano contra o Hezbollah, Iêmen contra os Houthis, Síria, rebeldes, e também para proteger a minoria Drusa. Em 16 de julho de 2025, Israel realizou ataques aéreos contra vários prédios governamentais em Damasco, na Síria, incluindo o quartel-general militar e as proximidades do palácio presidencial. Esses ataques mataram pelo menos três pessoas e feriram outras 34.

A força e a capacidade destrutiva de Israel ficaram demonstradas em setembro de 2025, quando de 8 a 10 (72 horas), de segunda-feira a quarta-feira, Israel bombardeou locais em Gaza, Líbano, Síria, Tunísia, Iêmen e no Catar. Esse último alvo foi sem dúvida uma missão ousada não só pela distância, 2.000 km, mas por ser em meio a uma cidade um dos países árabes mais importantes do mundo.

Sumit of Fire

A Operação Cúpula de Fogo (Operation Sumit of Fire), também chamada de Operação Dia do Julgamento, foi o nome dado à missão de eliminar de forma ousada lideranças do Hamas exiladas em Doha. Ela é parte de uma série de assassinatos programados, cuidadosamente estudados pelo Mossad (serviço secreto), IDF (Forças de Defesa de Israel) e ISA (Agência de Segurança de Israel).

O ataque de precisão contra a alta liderança do Hamas na capital do Catar foi planejado por mais de dez meses, com agentes infiltrados em Doha, observando todos os passos e locais onde estavam hospedados. Esta parece ser a primeira vez que forças israelenses atacam abertamente alvos no Catar, marcando uma expansão significativa nas operações do país contra o Hamas.

Líder do Hamas Khalil al-Hayya, principal alvo do ataque de 9 de setembro. Foto: Khalil Hamra.
Líder do Hamas Khalil al-Hayya, principal alvo do ataque de 9 de setembro. Foto: Khalil Hamra.

Mas o que o Hamas fazia no Catar? Esse país tem sido um dos principais apoiadores financeiros da organização militante palestina Hamas, transferindo mais de US$1,8 milhão ao Hamas ao longo dos anos. Estima-se que ao menos US$ 30 milhões mensais sejam enviados ao Hamas. O Catar já foi chamado de “o mais importante financiador e aliado estrangeiro do Hamas”. Em 2011, os Estados Unidos solicitaram que o Catar fornecesse uma base para a liderança do Hamas, visando facilitar as comunicações com o grupo. A partir de 2012, o Catar passou a hospedar a liderança do partido Hamas quando seu chefe, Khaled Mashal, se mudou da Síria para Doha. De 2018 a 2023, o governo de Israel permitiu e aprovou o apoio do Catar ao Hamas por razões políticas e interesses de inteligência.

O ataque de outubro de 2023 mudou tudo. Em maio de 2024, os Estados Unidos haviam instado o Catar a remover os líderes do Hamas de seu território se eles se recusassem a aceitar um acordo de reféns com Israel. Focando em resolver a questão dos reféns de 7 de outubro, o Catar estava revisando manter o escritório do Hamas em Doha como parte de uma avaliação mais ampla do seu papel como mediador na guerra de Gaza. Vale ressaltar que o Catar era o principal mediador do conflito.

Em novembro de 2024, surgiram relatos de que o Catar havia encerrado sua mediação entre Israel e o Hamas e ordenado que o grupo deixasse o país após pressão dos EUA. O Catar tem sido um jogador curioso, pois além de abrigar o braço político do Hamas, tem boas relações com o Irã e ao mesmo tempo com Israel e os EUA, e abriga o maior contingente de americanos no Oriente Médio, na Base Aérea da Força Aérea do Catar de Al Udaid (OTBH).
Reunião urgente

O chefe do Estado-Maior das FDI, tenente-general Eyal Zamir (à esquerda) e o chefe do Mossad, David Barnea (à direita), questionaram o momento dos ataques, já que as negociações para um cessar-fogo em Gaza estavam em andamento. Fotos AFP.
O chefe do Estado-Maior das FDI, tenente-general Eyal Zamir (à esquerda) e o chefe do Mossad, David Barnea (à direita), questionaram o momento dos ataques, já que as negociações para um cessar-fogo em Gaza estavam em andamento. Fotos AFP.

Uma sensação de urgência pairava sobre a reunião de paz em 8 de setembro. O primeiro-ministro do Catar sentou-se em frente ao negociador-chefe do Hamas, Khalil Al-Hayya sob a bandeira marrom e branca do país do Golfo na noite de segunda-feira. Os dois já haviam se encontrado diversas vezes em conversas que muitas vezes se mostraram infrutíferas.

Mas dessa vez foi diferente, pois os EUA tinham acabado de apresentar uma nova proposta de cessar-fogo que poderia pôr fim à guerra de quase dois anos em Gaza. E o xeque Mohammed bin Abdulrahman bin Jassim Al-Thani pressionava Al-Hayya a aceitar.

A discussão terminou pouco antes das 21h30, segundo uma fonte familiarizada com a reunião, mas o trabalho de verdade estava apenas começando. Após a saída de Al-Hayya, os negociadores do Catar telefonaram para seus colegas israelenses para atualizá-los sobre o incipiente esforço de cessar-fogo.

Ao contrário da maioria das propostas, que vieram do Catar e do Egito, os dois principais mediadores capazes de dialogar com os EUA, Israel e Hamas, esse plano veio diretamente do governo Trump. Negociadores catarianos se encontraram com o enviado dos EUA, Steve Witkoff em Paris na semana anterior, e o presidente dos Estados Unidos Donald Trump queria ver progressos.

No domingo (07/09), Trump emitiu o que descreveu como seu “último aviso” ao Hamas para que aceitasse o acordo. Ele alegou prematuramente que Israel havia aceitado a proposta, embora autoridades israelenses tivessem apenas dito que a estavam “considerando seriamente”. Caberia ao Catar transformar a proposta em acordo.

Um KC-707 Re’em (Búfalo) do 120 Sq sediados em Nevatim (LLNV) reabastece aeronaves F-35I Adir da IAF. Assim como no ataque ao Irã, o ataque ao Catar exigiu reabastecimento em voo para os F-35I e F-15D. Foto: IAF.
Um KC-707 Re’em (Búfalo) do 120 Sq sediados em Nevatim (LLNV) reabastece aeronaves F-35I Adir da IAF. Assim como no ataque ao Irã, o ataque ao Catar exigiu reabastecimento em voo para os F-35I e F-15D. Foto: IAF.

A ligação entre as equipes de negociação do Catar e de Israel durou até 5h da manhã. O Hamas havia prometido responder aos negociadores do Catar em até 12 horas. Mas Israel tinha outros planos.

O fato é que nada havia mudado para Israel, nem a saída do Hamas do Catar nem as negociações de paz evoluíram, ao menos para Israel, que tinham os líderes do grupo terrorista um entrave. A operação Summit of fire ia ser disparada, custasse o que custasse.

Alvos e preparação

O ataque levou “meses para ser preparado e dois meses para ser refinado” e envolveu além de agentes do Mossad e ISA, todo um estafe da IAF, que na prática era o que faria a coisa se materializar. Os preparativos se intensificaram nas últimas semanas para uma operação militar ao mesmo tempo ousada e descarada: um ataque contra altos líderes do Hamas em Doha.

A cidade havia se tornado um centro vital para negociações de libertação dos reféns e para pôr um fim à guerra. Frequentemente era visitada por altos funcionários israelenses. Porém, a operação não era uma unanimidade. Altos oficiais israelenses, incluindo o chefe do Estado-Maior das FDI, Tenente-General Eyal Zamir e o chefe do Mossad, David Barnea, questionaram o momento dos ataques, já que as negociações para um cessar-fogo em Gaza estavam em andamento com chance de ser fechadas, e isso poderia pôr tudo a perder. Eles vinham participando de ações de negociações em Doha nos últimos meses. Suas posições contrárias os tiraram de algumas das principais decisões de segurança de Israel, já que Netanyahu priorizava as demandas dos parceiros de coalizão de extrema direita. Zamir se opôs ao plano do governo de tomar e ocupar a cidade de Gaza, alertando que isso colocaria em risco os soldados e os 48 reféns restantes e faria de Israel um “vilão”. Suas preocupações foram ignoradas. Em fevereiro, Barnea foi substituído como chefe da equipe de negociação de Israel por Ron Dermer, confidente de Netanyahu.

A decisão final seria exclusivamente do premier israelense, e ele e seu gabinete concluíram que atacar o Catar valia o risco. Nas últimas semanas, acelerou-se o planejamento para a missão complexa e de longo alcance. Enquanto as IDF avançavam com o ataque à cidade de Gaza, a Força Aérea Israelense se preparava para o que seria o primeiro ataque israelense a uma nação árabe do Golfo. Tudo se resumia a uma questão de quando, pois onde, isto é, o endereço, já tinha CEP.

No alto: um F-15D Baz armado com um Silver Sparrow. Acima um F-15I com um Blue Sparrow. Ao lado dele, alguns dos mísseis balísticos de Israel, incluindo, o Silver Sparrow usado no Catar. Fotos IAF. Arte via X.

Seriam 12 caças, duas aeronaves de reabastecimento em voo, e outras de apoio eletrônico e suporte. A data escolhida foi 9 de setembro, terça-feira, supostamente em um local em que todos os alvos estariam reunidos, justamente para discutir uma nova proposta de paz e libertação dos reféns israelenses.

Mas quem eram os alvos?

De acordo com relatos, os alvos incluíam várias figuras importantes do Hamas. Entre elas Khalil al-Hayya, líder sênior em Gaza; Zaher Jabarin, responsável pelas operações do Hamas na Cisjordânia; Muhammad Ismail Darwish, chefe do Conselho Shura do grupo; e Khaled Meshal, ex-líder geral do Hamas e chefe do seu braço internacional. Além desses, outros nomes de peso figuravam na mesa de reunião incluindo, Musa Abu Marzouk, Razi Hamad, Izzat al-Rishq e Taher al-Nono.

A operação recebeu aprovação preliminar na segunda-feira, 8/08, de acordo com uma autoridade israelense. O Shin Bet (ISA), a agência de segurança interna de Israel, que tem a responsabilidade primária de monitorar o Hamas, tinha informação de que altos funcionários do Hamas estavam se reunindo em Doha para discutir a proposta que os EUA estavam apresentando. Não está claro se foi a mesma reunião em que o primeiro-ministro do Catar pressionou o Hamas a aceitar o acordo de paz. O alvo principal era Al-Hayya. Israel adiou a operação por um dia para consolidar a identificação, ou para garantir que o primeiro-ministro do Catar não estivesse lá. A aprovação final veio poucas horas antes do ataque.

Um F-15D do 106 Sq da IAF armado com um míssil de cruzeiro Silver Sparrow, que teria sido modificado para o ataque de precisão para causar menos efeitos colaterais, uma vez que seria usado em meio a um bairro residencial. Foto: IAF.
Um F-15D do 106 Sq da IAF armado com um míssil de cruzeiro Silver Sparrow, que teria sido modificado para o ataque de precisão para causar menos efeitos colaterais, uma vez que seria usado em meio a um bairro residencial. Foto: IAF.

A ordem final teria sido dada após agentes do Massad terem confirmado a presença na residência localizada no bairro de luxo West Bay Lagoon, em Doha, um bairro que abriga embaixadas estrangeiras e residências de alto padrão, associadas a personalidades, empresários e altos funcionários do governo. O objetivo era simples. Enfraquecer a liderança do Hamas e dar um novo rumo às negociações.

Oficialmente, Israel declarou que o ataque foi uma resposta aos atentados de 7 de outubro e ao tiroteio em Ramot Junction, ocorrido no dia anterior. O tiroteio no cruzamento de Ramo, ocorrido em 8 de setembro de 2025, foi um atentado em Jerusalém no qual dois homens armados abriram fogo contra passageiros de um ônibus. A ação resultou na morte de seis pessoas e deixou outras 21 feridas.

Paralelo à definição do momento exato, hora e dia da missão, a IAF já estava preparando as aeronaves para a longa missão. A escolha das aeronaves recaiu sobre os Boeing F-15D Baz e Lockheed Martin F-35I Adir. Nas bases de Nevatim (LLNV), lar dos Adir, G550 Nachshon Eitam (SIGINT) e também dos KC-707 Re’em, os preparativos foram intensos desde o dia 8 de setembro. O mesmo ocorreu na Base Aérea de Tel Nof (LLEK), sede dos F-15D do 106 Sq e do 133 Sq.

Vale ressaltar que algumas fontes dão que os F-15 usados, foram os F-15I Ra’am do 69 Sq, sediados em Tel Nof (LLEK); porém, não há uma confirmação oficial da IAF. A informação mais plausível é de que a missão foi dos F-15D, pois estavam habilitados para os mísseis escolhidos. Além disso, aeronaves de SAR e de apoio logístico e sistemas de manutenção estavam envolvidas na Summit of fire.

Mapa mostra o esquema tático da operação, com a missão sendo conduzida sobre o Mar Vermelho, sem escalas e com apoio de reabastecimento em voo. Arte: Leandro Casella.
Mapa mostra o esquema tático da operação, com a missão sendo conduzida sobre o Mar Vermelho, sem escalas e com apoio de reabastecimento em voo. Arte: Leandro Casella.

Armas

Segundo informação da IAF, foram empregados mísseis de cruzeiro lançados pelo ar para destruir o alvo. Foi necessária uma salva de 10 a 12 mísseis. Mas quais mísseis? Informações iniciais davam conta de que entre os vários sistemas da IAF, dois foram os escolhidos: o Elbit Systems Delilah e o Rafael Silver Sparow, ambos homologados para uso com os F-15, F-16 e F-35. Porém, o Delilah na prática era um candidato pouco provável, pois afinal, o lançamento teria ocorrido por volta da 2.000 km, muito acima dos 250 km de alcance do míssil da Elbit.

Então, por que o míssil Delilah foi cogitado ou apontado como participante? Os danos no local da explosão foram pequenos e localizados, consistentes com o uso de munição de alta precisão. O Delilah é um míssil de ataque de precisão, lançado do ar, conhecido por seu pequeno tamanho e ogivas precisas, que podem causar danos colaterais mínimos. É um dos menores mísseis de cruzeiro de Israel. A série Delilah de mísseis ar-superfície oferece capacidades operacionais únicas para busca de longo alcance, aquisição e ataque de precisão de alvos móveis, estacionários ou realocáveis de alto valor com um erro circular provável (CEP) de 1 metro (3 pés e 3 pol.) e um alcance de até 250 km e efetivo 200 km.

O que provavelmente foi usado? Apesar das características do Delilah corresponderem aos danos, especialistas sugerem que Israel usou um míssil balístico lançado do ar Rafael Silver Sparrow, com um alcance de 1.500 a 2.000 km. Essa tática “além do horizonte” do tipo “dispare e esqueça” provavelmente foi empregada para contornar as defesas aéreas sauditas e catari e evitar que os caças da IAF sobrevoassem a Arábia Saudita.

Flagrante da explosão sobre o local da reunião no bairro de luxo West Bay Lagoon, em Doha. Foto Via X.
Flagrante da explosão sobre o local da reunião no bairro de luxo West Bay Lagoon, em Doha. Foto Via X.

A versão Silver Sparrow pertence à família Sparrow, que possui as versões Blue (curto alcance), Black e Silver (médio alcance). Foi projetada para simular mísseis balísticos iranianos da classe Shahab-3 do Irã. Porém, há relatos que a IAF o estaria usando para missões de ataques a alvos, e que isso teria começado no conflito recente contra o Irã. Os simuladores de alvos Sparrow foram projetados para simular as trajetórias, manobras de reentrada e assinaturas de vários mísseis balísticos. Foram selecionados pelo Ministério da Defesa de Israel para testar os Sistemas de Defesa de Mísseis Arrow dos EUA/Israel. O Black Sparrow também foi selecionado por um país estrangeiro não informado. Os Sparrow oferecem representação fiel de ameaças de média a alta complexidade, e uma resposta abrangente aos requisitos de teste, treinamento de sensores e de interceptores de mísseis balísticos. Eles podem ser lançados do solo e do ar, proporcionando flexibilidade no cenário de testes.

Porém, em um ponto desconhecido, Israel converteu mísseis Black e Silver em mísseis balísticos de até 2.000 km de alcance com ogivas ativas, que podem ser lançadas de caças F-16D/I e F-15C/D/I. O Silver Sparrow possui uma ogiva de 150 kg e utiliza orientação GPS/Dual INS. Com isso, o desenho tático deve ter ficado assim na Summit of fire: os F-35I voaram como escolta para os F-15D lançarem os Silver Sparrow.

Foto de satélite mostra exatamente o complexo onde o Hamas estava hospedado e onde ocorreram as reuniões com as propostas de paz. Foi neste local marcado pelo retângulo vermelho, que a IAF lançou 1dez mísseis Silver Sparrow. Foto: Maxxar.

O ataque

Como sempre, o mundo foi surpreendido com o ataque de 9 de setembro, e, mais uma vez a notícia veio primeiro com vídeos em redes sociais, sem muita informação ou com informações desencontradas. O prédio, em um bairro nobre de Doha, é envolto por colunas de fumaça, com relatos de explosões após um ataque de mísseis ou bombas guiadas. À primeira vista, era um atentado. À segunda vista, vendo quem foi o alvo, era um ataque de Israel. E mais, um ataque de Israel por mísseis balísticos, feito por caças F-15 e F-35.

Mas por onde? De Israel ao Catar, são mais de 2.300 km, e ainda por cima, vários países pela frente, dependendo de que rota decidisse seguir. Para chegar pelo lado norte do Catar teria que sobrevoar Cisjordânia, Jordânia, (talvez Síria), Iraque, Kuwait, Arábia Saudita, e ingressar no Golfo Pérsico. Violar esses vários espaços aéreos trariam problemas; porém, daria a garantia de poder atirar de uma distância mais favorável. Essa foi a rota imaginada e, talvez, que tenha inicialmente creditado os ataques aos Delilah, uma vez que poderia ser feito dentro do seu alcance operacional de até 250 km.

Porém, o cenário foi muito diferente do que a maioria imaginava inicialmente, isto é, o citado acima. Isso porque a expectativa era de que jatos israelenses voassem para o leste e depois descessem para o Golfo Pérsico antes de lançar seus mísseis, sem entrar no espaço aéreo do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC). Ao invés disso, eles foram para o sul, rumo ao Mar Vermelho.

A formação de caças era composta por quatro F-35I Adir de um dos esquadrões sediados em Nevatim (LLNV), provavelmente o 117 Sq, ladeados por oito caças F-15D Baz do 106 Sq e 133 Sq, esses armados com os mísseis Rafael Sliver Sparrow. Além desses, uma aeronave G550 Nachshon Eitam (SIGINT) e outra GV Nachshon Shavit (AEW), ambos do 122 Sq, também de Nevatim, estavam na área para promover inteligência de sinais (SIGINT) e alerta aéreo antecipado (AEW).

O objetivo é era monitorar, interferir e antecipar passos no caso da aeronave de SIGINT e, claro, monitorar o espaço aéreo ao redor das aeronaves de ataque e escolta, prevendo e antecipando qualquer interceptação ou ataque e “garantindo um caminho livre”. Junto com os caças, dois KC-707 Re’em do 120 Sq (Nevatim) também participaram da missão, fornecendo reabastecimento em voo (REVO) aos F-35I e F-15D. O voo direto e sem escalas chegou perto de 5h, entre decolagem, REVO, espera, ataque e regresso com novo REVO. Tudo em silêncio, rádio e com comunicações restritas, provavelmente, por mensagens criptografadas.

Sobre o mar, ao norte da cidade saudita de Jeda, começou uma espera para o “OK” final. Às 15h, dez mísseis foram lançados, atingindo o alvo com diferença de um a dois segundos, por volta de 15h46, hora local. Ao menos oito impactos puderam ser vistos, todos de precisão. Eles cruzaram o espaço aéreo da Arábia Saudita, sem ser notados. Não está muito claro o que a Arábia Saudita realmente pensa de tudo isso ou se sabiam. Provavelmente não, e como isso irá afetar as relações entre os dois países. Não está claro também se eles invadiram o espaço aéreo sobre o mar saudita. Provavelmente não. A Jordânia confirmou que não houve nenhuma violação do seu espaço aéreo, ratificando que o voo foi via Mar Vermelho, não havendo nenhum sobrevoo de países da região. Todos os aviões da IAF regressaram em segurança para suas bases.

O prédio em West Bay Lagoon semidestruído após o ataque dos caças israelenses a mais de 1200 quilômetros de distância. Foto: Via X.
O prédio em West Bay Lagoon semidestruído após o ataque dos caças israelenses a mais de 1200 quilômetros de distância. Foto: Via X.

O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu assumiu todo o crédito por ordenar o ataque.“Ao meio-dia de hoje, convoquei os chefes das organizações de segurança de Israel e autorizei um ataque cirúrgico e de precisão contra os chefes terroristas do Hamas”. Enquanto caças israelenses cortavam os céus em direção ao seu alvo, Netanyahu se abrigava no Centro de Comando de Operações Especiais do Shin Bet, no centro de Israel.

A maioria das baterias de defesa aérea não tem uma visão de 360 graus, e é provável que as baterias de mísseis MIM-104 Patriot do Catar estivessem voltadas para o Irã, não havendo cobertura para o Mar Vermelho que faz fronteira com a Arábia Saudita. Porém, mísseis balísticos voam na atmosfera superior ou até mesmo para o espaço antes de retornarem a uma velocidade muitas vezes superior à do som. Sendo assim, mesmo que a postos, as baterias Patriot não poderiam atingir tais altitudes ou velocidades na interceptação. Já um sistema Lockheed Martin THAAD (Terminal High Altitude Area Defense) consegue fazer isso. O Catar encomendou um desses durante a visita do presidente norte-americano Donald Trump em maio de 2025.

De acordo com vários altos funcionários americanos informados sobre a operação, somente alguns minutos antes do ataque Israel notificou os militares dos EUA que estava realizando um ataque contra o Hamas. Inicialmente, os israelenses não forneceram informações precisas sobre o alvo, mas sensores espaciais operados pela Força Espacial dos EUA detectaram assinaturas de calor infravermelho projetadas pelo lançamento e pela trajetória dos mísseis, confirmando o alvo como Doha.

O U.S. Central Command (USCENTCOM) alertou o General Dan Caine, Chefe do Estado-Maior Conjunto, que por sua vez informou a Casa Branca. O presidente dos Estados Unidos instruiu o enviado especial Steve Witkoff a notificar o governo do Catar. Mas era tarde demais. O Catar afirmou que o alerta chegou cerca de dez minutos depois que os mísseis haviam atingido o local da reunião em Doha.

Resultados

O ataque fracassou porque Israel bombardeou um prédio próximo ao local onde altos funcionários do Hamas se reuniam, mas não o local exato. A precisão dos mísseis atrapalhou, pois, ao minimizar danos, preservou parte do complexo, não atingindo os alvos em um efeito colateral ou destruindo todo o complexo.

O primeiro-ministro do Catar, Sheikh Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, disse que as armas usadas não foram detectadas pelos radares da Qatar Emiri Air Force (QEAF).

Primeiro-ministro do país, Mohammed bin Abdulrahman Al Thani. Foto: Karim Jaafar.
Primeiro-ministro do país, Mohammed bin Abdulrahman Al Thani. Foto: Karim Jaafar.

O Hamas afirmou que seis pessoas foram mortas, mas que sua liderança sobreviveu ao ataque. As vítimas fatais foram identificadas como: Humam Al-Hayya (Abu Yahya), filho do negociador-chefe al-Hayya, Jihad Labad (Abu Bilal), diretor do escritório de al-Hayya; os seguranças Abdullah Abdul Wahid (Abu Khalil) Moamen Hassouna (Abu Omar), Ahmed Al-Mamluk (Abu Malik) e o Cabo Badr Saad Mohammed Al-Humaidi, forças de segurança interna do Catar. “Confirmamos o fracasso do inimigo em assassinar nossos irmãos na delegação de negociação”, disse um comunicado do Hamas.

Autoridades e analistas dizem que a pequena escala de danos fotografadas por satélite no Catar desqualifica vários tipos de mísseis, exceto alguns, que seriam usados em um ataque “stand-off” feito por aeronaves. A IAF não confirmou oficialmente o que foi usado, somente que foram mísseis balísticos ar-terra. O Sparrow inclui uma opção com ogiva inerte, o que pode explicar os danos limitados causados e o fato de um posto de gasolina próximo ao local do ataque não ter explodido.

Seu alcance estimado é de cerca de 2.000 km (1.240 nm). Um lançamento do Mar Vermelho até o local teria percorrido uma distância de até 1.700 quilômetros (1.055 nm). Mesmo uma ogiva inerte deve atingir com muita força cinética — digamos equivalente a algumas centenas de quilos (libras) de TNT. O uso de mísseis balísticos lançados do ar tem sido comum pela Rússia em sua guerra contra a Ucrânia, enquanto Moscou busca proteger suas aeronaves das defesas aéreas ucranianas. A China exibiu um míssil balístico lançado do ar com capacidade nuclear este mês, durante seu desfile do Dia da Vitória em setembro.

Israel possui diversas variantes de mísseis balísticos lançados do ar, publicamente conhecidas após o vazamento de documentos de inteligência dos EUA no ano passado. Entre elas estão o Golden Horizon e o IS02 ROCKS, que os documentos de inteligência sugeriram que Israel provavelmente poderia usar para atingir o Irã.

Consequências

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse no sábado (13/09) que eliminar chefes do Hamas que vivem no Catar removeria o principal obstáculo para a libertação de todos os reféns e o fim da guerra em Gaza. O ataque de 9 de setembro, que matou seis pessoas em Doha, interrompeu meses de negociações diplomáticas mediadas pelo país da Península Arábica para alcançar um cessar-fogo na guerra entre Israel e o Hamas, que devasta a Faixa de Gaza há dois anos.

Muitos críticos de Netanyahu, inclusive dentro do seu governo, afirmam que o ataque foi feito justamente para interromper qualquer tipo de cessar-fogo, pois isso impediria uma tomada completa de Gaza. Cerca de uma semana após o lançamento dos Silver Sparrow, Israel iniciou uma ofensiva terrestre contra a Cidade de Gaza. Isso reacendeu a revolta na região em relação à guerra, enquanto o ataque a Doha gerou temores de que outros países da região também possam ser atingidos.

As IDF e a ISA (mais conhecida como Shin Bet) emitiram um comunicado conjunto após explosões que atingiram Doha em 9/09.

“As IDF e a ISA realizaram um ataque preciso visando a alta liderança da organização terrorista Hamas. Durante anos, esses membros da liderança do Hamas lideraram as operações da organização terrorista. São diretamente responsáveis pelo brutal massacre de 7 de outubro e têm orquestrado e administrado a guerra contra o Estado de Israel. Antes do ataque, medidas foram tomadas para mitigar os danos aos civis, incluindo o uso de munições precisas e inteligência adicional. As IDF e a ISA continuarão a operar com determinação para derrotar a organização terrorista Hamas, responsável pelo massacre de 7 de outubro”.

Um F-15D armado com uma Silver Sparrow decola a plena pós-combustão. O uso deste míssil de cruzeiro coloca em cheque os países da região, pois dá a Israel a capacidade de atingir qualquer alvo em um raio de 1500 quilômetros. Foto IAF.
Um F-15D armado com uma Silver Sparrow decola a plena pós-combustão. O uso deste míssil de cruzeiro coloca em cheque os países da região, pois dá a Israel a capacidade de atingir qualquer alvo em um raio de 1500 quilômetros. Foto IAF.

Na declaração, a IDF/ISA não fornece detalhes sobre como os ataques foram realizados. Uma declaração separada da IAF disse que a operação havia sido realizada “através” desse serviço, mas nenhum contexto adicional foi oferecido.

Por outro lado, formalmente o Catar protestou, apesar de nada mais ter sido feito.

“O Estado do Catar condena veementemente o covarde ataque israelense que teve como alvo prédios residenciais que abrigam vários membros do Birô Político do Hamas na capital do Catar, Doha. Esse ataque criminoso constitui uma violação flagrante de todas as leis e normas internacionais e representa uma séria ameaça à segurança dos catarianos e residentes no Catar”, afirmou em comunicado o Dr. Majed Al Ansari, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Catar e assessor do primeiro-ministro do país, Mohammed bin Abdulrahman Al Thani. “O Ministério afirma que as forças de segurança, a defesa civil e as autoridades competentes começaram imediatamente a lidar com o incidente e tomar as medidas necessárias para conter suas repercussões e garantir a segurança dos moradores e das áreas vizinhas. Embora o Estado do Catar condene veementemente este ataque, confirma que não tolerará esse comportamento irresponsável de Israel e a contínua perturbação da segurança regional nem qualquer ato que vise sua segurança e soberania”, acrescentou Al Ansari. “Investigações estão em andamento no mais alto nível, e mais detalhes serão anunciados assim que estiverem disponíveis”.

Em Washington, o governo Trump “condenou o ataque unilateral de Israel ao Hamas em Doha, no Catar, enfatizando que ele minou os interesses dos EUA e de Israel”. Em uma publicação no Truth Social algumas horas após o ataque, Donald Trump disse que o ataque foi “uma decisão tomada pelo primeiro-ministro Netanyahu, não foi uma decisão tomada por mim”. Trump disse que, assim que foi notificado do ataque, ele “imediatamente ordenou” ao enviado especial dos EUA, Steve Witkoff, que informasse o Catar, mas disse que a notificação havia sido feita “tarde demais” para impedi-lo. “Vejo o Catar como um forte aliado e amigo dos EUA e me sinto muito mal com o local do ataque”, disse ele na publicação, acrescentando que havia garantido aos seus líderes que “tal coisa não acontecerá novamente em seu território”. Ele acrescentou: “Bombardear unilateralmente o Catar, uma nação soberana e aliada próxima dos Estados Unidos, que está trabalhando arduamente e corajosamente assumindo riscos conosco para negociar a paz, não promove os objetivos de Israel ou dos Estados Unidos. No entanto, eliminar o Hamas, que lucrou com a miséria dos que vivem em Gaza, é um objetivo nobre”.

O primeiro-ministro do Catar, que havia pressionado o Hamas a aceitar a proposta um dia antes, ficou furioso, chamando o ataque de “terrorismo de Estado”.

Um F35I Adir é reabastecido em voo por um KC-707. Ao longo dos últimos meses a IAF refinou muito sua capacidade de atingir alvos a longas distâncias com uso do reabastecimento em voo. Com a chegada dos novos Boeing KC-46A, a IAF expandirá ainda mais essa capacidade, fazendo com que distância acima de 2.500 ok possam ser atendidas sem dificuldades. Foto: IAF.
Um F35I Adir é reabastecido em voo por um KC-707. Ao longo dos últimos meses a IAF refinou muito sua capacidade de atingir alvos a longas distâncias com uso do reabastecimento em voo. Com a chegada dos novos Boeing KC-46A, a IAF expandirá ainda mais essa capacidade, fazendo com que distância acima de 2.500 ok possam ser atendidas sem dificuldades. Foto: IAF.

Em uma entrevista exclusiva à CNN, Al-Thani disse: “Se observarmos o padrão de ações de Netanyahu desde 7 de outubro, desde que a guerra começou, ele tem tentado de forma muito sistemática minar qualquer chance de estabilidade, qualquer chance de paz e qualquer chance de recuperar seus próprios reféns”.

Esta parece ser a primeira vez que forças israelenses atacam abertamente no Catar, marcando uma expansão significativa nas operações do país contra o Hamas. Isso levantou questões urgentes sobre como tal ataque poderia ter sido realizado no coração de um estado do Golfo Pérsico.

O uso de mísseis balísticos lançados do ar, embora relativamente raro globalmente, tem sido observado em conflitos recentes. A Rússia os utilizou na Ucrânia para manter aeronaves fora do alcance das defesas aéreas, e a China exibiu uma versão com capacidade nuclear durante um desfile militar no início deste mês.

Para Israel, a tática demonstrou sofisticação técnica e introduziu uma nova dimensão às preocupações com a segurança regional. Ao pegar os sistemas de defesa do Catar e dos EUA desprevenidos, o ataque a Doha ampliou os temores entre os Estados do Golfo de que eles também possam ser alvos da caçada de Israel por terroristas. Afora as políticas do Governo de Israel, que hoje são questionadas, o fato é que a IAF vem se consolidando como a Força Aérea mais operacional da atualidade, capaz de prover suporte de combate a cinco, sete frentes, com alto grau de eficiência e bons resultados, e mais, sem perdas. Pouquíssimas, a ponto de se contar nos dedos, podem se igualar hoje em dia a IAF.

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