Texto por: Anastácio Katsanos
Texto por: Roy Reis Friede
Texto por: Rudnei Dias da Cunha
Texto por: Leandro Casella
Texto por: Ângelo Melo
Texto por: Rudnei Dias da Cunha
Texto por: Leandro Casella
Texto por: Carlos Lorch
Texto por: Carlos Lorch
“Donald Trump prepara a saída dos EUA da OTAN! O presidente norte-americano prepara o fim dos subsídios de seu país à Organização Mundial de Saúde! Trump olha torto para as Nações Unidas! Os EUA começam a cortar pesado as despesas da USAID!”
É uma disrupção tão grande no modo americano de espalhar apoio ao mundo, que muita gente anda dizendo que ele é doido.
Outros, mais gente ainda, não param de reclamar, espernear até. O que vão fazer sem os dólares que antes chegavam tão facilmente a seus cofres, e, por que não dizer, seus bolsos?
Há mais de uma década, vínhamos ouvindo que os EUA haviam entrado em um ciclo sem volta de decadência e declínio. Era só uma questão de tempo até que fosse decretado o ocaso do Império Americano.
E, de fato, entre a perda de empregos para países com mão de obra mais barata, para a dura realidade dos sem-teto, apinhando as principais metrópoles do país. Derrotas injustificáveis como, por exemplo, a fatídica retirada do Afeganistão, e uma invasão silenciosa – e inacreditavelmente fomentada – de imigrantes ilegais. De movimentos internos que transformavam a maior potência do planeta em um fantasioso mundo woke, em que o patrulhamento de modo tradicional de vida começou a ser lugar comum. E da infiltração de instituições basilares como o FBI, o Departamento de Justiça e muitos outros que passaram a levantar bandeiras partidárias e não mais as nacionais. Gastos desenfreados de vários governos vieram elevando a dívida norte-americana, ameaçando a própria soberania do dólar como âncora financeira do planeta.
E é esse o problema principal identificado por Trump como seu maior desafio. Ele herdou a maior dívida norte-americana da história. São US$ 36,22 trilhões que impedem que o estado funcione como deveria, provendo infraestrutura, segurança, educação e saúde de qualidade.
E, ao contrário de vários de seus antecessores, não empurrou o problema para debaixo do tapete. Optou por enfrentá-lo, e começou cortando custos no exterior.
E a OTAN é um bom exemplo. Criada em 1949 para implementar o Tratado do Atlântico Norte e conter qualquer ameaça soviética ao ocidente, a OTAN é composta de 32 estados-membros – 30 na Europa, além do Canadá e dos EUA.
No entanto, é na contribuição financeira que vive a discórdia. No ano de 2023, por exemplo, dos cerca de US$ 1,2 trilhões gastos pela OTAN, US$ 860 bilhões são os gastos de defesa dos EUA. Quatrocentos e quatro bilhões foram contribuídos por todos os outros países juntos (3,4% do PIB americano x 1,9% do PIB de todos os outros 31 países somados).
A OTAN, na configuração atual, é uma organização ultrapassada. Sua nêmesis, o Pacto de Varsóvia, não existe desde julho de 1991; serve aos interesses de países que economizam fortunas em sua defesa. No entanto, se juntarmos todos os principais meios militares europeus, eles ultrapassam com facilidade as quantidades de meios do mesmo tipo norte-americanos, russos ou chineses.
Some-se a isso a crescente percepção da China como principal ameaça potencial aos EUA exigindo um redirecionamento dos gastos e do posicionamento de suas forças para o Pacífico, e fica fácil entender por que a OTAN deixou de ser uma prioridade para eles.
O que falta aos europeus é uma cultura capaz de criar um organismo militar único e coeso sem arestas operacionais e doutrinárias. E não um caleidoscópio de forças nacionais muito diferentes umas das outras. Para dar um exemplo: a Europa de hoje, com quatro tipos diferentes de aeronaves de combate (Rafale, Eurofighter, Gripen e o Kaan turco chegando), vários tipos de fragatas, submarinos, blindados e outros meios, é um modelo que só funciona em tempos de paz. Em uma guerra prolongada, o que acaba contando nos dias atuais é a capacidade de projetar força em massa, uma doutrina e um comando único e uma logística eficiente e bem ensaiada.
E, desde a Segunda Guerra, o velho continente se adapta à liderança americana. Uma liderança que se tornou desnecessária e proibitiva financeiramente. Imagine-se a cauda logística para manter uma força de mais de 100.000 de seus militares em diversas bases espalhadas por toda a Europa.
Os EUA precisam desse corte. E, talvez, essa necessidade seja a liga que falta para que a Europa se torne realmente uma potência militar autônoma.
Pena que o presidente americano se expresse de forma pouco diplomática e que seja chegado a bravatas. Esse grande e fundamental corte de gastos poderia ser atingido de forma menos agressiva.
Palavra de Expert
Anastácio Katsanos
O desagradável e surpreendente encontro entre os presidentes Trump e Zelensky, no final de fevereiro, na Casa Branca, em Washington, está sendo chamado de “a emboscada no Salão Oval”. Esse evento consolidou a visão de que estamos diante de uma alteração significativa na ordem mundial, e serviu de despertador para todos aqueles que ainda não tinham se dado conta da forte mudança no cenário.
Donald Trump, em seu retorno à presidência, mudou radicalmente a política externa norte-americana, com significativos impactos estratégicos, geopolíticos e econômicos de alcance global. Em particular, o mercado e a indústria de defesa devem ser setores com alterações substanciais e abertura de novas perspectivas em níveis não observados desde o auge da Guerra Fria.
Os países da OTAN vinham aumentando lentamente seus gastos de defesa nos últimos anos. O episódio no Salão Oval despertou boa parte da Europa para uma realidade na qual não poderão contar com os EUA apoiando a sua defesa, mesmo diante do visível expansionismo russo. Em questão de dias após o episódio, um fundo europeu foi estruturado com a previsão de investimentos da ordem de € 650 bilhões nos próximos 4 anos. A substituição dos EUA como principal fornecedor de armas para a Europa não é imediata, mas ganhou impulso. Os gastos militares dos países da OTAN, que já vinham atingindo níveis de 2% do PIB, apresentam perspectivas de significativa elevação adicional, e alguns países já se aproximam de gastos de 5% do PIB. A indústria de defesa europeia vive momentos de euforia com a valorização das ações das principais empresas na ordem de 60% apenas em 2025.
Na Ucrânia, que resiste heroicamente à invasão russa, a indústria de defesa se recuperou e, atualmente, já produz mais de 40% de todos os armamentos e equipamentos que utiliza. O país se tornou o maior produtor de drones aéreos, terrestres e marítimos militares do mundo, com a meta de produção de 4,5 milhões de drones em 2025, após terem fechado o ano passado com uma produção que superou 2,5 milhões de unidades. A Ucrânia agora iniciou a promoção para exportação de seus produtos “testados em combate”.
A indústria de defesa da Rússia pode ser considerada a maior derrotada na guerra com a Ucrânia. Nos últimos 3 anos, as exportações russas de material de defesa diminuíram 70% em comparação a anos anteriores. E o pobre desempenho operacional de seus armamentos criou uma imagem negativa, o que está levando os atuais operadores de armas russas a considerar alternativas.
A indústria de defesa dos EUA continua forte e em expansão, e deverá se manter como a maior do mundo. Com a guerra na Ucrânia, o forte rearmamento da Europa e o crescente investimento em defesa dos EUA para fazer frente ao crescimento militar da China, o complexo industrial-militar norte-americano deve crescer vigorosamente ao longo de toda a década. Essa indústria de defesa deve perder um pouco de terreno no Oriente Médio, Ásia e América Latina devido a questões de política externa e controles de exportação de armas impostos pelos EUA.
A China continua a expandir rapidamente seu poderio bélico, sendo atualmente o segundo país em gastos militares. No mercado mundial, sua indústria busca capturar os mercados que estão decepcionados com sistemas de armas russos. Ela atua fortemente na África, no Oriente Médio e na Ásia Central, com produtos cada vez mais sofisticados e competitivos.
Em outra frente, o notável desempenho dos meios de defesa de Israel contra o Hamas e Hezbollah e a defesa contra os ataques do Irã e dos Houthis do Iêmen resultaram em um exponencial aumento de interesse pelos produtos da indústria israelense. As principais empresas de defesa do país estão com grandes volumes de encomendas a serem atendidos.
Outras indústrias de defesa estão em rápido crescimento e se aproveitam do novo cenário mundial. A Turquia investe fortemente no setor, e está expandindo sua produção para atender novas encomendas, principalmente na África. Além disso, é forte concorrente no mercado de drones, desenvolve novos aviões de combate, sistemas de armas guiadas avançados e meios navais competitivos.
A indústria de defesa da Coreia do Sul atingiu um nível respeitável em qualidade, desempenho e preços competitivos de sistemas de armas diversos, desde veículos blindados, artilharia, defesa antiaérea, aviões de combate e indústria naval. O sistema de foguetes de artilharia guiados sul-coreanos ocupou o vácuo deixado pela Avibras em vários mercados, e também penetrou no exigente mercado europeu.
Em vários outros países, a incerteza geopolítica e a imprevisibilidade da política americana já resultam em cancelamento de compras de produtos dos EUA e escolha de alternativas.
O cenário global, após o episódio no Salão Oval, também beneficia a indústria brasileira de material de defesa. Já se observa um crescente interesse por aviões da Embraer e sistemas de armas desenvolvidos por outras empresas nacionais.
Projeção de Forças
Roy Reis Friede
A atual política de defesa dos EUA para a Ásia, notadamente para a região do Pacífico, inaugurada no primeiro governo de Donald Trump (2017-21), vai ter que, necessariamente, contar com um Japão militarmente robustecido.
Evidencia-se insustentável a manutenção de uma equivocada política estadunidense, implantada no imediato pós-segunda guerra, que impediu, a despeito do distinto tratamento conferido à Alemanha, o necessário rearmamento nipônico.
Destarte, a ausência de um aliado militarmente poderoso (ainda que obrigatoriamente desprovido de armas nucleares) na Ásia foi, não obstante outros fatores, a principal razão da extrema dificuldade que os EUA tiveram para impor uma relativa estabilidade na região, durante o período convencionalmente denominado Guerra Fria e, em grande medida, um dos importantes motivos do “empate técnico” das forças da ONU na Coreia (1950-53) e da derrota da França (1945-54) e dos EUA (1964-75) na Indochina.
Vale lembrar, em necessário registro, que a viabilidade efetiva da OTAN, como elemento provedor de estabilidade à Europa, somente foi (finalmente) estabelecida após o (controvertido à época) ingresso da Alemanha naquela aliança militar em 1955, ou seja, seis anos depois da criação daquela associação defensiva, tendo representado, na oportunidade (e, de certa maneira, até os dias atuais), o principal elemento responsável por assegurar a paz na Europa Central, particularmente durante os anos de confrontação bipolar.
Naquele momento histórico, segundo posição unânime entre os doutrinadores, ficou muito claro para os EUA que seria impossível estabelecer uma linha contentiva eficaz e, sobretudo, politicamente crível contra a União Soviética sem a presença de uma potência da envergadura da Alemanha.
Em alguma medida, o reconhecimento posterior (ainda que parcial) de tal fato, na região da Ásia, acabou ocorrendo na segunda metade da década de 1970, impulsionado, em certa medida, pela dissolução formal da Organização do Tratado do Sudeste Asiático (OTASE) em 1977. Ainda que tenha se iniciado com a política de distensão com a China, como contrapeso à influência soviética (concepção revolucionária engendrada por NIXON/KISSINGER em 1972), foi especialmente concluído com o lançamento da TRILATERAL: uma conjunção contentiva (de base preponderantemente econômica) que uniu os EUA, a Europa e (finalmente) o Japão.
No presente século XXI, mormente após a ascensão política de XI JINPING em 2013, entretanto, novos desafios na Ásia estão sendo apresentados, colocando em teste, mais uma vez, a credibilidade da política externa norte-americana para a região.
Muito embora a extinta URSS (e sua herdeira, a Rússia) não se mostre mais como problema para a estabilidade no extremo oriente, uma nova (e desafiadora) arquitetura geopolítica, gradativamente, se apresenta, notadamente ditada por uma China disruptiva, que, buscando posições de destaque no cenário internacional, afirma-se, em tom sublime, como a segunda economia e a terceira potência militar do planeta. Por meio dessas credenciais, não mais aceita passivamente um papel limitado nas relações globais, posicionando-se, de forma contundente, no tabuleiro geopolítico, por meio de uma política de ascensão confrontante com os EUA.
Portanto, como no passado, resta, a toda evidência, que tal desafio não poderá ser plenamente resolvido através da persistente (e comprovadamente inócua) política estadunidense de contrapeso, conduzida por intermédio de um limitado fortalecimento econômico e militar da Índia (ainda que esta mantenha uma postura autônoma, guiada por seus próprios interesses nacionais), uma vez que esta potência encontra-se irremediavelmente contida pelo vizinho Paquistão, não somente em face de seu poderio nuclear, mas também, e principalmente, pelos riscos de uma insurreição jihadista em suas fronteiras terrestres.
Por efeito consequente, ao reverso de toda a estratégia norte-americana desenvolvida nos últimos 50 anos, é forçoso reconhecer, mais uma vez, que apenas uma grande potência do porte do Japão (quarta economia do globo) terá o potencial efetivo de cumprir a tarefa de prover estabilidade à região, forjando uma linha de deterrência contentiva em relação à China (ainda que em conjunto com uma crescente presença militar estadunidense no Pacífico, provida de capacidade nuclear dissuasória), permitindo que se mantenha, desta feita, o status quo naquela importante região do mundo.
Em certa medida, trata-se de uma tática engendrada tanto pelos antecessores de Donald Trump com o QUAD (Diálogo de Segurança Quadrilateral, formado em 2017 e que inclui Austrália, Índia, Japão e os EUA) quanto do atual mandatário da Casa Branca em replicar, na presente centúria, ainda que ao reverso, a estratégia de NIXON/KISSINGER de dividir os adversários dos EUA – na época, a China contra a então URSS e, atualmente, a Rússia contra a China.
Fora da Caixa
Rudnei Dias da Cunha
Passados quase dois meses do início do novo governo norte-americano, a nova realidade geopolítica internacional já está sendo assimilada pelos países europeus e pelos demais países do mundo. A posição norte-americana foi exposta de maneira bem clara pelo governo Trump nas reuniões tidas com os países da OTAN: os EUA não irão mais pagar sozinhos pela defesa da Europa. Não que esse tema não tivesse sido abordado antes, por governos norte-americanos, mas a forma brutal como ela foi exposta é que causou forte reação dos demais países da OTAN, liderados pela França e pelo Reino Unido.
Soma-se a isso a reversão na política norte-americana em relação ao conflito russo-ucraniano; a imposição de tarifas comerciais sobre bens e produtos de outros países; e as ameaças repetidas de anexação do Canadá e da Groenlândia, região autônoma da Dinamarca. O resultado dessa equação é a perda da confiança nos EUA como aliado militar e parceiro comercial, com graves implicações para o futuro das relações internacionais.
No campo da defesa, um aspecto que não tem sido divulgado na imprensa, especializada ou não, é o risco de que tal desalinhamento dos EUA, mesmo com países da OTAN, poderá trazer no acesso e uso do espaço exterior. Reconhecido como o quinto domínio de defesa (além dos tradicionais terrestre, marítimo, aéreo e cibernético), o uso do espaço não pode ser esquecido como meio para prover geolocalização, comunicações, inteligência, vigilância e reconhecimento. Países como Reino Unido, Canadá e Austrália dependem dos EUA para o lançamento e controle de satélites civis e militares, e não vejo como alternativa a utilização de países como Índia e China para fazerem, ao menos, o lançamento e a colocação em órbita. Com isso, restariam poucos países, como Japão, Coreia do Norte e França. Um possível desdobramento, tendo em vista a política de isolacionismo que os EUA estão construindo para si, seria a degradação do sinal de GPS para fins militares.
Além disso, outro resultado dessa nova postura norte-americana é que países que haviam demonstrado interesse na aquisição do F-35, ou mesmo que já teriam adquirido certo número deles, estão a repensar se devem continuar nessa senda. Uma forte alegação é a de que os F-35 teriam embutidos neles um “kill switch”, o qual poderia ser acionado remotamente pelos EUA, prevenindo seu uso. Apesar de parecer algo fantasioso, Joachim Schranzhofer, o chefe de relações públicas da empresa alemã Hensoldt – uma das principais do meio de defesa –, disse em entrevista à revista Bild que “o kill switch no F-35 é mais do que apenas um rumor”. Se isso é verdade, não se sabe, mas certo é que seria muito fácil para os EUA colocarem no chão toda a frota de F-35 de um país estrangeiro: basta cortar o acesso à cadeia de suprimentos.
A Alemanha não se pronunciou a respeito, mas há indícios de que ela desista da compra dos F-35 – “compre produtos europeus” são as palavras de ordem, agora. Portugal foi o primeiro a anunciar que não mais adquiriria o caça cibernético, uma decisão que tem caráter político importante, porém sem incorrer em gastos. Já para o Canadá, que depois de longo processo de escolha de um caça para substituir os seus CF-188 Hornet, havia (novamente) escolhido o F-35A, uma eventual mudança de rumo pode ser mais complicada: tendo já pago por 16 caças, os quais deverão (?) ser entregues a partir de 2026, desistir deles implicaria o pagamento de multas. Ainda nos últimos dias do governo Trudeau, foi anunciado que o Canadá já estaria buscando alternativas no mercado internacional, o que foi confirmado pelo novo governo, do premiê McKay. Apresentam-se como candidatos o JAS 39E Gripen, o Eurofighter Typhoon e o Rafale. Mas se a escolha por outro caça, que não seja norte-americano, for política (como aparentemente o é), então escolher o Gripen não será o melhor, pois vários de seus componentes – a começar pelo motor GE F414 – são de fabricação norte-americana. Mais adequado seria pensar em produtos europeus, nesse caso, rompendo, sim, qualquer dependência de autorização norte-americana para venda.
Ainda não se sabe se a guerra comercial que o governo norte-americano lançou contra diversos países, inclusive o Brasil, poderá afetar a manutenção do programa F-39 Gripen, mas é uma possibilidade que não deve ser desconsiderada. Bastante atrasado em suas entregas, devido à falta de pagamentos pelo Brasil à Saab, um eventual embargo norte-americano à venda dos motores F414 comprometeria completamente o processo de reequipamento da FAB.
Das 13 nações da América do Sul, 10 países possuem forças aéreas ativas. Em um mundo pós-pandemia, onde, a cada vez mais, vemos tensões não só regionais, mas globais, onde muitos alertam para o perigo da Terceira Guerra Mundial, a porção sul do continente americano não é imune a tensões políticas, econômicas e geopolíticas. Porém, sem conflitos abertos, como vemos em outros continentes.
Atualmente, o principal problema é a falta de recursos para investir em defesa que tem mantido a ordem na batalha das forças, com raras exceções, estagnada na última década. Em meio a uma série de mudanças vistas no mundo, qual o cenário, especificamente, da aviação de combate do continente? É o que veremos a seguir.
Leandro Casella
Todas as dez forças aéreas mais importantes do continente sul-americano têm aeronaves de caça ou de ataque que compõem sua primeira linha de defesa, seja para impor ações de ataque ou defender-se de um ataque externo. Porém, desses dez países, somente cinco – Brasil, Chile, Colômbia, Peru e Venezuela, têm aeronaves de caça supersônicas, capazes de realizar missões de defesa aérea. A Argentina em breve voltará a figurar nesse “clube”, após sair dele em 2015 com a retirada dos Mirage IIIDA/EA e dos IAI Dagger. E mesmo assim, dos cinco atuais, apenas Brasil, Chile e Venezuela tem quantidades razoáveis de aeronaves desse nível, somente o Brasil, com os F-39E, tendo aeronaves consideradas novas e, mesmo assim, em pouca quantidade. Os demais, com exceção da Venezuela, empregam ou vão empregar, caso da Argentina, vetores fabricados entre os anos 1970 e 1980; portanto, com mais de 40 anos de serviço. A Venezuela ainda tem a vantagem de empregar os Su-30MKV2 fabricados no início deste século.
A seguir faremos uma análise do continente sul-americano em termos de aeronaves de combate, incluindo caças, aeronaves de ataque, transporte e helicópteros, fazendo no final, uma análise do que cada país busca em termos de renovação ou pelo menos pensa a respeito. Mas sem rodeios, podemos afirmar que o grande entrave é o velho problema orçamentário que desde o final dos anos 1970 assola as forças aéreas do continente.
Analisar a ordem de batalha de uma força aérea exige certa prudência, porque normalmente o que temos é a frieza dos números. Nos faltam dados importantes sobre disponibilidade, diagonais de manutenção, suprimento, logística, horas disponíveis, treinamento e armamento real, entre outros que são fundamentais para definir a real capacidade operacional de uma força. Comparando com o futebol, é a velha diferença entre o time no papel e o time em campo, no jogo decisivo. Por isso, uma análise assim caminha entre a tênue linha da lógica coerente e a errônea presunção. O esporte bretão, popular e venerado na América do Sul, especialmente quando se trata de Copa Libertadores da América, é um bom parâmetro para situar o atual status da aviação militar no continente.
No futebol, é comum ranquearmos os times, separando-os em grupos por critérios que vão desde tradição, torcida e força esportiva até os mais importantes, como desempenho em campo e presença de jogadores ditos como craques ou decisivos. Usando esse critério, vamos dividir as forças aéreas dos dez países do continente que possuem forças armadas significativas em três grupos, usando critérios simples, como frota, vetores de ponta, armamento, capacidade e sua atual condição operacional. Vale ressaltar que capacidade é a soma de vários fatores, mas alguns são primários e essenciais. Entre eles, vetor, disponibilidade, armamento (leia-se mísseis e armas inteligentes cada dia mais imprescindíveis) e logística que sustentam o combate. Sem isso, uma força aérea é capenga ou só existe no papel.
Esse grupo equivale no futebol àqueles clubes que apenas “participam”. Sem chances de ganhar o título e, se ganharem, serão taxados de surpresa (“zebra”). Nesse grupo estão Bolívia, Paraguai e Uruguai. São três forças aéreas muito similares entre si, tanto em termos de frota como de capacidade operacional e, normalmente, são incluídas no nicho “small air forces” – termo para definir forças aéreas pequenas que atuam mais como representativas do que como forças operacionais.
Seus principais vetores de combate são hoje o monomotor chinês Hongdu K-8VB e os veteranos Embraer T-27 Tucano e o Cessna OA/A-37B, respectivamente. São vetores com nenhuma ou quase nenhuma capacidade ar-ar (só tiro de metralhadoras/canhão), o que coloca os três países efetivamente sem nenhuma capacidade de defesa aérea frente a um vetor mais moderno. Além disso, nenhuma das três forças aéreas tem capacidade de cumprir missões AEW, ou de combate BRV. Sequer empregam misses ar-ar. O Uruguai é exceção por ser o único a ter aeronaves de Reabastecimento em Voo (REVO).
Os seis treinadores armados K-8 da Força Aérea Boliviana foram recebidos em 2011 e, após a aposentadoria dos AT-33-2000 em julho de 2017, passaram a ser os únicos vetores de emprego, responsáveis pela defesa aérea do país junto ao Grupo Aéreo de Caza 34 (Cochabamba). As aeronaves são utilizadas basicamente contra o narcotráfico, armadas com um canhão de 23 mm (pod) e bombas de 250 kg. A FAB – Fuerza Aérea Boliviana possui três C-130, dois AN-32, dois C212-100 e um punhado de helicópteros UH-1H, H145, AS350 e AS332, além de diversas aeronaves de ligação.
Já na Fuerza Aérea del Paraguay (FAP) a situação é até mais difícil, pois toda a defesa aérea é calçada em quatro dos sete T-27 Tucanos disponíveis para o voo do atual inventário, sendo que três deles foram doados pela Força Aérea Brasileira em 2015. São aeronaves com mais de 30 anos de serviço que cumprem um limitado papel de vigilância de fronteira com o 3o Escuadrón de Caza, podendo empregar apenas bombas convencionais e metralhadoras calibre 7,62 mm. Com a desativação dos Embraer AT-26, a FAP ficou sem um vetor a jato. A FAP possui hoje, além dos T-27, os bimotores C212-200 (4), C212-400 (1) e DHC-6-200 Twin Otter (2).
Em 23 de julho de 2024, a Embraer anunciou a venda de seis aeronaves A-29 Super Tucano para a FAP, com entregas previstas para 2025. Além das aeronaves, o contrato inclui equipamentos de missão e pacote logístico integrado. A divulgação ocorreu durante o Farnborough International Airshow 2024, maior evento da indústria aeroespacial do ano. É a primeira renovação de sua aviação de combate em décadas.
Das três forças, a Fuerza Aérea Uruguaya (FAU) é a mais organizada e operacional. Com uma estrutura composta por três Brigadas Aéreas, a FAU emprega os OA/A-37B (10) do Escuadrón Aéreo no 2 Caza (Durazno) em missões de caça, reconhecimento e ataque. Na mesma base do A-37B a FAU emprega os Pilatus PC-7 (5) que realizam missões de treinamento avançado, podendo realizar também, missões de apoio aproximado e ataque. Porém, hoje, apenas três AO/A-37B estão operacionais, gerando uma grande dificuldade nesse sentido. A FAU nos últimos anos flertou com diversos vetores, dos F-5E/F da FACH, passando por aeronaves M-346, Hawk 200, YAK-130 e EMB-314, que sempre esbarravam na falta de recursos.
Em 14 de janeiro de 2025, a Embraer anunciou que a FAU e o Ministério da Defesa Nacional (MDN) do Uruguai converteram em pedidos firmes as opções de compra de cinco aeronaves A-29 Super Tucano. O acordo faz parte de um compromisso assinado em 26 de agosto de 2024, quando a FAU anunciou um pedido firme para uma aeronave, além das opções que agora foram convertidas. A FAU irá receber seis A-29, que deverão substituir os O/A-37B. O acordo também inclui equipamentos de missão, serviços de logística integrada e um simulador de voo. O contrato faz parte de um programa de renovação da frota para expandir a capacidade operacional da FAU.
Por outro lado, sua aviação de transporte é a mais bem-estruturada dos três, contando com dois KC-130H Hercules (adquiridos em 2020 da Espanha), três C-95 Bandeirante, seis C212M-200/300 e dois EMB-120 Brasília. Outro ponto forte é a pequena unidade de helicópteros formada por Bell UH-1H (6), Bell 212 (4) e AS365 (2), inclusive com participação em operações de paz das Nações Unidas na África (Congo).
No futebol, “o meio de tabela”. Bons times, mas que precisam de investimentos para chegar. Nesse grupo, hoje estão o Equador e o Peru, forças aéreas tradicionais, que possuem experiência de combate em conflitos modernos travados dentro do continente nas últimas décadas, onde todas empregaram mísseis ar-ar IR, no caso da primeira. Seus principais vetores de combate são hoje: Atlas Cheetah C/D (Equador) e o Dassault Mirage 2000P/DP (Peru).
A Fuerza Aérea Ecuatoriana (FAE) reduziu sua frota desde o conflito com o Peru no Vale do Cenepa em 1995. Com a desativação dos A-37B, IAI Kfir, Mirage F-1JA/JE e Atlas Cheetah C/D, toda a aviação de caça de primeira linha está postada nas asas dos 17 EMB-314 Super Tucano operados pelo Escuadrón de Combate 2313 (BA Lago Agrio). Todas as 14 aeronaves Cheetah, últimos caças supersônicos da FAE, foram estocadas em Taura em 2022.
Apesar de o Governo ter prometido reativar a frota de Cheetah a partir de 2023, os problemas de orçamento aliados aos de logística criaram um impasse sério. Como só foram fabricados 38 Cheetah, recuperar e modernizar essas aeronaves seria muito caro, e elas foram definitivamente descartadas em 2024. A solução será buscar um novo caça para a FAE. A FAE não tem hoje mais aeronaves supersônicas de caça de primeira linha, e seu único vetor de ataque consiste nos Embraer A-29B Super Tucano.
Em termos de transporte logístico, a FAE possui uma pequena frota composta por veteranos quadrimotores C-130B (1), C130H (1) e L100-30 (1) e os bimotores C295 (3) e DHC-6-300 (3) e, mesmo assim, consta que os C-130 têm tido baixa disponibilidade. Já a frota de helicópteros é composta por poucos Bell 206/TH-57, SA342 Alouette III, e se tornou a primeira a usar os helicópteros indianos HAL Dhruv, mas os desativou em prol dos Airbus H145.
A Fuerza Aérea del Peru (FAP) é a mais operacional das duas atualmente, e nos últimos anos, apesar de reduzir sua frota com a retirada, por exemplo, dos Sukhoi Su-22 e os Mirage 5P/DP, ainda mantém uma frota interessante e ironicamente muito superior à da FAE, sua adversária direta, em diversos episódios, sendo o último, o conflito do Vale do Cenepa, entre 26 de janeiro e 28 de fevereiro de 1995. Hoje, os vetores mais importantes são 11 Dassault Mirage 2000P/DP pertencentes ao Grupo Aéreo 4 (Las Palmas), seguidos dos MiG-29S/SE/SM-P/UB-P (19), que operam no Grupo Aéreo 6 (Chiclayo).
Esses vetores, além de serem os principais no tocante à defesa aérea, são os responsáveis pelo emprego de mísseis BVR R-27 e R-77 (MiG-29) e Matra R530D (Mirage 2000). Além deles, os MiG-29 podem levar o míssil IR R-73, o ar-superfície Kh-31 e o antirradiação Kh-58. Já os Mirage 2000, que sofreram uma modernização recentemente, também podem empregar os mísseis ar-ar R550 e o AS30. Além dos Mirages e MiG-29, a FAP emprega a aeronave de ataque Sukhoi Su-25 (10) no Grupo Aéreo 11 (Talara) e A37B (24), que equipam o Grupo Aéreo 7 (Piura). Completam a força de ataque os KAI KA-1P (20) do Grupo Aéreo 51 (Pisco).
Em termos de aviação de transporte, a FAP tem uma modesta frota de DHC-6 Twin Otter (14), Lockheed L100-30 (2), Antonov AN-32 (3) e o Leonardo C-27J (4), esse o modelo mais moderno da frota, apesar de os L-100-30 estarem em processo de modernização da sua aviônica. Em 2021, adquiriu dois KC-130H ex-Ejército del Aire. Os peruanos também têm uma pequena frota de aeronaves de reconhecimento, representada pelo Fairchild C-26B/BM (3) e Learjet 36 (2). Como outros países andinos, o Peru tem uma boa frota de helicópteros, muitos de origem russa como o Mil-8/17/171 (11) e Mil Mi-24/25 (16). Também emprega vetores como o Bell 212/412 (3) e o MBB Bo105 (2).
No futebol são aqueles times “cascudos”, tradicionais que são sempre candidatos a chegar na final e, salvo uma temporada ou outra ruim, invariavelmente estão sempre no topo da tabela.
Nessa posição, hoje podemos incluir Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, e a Venezuela, que passou a ser potência militar no continente, após a ascensão de Hugo Chaves ao poder e sua aproximação com Rússia, China e Irã, desbancando outros países do continente, que diminuíram e até perderam sua capacidade bélica, como é o caso de Argentina, Peru e Colômbia. Os principais vetores de combate desses países são A-4AR/OA-4AR e F-16AM/BM; F-5EM/FM e F-39; F-16AM/BM/C/D; IAI Kfir COA e os Su-30MK2V, respectivamente. Hoje, são as forças aéreas mais bem equipadas do continente, com as maiores frotas, e que acumulam o maior número de capacidades exigidas na moderna arena de combate. Todas têm capacidade de emprego BVR de cumprir missões de REVO, C-SAR, ELINT, e emprego de armas inteligentes. Porém, as únicas com aeronaves AEW são Chile e Brasil o qual é também a única força a ter aeronaves de sensoriamento remoto.
A desativação dos Mirage IIIEA/DA e dos IAI Finger/Dagger em 2015, deixou a FAA sem aeronaves supersônicas. Seu principal e único vetor de combate passou a ser os Lockheed Martin A-4AR e o AO-4A Fightinghawk, todos lotados no Grupo 5 de Caza (Villa Reynolds). O A-4AR é uma versão do Douglas A-4 Skyhawk modernizada pela Lockheed entre 1997 e 2000, a partir de 32 A-4M e 4 TA-4F, adquiridos dos estoques americanos. Dados mais recentes, apontam que devido a problemas de suprimento e obsolescência da frota, apenas 14 aeronaves ainda permanecem no inventário, mesmo assim, com índices de disponibilidade muito baixos. Em 2016, os voos chegaram a ser suspensos por problemas técnicos. O grande problema do A-4AR é que ele não é um caça de superioridade aérea como o Mirage, mas uma aeronave de ataque que apresenta limites operacionais para emprego de armas de precisão.
Apesar de Uruguai, Paraguai e Brasil não serem mais ameaças militares (Brasil e Argentina inclusive são fortes parceiros comerciais), a situação da fronteira oeste com o Chile sempre requer atenção, fruto de disputas históricas, inclusive, recentes, de território. Se a geografia favorece os argentinos, que em sete minutos poderiam estar sobrevoando Santiago, distante apenas 200 km da base de Mendoza, a falta de vetores de combate modernos e, principalmente, de mísseis e armas inteligentes, não permite projetar força e, hoje, sequer se defender de um ataque chileno, que igualmente, está 200 km de Mendoza e cerca de 500 de Villa Reynolds, base do A-4AR.
Finalmente isso começa a ser dissipado, ao menos a ter uma aeronave de combate supersônica voltada para superioridade aérea. Em 2024, a FAA conseguiu quebrar o bloqueio e os vetos pela compra de novos caças, advindos desde os anos 1980 após a Guerra da Malvinas, com apoio dos EUA.
Em abril de 2024, o governo argentino assinou a compra de 24 caças F-16AM/BM Bloco 15 da Royal Danish Air Force (RDAF) pelo valor aproximado de US$ 338 milhões. O negócio envolveu além dos 24 caças operacionais (16 F-16AM e oito F-16BM), uma célula de F-16B Bloco 10 desmontada para treinamento técnico, oito motores sobressalentes, pods designadores de alvos e de reconhecimento, sistemas de guerra eletrônica, capacetes JHMCS (Joint Helmet Mounted Cueing System), ferramentas, peças de reposição, treinamento de pessoal e demais equipamentos associados. O planejamento prevê que até dezembro de 2024 seja entregue a célula do F-16 Bloco 10 para treinamento. Em dezembro de 2025 virão seis caças (dois F-16AM e quatro F-16BM); em 2027 mais dois F-16AM e quatro F-16BM e; em 2028 os seis F-16AM restantes. Eles serão empregados Grupo 6 de Caza.
Além dos A-4AR e futuramente dos F-16AM/BM, a força de combate está calçada nos treinadores armados IA-63 Pampa II (18) do Grupo 4 de Caza (Mendoza). Desde 2013, a FAA tenta receber um novo lote de 40 unidades da aeronave de treinamento de ataque IA-63 Pampa III – uma versão melhorada do Pampa II. Até 2024, pelo menos 14 unidades foram entregues ao Grupo 6 de Caza (Tandil) e ao Grupo 10 de Caza (Rio Gallegos).
Além desses, a FAA com cerca de 14 T-27, que deram lugar ao T-6C Texan II em 2017 na formação dos novos pilotos da FAA e passaram a cumprir missões de vigilância de fronteira junto ao Escuadrón Operativo II Tucano da III Brigada Aérea (Reconquista) a partir de 2018. Os T-27, hoje voam no Grupo 3 de Ataque (Reconquista) em missões de ataque e patrulha de fronteira.
Já a aviação de transporte e reabastecimento em voo está calçada em aeronaves DHC-6 (8), C-130H (5), KC-130H (2) e L-100-30 (1), que passaram por um processo de modernização de aviônicos junto a L3 nos EUA com apoio da empresa FADEA. Além disso, a partir de 2024 foram incorporados dois ERJ-140ER, que se juntaram a dois B737-500 e um F-28, que foi recuperado.
Em termos de helitransporte, a frota da FAA se resume a uns poucos Bell 212, MD500 e dois Mil Mi-17. Assim como os uruguaios, os argentinos têm experiência em missões de paz da ONU, onde os Bell 212 operaram no Haiti (MINUSTAH) e hoje os Bell 212 (1) e MD-500 (2) estão voando no Chipre (UNIFICYP).
A Força Aérea Brasileira (FAB) possui a maior frota de todos os seus pares da região. A espinha dorsal de combate é composta pelos F-5EM (40) e F-5FM (4) que equipam quatro unidades aéreas 1º GAVCA (Santa Cruz e 1º/14º GAV (Canoas). O F-5M é fruto da modernização dos F-5E/F e hoje é o único vetor supersônico de defesa aérea brasileiro e também o único a empregar mísseis ar-ar IR Rafael Python 4 e BVR Derby. Além dos “Mikes”, a FAB com os A-1AM/BM (6) concentrados no 1º/10º GAV (Santa Maria) e cerca de 55 A-29A/B distribuídos no 2º/5º GAV (Natal) e três esquadrões do 3º GAV (Boa Vista, Porto Velho e Campo Grande). Os A-1 são equipados com pods de navegação e designação Rafael Litening e de reconhecimento Rafael Reccelite. Os A-1M também podem empregar bombas equipadas com o kit de guiamento por GPS/INS/Laser Lizard II. Porém, eles dever ser desativados em dezembro deste ano, abrindo uma lacuna na caça. Em dezembro de 2024 a FAB já havia deixado o 3º/10º GAV (Santa Maria), sem aeronaves ao repassar seus A-1 para o 1º/10º GAV. Além disso, desde dezembro de 2022, o 1º GDA (Anápolis) passou a ser reequipado com os F-39E (Gripen E), tornando-se a primeira unidade do mundo a voar operacionalmente com o novo caça da Saab. Atualmente, oito F-39 foram entregues de um total de 36 contratados.
Hoje, se olharmos a frieza dos números, o Brasil possui a força com mais aeronaves de combate, o que na prática não significa ter a superioridade aérea. Ao comprar o Gripen, o Brasil passou a ser a primeira nação sul-americana a adquirir um caça de 5a geração, mas os atrasos e problemas orçamentários, impediram que o cronograma original fosse cumprido. Com isto, o A-1M e os F-5M estão mais perto do fim de sua vida útil, sem que o F-39 esteja entregue em número suficiente. Isso tem aberto ideias de aquisição de um novo vetor, seja como caça tampão, seja como caça que irá complementar o F-39. Assim surgiram especulações como a incorporação de caças Gripen C/D usados da Força Aérea da Suécia; F-16C/D usados da USAF, e até mesmo a compra de caças italianos Leonardo M-346 Master e indianos Hal Tejas Mk.1. Uma decisão não foi tomada, mas se sabe que o cronograma de entregas do Gripen foi mais uma vez “esticado”, com término para além de 2032, algo que coloca a FAB em uma “sinuca de bico”. Pois, os poucos A-1M existentes serão desativados em 2025 e, em 2032/34, é o limite para o valente F-5M. O alento foi a decisão de novembro de 2024 de modernizar 68 A-29A/B para o padrão A-29AM/BM, um projeto necessário e que será todo feito aqui no país. A partir da data da assinatura, teremos de 2 a 3 anos para vermos as primeiras aeronaves atualizadas e, assim, prorrogar a vida útil do Super Tucano em 15 a 20 anos.
Neste século a FAB foi, sem dúvida, a Força Aérea da região que mais renovou e modernizou sua frota e sua estrutura. Vetores como F-5, A-1, C-130, C-95, P-95 e E-99, entre outros, foram modernizados em paralelo ao recebimento de novos vetores, como A-29A/B, P-3M, C295, SC295, C-30, KC-390, H-225M e H-60L. Se comparada às demais forças, a FAB possui atualmente a maior frota de aeronaves de transporte do continente composta por aeronaves KC-390 (6), C295 (11), C-95M Bandeirante (40), C-97 Brasília (17), C-98 Caravan (26), SC295 (2) e C-30 (2). O Brasil também emprega aeronaves de reconhecimento Embraer R-99 (3), além de ser a única força a ter vetores AEW no caso os Embraer E-99M (5). A Aviação de Patrulha tem como principal vetor os P-3AM Orion (8 – apenas 3 operacionais) que tem o apoio dos P-95M Bandeirulha (9). Outro ponto forte é a aviação de asas rotativas que emprega basicamente dois vetores para missões de transporte, operações especiais, SAR e C-SAR: os H225M Caracal (12) e os H-60L Black Hawk (16), mas que ganhará o reforço de 12 novos H125.
A maior dificuldade do Brasil hoje é guarnecer um espaço aéreo continental com um número de aeronaves de caça menor que o ideal. Se pensarmos que em alguns anos o país pode ficar somente com 36 Gripens E/F, é algo bem preocupante e, por isso, ter outro lote de F-39 (talvez associado ao F-16C/D) é estratégico e vital. Apesar de termos uma extensa fronteira seca, fazendo fronteira com 10 dos 12 países do continente, nossa relação com os vizinhos é muito boa, especialmente economicamente. O único senão hoje vem da Venezuela, cuja instabilidade política e econômica vem criando um clima de incerteza, que pode até culminar com um conflito de fronteira. Outra dificuldade é proteger o extenso litoral – onde estão boa parte das bases aéreas, indústrias vitais e as principais cidades, de ataques vindo do mar, em especial de mísseis de cruzeiro disparados de navios e submarinos. Para defender-se de ataques assim é preciso ampliar a capacidade ASW e antinavio, juntamente com a vigilância constante realizada por drones, aeronaves e satélites.
Uma das mais importantes e operacionais forças aéreas do continente. A base de sua estrutura de combate é composta pelo Lockheed Martin F-16 do qual a Fuerza Aérea de Chile (FACH) possui 46 unidades, sendo 10 F-16C/D Bloco 50, pertencentes ao Grupo de Aviación no 3 (Iquique) e 36 F-16AM/BM dispostos nos Grupo de Aviación no 7 e no 8 (Antofagasta). Os F-16 são complementados pelos F-5E/F Tiger III (11) do Grupo de Aviación no 12 (Punta Arenas) e por aeronaves de ataque leve Embraer A-29 Super Tucano (24), que servem no Grupo de Aviación no 1 (Iquique).
Os F-16 podem empregar, além de mísseis de guiamento infravermelho AIM-9, misseis BVR AIM-120C, antirradiação AGM-88 HARM e bombas inteligentes além de pods designadores como o Rafael Litening. Já os F-5E/F têm capacidade de empregar mísseis Python 4/5 e Derby – apesar de ele nunca ter sido visto integrado aos Tigres chilenos, bem como bombas inteligentes acopladas a kits de guiagem laser/GPS Lizard.
Assim como o Brasil, o Chile vem investindo na modernização de sua frota nos últimos anos, com aquisições pontuais, como aeronaves de reabastecimento em voo, com a chegada de aeronaves em voo KC-130 e KC135E e os próprios A-29 e atualmente está iniciando um processo de modernização dos F-5E/F junto à empresa Kellstrom Defense, visando especialmente uma revisão estrutural.
Apesar de ser um país com um território extenso, a aviação de transporte da FACH tem uma pequena força de aeronaves DHC-6 Twin Otter (11), C-130B/H (1/4), KC-130R (2) e KC-135E (3 – apenas 1 operacional) que são complementadas por jatos comerciais tipo B737-300 (1) e B767-300 (1). Além destes, outro vetor importante é o EB-707 Condor, um Boeing 707-385C modificado pela IAI para operar como plataforma AEW&C, que junto dos E-99 da FAB são os únicos vetores de alerta aéreo antecipado da América do Sul. Essa aeronave está estocada e foi substituída por dois Boeing E-3D Sentry ex-Royal Air Force (RAF), adquiridos em 2021.
O Chile é sem dúvida o país mais difícil de defender na América do Sul, dada a sua geografia. É muito extenso (4 mil km); porém, com apenas 175 km de largura, espremido entre o mar e a cordilheira. Isso cria uma situação em que logo após cruzar a fronteira em poucos minutos aeronaves de ataque já estejam sobre as principais cidades ou áreas estratégicas do país e na sequência operando sobre o Oceano Pacífico, criando uma situação de ataque em dois flancos. Além do mais, se isso ocorrer significará que provavelmente os radares de vigilância postados no alto da Cordilheira, já tenham sofrido um ataque antirradiação.
Assim a FACH tem a difícil tarefa de antecipar o ataque e até de preventivamente projetar força, criando uma barreira que só pode ser feita com pacotes de aeronaves AEW, de REVO e de caça, impreterivelmente, armadas com mísseis de longo alcance. Hoje, esse papel é feito pelo EC-707, pelos KC-135E/KC130R e pelos F-16 e F-5. São 58 F-16/F que estão postados no Norte (F-16) e Sul (F-5), que à primeira vista parecem atender às necessidades, mas que não são suficientes. O que também não parece ser satisfatória é a quantidade de aeronaves de transporte, vitais para sustentar o combate, em especial se for preciso uma rápida mobilização de efetivos para defender a capital Santiago, que hoje não possui unidades de defesa aérea, uma vez que a mais próxima está em Antofagasta (1.365 km ao norte), que junto com Iquique, concentram a maior capacidade de defesa da FACH. O Chile considera que a fronteira com a Bolívia e o Peru são hoje o principal ponto de atenção, face à disputa de território e por lá estarem as minas de cobre, principal fatia de PIB do país.
A Força Aérea Colombiana (FAC) sempre esteve nas manchetes nos últimos anos em função do combate às narcoguerrilhas e, até por isso, nos últimos 20 anos investiu bastante em aeronaves que pudessem atuar nas áreas de conflito, como helicópteros e aeronaves de COIN, com destaque para os EMB-314 Super Tucano (24), EMB-312 Tucano (14) e os Blaster BT-67 Fantasma (7).
Seu principal vetor de combate é hoje o IAI Kfir COA (19) e COD (3), que são na prática Kfir C.10, C.12 e TC.12, versão modernizada feita a partir dos modelos C.7 e TC.7. Os Kfir que são empregados pelo Escuadrón de Combate 111 (Palanquero), possui um radar AESA Elta 2052 e emprega mísseis Rafael Python 4 e 5 e Derby, bem como bombas inteligentes Rafael Spice 1000, Elbit Lizard, Raytheon GBU-12 e GBU-49 Paveway II e a IAI-MTB Griffin. Também podem empregar pods de designação e navegação Rafael Litening, bem como o RecceLite de reconhecimento.
O Kfir C.10 traz para muitos um bom arranjo entre capacidade operacional e custo, sendo uma excelente plataforma de armas. Por duas vezes, os Kfir colombianos participaram da Red Flag (2012 e 2018) – um megaexercício realizado pela USAF quatro a cinco vezes ao ano. Desde 1990 e até 2016, os Kfir da FAC participaram de missões reais contra as FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, realizando missões de ataque, algumas depois de 2010, empregando bombas inteligentes.
Porém, esses caças israelenses têm passado por problemas de disponibilidade desde 2018, o que inclusive, paralisou a frota. Desde 2018, a FAC vem tentando substituir os Kfir por um novo caça. A FAC chegou a anunciar que iria adquirir o F-16 (2021), depois anunciou em Rafale (2022), imediatamente cancelado e, por fim, anunciou e assinou em fevereiro de 2025, sem recursos imediatos, um acordo de US$ 7,2 milhões com a IAI para a manutenção da frota de Kfir, válido até julho de 2026. O objetivo agora neste tempo é retomar uma concorrência internacional, visando escolher um novo caça para substituir o caça israelense. Os candidatos preferenciais são o Eurofighter Typhoon, o SAAB JAS-39 Gripen E/F, o Lockheed F-16V Block 70 e o Dassault Rafale.
Além dos IAI Kfir, a FAC também emprega os Cessna OA-37B junto ao Escuadrón de Combate 311 (Barranquilla) e os EMB-314 do Escuadrón de Combate 211 (Apiay) e Combate 312 (Barranquilla), todos dedicados a missões de ataque, apoio aéreo e contra insurgência.
A força de transporte é composta por aeronaves C-130B/H (5), C295 (3), C212-300 (4), C-208 e um KC-767, atualmente única aeronave de reabastecimento em voo da FAC. Um diferencial entre as forças sul-americanas é que a FAC emprega aeronaves dedicadas à missão de reconhecimento, como o CN235 (1), Fairchild Merlin IV (1), Cessna Citation Ultra (5), Cessna C208 (6) e Blaster BT-67(1). Outro vetor importante é o Beech 300/350 EW dedicado à missão ELINT.
Depois de décadas de uma guerra civil contra as narcoguerrilhas, que começa a ter um final feliz, a Colômbia vem mudando o foco de sua defesa, e questões, como a da situação da sua vizinha Venezuela vem ganhando espaço. Tanto que nos últimos anos a FAC investiu forte no armamento dos seus Kfir e no treinamento de suas equipagens, mas lhe faltam recursos como maior capacidade de REVO e vetores AEW. Uma grande vantagem é que boa parte da tropa e das tripulações tem grande experiência em ações reais, um ganho dos anos de luta contra as FARC e demais grupos revolucionários.
A Força Aérea Venezuelana (FAV) ou Fuerza Aérea Bolivariana é a única na região na qual o vetor primário de combate é um caça russo: o Sukhoi Su30MK2V, do qual foram adquiridas 24 unidades em 2006, e que são empregadas pelos esquadrões do Grupo Aéreo de Caza 11 (El Sombrero) e 13 (Barcelona). Hoje existem 23 Su-30 no inventário e informações mais recentes dão conta de que a disponibilidade chega a 50%. São bem armados e podem empregar um leque de mísseis como o R-27, R-73, R-77, Kh-29T, Kh31 e Kh59, que cobrem bem o espectro ar-ar (IR e BVR) e ar-superfície. São aeronaves com grande autonomia e hoje rivalizam com o F-16C/D da FACH, que, no entanto, só possuem dez unidades.
Junto com os Su-30, a FAV ainda emprega um lote de veteranos Lockheed Martin F-16A/B (18) junto ao Grupo Aéreo de Caza 16 (Maracay) e Hongdu KV-8VV (16), esses ligados ao Grupo Aéreo de Caza 12 (Barquisimetro) e 15 (Maracaibo). Para missões de ataque leve, são empregadas aeronaves AT-27 (10) do Grupo de Entrenamiento Aéreo 14 – Escuadrón 143 Tactico (Mariscal Sucre) e OV-10 Bronco do Grupo Aéreo de Operaciones Especiales 15 (Maracaibo), que constam estar praticamente desativadas.
A aviação de transporte é pequena, e conta com dois C-130HV e oito Shaanxi Y-8F (AN-12) – do qual a FAV é a única operadora no continente, além de vários bimotores Beech 200/300/350. Quanto à frota de helicópteros, o principal vetor são os AS332 Super Puma (6), AS532 Cougar (12) e Mil Mi-17 (8). A FAV conta também com um pequeno número de aeronaves EW, entre elas, um Falcon 20EW e ELINT realizado pelos Fairchild C-26 (2).
A Venezuela é tida como o território com maior capacidade de defesa antiaérea do continente, dados aos sistemas antiaéreos russos, e uma Força Aérea com uma das aeronaves de combate mais modernas do continente. Porém, discute-se a real capacidade de combate da FAV, não só em termos de emprego dos SAM, mas em especial do emprego em ambientes complexos como missões de pacote ou em ambientes BVR. Alguns analistas internacionais afiram que o boom de equipamentos russos não foi acompanhado de um treinamento à altura, o que pode ter consequências imprevisíveis.
A falta de recursos cria a estagnação. Verdade. A fata de vontade política também. No entanto, o mundo está rapidamente mudando e nunca estivemos tão perto de um conflito a nível mundial, ou ao menos, envolvendo grandes áreas do planeta como a região do Indo-Pacífico ou da Europa. É bem verdade que a América do Sul não teve e não tem tensões deste nível, a ponto de estarmos vendo a possibilidade de vermos um conflito aberto. Hoje, existem tensões muito mais pelos cartéis de droga, do que por questões políticas, exceto, talvez na região do rio Essequibo entre Venezuela e a Guiana. O governo venezuelano quer que o seu limite territorial seja jogado para o leste e estabelecido no rio Essequibo, reduzindo o território da Guiana. Um conflito ali, nitidamente pelas riquezas presente no solo afetariam diretamente Brasil e Colômbia. Aliás, apesar de termos questões ideológicas a serem resolvidas em vários governos sul-americanos, que têm gerado fortes polarizações, A América do Sul mantém sua postura democrática. A exceção é a Venezuela, que vive uma ditadura e é hoje o “patinho feio” da região, não só em questões políticas, econômicas, mas o único país quase fechado ao mercado ocidental, estando quase totalmente alinhado com Rússia, China, Irã, Cuba e Coreia do Norte.
O ponto aqui é simples. A América do Sul precisa pensar que “os problemas” do mundo podem chegar aqui e é preciso estar pronto. Quando falo “problemas”, não são apenas envolvimento em conflitos macros, que envolvem o mundo todo, mas questões regionais e de interesses externos nas riquezas locais.
Mas, que espaço há para crescer, sem criar aventuras orçamentárias, adquirindo aquilo que se pode operar com eficácia? Sim, existe espaço para aqueles governos com visão de estado, que pensam e projetam seus países 50 anos à frente.
Menina dos olhos de toda força aérea que se preze, a aviação de combate de primeira linha é o verdadeiro divisor de águas, quando o assunto é defesa aérea e projetar força. Hoje, apenas o Brasil adquiriu um vetor novo de fábrica, no caso o Gripen E/F. Dos demais nove países, apenas seis (Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela) têm tradição de operar jatos supersônicos. Desses, a Argentina recentemente fechou a compra dos F-16AM/BM e, portanto, por hora deve ficar de fora de uma possível aquisição.
A Venezuela hoje também estaria fora do mercado tradicional, pois está alinhada com chineses e russos. Hoje seria mais provável uma nova compra de caças Sukhoi ou mesmo chineses. O Chile anunciou que irá modernizar seus F-16, e fala na expectativa de elevar eles ao padrão atual do caça americano, o F-16V. Porém, não se pode esquecer que os F-5E/F sairão de cena em 2030, e que a FACH, precisará de um novo vetor. Mais F-16? Outro vetor?
Quem mais precisa hoje renovar sua frota são Colômbia, Equador e Peru. Dos três, a Colômbia já fez vários movimentos frustrados para a aquisição e é, naturalmente, o está mais perto de uma decisão. Peru e Equador – este último, sem aeronaves de caça, aparentemente está mais longe, o que não impede que venha a buscar no mercado aeronaves usadas no mercado europeu ou americano.
Hoje sem dúvida, os principais concorrentes são os tradicionais caças Saab Gripen E, Dassault Rafale, Eurofighter Typhoon e Lockheed Martin F-16V. Por fora, pode ser colocado o KAI FA-50 e o KF-21, este bem pouco provável.
Apesar do Brasil ter escolhido o Gripen, existe a possibilidade de compra de um outro vetor, usado ou não, para complementar os F-39. Desde o ano passado, fala-se na possibilidade do F-16 como um forte candidato para inicialmente substituir os A-1M. Há também looby por outros vetores, como o italiano M-346 Master, sendo oferecido como uma aeronave ideal para substituir o A-1. Outra solução seria o leasing de aeronaves Saab Gripen C/D, advindas da Força Aérea Sueca, como um tampão até as entregas do Gripen E/F ocorrerem e, eventualmente, a FAB comprar um segundo lote de Gripen E/F. O fato é que onde há fumaça há fogo e isto, um segundo caça, ainda deve gerar muita discussão.
Além da venda de caças, um ponto importante é a aquisição de armamento. Isso abre um leque importante para fabricantes de mísseis IR, BVR e de cruzeiro, bombas inteligentes e pods, especialmente para empresas europeias, israelenses e americanas, que possuem um leque amplo e eficiente de armas.
Aqui, talvez seja uma equação simples. Pois, o vetor ideal é feito no continente e já é usado ou será usado por seis das dez forças aéreas sul-americanas. É o Embraer Super Tucano. Brasil, Chile, Colômbia e Equador já voam a aeronave. E em breve, Paraguai e Uruguai irão se juntar ao clube. O A-29 pode ser uma boa solução para a Argentina, para substituir o T-27 e para a Bolívia. No caso do Peru, que optou pelo KAI KA-1P, é pouco provável que hoje o A-29 tenha chances. Na Venezuela, isso só seria possível, caso houvesse uma mudança de governo. Ainda no caso do A-29, o Brasil está modernizando seus A-29A/B para o padrão A-29M. Esta poderá ser uma boa solução para Chile, Colômbia e Equador. Modernizar suas frotas no mesmo padrão da FAB.
Aeronaves como A-29 ou mesmo o KA-1P ou AT-6C são primordiais para a região, pois além de fazerem o papel de ataque, Contra-Insurgência (COIN) e interdição, são a espinha dorsal para as Medidas de Policiamento do Espaço Aéreo (MPEA), para retirar do ar aeronaves em voos ilícitos, como contrabando, tráfico de armas e drogas. Há, portanto, um bom mercado para esses vetores aqui no continente.
A aviação de transporte e REVO também tem espaço para crescer. Hoje, o Brasil opera a frota mais moderna de REVO, com seis KC-390. Além do Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Uruguai têm aeronaves de REVO. Chile, Peru, Uruguai e Argentina empregam veteranas aeronaves KC-130H. O Chile também possui atualmente um KC-135E em serviço para reabastecer os F-16. O mesmo caminho deverá ser seguido pela Argentina, que precisará de uma aeronave de REVO equipada com sistema Flying Boom para seus F-16. Esse KC-135R deverá vir dos estoques da USAF.
A exceção hoje é a Colômbia, que opera o único KC-767 do continente americano. Mas a grande maioria é de veteranos KC-130, que a FAB desativou em fevereiro de 2024. Os KC-130 podem e devem ser substituídos num futuro não muito distante. Um candidato óbvio seria o Embraer KC-390, em especial para Peru, Colômbia, Uruguay e, quem sabe, Equador, dependendo do novo vetor de caça que a FAE escolher. No caso de Argentina e Chile, isso é mais complicado, pois os F-16 não usam o sistema probe and drogue, mas sim a lança do sistema flying boom.
Mesmo assim o KC-390 pode ser um ativo muito importante de transporte, nos mesmos moldes da Força Aérea Portuguesa, que apesar de não empregá-lo em missões de REVO, o emprega com muita desenvoltura nas missões de transporte e apoio logístico. Além de um vetor como o Millennium, há espaço para novos bimotores de transporte de pequeno e médio porte, da classe do Airbus C295 e de aeronaves do porte do DHC.6 Twin Obter, Cessna 408 e Dornier 228NG; no caso, para todas as forças do continente.
Outro ponto aberto é a necessidade cada vez maior de helicópteros de transporte, SAR e especializados de médio e grande porte. O Brasil, por exemplo, tem um déficit comprovado após os problemas climáticos de 2024. Outros países, como Argentina, Chile, Colômbia, Peru, Equador e Uruguai, precisam repor suas frotas antigas e ampliar as atuais. E um ponto que o mercado poderá explorar, inclusive trazendo aeronaves novas e usadas.
Apesar de haver muitas dificuldades orçamentárias e ideologias travam o fortalecimento das Forças Armadas da Região, o mundo está impondo uma nova ordem, em que quem não estiver minimamente pronto para se defender, poderá pagar um preço alto. O conflito da Ucrânia mostra isso todos os dias. Sem o mínimo para proteger seus territórios ou ao menos criar uma dissuasão, os países sul-americanos estão à mercê de seus próprios problemas internos e também de cobiça e expansionista de outros países fora do continente. Ao mesmo tempo em que é preciso se reequipar, é preciso criar um aporto claro e robusto para a indústria local, em especial no Brasil, para que se crie um mínimo de independência, evitando o humor ou mal humor de nações que possuem uma indústria já consolidada.
Além disso, as forças armadas cada vez mais assumem um papel contra o narcotráfico, que por sua vez, está cada vez mais ousado e equipado. É preciso estar preparado a altura. Outro ponto a importante é a aviação de transporte e helitransporte, que se mostraram vitais na pandemia e nos desastres naturais. Sem eles seria muito mais difícil atuar. Por isso, é preciso fortalecer essa cadeia logística e de resgate que estes vetores proporcionam.
O mercado sul-americano não é o maior, nem o mais rentável, mas é um mercado aberto que para quem souber explorar, irá ter bons retornos e ao mesmo tempo contribuirá para a segurança de uma região importante do planeta.
Empregados no Brasil desde 1953, os helicópteros desempenham um papel singular dentro das Forças Armadas. Essas aeronaves evidenciam-se por sua versatilidade, permitindo executar missões que seriam impossíveis por qualquer outro meio de transporte. A frota de helicópteros militares está em constante atuação em todo o território nacional em um país que agrega grande diversidade de cenários de emprego, fatores que justificam os investimentos realizados pelo governo no setor para sua modernização. Contudo, mesmo com as recentes aquisições e programas de modernização, observa-se que o número de aeronaves ainda é insuficiente para atender às crescentes demandas de auxílio à população civil. A frota atual de helicópteros estaria pronta para atender às necessidades da nação em face aos desafios que se apresentarão em um futuro próximo?
Ângelo Melo
Desde a sua introdução no meio militar, o emprego dos helicópteros tem sido marcado por constante evolução de meios e missões. A atuação dos helicópteros na guerra do Vietnã resultou em uma verdadeira mudança de paradigma nas táticas de guerra com a criação da 1ª Divisão de Cavalaria Aerotransportada, e consagrou o Bell UH-1 Huey como um dos helicópteros mais produzidos e utilizados por forças de defesa em todo o mundo. Essa unidade inédita permitiu mobilidade e flexibilidade no transporte de tropas e suprimentos e evacuação aeromédica em um terreno implacável para o uso de outros tipos de veículos militares. Desde então, o avanço tecnológico do setor proporcionou o surgimento de novos tipos de helicópteros, possibilitando diversas formas de emprego além do transporte: ataque, reconhecimento tático, guerra antissubmarina e outras.
No Brasil, os helicópteros foram introduzidos nas forças armadas em 1953 quando a FAB incorporou três Bell 47D1 Sioux, denominados H-13D, seguidos pela Marinha em 1965 com o repasse dos HTL-6 (Bell 47G) e HUL-1 (Bell 47J) HUW (Westland WS-51 Widgeon) adquiridos pela FAB a partir de 1958. O Exército começou a operar helicópteros somente em 1986 com a recriação da Aviação do Exército (AvEx). Atualmente, o Brasil dispõe de uma grande gama de modelos helicópteros militares em operação, desempenhando diversos tipos de missões, que vão desde emprego geral e transporte, passando por ataque, reconhecimento, instrução, busca e salvamento, guerra antissubmarina, e até o transporte de autoridades (VIP).
Contudo, uma das missões mais importantes, especialmente nos últimos tempos, é a atuação dessas aeronaves no apoio à população civil. O transporte de enfermos e de órgãos, apoio a comunidades isoladas na região norte, missões humanitárias e de busca e salvamento (SAR) são constantes.
Nas últimas décadas, as recorrentes tragédias ambientais no país vêm demandado cada vez mais o apoio das forças armadas, desde o combate a incêndios a missões de resgate nas cheias e deslizamentos provocados pelas chuvas. A atuação das forças armadas na Operação Taquari em 2023 e, principalmente, na Taquari II em 2024, evidenciou a importância dos meios de transporte militares no resgate em localidades isoladas, no transporte de pessoal e víveres e na evacuação aeromédica.
Técnicas avançadas de combate, como o ressuprimento de víveres através de lançamento de cargas, e a extração de pessoas através do uso de rapel foram empregadas. Pode-se dizer sem dúvida que foi a maior operação desse tipo na história do país, uma verdadeira missão de guerra em que o papel dos helicópteros foi essencial no cumprimento de missões de resgate em áreas de difícil acesso, transporte de víveres e evacuação aeromédica.
Apesar de louvável a atuação das forças armadas no auxílio ao meio civil, essa condição também é preocupante. Segundo um estudo feito pela Aliança Brasileira e pela Cultura Oceânica entre 2020 e 2023, foram registrados em torno de 4.077 desastres climáticos por ano, quase o dobro dos os 2.073 incidentes registrados entre 2000 e 2019. Seguindo essa tendência, o apoio das forças armadas em missões humanitárias deverá ser cada vez mais frequente num futuro próximo.
Com a recriação da Aviação do Exército em 1986, atualmente helicópteros estão presentes nas três forças armadas, englobando em torno de nove modelos distintos, além de suas subvariantes. Os aparelhos estão alocados em organizações militares distribuídas em todas as regiões do território nacional, permitindo maior eficiência nos deslocamentos para cumprimentos de missões pontuais. A frota atual de aeronaves de asas rotativas e sua alocação por organizações militares está distribuída da seguinte forma, como veremos a seguir.
A FAB possui atualmente uma frota composta pelos modelos H-36 Caracal (Airbus/Helibras H225M), H-60L (Sikorsky S-70) Black Hawk, H-50 (Helibras HB-350B) Esquilo e VH-35 (Eurocopter EC-135). As aeronaves estão distribuídas em sete esquadrões:
1º/8º GAV – Sediado na Base Aérea de Natal (BANT) – RN, o esquadrão Falcão opera o H-36 Caracal em missões de busca e salvamento (SAR) e transporte de tropas.
3º/8º GAV – Sediado na Base Aérea de Santa Cruz (BASC) – RJ. O Esquadrão Puma opera o H-36 Caracal em missões de transporte, busca e salvamento (SAR), ligação, observação e operações aéreas especiais.
5º/8º GAV – Sediado na Base Aérea de Santa Maria (BASM) – RS. O esquadrão Pantera opera desde 2011 o Sikorsky H-60L Black Hawk em missões de busca e salvamento (SAR), busca e salvamento em combate (C-SAR), Evacuação Aeromédica, transporte e operações aéreas especiais.
7º/8º GAV – Sediado na Base Aérea de Manaus (BAMN) – AM, o esquadrão Harpia opera desde 2006 o Sikorsky H-60L Black Hawk em missões de infiltração e exfiltração de tropas, busca e salvamento (SAR), busca e salvamento em combate (C-SAR), além de operações de apoio humanitário às populações ribeirinhas e indígenas.
2º/10º GAV – Sediado na Base Aérea de Campo Grande (BACG) – MS. O esquadrão Pelicano opera além dos SC-105 Amazonas o Sikorsky H-60L desde 2018, em missões de busca e salvamento (SAR).
1º/11º GAV – Sediado na Base Aérea de Natal (BANT) – RN, o esquadrão Gavião opera o Helibras H-50 Esquilo na instrução de voo em aeronaves de asas rotativas.
Grupo de Transporte Especial (GTE) – Sediado na Base Aérea de Brasília (BABR) – DF, o 3º Esquadrão do GTE, responsável pelas missões de helitransporte, opera atualmente os Eurocopter VH-35 e Airbus/Helibras VH-36 Caracal em missões de transporte presidencial e de autoridades.
A Aviação do Exército (AvEx) possui uma frota composta pelos modelos HA-1A Fennec (Helibras AS550), HA-1A Esquilo (Helibras AS350) HM-1A Pantera K2 (Eurocopter AS365K2 Panther), HM-2 Black Hawk (Sikorsky S-70), HM-3 Cougar (Eurocopter AS532) e HM-4 Jaguar (Airbus/Helibras H225M). Estima-se que o Exército possua em torno de 90 aeronaves, distribuídas em seis unidades aéreas:
1º BAvEx – Sediado na Base de Aviação de Taubaté (BAvT) – SP, o 1º Batalhão de Aviação do Exército opera o Airbus/Helibras HA-1A em missões de ataque e o Airbus/Helibras HM-4 Jaguar em missões de reconhecimento, infiltração/exfiltração de tropas e apoio humanitário.
2º BAvEx – Sediado na Base de Aviação de Taubaté (BAvT) – SP, o 2º Batalhão de Aviação do Exército opera o Airbus/Helibras HM-1A Pantera K2 e o Eurocopter HM-3 Cougar em missões de apoio a combate e transporte logístico.
3º BAvEx – Sediado no complexo aeroportuário de Campo Grande – MT, o 3º Batalhão de Aviação do Exército opera o Airbus/Helibras HA-1A Fennec/Esquilo em missões de ataque, o Airbus/Helibras HM-1A Pantera e o Eurocopter HM-3 Cougar em missões de transporte e reconhecimento.
4º BAvEx – Sediado no complexo aeroportuário de Manaus – AM, o 4º Batalhão de Aviação do Exército opera o Airbus/Helibras HM-1A Pantera, o Airbus HM-4 Jaguar e o Sikorsky HM-2 Black Hawk em missões de combate, apoio ao combate e apoio logístico.
DstAvEx/CMN – Sediado na Base Aérea de Belém (BABE) – PA, o Destacamento de Aviação do Exército do Comando Norte opera o Airbus/Helibras HM-1A Pantera K2 e o Airbus HM-4 Jaguar em missões de apoio logístico.
CIAvEx – Sediado na Base de Aviação de Taubaté (BAvT) – SP, o Centro de Instrução de Aviação do Exército opera o Airbus/Helibras HA-1A em missões de instrução de voo.
A Força Aeronaval está equipada com as seguintes aeronaves: AH-11B Wild Lynx (Westland Wild Lynx Mk-21B), IH-6B (Bell Jet Ranger III), SH-16 (Sikorsky SH-60B) Sea Hawk, UH-12 (Helibras AS350BA) Esquilo, UH-15/A/B Super Cougar (Airbus/Helibras H225M), UH-17 (Eurocopter H-135). As aeronaves estão distribuídas em nove esquadrões:
HA-1 – Sediado na Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia (BAeNSPA) – RJ, o 1º Esquadrão de Helicópteros de Esclarecimento e Ataque opera o AH-11B Super Lynx em missões de esclarecimento e ataque antissubmarino.
HI-1 – Sediado na Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia (BAeNSPA) – RJ, o 1º Esquadrão de Helicópteros de Instrução opera o Bell Jet Ranger IH-6B.
HS-1 – Sediado na Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia – BAeNSPA – RJ, o 1º Esquadrão de Helicópteros Antissubmarino opera o Sikorsky SH-16 Sea Hawk em missões de guerra antissubmarina.
HU-1 – Sediado na Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia (BAeNSPA) – RJ, o 1º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral opera o Helibras UH-12 Esquilo e o UH-17 em missões de Busca e Salvamento (SAR), Evacuação Aeromédica, operações aéreas especiais, transporte de tropas, reconhecimento armado, ligação e observação e missões humanitárias.
HU-2 – Sediado na Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia (BAeNSPA) – RJ, o 2º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral opera os UH-15/UH-15A/UH-15B Super Cougar em missões de emprego geral e transporte de autoridades (VIP).
HU-41 – Sediado na Base Aérea de Belém – BABE – PA, o 1º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral do Norte opera os UH-15 Super Cougar em missões de emprego geral.
HU-51 – Sediado na Base de Aviação Naval do Rio Grande – RS, o 1º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral do Sul opera o Helibras UH-12 Esquilo em missões de emprego geral.
HU-61 – Sediado na Base Fluvial de Ladário – MS, o 1º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral do Oeste opera o Helibras UH-12 Esquilo em missões de emprego geral.
HU-91 – Sediado na Estação Naval de Rio Negro – AM, o 1º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral do Noroeste opera o Helibras UH-12 Esquilo em missões de emprego geral.
Conforme detalhado anteriormente, a frota atual de helicópteros conta com modernas aeronaves como os H-60L, H225M e, brevemente, o H125 (AS350 B3), mas também possui aeronaves antigas e obsoletas para o cumprimento de missões no cenário atual. Dentre os modelos que necessitam de substituição estão os HM-2 Black Hawk e HM-3 do Exército, os IH-6 Jet Ranger da Aviação Naval e os H-50 Esquilo da FAB que, como os HA-1 do Exército e UH-12 da Força Aeronaval, foram adquiridos na década de 80.
Vale citar que todos os 34 HA-1 passaram recentemente por um programa de modernização para a versão HA-1A, com a última entrega tendo sido realizada em dezembro de 2021. Os HA-1A estão equipados com sistema de designação e aquisição de alvos e são equipados com metralhadoras .50 e lançadores de foguetes de 70 mm.
Além do programa de modernização dos HA-1A, o Exército assinou em 2024 um contrato de compra de 12 aeronaves HM-2 Black Hawk novas, com a primeira entrega prevista para 2025, seguindo um cronograma que deve ser concluído em 2029. Essas aeronaves devem substituir os atuais quatro HM-2 Black Hawk recebidos em 1997 e oito HM-3 em operação desde 2002. Além das novas aquisições, os 34 helicópteros HM-1A Pantera da AvEx concluíram em 2024 um processo de modernização que irá estender a vida útil destas aeronaves por mais 25 anos.
Um projeto de reequipagem concluído recentemente, o HX-BR visou a aquisição de 50 helicópteros de porte médio, o H225M que foram distribuídos pelas três forças. O projeto original era ter 16 unidades na Marinha (UH-15 Super Cougar) e na AvEx (HM-4 Jaguar) e 18 na FAB (H-36 Caracal), contando aí dois VH-36 (VIP).
Ao longo dos anos isso foi sendo alterado. A Marinha, por exemplo, o H225M Super Cougar em três versões. São 10 UH-15/A, versão para utilitária e de SAR/C-SAR e 5 AH-15B, versão de ataque do Super Cougar, como é designado o H225M na Aviação Naval. Vale lembrar que um UH-15 foi perdido em agosto de 2023, reduzindo assim para nove o total a ser entregue. O AH-15B do qual três foram entregues até aqui, veio substituir os SH-3A Sea King desativados em 2012. O AH-15B agrega customizações desenvolvidas especificamente para a Marinha do Brasil, e é armado com misseis MBDA Exocet AM39 B2M2 além de sistemas de contramedidas EWS IDAS-3 e gerenciamento de dados táticos navais (N-TDMS). A incorporação do AH-15B no esquadrão HU-2 permitirá a ampliação da capacidade de combate na Guerra Anti-Superfície, permitindo à Marinha do Brasil maior poder no esclarecimento, identificação e ataques a alvos de superfície. A Marinha também realizou recentemente a modernização de oito aeronaves AH-11A (Mk21A) Super Lynx para o padrão AH-11B (Mk21B) Wild Lynx.
No final, a Marinha e a FAB, abriram mão de um H225M cada – ficando com 15 e 17 cada, respectivamente, para beneficiar outro programa, o TH-X, que visa a aquisição de 27 novos helicópteros H125 Esquilo para reequipagem das frotas de instrução da FAB e da Aviação Aeronaval. O acordo feito em 2022, visa 12 aeronaves para a FAB e 15 para a MB, que receberá na troca três H125 a mais, pois abriu mão de um UH-15A, versão mais cara que o H-36.
O H125 possui glass cockpit, piloto automático e é compatível com a utilização de óculos de visão noturna (NVG), inovações que vão permitir a realização de uma instrução mais adequada e condizente com cenários reais.
A FAB deverá substituir seus H-50 utilizados para instrução pelo esquadrão Gavião (1º/11º GAV) por 12 novos H125, que serão designados H-125. A Força Aeronaval deverá receber 15 H125, que serão denominados IH-18 (18º helicóptero incorporado pela Força Aeronaval). Desses 15, cinco deverão substituir os IH-6B Jet Ranger do 1º Esquadrão de Helicópteros de Instrução e o restante deverá ser distribuído pelas demais unidades da Aviação Naval.
Observa-se que com o passar do tempo, a renovação da frota faz com que a quantidade de aparelhos diminua conforme são adquiridos modelos mais modernos. Atualmente, a frota totaliza em torno de 210 aeronaves. Considerando-se a disponibilidade operacional de dois terços da frota, o país conta atualmente com cerca de 140 helicópteros militares, o que é pouco para atender as demandas de um país de dimensões continentais.
O Exército é atualmente o ramo mais bem equipado. A Aviação do Exército possui a frota de helicópteros mais atualizada, além de possuir também o maior número de equipamentos disponíveis, nas seguintes quantidades de aeronaves: 34 HA-1A Fennec, 34 HM-1A Pantera, 4 HM-2 Black Hawk, 8 HM-3 Cougar e 15 HM-4 Jaguar, totalizando 95 unidades.
A modernização dos HA-1 e HM-1 e a aquisição dos novos HM-4 (H225M) permitiram o aumento da operacionalidade, otimizando recursos financeiros, além de estender a vida útil da frota. Uma lacuna que persiste na Aviação do Exército é a ausência de um helicóptero especializado em ataque. O projeto de Aquisição de Capacidade de Ataque que compõe o programa Estratégico da Aviação do Exército visa formar uma nova unidade de ataque na região norte.
Nesse contexto, o Exército realizou em 2018 um estudo para compra de oito helicópteros de ataque AH-1W Super Cobra de lotes excedentes do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos (USMC) através do programa de venda militar estrangeira (FMS). Em 2019, o Exército recebeu uma demonstração do T129 Atak, uma versão do A129 produzido pela Turkshi Aerospace Industry com várias melhorias. Em 2022 um grupo de oficiais do Exército foram enviados para a Itália para avaliar o modelo A129 Mangusta. Atualmente a Aviação do Exército emprega o HA-1A Fennec na função de ataque, que não é uma aeronave dedicada e capaz de cumprir missões antitanque, por exemplo.
Em termos gerais, o principal aspecto a ser melhorado na Aviação do Exército é a quantidade de helicópteros. Apesar de possuir uma frota de quase 100 aeronaves, a quantidade ainda é insuficiente para cobrir toda a extensão do território nacional, uma fronteira colossal com dez países e atender emergências em regiões remotas. Para atender às demandas do Exército, a opção mais viável seria a aquisição de mais helicópteros de emprego geral de tamanhos leve e intermediário, como os H125 e Black Hawk.
Com a entrega do lote de 12 HM-2 Black Hawk, somando os 34 HM-1A e 15 HM-4 Jaguar, a Aviação do Exército deverá contar com 61 Helicópteros de Manobra. Introduzidos em serviço em 2002, os oito HM-3 Cougar são as aeronaves mais antigas da frota atualmente e receberão baixa de serviço conforme os novos HM-2 sejam entregues. A compra de mais um lote de HM-2 pode ser uma boa opção para aumentar ainda mais as capacidades logísticas do exército. Outro ponto a ser discutido é levar a AvEx para locais ainda não servidos, saindo do eixo Taubaté – Manaus – Campo Grande, indo para o Sul, Centro Oeste e Nordeste.
Mas os futuros planos da Aviação do Exército, por enquanto, estão focados agora na implantação de aeronaves de asa fixa. Segundo estudos realizados, o ressuprimento dos Pelotões Especiais de Fronteira na região amazônica seria prejudicado pela relativa baixa autonomia dos helicópteros, fato que justifica a aquisição de aeronaves de longo alcance para cumprir esse tipo de missão.
Se a Aviação do Exército está em boa forma, a Força Aérea e a Marinha enfrentam sérias limitações orçamentárias com projetos específicos. A Força Aeronaval possui em seu inventário aeronaves modernas e avançadas como UH-15A e AH-15 Super Cougar (H225M), o AH-11B Super Lynx e o SH-16 (Sikorsky SH-60) Sea Hawk, mas em quantidades inferiores necessárias para patrulhar um litoral de mais de 7.400 km, além de equipar suas unidades e guarnições terrestres. Um exemplo é o esquadrão HU-51 sediado na Base de Aviação Naval do Rio Grande. O HU-51 conta apenas com dois Helibras UH-12 Esquilo para atender toda a extensão dos litorais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Estima-se que a Força Aeronaval possua as seguintes quantidades de helicópteros: 9 AH-11B Super Lynx, 17 IH-6B, 6 SH-16 Sea Hawk, 19 UH-12 Esquilo, 14 AH/UH-15/A Super Cougar e 3 UH-17, totalizando 68 aeronaves. Com a chegada dos 15 IH-18 e a saída dos 17 IH-6B, a frota deve cair ainda mais, ficando com 67 unidades. Pontualmente, a Força Aeronaval necessita de mais helicópteros de emprego geral como os H125 Esquilo ou de médio porte, para ampliar a capacidade das unidades já existentes. Porém, a Marinha possui outras prioridades, como os projetos de construção dos submarinos nucleares e fragatas da Classe Tamandaré que estão consumindo praticamente todos os recursos destinados a defesa naval.
Por fim, a FAB possui a menor frota de helicópteros e a menos diversificada. Estima-se que a FAB possua atualmente as seguintes aeronaves: 17 V/H-36 Caracal, 16 H-60L Black Hawk, 15 H-50 Esquilo e dois VH-35, totalizando 48 unidades.
Dentre as aeronaves de asas rotativas da FAB, a que mais carece uma substituição é o H-50 (Helibras HB-350B) Esquilo, introduzidos em serviço há quase 40 anos. O projeto TH-X visa a substituição do H-50 por novos H125 Esquilo, com a primeira unidade recebida em dezembro de 2024 (FAB 8821). Mas essa quantidade é apenas voltada para suprir a demanda de instrução e formação de novos pilotos, sendo insuficiente para atender às necessidades de emprego geral e à demanda por resgates nas recorrentes tragédias humanitárias que atingem o país cada vez em maior frequência a cada ano.
Outra lacuna presente na aviação de asas rotativas da FAB é a reequipagem do 2º/8º GAV, que continua desguarnecido desde 2021, após a aposentadoria precoce dos doze AH-2 Sabre (Mil MI-35M). Semelhante à Marinha, a Força Aérea enfrenta grandes restrições orçamentárias com a prioridade sendo os 36 caças Gripen e os KC-390, que consomem grande parte dos recursos destinados à renovação da frota.
O compartilhamento de recursos parece ser uma tendência para as forças armadas no futuro. Um exemplo disso é a Base Aérea de Belém (BABE) que atualmente sedia unidades das três forças em suas instalações. A região norte possui uma vasta área a ser coberta e protegida, além dos mais de 13.000km de fronteira na região amazônica. A FAB possui cinco bases aéreas na região: em Belém, Boa vista, Porto Velho, Cachimbo e Manaus, além de três destacamentos de aeronáutica: em São Gabriel da Cachoeira – AM, Eirunepé – AM e Vilhena – RO, sendo que esses dois últimos ainda estão em fase de construção ou implantação. A implantação de unidades do Exército ou da Marinha nessas instalações possibilitaria a conclusão das obras de construção, além de ocupá-las com guarnições fixas. A presença do Exército e da Marinha nessas regiões resultaria em aumento da capacidade de ressuprimento, no reforço da segurança nas localidades, além de melhorar o apoio logístico dos batalhões de fronteira e o atendimento de comunidades indígenas e ribeirinhas.
Outra abordagem que permitiria a racionalização de custos é a unificação da instrução, a exemplo do que já ocorre em outros países. A formação conjunta de pilotos militares é algo que já foi adotado por diversos países incluindo a Austrália, Canadá, França e Reino Unido.
Com a conclusão dos programas de atualização vigentes, o H125 Esquilo será a aeronave padrão para instrução básica nas três forças. Com a padronização dos equipamentos, o próximo passo seria a implantação de um centro de instrução conjunto.
A criação de uma unidade mista de ensino composta por aeronaves e instrutores das três forças traria benefícios como a padronização da formação e o compartilhamento de doutrinas desenvolvidas por cada uma das forças. Com a conclusão do curso de instrução básica, os pilotos de cada força concluiriam a formação avançada e a conversão operacional para equipamentos específicos em cursos de especialização nas unidades operacionais.
O novo centro de formação poderia ser implantado em uma nova unidade militar ou em uma das três unidades usadas atualmente. As unidades de instrução de voo em asas rotativas são sediadas na Base Aérea de Natal, na Base de Aviação de Taubaté e na Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia. As unidades do exército e da Marinha compartilham suas instalações com diversos outros esquadrões. A construção de uma nova unidade militar com a finalidade específica de sediar um centro unificado de instrução, apesar de ser a solução ideal é algo que dificilmente será concretizado devido as limitações orçamentárias destinadas à defesa.
A BANT sedia atualmente o 1º/8º GAV – Esquadrão Falcão, o 2º ETA – Esquadrão Pastor e três esquadrões de instrução, o 1º/11º GAV – Esquadrão Gavião, o 1º/5º GAV – Esquadrão Rumba e o 2º/5º GAV – Esquadrão Joker. A BANT apresenta uma infraestrutura muito superior em relação a Taubaté e São Pedro da Aldeia e desde 2010, com a transferência do 1º/4º GAV para Manaus, sedia apenas três esquadrões em sua imensa infraestrutura física. Apesar de distante dos grandes centros, a Base Aérea de Natal parece ser a unidade ideal para sediar um futuro centro conjunto de instrução de aeronaves de asas rotativas. Um dos principais atrativos é meteorologia, sempre favorável no Nordeste, ao contrário do Rio de Janeiro e Taubaté.
A aviação de asas rotativas cresceu muito em qualidade e importância dentro das forças armadas nestes setenta anos de atuação. Porém, mesmo com os recentes investimentos que permitiram programas de modernização e novas aquisições, a frota ainda apresenta lacunas que precisam ser preenchidas para que o país esteja pronto para enfrentar os desafios futuros.
As recentes tragédias decorrentes de alterações climáticas são recorrentes e deverão ser mais constantes a cada ano. Por outro lado, o aumento das tensões e mudanças na geopolítica precisam ser vistas com cautela. O setor precisa estar preparado para defender o país em uma eventual crise ou conflito regional.
Em termos qualitativos, as três forças estão equipadas com aeronaves modernas como o H225M, o H-60 Black Hawk, o SH-60 Sea Hawk, Wild Lynx e o H125, sendo que as mais novas foram adquiridas nos programas TH-X e HX-BR. Vale destacar que estes programas de atualização, além de permitirem a reequipagem das unidades também favorecem o crescimento dos fabricantes nacionais de helicópteros, algo muito benéfico para desenvolvimento da indústria de defesa nacional.
Em relação à reequipagem de unidades a médio prazo, talvez a melhor opção seria dobrar o número de aeronaves leves de emprego geral H125 Esquilo em todas as três forças. Outro ponto que precisa ser revisto é a aquisição de mais aeronaves de porte intermediário para as três forças. Adicionalmente, a padronização das aeronaves dessa categoria seria vantajosa em termos orçamentários e logísticos.
O H-60 seria o modelo ideal para suprir essa lacuna. Atualmente, a FAB possui 16 unidades, e o Exército em breve irá possuir 12. A Marinha opera seis unidades do SH-16 Sea Hawk (Sikorsky SH-60) em missões de guerra antissubmarino e não possui um helicóptero de emprego geral de porte intermediário.
Já a longo prazo, a aquisição de helicópteros de grande porte talvez seja uma boa opção para permitir expandir as capacidades logísticas das forças. As aeronaves dessa categoria possuem capacidade de transporte de cargas úteis acima de dez toneladas ou o transporte de tropas de até 55 homens, o que é praticamente o dobro da capacidade de um H225M. Dentre as opções existem os modelos da Sikorsky como o CH-53K King Stallion e a versão naval MH-53E Sea Dragon, além do Boeing CH-47 Chinook que já foi operado pela Argentina entre os anos 80 e início dos anos 2000, e atualmente equipa unidades militares em mais de 20 países.
De qualquer forma, o emprego das aeronaves de asas rotativas foi, e continuará sendo, essencial para as forças armadas e para o apoio da população civil através de transportes e resgates. Mas o caminho para estabelecer uma frota compatível com as necessidades do país será árduo e demorado. Citando Sêneca, AD ASTRA PER ASPERA (até aos astros, por ásperos caminhos).
Integrado aos principais vetores de combate europeus, entre eles o Dassault Rafale, o Eurofighter Typhoon e o Saab Gripen, o míssil BVRAAM Meteor é fruto da colaboração de seis nações: Reino Unido, Alemanha, Itália, França, Espanha e Suécia, o que faz dele o mais ambicioso projeto de colaboração europeu para desenvolvimento de mísseis. Fabricado pela MBDA, o míssil que entrou em serviço operacional em 2016, alardeando ser o melhor míssil BVR da atualidade, agora equipa os F-39E da Força Aérea Brasileira.
Rudnei Dias da Cunha
O míssil ar-ar de engajamento além do alcance visual (BVRAAM – Beyond-Visual-Range Air-Air-Missile) Meteor, fabricado pela MBDA, promete revolucionar o mercado de armas desse tipo. Dotado de um sistema de propulsão foguete de empuxo variável canalizado (TDR – Throttleable Ducted Rocket), baseado em um motor foguete acoplado a um motor ramjet, o Meteor não tem similar dentre os mísseis ar-ar BVR disponíveis no mercado ocidental. Apesar de o desempenho do míssil ser confidencial, os lançamentos realizados confirmam alcances superiores a 100 km, e que velocidades sustentadas de aproximadamente 4,0 Mach foram mantidas durante os voos. Um simples exercício de aritmética nos permite concluir que, em tese, um Meteor pode destruir um alvo a uma distância de 100 km e voando a uma altitude média de 25 mil pés em somente 80,75 s = 100.000,0 m/(4 × 309,6 m/s)!
Aqui, vale salientar que a velocidade de um míssil é importante para maximizar as chances de acerto. Uma maior velocidade permite reduzir o tempo de voo até o alvo, diminuindo o tempo de reação do oponente. Além disso, quanto maior a velocidade, maior será a energia cinética disponível ao míssil depois que o seu combustível se extinguir. Com isso, a chamada zona sem escapatória (NEZ – no escape zone, aquela região no espaço em que o alvo, para sobreviver, necessita ser mais rápido que o míssil) é maior, aumentando a probabilidade de acerto (PK – probability of a kill).
No caso do Meteor, a NEZ é, pelo menos, três vezes superior à do míssil ar-ar norte-americano Raytheon AIM-120C AMRAAM, o qual utiliza um motor foguete convencional, de combustível sólido, monopulso. Em motores desse tipo, o combustível é consumido a uma taxa constante, sem meios de controle; à medida que o combustível vai se extinguindo, a aceleração aumenta (pois, para uma mesma força exercida, a massa diminui), até a queima total do combustível (burn-out). A partir daí, o AMRAAM perde velocidade (p. ex., 25% de perda a cada 25 s de voo a 36 mil pés). O sistema de propulsão do Meteor, no entanto, permite alcançar velocidades tão altas como as do AMRAAM e por maior tempo, pois o fluxo de combustível é variável.
A chave para esse desempenho é um motor ramjet de empuxo variável, desenvolvido pela empresa alemã Bayern-Chemie. Um motor ramjet é aquele que produz um jato de ar quente através do seu deslocamento no ar, com o qual o ar é comprimido sem a necessidade de um compressor (turbina). Dessa forma, um motor ramjet só pode produzir empuxo se ele estiver se movimentando a uma velocidade inicial suficiente para o ar ser comprimido na parte frontal do ramjet (tal velocidade depende de fatores aerodinâmicos variáveis). Motores ramjet são eficientes em regimes de velocidades entre 2,0 e 4,0 Mach, caindo em desempenho acima de 6,0 Mach, por questões relativas à compressibilidade do ar àquela velocidade, bem como às altas temperaturas causadas pela fricção com o ar.
O Meteor dispõe de dois motores ramjet de empuxo variável, acoplados a um motor foguete de combustível sólido. Esse motor produz jatos quentes, ricos em combustível, os quais são canalizados para a câmara de combustão do ramjet; nessa câmara, os jatos são misturados ao ar comprimido gerado pela tomada de ar do ramjet. O controle de velocidade do jato de saída do ramjet é feito controlando-se, por válvulas, a quantidade daqueles jatos quentes injetados na câmara de combustão, bem como as aletas de ingresso de ar na câmara de compressão. Com isso, regula-se a temperatura de exaustão do jato e, consequentemente, a sua velocidade. Uma das vantagens nessa combinação é que um ramjet acoplado a um motor foguete de combustível sólido não sofre desligamento causado por flame-out (perda da chama).
Os motores ramjet do Meteor são controlados pela EPCU (Electronics and Propulsion Control Unit), um controlador lógico que calcula a velocidade de cruzeiro que tem de ser atingida, dependendo das condições de lançamento e a altitude do alvo, ajustando as aletas da tomada de ar e o controle de queima do motor foguete.
Como a distância que o míssil tem de percorrer até atingir o alvo é uma variável desconhecida (por exemplo, o alvo, muito provavelmente, tomará atitudes evasivas), a EPCU monitora constantemente a distância ao alvo (através dos dados obtidos com o radar instalado na cabeça do míssil, ou fornecidos por datalink) e a quantidade remanescente de combustível. Se a distância estimada a ser percorrida é tal que o míssil pode acelerar sem que o combustível acabe, as válvulas de regulagem do motor foguete são abertas e o míssil acelera em direção ao alvo, maximizando a velocidade de interceptação. Se, em caso contrário, o alvo encontrar-se à distância máxima que o míssil pode percorrer, ele irá dirigir-se àquele a uma velocidade constante ou com mínima aceleração.
Esse controle da velocidade é crucial para o desempenho do Meteor e que o diferencia dos demais mísseis ar-ar. Ao monitorar constantemente a velocidade que pode ser alcançada, o controlador lógico do míssil permite que o Meteor seja manobrável durante todo o percurso até o alvo. Outros BVRAAM, em geral, aceleram rapidamente em busca do alvo; uma vez terminado seu combustível, a sua capacidade de manobrar se reduz, permitindo que o alvo possa desengajar-se por manobras evasivas. Segundo a MBDA, o Meteor tem um alcance três vezes superior ao do Raytheon AIM-120B AMRAAM em um engajamento frontal e cinco vezes superior ao daquele em um engajamento de perseguição por trás.
O Meteor é fruto da necessidade de dotar a Força Aérea Real britânica (RAF) com um míssil BVR para emprego pelo Eurofighter EF2000 Typhoon, capaz de engajar alvos aéreos de asa fixa – incluindo VANT e mísseis de cruzeiro – e de asas rotativas. Denominado FMRAAM (Future Medium Range Air-to-Air Missile), ou FRAAM, esse míssil deveria substituir os mísseis BAe Dynamics Skyflash (derivados dos AIM-7 Sparrow e utilizados pelos Phantom e Tornado F.3 britânicos), conforme estipulado na especificação SR(A) 1239 do Ministério da Defesa (MOD) britânico.
Em termos de configuração, o míssil necessitava adequar-se ao formato dos lançadores localizados em quatro reentrâncias na parte ventral da seção central da fuselagem do Eurofighter, projetadas para abrigar o míssil norte-americano AIM-120B AMRAAM. Acredita-se que os requisitos estipulados pelo Estado-Maior da RAF preconizavam um míssil que apresentaria taxa de sucesso no lançamento e NEZ três vezes superior àquela oferecida pelo AMRAAM. Além disso, lançamento furtivo, alta capacidade cinemática e de operação sob interferência eletromagnética ativa eram requisitos indispensáveis, a fim de fazer frente a mísseis como o Vympel R-77, de fabricação russa.
Em meados da década de 1990, diferentes propostas foram feitas por fabricantes europeus e norte-americanos, com ofertas variando desde mísseis totalmente novos até variantes do AMRAAM. As empresas Alenia Difesa (Itália), GEC-Marconi (Reino Unido) e Saab Dynamics (Suécia), sob a liderança da BAe Dynamics (Reino Unido), propuseram o S225XR; a empresa francesa Matra propôs uma variante do MICA; a Daimler-Benz Aerospace e a Bayern-Chemie, alemãs, propuseram o Advanced Air-to-Air Missile (A3M); e a Hughes (norte-americana), juntamente com a Aérospatiale (França), Shorts (Reino Unido), Thomson-Thorn Missile Electronics (França/EUA), Fokker Special Projects (Holanda) e Diehl BGT Defence (Alemanha), propôs uma variante de longo alcance do AIM-120B, denominando-a FMRAAM (o que levou o MOD britânico a adotar a sigla BVRAAM para o programa).
Como resultado de uma intensa negociação por parte da BAe Dynamics, um grupo industrial formado pela BAe Dynamics (líder), Matra Defense, Alenia Difesa, GEC-Marconi, Saab Dynamics, LFK (divisão de mísseis da Daimler-Benz Aerospace) e Bayern-Chemie, apresentou uma proposta unificada das empresas europeias, capaz de competir com a proposta norte-americana.
Em 1997, os negócios nas áreas aeroespacial e de defesa da Hughes Aircraft Company foram adquiridos pela Raytheon. A Raytheon, então, propôs o desenvolvimento incremental de um míssil para atender ao programa BVRAAM. O ERAAM (Extended Range Air-to-Air Missile) utilizaria o radar e o sistema de guiamento previstos para uso no FMRAAM, acoplado a um motor foguete de combustível sólido de pulso duplo (i. e., dois estágios de queima); o FMRAAM substituiria tal foguete por motores ramjet. Dois anos depois, a Raytheon propôs a adoção do AIM-120B+ como um estágio anterior ao ERAAM, substituindo o motor de pulso duplo pelo mesmo usado no AIM-120B. Tal proposta visava minimizar os riscos de desenvolvimento, permitir a adição de novas tecnologias ao longo do período de desenvolvimento e produção e, ao mesmo tempo, garantir que o Eurofighter entrasse em serviço com mísseis BVR adequados.
Já a proposta europeia, apesar de ter considerado tal abordagem, acabou por optar por um míssil que atendesse aos requisitos desde o início de seu desenvolvimento. Particularmente, a proposta original britânica (S225XR) e a alemã (A3M) eram bastante similares, diferindo no aspecto aerodinâmico; o S225XR não tinha asas, ao passo que o A3M as tinha. Como ambos previam o uso de motores ramjet, que necessitam de tomadas de ar, a geometria dos mísseis seria assimétrica (as tomadas de ar estariam dispostas na parte inferior do míssil), para poder caber nas reentrâncias ventrais do Eurofighter. Essa assimetria impõe problemas de controle, particularmente de rolagem do míssil; como se acreditava que a presença de asas permitiria diminuir o efeito de rolagem, a configuração alemã foi a escolhida como a proposta europeia para atender à especificação SR(A) 1239.
Em 1999, um memorando de entendimento foi assinado pelos ministros de defesa da Alemanha, Espanha, França, Itália, Reino Unido e Suécia, para o desenvolvimento do programa. Apesar da enorme pressão política norte-americana sobre o governo britânico para a escolha de um míssil derivado do AIM-120, em maio de 2000, o governo britânico anunciou que a proposta europeia havia sido a escolhida. Dentre as principais razões para tal escolha, podem-se citar os dados previstos de desempenho, superiores aos da proposta norte-americana; a racionalização e consolidação da indústria europeia de mísseis, tornando-a competidora frente à dominação norte-americana na área; e a eliminação de restrições à venda do Eurofighter para nações não pertencentes à OTAN, por parte dos EUA, em função do emprego de armamento de origem norte-americana.
Em 2002, foram assinados os acordos entre os países envolvidos no programa BVRAAM para o desenvolvimento do míssil, denominado Meteor. Somente o Reino Unido assinou o contrato para a produção, no valor fixo de 1,2 bilhão de libras esterlinas. Conforme é comum no desenvolvimento de projetos compartilhados entre diferentes nações, o financiamento foi dividido entre elas, com base na quantidade de mísseis a serem adquiridos. Dessa forma, ao Reino Unido, coube a maior fatia, cobrindo 39,6% do financiamento; Alemanha, 16%; França, 12,4%; Itália, 12%; Espanha e Suécia, 10%. Assim como o financiamento, o gerenciamento do programa é compartilhado pelas nações signatárias.
Com as inúmeras fusões que ocorreram na indústria europeia de armamentos nas décadas de 1990 e 2000, o grupo de empresas fabricantes dos diferentes componentes do Meteor passou a ser liderado pela MBDA, como principal contratada. A MBDA foi formada, em 2001, pela fusão da Aérospatiale-Matra Missiles (antes pertencente à EADS, agora Grupo Airbus); da Alenia Marconi Systems (antes pertencente à Finmeccanica); e da Matra BAe Dynamics (antes pertencente à BAE Systems). Outras empresas europeias juntaram-se à MBDA posteriormente, como a LFK. Além das empresas do grupo MBDA, o desenvolvimento e a produção do Meteor são feitos em conjunto com a empresa alemã Bayern-Chemie/Protac; Inmize Sistemas, espanhola; e Saab Bofors Dynamics, sueca.
No verão de 2003, a MBDA realizou extensivas simulações por meio de computadores e túneis de vento para finalizar a forma geométrica do míssil. Modelos em escala reduzida foram produzidos para teste em túneis de vento, nos quais, na experiência adquirida pela MBDA com as tecnologias de controle e guiamento de mísseis sem asa, como o ASRAAM, concluiu-se que uma configuração sem asas seria a mais indicada para o Meteor (diferente do esperado quando da proposta inicial). Essas simulações também levaram ao uso de quatro aletas de guiamento traseiras de mesmo tamanho. Em outubro do mesmo ano, um modelo em escala 1:1 com a configuração geométrica escolhida foi testado em um Eurofighter, a fim de determinar como se encaixaria tanto nos lançadores localizados nas reentrâncias ventrais da fuselagem quanto com lançadores subalares.
O Meteor é um míssil ar-ar BVR cuja configuração é baseada em um corpo cilíndrico, de 3,65 m de comprimento e 17,8 cm de diâmetro, com quatro aletas móveis de guiamento, de formato trapezoidal, localizadas na parte traseira do míssil. O míssil tem peso de 185 kg no lançamento. Observa-se que, em termos de dimensões (comprimento e diâmetro) e peso, o Meteor é extremamente similar ao AIM-120B – novamente, por razões de compatibilidade com o Eurofighter.
A ogiva contém o radar de busca, produzido em parceria pela MBDA e Thales, com base no radar Aster do míssil francês MICA; o radar é de banda X ou, possivelmente, banda Ku. Logo após a ogiva, encontra-se o sistema de medição inercial, empregado para navegação. O subsistema de espoleta de proximidade por radar (PFS – Proximity Fuze Subsystem), produzido pela Saab Bofors Dynamics, vem em seguida. O PFS é conectado a quatro antenas localizadas simetricamente em torno do corpo do míssil, com as quais é feita a detecção do alvo. O PFS calcula em quanto tempo deve ser detonada a carga bélica após a detecção, a fim de garantir a maior letalidade possível. A espoleta de contato é instalada dentro do PFS.
Após o PFS, encontra-se a carga bélica, que é um componente estrutural do míssil. Em seguida, vem o subsistema de propulsão (PSS), o qual consiste em: motores ramjet, com motor foguete integrado; tomadas de ar, móveis, feitas de titânio para suportar as altas temperaturas no voo; estágio intermediário, contendo a válvula de controle e atuadores e injetor de combustível; e gerador de gás quente para voo sustentado. As tomadas de ar são localizadas na porção inferior do corpo do míssil, com duas das aletas fixadas sobre as tubeiras dos motores ramjet.
A busca do alvo é feita de forma ativa, com um radar interno. O guiamento é feito por diferentes perfis de voo armazenados internamente e controlados por computador de bordo. A navegação é feita inercialmente durante a fase intermediária do voo, com a capacidade de receber correções em tempo real por datalink. Durante a fase terminal de voo, o guiamento é autônomo, utilizando um mecanismo de navegação proporcional.
Os datalinks no Eurofighter e Gripen são do tipo full-duplex, permitindo a comunicação bidirecional entre o míssil e a aeronave lançadora. Dessa forma, o míssil pode transmitir várias informações àquela, sendo as mesmas exibidas ao piloto, tais como estado de funcionamento, alvos múltiplos e notificação de aquisição de alvo pelo radar de busca do Meteor. No Rafale, como o datalink é half-duplex, correções durante a fase intermediária podem ser feitas pelo piloto até que o Meteor adquira o alvo, passando então a voar de forma autônoma; o Meteor pode, também, ser lançado pelo Rafale em modo dispare-e-esqueça, sem receber correções de meio-curso.
A manutenção do Meteor é feita utilizando-se o conceito de apoio logístico contratado. Isso significa que não é feita manutenção em linha dos mísseis; eles devem ser armazenados em containers especiais e, caso seja detectada alguma pane através do equipamento integrado de teste (BITE – Built-In Test Equipment), o míssil deve ser devolvido à MBDA para reparos. O tempo de uso antes de manutenção do Meteor é estimado em mil horas de voo.
A fim de garantir que o míssil atendesse aos requisitos estipulados, o Ministério da Defesa britânico estabeleceu quatro metas bem-definidas que teriam de ser alcançadas pelo fabricante; caso não o fossem, a MBDA estaria obrigada a devolver o dinheiro investido no desenvolvimento do míssil. Essas metas foram estabelecidas em função do tipo de míssil proposto pela MBDA, particularmente em aspectos concernentes à propulsão pelo motor ramjet e configuração aerodinâmica imposta pela necessidade de adaptação do míssil aos lançadores projetados originalmente para o AIM-120 frente à necessidade de existência de tomadas de ar para o motor. As quatro metas a serem alcançadas eram as seguintes:
Demonstrar que a transição de propulsão foguete (inicial) para ramjet funcionava perfeitamente;
Demonstrar que o míssil era controlável, em função da sua geometria assimétrica. Como o míssil tinha de caber nos lançadores projetados originalmente para transportar o AIM-120, os quais são reentrâncias na parte ventral da fuselagem, mas os motores ramjet precisam de tomadas de ar para seu funcionamento, a solução foi instalar ambos os motores próximos um ao outro, na parte de baixo do míssil – de tal forma que a parte de cima encaixasse nas reentrâncias. O míssil ficou, portanto, com uma fuselagem assimétrica que impõe problemas no seu controle; outro receio era o de que, dependendo da manobra realizada, parte do corpo do míssil impedisse a admissão de ar pelos motores, causando a perda de empuxo ou, até mesmo, de controle. Essa meta deveria ser alcançada não só por meio de extensivos testes via modelos de dinâmica de fluidos, executados em computadores, mas também por testes reais realizados com os mísseis demonstradores lançados desde aeronaves;
Demonstrar que o míssil, ao ser lançado, conhece a sua posição no espaço, através da transferência de dados e controle do seu sistema de posição inercial. Tal informação é fundamental para que erros de navegação sejam minimizados, particularmente no caso de mísseis de longo alcance como o Meteor;
Demonstrar que o míssil consegue operar sob interferência eletrônica, ou seja, que seu sistema de Contra-Contra-Medidas Eletrônicas (ECCM) funciona adequadamente.
O Meteor voou pela primeira vez em 9 de setembro de 2005, a bordo de um caça Rafale M (padrão F2) baseado no Centro de Ensaios em Voo, em Istres, Sul da França. Em 11 de dezembro de 2005, a equipe de desenvolvimento iniciou uma semana de testes do Meteor a bordo do porta-aviões Charles de Gaulle, navegando no Mar Mediterrâneo. Esses testes utilizaram dois mísseis de treinamento de manipulação no solo (GHTM – Ground Handling Training Missile) e um míssil instrumentado para aquisição de dados (EDG – Environment Data Gathering). Esses mísseis eram inertes, inclusive sem motores, mas representam o míssil Meteor em sua configuração, incluindo comprimento, peso e forma. Os testes, projetados para medir os níveis de choque e vibração associados ao ambiente de operação a bordo de um porta-aviões, foram realizados com os mísseis transportados tanto nos pilones subalares como nas estações conformais da fuselagem do Rafale. Aproximadamente 20 catapultagens e pousos foram realizados, bem como vários toques e arremetidas, para prover dados suficientes a respeito do manejo da aeronave transportando o Meteor.
O próximo teste foi realizado em 13 de dezembro de 2005, dessa vez, no campo de provas em Vidsel, Suécia, empregando um Gripen JAS39A (aeronave 39.101, o primeiro Gripen de produção em série), transportando software específico para interfaceamento com o Meteor. O míssil transportado era a versão aviônica do Meteor (GMA5), o qual era instrumentado como o míssil EDG, porém com interface eletrônica, permitindo que o míssil e os computadores de bordo da aeronave lançadora troquem informações entre si. Nesse teste, foram verificadas que as interfaces mecânicas, elétricas e funcionais funcionavam adequadamente, particularmente demonstrando que dados estavam sendo trocados entre o míssil e a aeronave. No dia 21 de janeiro de 2006, o míssil GMA5 voou novamente a bordo do mesmo Gripen, a fim de realizar testes de comunicação e arranjos necessários antes do primeiro lançamento.
O Meteor foi lançado pela primeira vez no dia 9 de maio de 2006, empregando um Gripen como aeronave lançadora no campo de testes de Vidsel. A uma altitude de 21 mil pés, o Meteor foi lançado a partir do pilone subalar esquerdo. A separação da aeronave foi correta, e o motor foguete acelerou o míssil até uma velocidade de 2,0 Mach em aproximadamente dois segundos. No entanto, os motores ramjet não funcionaram, e o míssil foi destruído em voo sob comando do solo. As peças recuperadas demonstraram que as aletas de entrada de ar dos ramjets encontravam-se fechadas, em função de uma falha no software de controle de uma válvula de geração de gás (desenvolvido pela empresa Bayern-Chemie). Modificações no software permitiram que o teste fosse repetido no dia 20 de maio, e foi um sucesso absoluto, com duração de menos de um minuto. Durante a fase de voo sustentado (com o emprego dos ramjets), foi realizada uma série de manobras sob controle do míssil, representativas das fases de voo intermediária e engajamento final.
No dia 30 de junho, foi realizado o primeiro voo de um míssil Meteor de teste da cabeça de busca (SDG – Seeker Data Gathering), em atendimento parcial à meta nº 3. O míssil SDG era instrumentado para adquirir inúmeros dados referentes à busca de alvos; ele era equipado com subsistemas operacionais do míssil e de transmissão de dados por telemetria, mas não dispunha de motores. O voo, realizado por um JAS 39C Gripen, durou aproximadamente uma hora e meia, para obter dados sob as mais variadas condições.
O terceiro lançamento de demonstração foi realizado no dia 5 de setembro de 2006, tendo sido novamente um sucesso, no qual foi testado um perfil diferente de voo. Esses três lançamentos realizados permitiram alcançar a meta nº 1.
Outros três lançamentos foram realizados em Vidsel, bem como quatro lançamentos desde um Eurofighter (utilizando os lançadores ventrais), a várias altitudes e cargas G, a fim de testar diferentes perfis de voo e subsistemas dos mísseis.
A partir desses testes, a MBDA definiu as modificações a serem feitas à configuração inicial dos mísseis, a fim de produzir os primeiros mísseis de pré-produção. Um total de seis lançamentos guiados (GF – Guided Firing) foi programado, a fim de validá-los, bem como 40 outros voos de testes (sem lançamento) e inúmeros testes no solo. Dentre estes se encontram testes de confiabilidade e de resistência estrutural – o míssil tem uma vida prevista de mil horas de voo a bordo de uma aeronave, ao passo que os motores têm uma vida de 500 horas. Outros testes foram realizados para garantir o emprego seguro do Meteor a bordo de porta-aviões, empregando os Rafale M embarcados a bordo do Charles de Gaulle.
O primeiro lançamento guiado, GF1, foi realizado a partir de um Gripen, em 2009: nesse lançamento, realizado simulando um engajamento em que o alvo se encontra à frente e abaixo da aeronave lançadora, testou-se o funcionamento de cabeça de detecção frente ao ruído de fundo, causado pelo reflexo das ondas eletromagnéticas do radar ao atingirem o solo.
Os lançamentos GF2 a GF6 foram realizados sobre o campo de provas situado próximo às ilhas Hébridas, no norte da Escócia. Utilizando um caça Tornado F.3 da RAF operado pelo QinetiQ (órgão britânico de pesquisa em defesa aeroespacial), os mísseis foram lançados desde os lançadores ventrais do Tornado (os quais foram projetados, na década de 1980, para lançar o míssil BAe Dynamics Skyflash).
Esses lançamentos testaram o comportamento do Meteor sob diferentes condições de emprego. O GF2, por exemplo, testou a habilidade do míssil em perseguir um alvo situado acima do lançador, através de ar mais denso; GF3 testou o desempenho do míssil em um lançamento em alta altitude. O teste GF4 foi similar ao realizado no GF1, porém com o míssil lançado a uma maior distância.
O GF5 foi um lançamento feito com o Tornado voando a alta velocidade contra um drone BQM-167 vindo em direção a ele, a uma distância superior a 100 km. O lançamento GF6, realizado entre abril e maio de 2012, foi feito em condições similares ao GF5, utilizando, porém, um alvo de alta velocidade subsônica Mirach (similar a um caça real, utilizado também nos lançamentos GF1 a GF4); nesse lançamento, foi testado o funcionamento do datalink entre o lançador e o míssil, enviando e recebendo dados. Os alvos utilizados em todos os lançamentos realizavam uma manobra evasiva final para testar a habilidade do Meteor em atingi-los sob condições reais de emprego.
Durante os lançamentos GF1 a GF6, a MBDA encontrou algumas dificuldades típicas do desenvolvimento de tais armamentos. Uma linha de código errada em uma nova versão de software impediu o correto funcionamento do míssil no GF3, pois a posição da aeronave lançadora foi interpretada incorretamente ao ser recebida pelo míssil; o GF4 teve um problema com a telemetria dos dados transmitidos para análise e, no primeiro lançamento GF6, um problema no conector ou cabo umbilical que liga o míssil ao lançador impediu que o motor foguete fosse disparado no lançamento. Esses três lançamentos foram refeitos de forma bem sucedida. Outros três lançamentos foram feitos sobre o campo de provas de Aberporth, na costa do País de Gales, nos quais o desempenho do sistema de ECCM do Meteor foi posto à prova, frente ao uso de jameadores eletrônicos e chaff.
O desempenho exibido pelo Meteor durante a fase de testes e pré-produção chama a atenção de vários operadores no mundo. Além disso, o Meteor apresenta vantagens sobre a versão mais recente do AMRAAM, o AIM-120D, o qual utiliza o mesmo motor foguete do AIM-120C-7, de propelente sólido, monopulso. Apesar de empregar um sistema acoplado de navegação GPS e novos perfis de voo, o AIM-120D continua sendo mais lento que o Meteor, apresentando uma NEZ bem menor, tornando-o (em tese) menos eficaz.
A primeira a colocar o Meteor em serviço foi a Força Aérea Sueca, empregando o míssil a bordo de seus JAS 39C Gripen a partir de abril de 2016; o bem-sucedido programa de testes, realizado com a participação do Gripen, permitiu alcançar a capacidade operacional inicial (IOC, em inglês), em julho daquele ano.
O Meteor também foi integrado ao Gripen E. Em 2019, foi anunciada pela MBDA a compra de 100 exemplares do míssil pela Força Aérea Brasileira, no valor de 200 milhões de euros, para equipar os F-39E/F Gripen.
A Força Aérea Real britânica (RAF) foi a segunda a utilizar o Meteor. Em julho de 2018, a RAF havia recebido os primeiros Typhoon atualizados, no âmbito do projeto Centurion; as modificações realizadas incluíram o uso de bombas guiadas a laser Paveway IV, o míssil de cruzeiro Storm Shadow, os mísseis ar-terra Brimstone e o Meteor, elevando os Typhoon britânicos ao padrão FGR.4 (Fighter, Ground-attack, Reconnaissance, Mark 4). A primeira missão do Typhoon FGR.4 com o míssil foi realizada em dezembro de 2018, quando dois caças britânicos, em alerta de defesa aérea (QRA, em inglês) na base aérea de Lossiemouth (Escócia), foram acionados para interceptar um tráfego aéreo desconhecido.
Além do Reino Unido, os demais operadores do Eurofighter EF2000 – Alemanha, Itália, Espanha e Qatar – também dispõem do Meteor em seu arsenal. A Luftwaffe tem 250 mísseis, adquiridos em dois lotes (em 2013 e em 2019); a compra de um terceiro lote, de quantidade desconhecida, foi aprovada em novembro de 2024. O Exército do Ar espanhol adquiriu 100 exemplares em 2009.
A França havia adquirido 200 mísseis Meteor em 2011; posteriormente, reduziu a quantidade para 100 e, em 2021, aumentou para 160. Todos haviam sido entregues por volta de março de 2023. Outros cinco operadores do Rafale também adquiriram o Meteor – Croácia, Grécia, Índia, Qatar e Emirados Árabes Unidos.
Desde 2012, vêm sendo realizados os estudos de integração do Meteor ao F-35. A MBDA finalizou, em 2012, um contrato preliminar com a Lockheed Martin para determinar como o Meteor pode ser transportado na baia de armamentos do F-35B. Posteriormente, foram realizados testes em túneis de vento para determinar o fluxo de ar em torno das portas da baia de bombas quando o Meteor for lançado. Em 28 de fevereiro de 2025, foi realizado o primeiro voo de teste com um Meteor inerte, a bordo de um F-35B do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, na base aeronaval de Patuxent River, Maryland, EUA. Quando o Meteor estiver totalmente integrado ao F-35B, ele deverá ser usado nas frotas de Lightning II do Reino Unido e da Itália; a integração ao F-35A também será realizada, sendo de interesse da Grécia e da Itália e, possivelmente, da Alemanha.
O mais recente contrato para aquisição do Meteor foi assinado entre a MBDA e a Administração de Programas de Aquisição em Defesa da Coreia do Sul, para equipar os caças KF-21 Boramae.
O Meteor é considerado, na atualidade, como o melhor míssil ar-ar de lançamento além do alcance visual. A MBDA afirma que o seu emprego aumenta de seis a oito vezes a capacidade de sobrevivência do caça que o lançar em combate.
A nova postura adotada pelo governo dos EUA está levando os países europeus a buscarem um rápido rearmamento. Ao mesmo tempo que mais caças de fabricação europeia deverão ser adquiridos, assim também ocorrerá com o armamento para equipá-los. Espera-se que, com as qualidades inegáveis do Meteor, mais encomendas sejam feitas, aumentando assim a capacidade defensiva de seus operadores, atuais e futuros.
20 anos após entrar em serviço na Força Aérea Brasileira (FAB), o Embraer 314A/B Super Tucano, ou A-29A/B, como é designado militarmente, recebeu sinal verde para passar por um Mid-Life-Upgrade (MLU), que colocará a aeronave em outro patamar operacional. O projeto, que se inicia neste ano, vai modernizar 68 aeronaves, que vão culminar nos A-29AM e A-29BM Super Tucano.
Leandro Casella
Há quase 26 anos, voava um dos projetos mais importantes da Embraer. No dia 2 de junho de 1999, decolou de São José dos Campos/SP o primeiro protótipo do EMB-314 Super Tucano, uma aeronave que iria gradualmente conquistar uma bela fatia do mercado de aeronaves de ataque leve, apoio aéreo aproximado (CAS) e contrainsurgência (COIN).
Com mais de 260 unidades entregues, das quais 99 somente para a FAB, o A-29 se tornou referência em sua classe. A FAB foi a primeira a usar a aeronave, portanto, tendo o modelo mais antigo em operação e com certa defasagem se comparado aos modelos entregues nos últimos anos. O projeto de modernizar os Super Tucanos da FAB já vinha sendo discutido há algum tempo, e tomou forma em 2023, quando a Embraer e a FAB anunciaram, no primeiro dia do Paris Air Show, em Le Bouguet, em 19 de junho, o início dos estudos para o Mid-Life-Upgrade (MLU), dos Super Tucano. O cronograma do projeto não foi detalhado na época, mas o memorando de entendimento entre as partes denota que um projeto de atualização seria feito na esteira do A-29N (N = NATO) proposto para a OTAN, que deve promover uma nova geração de Super Tucano, um novo A-29 Export Market.
Passados quase um ano e meio depois, em fins de novembro de 2024, a FAB conformou a modernização dos A-29A/B, informando que planeja iniciar o processo de modernização da sua frota de 68 caças leves e treinadores avançados em 2025. O estudo de viabilidade técnica e operacional começou no início do ano. Segundo a FAB, o futuro A-29M (M = Modernizado) deverá incorporar novos aviônicos e sensores, que irão ampliar suas capacidades e deixá-los alinhados com a avançada tecnologia dos novos F-39E/F Gripen.
Entre as melhorias previstas anunciadas pela FAB no comunicado de 2024 estão:
Cockpit: a substituição dos atuais displays por um Wide Area Display (WAD), semelhante ao do F-39 Gripen.
Sensores: novos sensores eletro-ópticos com maior precisão para missões de reconhecimento e ataque.
Armamentos: integração de armas guiadas a laser e munições de precisão, ampliando sua eficácia em missões de combate ar-solo.
Autoproteção: blindagem reforçada e instalação de sistemas de detecção e neutralização de ameaças.
Datalink BR-2: permitirá a comunicação em tempo real com outras aeronaves da FAB, como os F-39 Gripen, E-99M, além de estações em solo.
Além das atualizações, o sistema de armas A-29 deverá ter um avançado sistema de treinamento sintético, capaz de simular cenários de guerra eletrônica, ameaças aéreas e terrestres, e operações em diferentes modos de radar. Outro objetivo do programa é prolongar a vida útil da frota em pelo menos 15 anos, até a transição para um futuro vetor. O A-29M desempenhará um papel importante na formação e preparação dos futuros pilotos de F-39 Gripen.
Estes foram os dados divulgados em 25 de novembro passado. Mas, afinal, que o irá mudar, e como o A-29M irá balizar o A-29N? Para entender isso, precisamos conhecer um pouco do Super Tucano.
Fruto do projeto ALX (Aeronave de Ataque Leve) a versão FAB, que receberia inicialmente a designação militar A-29 (monoplace) e AT-29 (biplace), designação posteriormente alterada para A-29A e A-29B, voaram em 1999. O primeiro voo do A-29A aconteceu em 02 de junho de 1999 (YA-29 FAB 5700), seguido do voo do A-29B, realizado em 22 de outubro de 1999 (YAT-29 FAB 5900), ambos a partir de São José dos Campos/SP. O contrato de produção foi assinado em 07 de agosto de 2003.
Cinco anos depois do primeiro voo, e após cumprir todas as fases previstas de desenvolvimento e homologação, a Embraer entregava à FAB no dia 06 de agosto de 2004 os três primeiros A-29B de série ao 2°/5° GAV (FAB 5901/02/03). Era o início da produção em série, em que a fuselagem passou a ser fabricada em Botucatu/SP (Neiva); flaps, asas e leme, em São José dos Campos/SP; e a montagem final, em Gavião Peixoto/SP.
O A-29A/B Super Tucano é um monomotor turboélice leve de asa baixa e fuselagem semimonocoque, equipado com um PT6A-68C (1.600 shp) e disponível em duas versões: monoplace e biplace. Atualmente, a Embraer não está mais ofertando o EMB-314A (A-29A) e o EMB-314B (A-29B) – apenas o EMB-314M, a versão Export Market do A-29B, que recebeu várias melhorias em relação aos EMB-314A/B originais. A versão mais visível consiste em três telas CFMD, em vez de duas na cabine frontal e traseira. Os primeiros EMB-314M foram entregues ao Chile em 2009, e todos os usuários já receberam esta versão (M). Os únicos que voam com a versão base do Super Tucano são o Brasil e a Colômbia, que encomendaram o A-29B em 2005.
Além de treinamento avançado, o A-29 é capaz de cumprir missões de interceptação, ataque leve, apoio aproximado e, principalmente, COIN e CAS, em que tem tido grande destaque. Também realiza demonstração aérea e reboque de alvos para tiro aéreo, C-SAR e reconhecimento armado.
O Super Tucano é mais potente, mas também mais pesado que seu antecessor e, por isso, menos ágil e acrobático que o T-27, o que restringiu um pouco o seu leque operacional para missões de combate aéreo. Armado, seu fator de carga ‘G’ é de +4,4 -2,2 ‘G’, contra +7 -3,5 ‘G’ limpo.
No entanto, como plataforma de ataque leve e apoio aéreo aproximado, o A-29A/B é o melhor vetor em sua categoria. Qualidades que foram comprovadas em combate na Colômbia, no Afeganistão, no Mali e na Mauritânia – um diferencial importante para qualquer aeronave militar. Capaz de levar 1,5 tonelada de armamento, ele possui um raio de ação máximo de 500 milhas náuticas (926 km), podendo operar em pistas curtas e não preparadas. Sua autonomia média é de 3h30 (A-29A) e 2h30 (A-29B), sem tanques externos.
Seu grande diferencial não é a quantidade de cargas externas ou seu poder de fogo, mas seu desempenho operacional advindo de um arranjo muito bem alinhavado de aviônica e eletrônica de missão, que garante a precisão nos ataques aéreos e a capacidade de navegar e sobreviver em ambientes hostis. A aviônica de missão do A-29 é, sem dúvida, seu ponto forte, especialmente nas missões de ataque, em que os modos computadorizados CCIL (Continuously Computed Impact Line), CCIP (Constantly Computed Impact Point) e CCRP (Constantly Computed Release Point), por exemplo, são responsáveis por boa parte da precisão cirúrgica dos ataques, mesmo com uso de armas convencionais e no modo stan-off.
A cabine do A-29 é pressurizada e climatizada (ar-condicionado) com sistema de geração de oxigênio (OBOGS). O arranjo original dos aviônicos foi elaborado pela Elbit, tendo sido estruturado ao redor do barramento de dados digitais MIL-STD-1533B e na arquitetura HOTAS (Hands on Throttle and Stick). O painel básico contempla um UFCP (Up-Front Control Panel) e duas telas CMFD (Color Multi-Function Display) de 6×8 polegadas no A/B, e três telas no M.
Os CMFD apresentam todas as informações necessárias ao voo em telas e subtelas. Essas informações vão desde os instrumentos básicos de voo, passando por navegação, combustível, comunicação, parâmetros do motor, panes, armamento, até as informações táticas advindas do datalink e de sensores como o FLIR. Toda a iluminação da cabina compatível com o emprego de Óculos de Visão Noturna (NVG – Night Vision Goggles) padrão ANVIS-9 (Aviator Night Vision Imaging System) de 3ª geração da ITT Night Vision & Imaging. A cabine está equipada com um (Alfa) ou dois (Bravo) assentos ejetáveis tipo zero-zero Martin-Baker Mk.10LCX.
Além da FAB, que foi a primeira Força Aérea a voar o A-29, o monomotor da Embraer conquistou uma interessante fatia do mercado, mais de 260 aeronaves entregues no mundo todo para outros 21 usuários. Entre eles: Força Aérea da República Islâmica do Afeganistão (20), Força Aérea de Angola (6); Fuerza Aérea da Colômbia (25); Fuerza Aérea de Chile (22); Fuerza Aérea do Ecuador (18); Força Aérea de Burkina Faso (3); Fuerza Aérea da Republica Dominicana (8); Força Aérea da Indonésia (16); Força Aérea do Líbano (6); Força Aérea Mali (4); Força Aérea da Mauritânia (4); Força Aérea da Nigéria (12); Força Aérea das Filipinas (6); Força Aérea do Turcomenistão (5) e EUA, que incluiu USAF (6), US Navy (leasing de 01) e EP Aviation (01), ex-Black Water. Os A-29B afegãos foram originalmente encomendados pela USAF (26), sendo 20 deles repassados à Força Aérea do Afeganistão. Com a queda do governo e a volta do Talibã em agosto de 2021, várias aeronaves foram danificadas ou levadas por pilotos contrários o regime. Hoje, não se sabe ao certo quantos estão voando. Além desses, recentemente a Embraer conquistou encomendas do Fuerza Aérea do Paraguai (6), Fuerza Aérea do Uruguay (5) Força Aérea de Portugal (12) e da Fuerza Aérea do Panamá (4).
No Brasil, a Força Aérea Brasileira encomendou 99 unidades, sendo 33 A-29A e 66 A-29B, sendo a FAB a única usuária da versão Alfa, que tem mais autonomia que o Bravo. Isso porque no lugar do assento traseiro há uma célula de combustível, o que permite que ele tenha 29% a mais de autonomia. Foram adquiridos em dois lotes. O primeiro, em 12 de dezembro de 2001, composto por 76 aeronaves, sendo 51 “B” e 25 “A”, complementados em dezembro de 2005 por um segundo lote, 23 aeronaves, sendo 15 “B” e 8 “A”. Foram entregues de 2004 a 2012.
Hoje, cerca de 75 aeronaves estão no inventário, operacionais em seis unidades. Além do 2º/5º Grupo de Aviação (2º/5º GAV) – “Esquadrão Joker”, sediado em Natal, que só emprega A-29B na formação dos pilotos de caça desde 2004 –, o Super Tucano A/B está em serviço nos três esquadrões do 3º Grupo de Aviação, consideradas unidades de caça operacionais, voltadas para missões de interceptação, ataque, apoio aéreo aproximado, patrulha de fronteira, COIN, C-SAR, que mantêm aeronaves de alerda (ALERDA – Alerta de Defesa Aérea) 24 horas por dia, nos 365 dias do ano.
São eles; o 1º Esquadrão do 3º Grupo de Aviação (1º/3º GAV), “Esquadrão Escorpião”, sediado em Boa Vista/RR (BABV); o 2º Esquadrão do 3º Grupo de Aviação (2º/3º GAV), “Esquadrão Grifo”, sediado em Porto Velho/RO (BAPV); e o 3º Esquadrão do 3º Grupo de Aviação (3º/3º GAV), “Esquadrão Flecha”, sediado em Campo Grande/MS (BACG). Todos empregam aeronave Alfas e Bravos. Os A-29 operam na BABV e PAPV desde novembro de 2005, e na BACG desde maio de 2006.
Além dessas, o IPEV, ou Instituto de Pesquisa e Ensaio em Voo – “Esquadrão Prova” –, sediado em São José dos Campos/SP, também usa um A-29B para voos de ensaio. Por fim, desde 2013, o Esquadrão de Demonstração Aérea (EDA) – “Esquadrilha da Fumaça” –, sediada na Academia da Força Aérea (AFA) em Pirassununga/SP, opera 12 A-29A/B exclusivos e configurados para demonstração aérea (mais leves e sem armamento).
O Super Tucano se tornou uma aeronave essencial dentro da estrutura da FAB. Além de ser atualmente o vetor com maior número de aeronaves e unidades operacionais dentro da caça, ele cumpre um papel que para muitos é o lado mais operacional, de fato, da nossa força aérea. A patrulha de fronteira e a aplicação de Medidas de Policiamento do Espaço Aéreo (MPEA) podem resultar no abatimento de aeronaves realizando voos ilícitos, que, ao serem interceptadas, não se submetam às medidas de averiguação.
A MPEA é respaldada pela Lei nº 9.614, de 1986, que, em 1998, incluiu (parágrafo terceiro do artigo 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica) a possibilidade de a aeronave, após serem esgotados os meios coercitivos legalmente previstos de identificação e, ainda, se necessário, aterrissagem para averiguação, ela poderá ser classificada como hostil, ficando sujeita a medida de destruição.
Essa mudança só passou a valer após ser sancionada pelo Decreto Presidencial nº 5.144/2004, passando, então, a ser posta em prática. Em 11 de junho de 2014, o Decreto nº 8.265 introduziu a autorização para o abate sobre áreas densamente povoadas, observando-se o dever de proteção. O decreto de 2004 permitia a execução da medida de segurança apenas em locais desabitados.
Com a chegada dos A-29 à fronteira oeste (Boa Vista, Campo Grande e Porto Velho) e a instalação dos ALERDA, o A-29 ganhou um importante protagonismo, tendo realizado centenas de interceptações e operações de fronteira, caçando aeronaves em voos sem autorização ou que saem de sua rota, geralmente transportando drogas, armas, contrabando (descaminho), e realizando voos clandestinos de passageiros. Em alguns casos, houve necessidade de efetivar tiros de aviso, e já ocorreu de aeronaves serem alvejadas e abatidas. Muitos pilotos em voos irregulares optam por pousar forçadamente em algum descampado e fugir para evitar o flagrante. Operações do tipo “porteira fechada”, como a “Ostium”, já retiraram toneladas de produtos ilegais e prenderam criminosos, sempre com o apoio das autoridades policiais em solo.
Além desse papel importantíssimo, os A-29 cumprem diversas outras missões, como ataque, interdição, COIN, C-SAR, e CAS, bem como o papel ímpar de formar os novos pilotos de caça, oriundos da AFA. Tudo isso a uma relação custo-benefício muito interessante com índices altos de disponibilidade. Desde 2005, todos os pilotos de caça da FAB foram formados no A-29B, tendo após isso, passado em média mais cinco anos voando o Super Tucano nos esquadrões do 3º GAV, ganhando uma experiência valiosa para chegarem à primeira linha da caça e voarem o A-1, F-5; F-2000 (até 2013) e, em breve, o F-39E também. Muitos chegaram às unidades da primeira linha com mil ou mais horas de Super Tucano, mostrando o quanto ele é importante na aquisição da famosa “tarimba operacional”.
Independentemente de ser no Joker ou no 3º GAV – Escorpiões, Grifos ou Fechas –, o resultado é o mesmo. O Super Tucano permite ao piloto não só aprender a combater, mas a refinar a arte do combate, em especial em missões de ataque ao solo com armas de precisão (LBG).
O planejamento da FAB prevê que sua espinha dorsal, em poucos anos, seja composta por aeronaves Saab F-39E/F Gripen, Embraer KC-390 Millennium e o Embraer A-29 Super Tucano, complementada por outros vetores, como KC-30, drones e helicópteros. Por isso, modernizar o A-29 torna-se não só necessário, mas, pelo jeito, também parte dos planos, algo que deve beneficiar não só a Força, mas a indústria nacional.
Por mais que os A-29A/B ainda cumpram bem o seu papel, com bons índices de operacionalidade, as primeiras unidades entregues completaram em 2024 duas décadas de serviço. Eles são da primeira geração Super Tucano fabricada pela Embraer, sendo parte dela os mais antigos em serviço de toda a frota mundial. Portanto, o desgaste e o atrito operacional existem, e isso é natural, bem como a defasagem da aviônica e dos sistemas, diante da evolução tecnológica, que deu um salto nos últimos 25 anos.
Apesar de existirem aeronaves em idades diferentes (as mais velhas, vão fechar 20 anos, e as mais novas, 10), o que denota níveis de desgastes diferentes, a tecnologia embarcada é a mesma e já está superada, se comparada à própria configuração dos novos EMB-314M (A-29B) que saíram de fábrica nos últimos anos, tanto da Embraer quanto da parceria Sierra Nevada Corporation/Embraer, um acordo de 2009 feito para concorrer no programa Light Air Support da USAF, quando o A-29 venceu, em dezembro de 2011. O próprio EMB-314M (A-29B) já está defasado, se comparado com a atual tecnologia disponível no mercado, o que está tirando a competitividade do Super Tucano.
Sendo direto, fazer um MLU ou Mid-Life-Upgrade na frota de A-29A/B traria muitas vantagens para a FAB. Além de uma eventual revitalização estrutural das células – prorrogando sua vida útil –, a aviônica, os sistemas, os sensores e as armas serão elevados ao estado da arte. Outra vantagem do MLU é que não seria necessária a compra de células novas, sendo feito em cima das atuais células, reduzindo, assim, o custo do projeto e o tempo de execução. Claro que seria necessária uma avaliação de cada célula, para verificar seu status estrutural e se é economicamente interessante modernizar.
Recentemente, vimos isso com o projeto T-27M, quando em pouco tempo após a homologação e certificação feita pelo IPEV, a unidade operadora – o 1º Esquadrão de Instrução Aérea (1º EIA) da AFA – já começou a receber as aeronaves modernizadas. O primeiro T-27M voou em 23 de outubro de 2020, e o segundo, em abril de 2021. Em dezembro de 2021, os quatro primeiros foram entregues à AFA, com a instrução começando em 28 de janeiro de 2022. Em 2023, a turma inteira de cadetes do 4º ano da AFA realizou toda a sua formação aérea no T-27M, mostrando como foi rápido e eficiente o processo de MLU do Tucano, que, basicamente, implementou uma aviônica digital à aeronave. O mesmo foi feito ano passado com os T-25C, que foram elevados ao padrão T-25M pela própria FAB no PAMA-LS. Além do painel com instrumentos analógicos substituído por duas modernas telas, com aviônicos da Garmin, similar à do T-27M é o Garmin G600 HP TXi. O T-25M usa a Garmin 650Txi. O primeiro voo foi feito em 5 de dezembro de 2025 em Lagoa Santa/MG.
O programa de modernização do Universal envolve 38 aeronaves das versões T-25C, e as entregas de todos T-25M pelo PAMA-LS estão previstas para ocorrer até 2026. Eles serão todos alocados ao 2º Esquadrão de Instrução Aérea (2º EIA), da Academia da Força Aérea (AFA) e, Pirassununga–SP.
O trabalho no Tucano é similar ao que o Super Tucano precisa: uma revitalização de aviônica, sensores e sistemas, com uma verificação estrutural. Claro que o A-29 é mais complexo, pois não é uma aeronave apenas de instrução, mas, sim, uma aeronave de combate, que agrega muitos sistemas interligados, sensores e armas. Mas o exemplo do T-27M pode balizar o MLU do A-29M, permitindo que em pouco tempo a linha de voo esteja revitalizada.
A Embraer e a FAB têm uma longa parceria que já rendeu vários frutos, desde o C-95, passando pelo T-27, A-1, P-95, C-97, E/R-99, KC-390 e o próprio A-29. Em termos de modernização, Embraer e FAB, além de outros players importantes como AEL Sistemas, já somam projetos de sucesso, como F-5M, A-1M, P-95M e C-95M. O A-29M também será um deles.
A proposta de MLU visa atender a frota já existente, tanto de Alfas como Bravos. Dos 99 A-29A/B, a FAB tem cerca de 75 células. Houve pelo menos 11 perdas, além de algumas aeronaves terem sido armazenadas para fornecer peças para as demais, sendo hoje consideradas fora de serviço. Na prática, 68 A-29 podem ser modernizados. Então, é viável modernizar todos, incluindo os A-29 do EDA? A resposta é: sim. Pelo menos essa é a ideia inicial da FAB, divulgada em novembro.
Padronizar a frota e, com isso, suprimento, treinamento, operação e linha de manutenção (incluindo fornecimento de peças/aviônicos), traria benefícios logísticos a médio prazo muito bons, com redução de custos de treinamento e operação. Inicialmente, os A-29B do 2º/5º GAV e A-29A/B do EDA, por cumpriram missões dedicadas, terão algum diferencial, como ter blindagem e, no caso dos A-29 da “Fumaça”, não terem itens táticos, como FLIR e sistemas de autoproteção. No mais, tudo deverá ser 100% padronizado.
Assim, ao modernizar 68 aeronaves, será possível atender às quatro unidades de caça e mais o EDA, todas com 12 aeronaves, tendo oito de reserva, talvez uma locada ao IPEV. O MLU pode ser dividido em duas frentes: uma revitalização estrutural, que envolveria uma avaliação de cada célula, com correções e reforço de longarinas, asas, inspeções de corrosão e de fadiga; e a segunda, e mais importante, a atualização de aviônica, sistemas de missão e integração de novas armas, pods e recursos. Isso, certamente, dará ao A-29 um aumento da sua vida operacional, de 15 a 20 anos no seu tempo de serviço, a partir da entrega dos primeiros A-29M.
O estudo de viabilidade técnica e operacional que irá “congelar” os requisitos do MLU da FAB não vai fugir muito desta receita: novo FLIR, blindagem, datalink, novo sistema de NVG, EW, autoproteção e um IFF. Devido aos custos e à função da aeronave – que não emprega mísseis, o HMD (Helmet Mounted Diplay), está fora de questão. Já o HUD (Head-Up Display) atual será mantido, pois além de atender, reduzirá os custos.
Atualmente, o FLIR (Forward Looking Infrared) do A-29 brasileiro é o AN/AAQ-22 STAR SAFIRE II da FLIR Systems, usado pelos A-29B do 3º GAV, que hoje está defasado, não tem peças de reposição e não é um equipamento disponível a toda a frota. É usado somente pelos A-29B, sendo operado da cabine traseira em uma tela dedicada com comandos dedicados. Não é standard. As torres STAR SAFIRE II têm opcionais que não foram adquiridos pela FAB como um designador laser compatível com o NVG, câmera de TV (em cores) com zoom de até 18 vezes, telêmetro laser, interface com radar de outras aeronaves e sistema de navegação e gerenciamento de missão com mapa digital.
Em uma atualização, o FLIR pode ser o modelo STAR SAFIRE III (que a FAB já usa nos H-36) ou então, o Elbit Spectro XR (mais provável), que pode ser fornecido via AEL, inclusive com suporte e manutenção feitos em Porto Alegre. Ambos são excelentes e possuem indicação de alvos móveis (Moving Target Indicator – MTI), sobreposição de realidade aumentada (Augmented Reality – AR) e sensores de TV colorido e IR, que passeiam por várias camadas do espectro, em todas as condições meteorológicas. O FLIR é essencial, pois pode não só orientar armas, mas fazer missões de reconhecimento e navegação, além de uma ferramenta valiosa em missões SAR e C-SAR.
O NVG, ou Night Vision Googles, também é outro ponto que deve ter uma atenção especial no MLU. O A-29 já tem a iluminação para o uso de NVG, e um novo painel deve, além de manter esse recurso, integrá-lo a outros recursos, como HUD, HMD e/ou painel WAD, deixando NVG mais perto de um “plug and play”. Missões noturnas com FLIR e NVG ganham muito em precisão e segurança de voo.
A blindagem ao redor da cabine (reforço saliente ao redor da lateral do cockpit, em ambos os lados vistos no A-29B produzidos pela SNC) não é algo standard, mas irá ser adotada no MLU das aeronaves destinadas aos esquadrões do 3º GAV, assim como sistemas de autoproteção (chaff/flare). Já contramedidas eletrônicas (EW) serão ofertadas pela AEL. Como é um item caro, há dúvidas se será de fato implementado e, se for, será em toda a frota.
Instalar um datalink em todos os A-29 é outro ponto crucial, e aí o caminho lógico é o Link-BR2, desenvolvido pela AEL Sistemas, que já está sendo testado nos F-5EM. Atualmente, os A-29 da FAB usam um datalink fechado. É um enlace de dados tático feito via rádio V/UHF Rohde & Schwartz M3AR (Série 6000), que só permite o uso entre aeronaves Super Tucano. Ele não pode se comunicar com outros vetores, diferentemente do conceito Link-BR2. O plano é que, no futuro, o “BR2” – que é um sistema enlace de dados exclusivo da FAB – seja o datalink padrão e esteja em todos os vetores de combate, como o KC-390, o F-39 e o H-36, entre outros, e em centros de comando das Forças Armadas. O Link-BR2 pode ser perfeitamente integrado ao M3AR ou mesmo a um novo modelo de rádio.
O “BR2” vai revolucionar a operação do A-29 que, por não ter radar e um datalink em rede, fica restrito a informações via fonia ou, no máximo, a informações dentro de sua rede tática. Com o Link-BR2, ele terá uma ampla consciência situacional, recebendo informações criptografadas de dados/voz/vídeo/imagens em tempo real. Isso permitirá que ele receba via datalink dados de radar (pareamento) de outras aeronaves como o E-99M, F-5M, F-39 e centros de controle, dando ao piloto o cenário tático completo e a localização de aeronaves inimigas e amigas. Apesar de não poder interagir, o piloto teria a mesma visão de outras aeronaves, podendo, assim, ter ampla consciência do cenário.
Observando as missões que a aeronave realiza na FAB, podemos dividi-las em instrução no curso de caça e missões de combate nas unidades operacionais, tais como: interceptação, ataque, reconhecimento armado, COIN, CAS, C-SAR e MPEA.
Na instrução no Joker, com um sistema de simulação embarcado de radar via datalink e de armamento ar-ar (míssil), seria possível treinar missões de interceptação, em que o instrutor, na nacele traseira, poderá planejar vários cenários de alvos virtuais, nas mais diversas condições, permitindo ao piloto rastrear e fazer lançamento de armamento contra alvos fornecidos pelo datalink. Isso permite uma instrução mais eficiente, preparando-os para o mundo operacional que encontrarão tanto nas unidades de A-29 como nas aeronaves de primeira linha.
Ambas as versões estão aptas a realizar missões de combate e, portanto, estão equipadas com armamento interno, além de cinco pontos duros que, juntos, somam até 1.550 kg de cargas externas, que incluem pods, tanques subalares e armamento convencional e inteligente. Dependendo da missão, a aeronave pode ser configurada com até três tanques alijáveis de 320 litros, sendo um no cabide central. Porém, o uso do cabide central, seja por um tanque, pod designador, pod de treinamento SUU-20 ou alvo aéreo rebocável, limita o uso do FLIR. Como armamento orgânico, ele está equipado com duas metralhadoras FN Herstal M3P de 12,7 mm (.50), uma em cada asa, com capacidade para até 200 tiros cada e cadência de até 1.100 tiros/minuto, que no MLU certamente será mantido.
O A-29 está homologado hoje a empregar casulos de exercício SUU-20 (cabide central), destinado a missões de adestramento com bombas de exercício BEX-11 (Mk.76) e foguetes de 70 mm; alvo aéreo Equipaer AV-1 TAS SECAPEM (cabide central); bombas incendiárias BINC 300; bombas convencionais Mk-81, Mk-82, BAFG (Bomba de Aviação para fins Gerais) 120 e 230; lançadores de foguetes LAU-32, LAU-51, LAU-68 ou os EQ-LMF-70/7 e EQ-LMF-70/19, para uso de foguetes Avibras SBAT 70 (Sistema Brasileiro Ar-Terra 70 mm) ou Hydra 70, entre outros.
Além de bombas convencionais, podem ser empregadas bombas guiadas laser/GPS para ataques stand-off. Lá fora, o A-29B usa a série de bombas GBU-12 Paveway em várias forças aéreas. A FAB chegou a fazer um ensaio com bombas SBMK-82 (GPS/INS); porém, ainda não está operacional nas unidades aéreas e, por isso, o ataque com bombas guiadas só poderá ser uma realidade no MLU. As estações externas das asas também estão homologadas para o emprego do Míssil Ar-Ar Infravermelho (MAA IR), entre eles, o MAA-1. No entanto, também nunca foram usadas na FAB.
Atualmente, o Super Tucano da FAB tem uma excelente precisão usando armas convencionais (bombas Mark 82/83 e BAFG 230 e 460) quando emprega os modos CCIL (Continuously Computed Impact Line), CCIP (Constantly Computed Impact Point) e CCRP (Constantly Computed Release Point).
Com uso do FLIR ou um pod designador, como um Rafael Litening que a FAB já emprega, o A-29 ganhará a capacidade de empregar com naturalidade armas inteligentes guiadas a laser/INS/GPS. Isso permitiria o uso dos kits Lizard (Mk-82/BAFG-230), além de abrir o leque para uma gama de outras armas, como uso das Paveways (GBU-10/12) e da SBMK-82 da Britanite, um kit de guiagem INS/TRISAT (GPS/Glosnass/Galileu) para bombas Mk-82/BAFG-230. Além disso, poderia usar foguetes guiados a laser. Um exemplo seria o BAE Advanced Precision Kill Weapon System (APKWS), além de armas ar-solo como AGM-114 Hellfire ou AGM-65 Maverick, entre outras que poderão surgir.
O uso do armamento guiado traz inúmeras vantagens. Além de ser muito mais preciso, com o Circular Error Probable (CEP) quase desprezível, permite a aeronave lançar a uma distância e altitude seguras, fora muitas vezes das defesas antiaéreas; também, reduz o número de aeronaves necessárias para atingir o objetivo dada a precisão. Hoje, é quase uma regra, um “mantra”, o uso de armas inteligentes, e o A-29 precisa disso para ser competitivo no mercado e ser capaz no campo de batalha, em especial em missões de ataque.
A aviônica do A-29, para se manter compatível com as tecnologias do mercado, irá precisar evoluir, sob pena de a defasagem renegar o avião brasileiro a um segundo plano. Por isso, o grande gol do projeto de MLU, que certamente irá ser decisivo para a criação de um novo A-29, seja ele um A-29NG ou A-29N, é a aviônica digital no estado da arte, que tem um nome: Large Area Display (LAD) um derivado do Wide Area Display (WAD). Criado pela AEL Sistemas para o Gripen, o WAD ditou uma tendência mundial – a de painéis em tela única, multifuncionais touchscreen, de alta definição e com capacidade de fundir dados em uma velocidade incrível, com, ainda, a propriedade de passar isso ao HUD, HMD e gerar dados para terceiros em tempo real via enlace de dados. Depois do F-39, F-35 (bloco 4), o F-15EX e outros projetos como F-5N e Eurofighter Typhoon, já adotaram um painel tela única, claramente mostrando que esse é o futuro.
A AEL está pronta para oferecer uma versão adaptada em tamanho e capacidade para o A-29, baseada na arquitetura do WAD do F-39, com praticamente todas as funções do Gripen, para as duas naceles. Naturalmente por ter menos funções e ser menor que o WAD (40 polegadas) – o LAD (20 polegadas) seria mais barato. O painel terá a bordo toda a aviônica de navegação, inclusive recursos que hoje limitam o A-29, como inexistência de navegação no conceito CNS/ATM ou Communication Navigation Surveillance/Air Traffic Management.
O CNS/ATM usa intensamente a navegação satelital (Global Navigation Satellite Systems – GNSS), em substituição a sistemas de navegação convencional, baseada em estações fixas, e se tornou o padrão de navegação aeronáutica no mundo. Assim, a partir de 2009 o espaço aéreo brasileiro passou a ter um gerenciamento mais dinâmico, com a implantação de procedimentos de Navegação Baseada em Performance (PBN) como o PBN-RNAV (Performance-Based Navigation-Range-Navigation), PBN-RNP (Performance-Based Navigation-Required Navigation Performance) e de alta precisão, como o PBN-RNP AR (Required Navigation Performance – Authorization Required).
A Navegação Baseada em Performance (PBN) permite que a aeronave voe rotas diretas, empregando o seu melhor desempenho de voo, realizando as fases de subida, voo em rota e descidas de forma contínuas. Se antes a navegação ia seguindo o traçado dos auxílios em solo, na PBN, o voo é feito apoiado por sistemas de precisão GNSS (GPS, Galileo e GLONASS). São rotas ponto a ponto, onde há redução de tempo, consumo de combustível, emissão de CO2 e a otimização do espaço aéreo.
Neste conceito a aeronave voa dentro de um tubo imaginário, como se fosse uma estrada. A PBN por RNAV e RPN são similares. A diferença é que na primeira o piloto não conta com requisitos de alerta de performance a bordo. Já na segunda, o piloto é alertado permanentemente. Na prática, se o piloto estiver executando uma PBN-RPN 1, ele deverá manter 95% do seu voo com uma derivação máxima de uma milha náutica lateral para cada lado. Caso derive mais que 1 nm, o sistema irá alertá-lo e, automaticamente, corrigir o desvio. No RNAV 1, os requisitos são os mesmos; porém, o piloto não é alertado de uma derivação. Caberá a ele monitorar possíveis derivações.
O A-29 ainda não tem essa capacidade, pois, à época do seu lançamento isso não era padrão. Será muito importante e mandatário ter no MLU e com certeza será integrado ao LAD da AEL. Com o LAD, além de ter uma aviônica atual que pode ser atualizada constantemente, o A-29 terá vários sistemas de missão no padrão Gripen, que dará ao piloto de A-29 um estágio preparatório de cinco a seis anos (tempo que um piloto fica no A-29), perfeito para que, quando chegar à primeira linha, a transição seja rápida e tranquila.
A escolha do LAD será algo natural e fundamental e fará o A-29 ser um diferencial no mercado. Hoje, a AEL já fornece toda a aviônica dos A-29 no mundo todo, o que inclui os CFMD, HUD, EGIR (GPS/INS e Radar Altímetro integrados), e computadores de missão, que são redundantes. A empresa fornecerá os equipamentos a Embraer, que realizará a integração.
Vida longa ao Super Tucano
É bem provável que o projeto seja finalizado neste ano, cronograma, quantidades, datas e custos, abrindo o caminho para a assinatura de um contrato. Depois de assinado, é provável que leve de dois a três anos para vermos o primeiro A-29AM/BM na linha de voo, após ele cumprir os tramites do projeto, incluindo aí, os voos de certificação.
O fato é que o A-29 ainda tem muito a somar na defesa do país. Ainda não foram definidos custos, mas se pensarmos na relação custo-benefício, é provável que o MLU custe 1/3 da aquisição de um novo vetor ou de novos A-29.
Além disso, a FAB, sendo o primeiro cliente de um A-29M, certamente, abrirá espaço para outros usuários, como Colômbia, Chile, Equador, e outros que busquem o MLU. O modelo A-29M também deve balizar o novo modelo-padrão do Super Tucano (A-29NG?) para venda de novas aeronaves e também ajudar, e muito, o A-29N (N de NATO = OTAN) o qual a Embraer está propondo para a OTAN como uma aeronave capaz de atender às necessidades da Aliança, em termos de CAS, COIN e ataque, a um custo muito vantajoso.
Os A-29M serão designados na FAB A-29AM e A-29BM, seguindo o protocolo de designação militar similar à OTCA (Ordem Técnica do Comando da Aeronáutica), que designou os F-5E/F como F-5EM/FM; os A-1A/B como A-1AM/BM; os C-95A/B/C como C-95AM/BM/CM; os P-95B como P-95BM; e os C-130 e KC-130 como C-130M e KC-130M. Seja como for, a modernização do Super Tucano será muito bem-vinda e, certamente, fará com que a ave de rapina da Embraer permaneça em serviço por pelo menos 20 anos, não só formando pilotos de caça, mas defendendo o país e, em especial, a fronteira oeste.
Em outubro de 2024, o Comando da Aeronáutica iniciou o processo de levantamento de informações para a realização de um Estudo de Viabilidade, objetivando a futura substituição das aeronaves C-95 Bandeirante. O levantamento é feito mediante resposta a um pedido de informações (Request For Information – RFI) expedido para o mercado aeronáutico, a fim de identificar os potenciais fornecedores capazes de atender aos requisitos do Projeto da Aeronave de Transporte Leve (ATL).
A nova aeronave continuará a executar, pelas próximas décadas, as missões de transporte de passageiros e de carga, com ênfase na região Amazônica. Mas, mais do que isso: será o sucessor de uma lenda – o Embraer C-95 Bandeirante.
Carlos Lorch
Um dos aviões mais importantes da Força Aérea Brasileira, mas um dos que mais passam desapercebidos, é o Embraer Emb-110 Bandeirante, o C-95 em sua designação militar, ou o popular e carinhoso Bandeco, para muitos que aprenderam a admirar esse notável cinquentenário.
Não é um avião que chama a atenção, por vezes dividindo a rampa com caças de última geração ou grandes cargueiros a jato, sem atrair a atenção dos passantes.
Demora a rodar! Corre na pista como se não tivesse potência para alçar voo. Quem vai dentro sacoleja de lado a lado, enquanto o piloto controla o leme. No entanto, quando levanta voo e parte para suas múltiplas missões, torna-se uma engrenagem que faz a Força Aérea funcionar redondo. Dia após dia, após dia.
Além das diversas missões militares que já foram enumeradas nesta revista (RFA 152 – fevereiro 2025), o Bandeirante é responsável por ligar todos os 8.515.767,049 quilômetros quadrados do território nacional para a FAB. Com ele, seus militares atingem uma enorme parcela das mais de 2.800 pistas de pouso identificadas no país, seja com aterragens ou através do lançamento de paraquedistas ou de fardos aerolançados.
Qualquer aeronave com mais de 50 anos de uso sofre com os resultados do avanço tecnológico entre a época de sua concepção e as necessidades atuais. Com o C-95, não é diferente – seu desempenho, sua capacidade de modernização e seus custos operacionais já estão se fazendo sentir nas surtidas operacionais, na área logística e nas planilhas da Força.
A necessidade de substituir o Bandeirante na FAB já é uma realidade, não para o amanhã, mas para hoje. Em outubro do ano passado, a Força Aérea Brasileira emitiu um RFA, ou Request for Information (Pedido de Informações), para cerca de duas dúzias de uma aeronave da classe do C-95 buscando o que convencionou chamar de ATL – Aeronave de Transporte Leve.
Entre as empresas que responderam ao pedido, destacam-se algumas que oferecem aviões bimotores de asa alta e com porta ou rampa de carga.
Os tipos existentes no mercado carregam uma carga paga máxima idealmente parecida com a do C-95, que é de 3.515 quilos, e com um custo unitário entre US$ 3 e 8 milhões. Estamos falando de um orçamento médio de cerca de US$ 125 a 200 milhões, um valor bastante razoável para garantir o bom futuro de uma aviação fundamental.
Vamos dar uma rápida olhada nos aviões que podem realizar a missão.
Os primeiros protótipos do Do228 foram desenvolvidos nas fábricas da Dornier na Alemanha e decolaram em seus primeiros voos de teste em 1981. O Do228 foi a primeira aeronave a utilizar o recém-desenvolvido “Tragflügel Neuer Technologie (TNT)”, que em alemão significa “Nova Tecnologia de Asa”. Este design inovador de asa gera um perfil supercrítico. A aeronave, chamada Dornier 228 na época, recebeu certificação alemã no mesmo ano. Muitas outras certificações internacionais, incluindo a certificação CAA e FAA, seguiram-se nos anos seguintes.
Desde 1982, o Do228 está em uso com clientes e mais de 270 aeronaves Do228 foram fabricadas em Oberpfaffenhofen e entregues a clientes em todos os continentes.
O Do228 provou ser bem-sucedido em missão por mais de 40 anos e tem sido continuamente aprimorado por seus fabricantes. Ao longo dos anos, o Do228 recebeu atualizações e melhorias versáteis – como a versão atualizada do Do228 NG, lançada em 2010, que trouxe muitas melhorias, como a mudança para uma hélice de 5 pás.
Agora, o próximo capítulo da história de sucesso do Do228 está começando. A General Atomics AeroTec Systems comprou o programa Do228 em 2021 e iniciou a produção em série do Do228 NXT, revitalizando a aeronave multifunção. Como resultado, o Do228 agora faz parte do grupo internacional General Atomics, que é uma das empresas líderes mundiais no setor de segurança e defesa e tem décadas de experiência na indústria da aviação.
A Do228 General Atomics AeroTec Systems está prestes a lançar agora, o novo Do228 NXT – a próxima geração do Do228. A produção em série em suas instalações no Aeroporto de Oberpfaffenhofen, no sul da Alemanha, está progredindo a passos largos, iniciando uma nova era para essa aeronave que vem obtendo sucesso comercial há décadas. A GA-ATS montou uma moderna instalação de produção e implementou muitas melhorias técnicas na aeronave. Além disso, a cadeia de suprimentos da empresa foi otimizada e a maioria das etapas de produção foi transferida para a produção interna.
A aeronave bimotora se destaca por sua aerodinâmica avançada, design robusto e aviônicos de última geração. Um de seus principais pontos fortes é a capacidade de decolagem e pouso curtos (STOL), permitindo operações em pistas de pequenas dimensões e não pavimentadas. Isso torna o Do228 NXT ideal para ambientes remotos e desafiadores, principalmente em regiões onde a infraestrutura de pista é limitada. O Do228 NXT pode chegar a qualquer lugar, incluindo aeródromos na região amazônica. O Brasil possui mais de 4.000 aeródromos, 83% deles não pavimentados, o que significa que apenas um número muito limitado de tipos de aeronaves pode alcançá-los – e o Do228 NXT é um deles.
O design retangular da seção transversal da fuselagem permite o uso ideal do espaço interno. Isso significa que cargas de várias dimensões podem ser transportadas com facilidade, os passageiros podem voar com conforto e variadas configuraçoes são possíveis, como consoles de operadores de missões especiais. A cabine de 7,08 metros de comprimento pode ser equipada de acordo com os requisitos do operador. Na configuraçao de passageiros há um compartimento reservado para bagagens de 1,85 metros de comprimento que pode ser complementada com um lavatório embutido.
O Do228 NXT tem 16,56 metros de comprimento e pode transportar até 19 passageiros, várias toneladas de carga e é adequado para missões de evacuação médica (MedEvac). Do lado esquerdo da fuselagem traseira da aeronave, o Do228 NXT possui uma grande porta de carga e/ou passageiros com escadas dobráveis integradas, o que facilita o carregamento e descarregamento de pallets e fardos com uma empilhadeira. O MTOW (peso máximo de decolagem) da aeronave é de 6675 kg.
Além disso, seu design flexível suporta a integração de sistemas de sensores de última geração, tornando a aeronave uma excelente escolha para vigilância de fronteiras e operações de patrulha marítima. Graças ao seu design robusto, o Do228 NXT, alimentado por dois motores Honeywell TPE331, funciona de forma confiável em condições climáticas extremas, que incluem chuva e ventos fortes até mesmo em clima ártico.
Desde a sua introdução, a série Do228 foi implantada em todos os continentes para diversas missões. O Do228 já está em serviço em diveros países e regiões, incluindo Canadá, Nepal, Noruega, Quênia, Tailândia, Japão, Itália, Portugal, Nigéria e Finlândia, entre outros. Na América do Sul, a aeronave já foi operada com sucesso no Chile, Argentina e Venezuela.
Operadores em todo o mundo utilizaram a aeronave em vários ambientes, demonstrando sua adaptabilidade e resiliência. De voos de passageiros no Chile à vigilância de fronteiras na Tailândia – o Do228 continua sendo um dos ícones da aviação de missão especial e transporte leve em todas as condições climáticas e em todo o mundo.
A General Atomics AeroTec Systems expandiu significativamente suas capacidades de serviço nos últimos anos, reforçando sua posição como principal parceira de suporte para operadores de Do228.
A sede da empresa na Alemanha serve como um centro ideal de manutenção e modernização, oferecendo atualizações personalizadas, uma oficina interna de motores, bem como serviços de reparo abrangentes. Como um centro de serviço de motor Honeywell TPE331 certificado, o GA-ATS garante suporte eficiente e disponibilidade de componentes.
Além disso, as capacidades de treinamento de pilotos foram significativamente aprimoradas com a aquisição de um novo simulador de voo. Recentemente certificado no FTD Nível 2, o simulador replica o cockpit Do228 completo, permitindo cenários de treinamento realistas para operações de rotina e situações de emergência.
Com o próximo lançamento do Do228 NXT, a General Atomics AeroTec Systems está iniciando o próximo grande capítulo na história de sucesso de 40 anos do Do228. A produção está progredindo rapidamente e as cadeias de suprimentos otimizadas, bem como as parcerias estratégicas com fornecedores alemães e europeus, garantem os mais altos padrões de fabricação e um fornecimento garantido de aeronaves Do228 NXT recém-produzidas.
Quando a gigantesca empresa de entregas e e-commerce, Federal Express – hoje FedEx Corporation – precisou de uma aeronave de menor porte para alimentar os seus hubs, procurou imediatamente uma das mais tradicionais e confiáveis empresas de fabricação aeronáutica do planeta, a Cessna, hoje uma divisão da Textron Aviation.
O que a FedEx queria era uma aeronave que pudesse transportar 2.700 quilos de carga útil e que pudesse acomodar três containers do tipo LD3.
O novo avião carregaria assim, o dobro do monomotor Cessna 208 Caravan que também havia sido projetado para atender a empresa.
A Cessna então tratou de desenvolver uma aeronave que atendesse os requisitos FAR Part 23, ou seja, multi-motor, dezenove passageiros ou menos, peso máximo de decolagem não superior a 19.000 lbs e operação restrita a um ângulo de bancagem máximo da aeronave não superior a 60o nas versões cargueiras ou irrestrito em qualquer outra versão.
Com o avião projetado praticamente sob medida, a FedEx encomendou 50 unidades com outras 50 opções.
Em março de 2022 o avião foi homologado pela Federal Aviation Administration – FAA, e dois meses mais tarde, o primeiro exemplar foi entregue à FedEx.
Em fevereiro de 2023 foi tema de uma reportagem na Revista Força Aérea (edição 140) passando a ser amplamente conhecida no Brasil. Nesse mesmo mês o avião foi capacitado para operar de pistas não-pavimentadas, como cascalho, terra, grama, etc.
Em agosto de 2023, o SkyCourier foi homologado pela ANAC podendo ser comercializado, e voado no País.
Dotado de dois motores Pratt & Whitney Canada PT6A-65SC com 1.110 cavalos-de-potência cada, o Cessna 408 é uma aeronave de asa-alta com piso plano e uma grande porta de carga na direita de sua fuselagem. Na versão de passageiros acomoda 19 assentos. A utilização de reabastecimento single point sob as asas, simplifica e acelera o período entre operações tão importante para uma empresa ou força aérea que precisa aproveitar ao máximo suas linhas de alimentação logística.
Desenvolvido para ser flexível, o SkyCourier pode ser usado no modo flex, bastando duas pessoas para remover os assentos de uma configuração passageiros transformando a aeronave rapidamente em um cargueiro, e vice-versa. O avião também pode operar de forma combi, com nove assentos à frente e carga na parte traseira da cabine principal.
Hoje, o número de aeronaves já passa de quarenta. E novos pedidos são anunciados num ritmo considerado muito satisfatório. Inclusive já há vendas no Brasil e a primeira aeronave do Brasil, que deve ser a primeira da América Latina, será entregue em maio deste ano.
O sucesso do Cessna 208 Caravan, que vem realizando bons serviços para a Força Aérea Brasileira, a bem instalada representação da Cessna no Brasil, e a tradição da empresa ao longo de sua trajetória fazem do SkyCourier um forte candidato em qualquer licitação no Brasil.
Quem vê fotos e filmes de operações aéreas no aeroporto de Lukla, a 2.846 metros de altura no Nepal, considerado o mais perigoso do mundo, mas que é a porta de entrada dos alpinistas que desafiam o Monte Everest todos os anos, ou o da Ilha holandesa de Saba, no Caribe, com a pista comercial mais curta do mundo (400 m), com desfiladeiros em ambas as cabeceiras, não consegue deixar de notar que são servidos por aeronaves De Havilland Canada DHC-6 Twin Otter.
Desenvolvido para prover acesso à longínqua tundra do norte do Canada, o Twin Otter foi projetado em meados dos anos 1960, mas se encontra em fabricação até hoje.
Bimotor, de asa alta, o DHC-6 é uma aeronave de decolagem e pouso curtos (STOL), com um resistente trem triciclo fixo, e grande razão de subida para a operação em áreas com obstáculos importantes.
Visando a operações em locais nos quais não existe pista de pouso, foi desenvolvida também uma versão com flutuadores para pousos na água.
Durante anos, a aeronave foi um grande sucesso de vendas, mas, em 1988, quando a De Havilland Canada deixou de existir, sua operação passou para a Bombardier.
No ano de 2002, todas as linhas de aeronaves fora de produção da De Havilland Canada foram adquiridas pela Viking Air, uma empresa canadense que fabrica peças para aeronaves da DHC, cujas linhas já haviam sido fechadas.
Em julho de 2006, a Viking anunciou o lançamento de uma nova versão do Twin Otter, a série 400. O novo avião não seria mais fabricado em Toronto, mas em Calgary, na Província de Alberta, no Centro-Oeste do país. A nova fábrica começou a produzir aeronaves em uma cadência de duas por mês.
Equipado com novos motores Pratt & Whitney Canada PT6A-34, a série 400 recebeu quatro painéis digitais totalmente integrados da Honeywell, além de modernização de todo o seu sistema elétrico e de iluminação. Várias modificações estruturais também foram realizadas com o uso de novos materiais para deixar a aeronave mais leve. A 100ª unidade da série 400 de produção foi apresentada em 2017.
Hoje um clássico em sua categoria, provado em todos os continentes, altitudes e temperaturas, o Twin Otter se aproxima dos 1.000 aviões produzidos para os mais diversos clientes. Na América do Sul, é operado tanto pela FACH (Fuerza Aérea de Chile) quanto pela FAA (Fuerza Aérea Argentina), nas vastidões geladas da Antártida. Foi usado também como aeronave pessoal pelo presidente paraguaio Alfredo Stroessner.
Há dois anos, a Viking fez renascer o nome De Havilland Canada, passando a se chamar assim. E as aeronaves continuam deixando a linha de montagem, sem previsão de parar.
No Brasil, a De Havilland Canada ficou famosa graças às operações do DHC-5 Buffalo, com o qual a FAB desbravou a vasta floresta brasileira, pousando em curtas e rudimentares pistas e semeando os mais de 180 aeródromos que a COMARA (Comissão de Aeroportos da Região Amazônica) construiu na região. O DHC-6 Twin Otter é da mesma linhagem e possui grande credibilidade no meio da aviação.
O trigrama PZL imediatamente faz os amantes de aviação se lembrarem dos PZL P.7 e PZL P.11, os belos monoplanos de asa alta em forma de gaivota com os quais a Força Aérea da Polônia enfrentou a devastadora invasão alemã, em setembro de 1939. A brava aviação de combate daquele país pôs-se aos céus com cerca de 30 P.7 e 130 P.11 em condições de combate contra 2.315 aeronaves alemãs. E, mais por conta da qualidade de seus pilotos, obteve um punhado de vitórias.
Dessa fábrica, a Państwowe Zakłady Lotnicze, ou Fábrica de Aviação do Estado, PZL, origina-se, hoje, outro potencial candidato à vaga do Bandeirante. Após a Segunda Guerra, várias fábricas voltadas para a construção aeronáutica apareceram em diversas localidades na Polônia. Para manter viva a tradição da grande indústria polonesa do entreguerras, todas receberam o nome de PZL, geralmente seguido do nome dos lugares onde se encontravam. A maior delas era a PZL-Mielec que desenvolveu várias aeronaves utilizadas pelos países do Pacto de Varsóvia e seus aliados.
Em 2007, a empresa foi adquirida pela Sikorsky Aircraft Corporation, que, inteligentemente, manteve o nome original. A Sikorsky, por sua vez, foi encampada pela Lockheed Martin que é hoje a empresa mãe da PZL. O PZL M28 05 Skytruck é a variante mais moderna de um avião de transporte utilitário ucraniano, o Antonov AN-28, inicialmente feito em parceria, mas eventualmente transferido para a Polônia, em 1978. A versão M28 05 só veio a voar pela primeira vez seis anos mais tarde. A partir de então, a PZL-Mielec passou a ser a única produtora desse avião.
O M-28 é um monoplano metálico de asa alta com empenagem dupla, trem não retrátil e capacidade de decolagem e pouso curtos – STOL. Essa capacidade já foi demonstrada pela fábrica quando um M28 aterrou em um trecho de pista medindo incríveis 156 metros.
O avião é tracionado por dois motores turboélice Pratt & Whitney Canada PT6A-65B, que fazem girar duas hélices pentapá Hartzell com embandeiramento e reverso. De acordo com a fábrica, ele é capaz de realizar todas as missões de um utilitário, seja militar ou civil. Na versão cargueira, sua ampla cabine possui trilhos de rolamento e um guincho orgânico, o que auxilia no embarque e desembarque de fardos e pallets sem a necessidade de fontes externas de energia. Sua porta de carga é traseira, o que facilita muito o lançamento de cargas e paraquedistas.
Entre os operadores militares do M28, estão Alemanha, Costa Rica, Equador, Estônia, Jordânia, Quênia, Nepal, Polônia, Venezuela e Vietnã. Os EUA empregaram o M28, designado C-145A no seu Air Force Special Operations Command (AFSOC), entre 2007 e 2022.
Uma versão de patrulha marítima, conhecida como PZL M28B Bryza (Brisa), é utilizada pela Polônia e pelo Vietnã. Trazido a mercado pela Lockheed Martin, o M28 05 é um forte competidor em sua categoria.
O L 410 NG é a mais nova versão do bimotor de transporte leve Checo, Let L-410 Turbolet, cujo nome resulta de uma engenhosa mistura da palavra jato (jet) com o nome da fábrica. A Let Kunovice foi renomeada Aircraft Industries em 2005, para melhor colocação no mercado ocidental.
Seu projeto original dos anos 1960 visava atender um pedido da empresa russa Aeroflot para a substituição de suas aeronaves Antonov An-2, o rústico biplano polivalente, cuja versão militar ganhou o nome-OTAN Colt.
O L 410 voou pela primeira vez em 1969 e, a partir do ano seguinte, começou uma trajetória de grande sucesso tanto no mercado civil quanto no militar. Até hoje, mais de 1.200 unidades já foram entregues.
O avião possui a capacidade STOL, que o permite operar de pistas curtas, não pavimentadas e em temperaturas extremas que vão de -50 a +50°C.
A mais nova versão do L 410 é a NG, New Generation (Nova Geração), uma aeronave que traz importantes melhoras em relação ao L 410 UVP-E20, seu antecessor imediato. Desenvolvido a partir do ano de 2010 e fabricado em série desde 2018 na pequena cidade de Kunovice, na República Checa, o NG é quase um novo avião.
Sua asa foi redesenhada e acomoda um tanque de combustível integrado. O nariz da aeronave foi alongado, aumentando o volume de carga transportável em mais 500 kg. O NG traz também um novo grupo motopropulsor na forma de dois motores turboélice GE H85-200, uma versão atualizada do motor Walter 601 checo, produzido pela GE norte-americana em Praga. Com capacidade de prover 740 cavalos de força de potência máxima (657 hp em regime contínuo), o novo motor aumenta a velocidade e duplica o alcance da aeronave. Amplia também o seu peso máximo de decolagem. As novas hélices pentapás modelo Avia AV-725 garantem uma operação mais silenciosa.
A cabine recebeu o sistema G3000 da Garmin com três telas touchscreen largas e multifuncionais, capazes de apresentar ao piloto dados em 3D, com automação avançada e a capacidade autoland, o que multiplica a segurança da aeronave.
A Indonésia não é um gigante da tecnologia aeroespacial, mas sua indústria realizou feitos marcantes, como a produção em parceria do CASA/Nurtanio CN-212 e do CASA-Nurtanio CN-235, dois ícones da aviação de transporte no mundo.
Com o conhecimento acumulado na jornada que gerou esses dois programas, a Indonesian Aerospace (PTDI) desenvolveu o bimotor de transporte leve N-219, uma aeronave STOL para uso em seu território que é composto de 17.508 ilhas.
O avião, inteiramente projetado e fabricado na Indonésia, voou pela primeira vez em agosto de 2017, e segue em desenvolvimento. No final de 2023, a fábrica assinou um contrato de US$68 milhões com o Exército Indonésio por seis unidades, e, em maio do ano passado, foram vendidos os primeiros cinco aviões na configuração comercial para a empresa SETDCO da República Democrática do Congo. A Indonesian Aerospace vislumbra somente para o mercado interno – um universo de 120 aviões do tipo.
Após um longo processo de financiamento para produzir um avião que substituísse o CN-212, a versão indonésia do transporte Aviocar, espanhol, deu-se o início da fabricação do primeiro protótipo em setembro de 2003. Após o roll-out, em novembro de 2015, o protótipo finalmente alçou voo da pista de Bandung, no oeste da Ilha de Java, em 16 de agosto de 2017. Em dezembro de 2020, o N-219 finalmente obteve a certificação da Diretoria Geral de Aviação Civil da Indonésia.
Projetado para cumprir os requisitos FAR-23, o Indonesian Aerospace N-219 é um avião bimotor de asa alta, com cauda convencional e trem fixo, com capacidade de operar em pistas não pavimentadas, curtas e em locais de alta temperatura. Sua cabine é bastante volumosa, medindo 6,50 x 1,82 x 1,70 m, e servida por uma grande porta lateral em duas seções que podem operar seja com passageiros ou com carga. Quando totalmente aberta, a porta de carga mede 1,45 x 1,50 m.
A versão de passageiros comporta 19 pessoas em assentos dispostos na configuração 2/1, e a de carga foi projetada para receber três contêineres do tipo D2. Os motores escolhidos foram dois Pratt & Whitney Canada PT-6A-42, com 850 SHP de tração e hélices metálicas quadripás Hartzell.
A cabine possui uma suíte Garmin 1.000 com três telas – duas primárias e uma central multifuncional. Um piloto automático pode ser adicionado como opcional. Visando ao ambiente marítimo da Indonésia, bem como de seus vizinhos, a Malásia e a Tailândia, a Indonesian Aerospace projetou uma versão do N-219 sobre flutuadores.
Disponível como transporte de tropas e de cargas, evacuação aeromédica, patrulha e vigilância, transporte de passageiros e VIP, além de uma versão anfíbia, o N-219 é um novo e interessante competidor na classe de aeronaves de transporte leve.
A indústria aeronáutica chinesa é capaz de feitos extraordinários que vão desde desenvolvimento de aeronaves de transporte de grande porte, reabastecedores, helicópteros, aviões de alerta aéreo em voo até caças de última geração, inclusive, segundo eles, com capacidade stealth.
Não é surpresa, portanto, que a China tenha produzido uma aeronave de transporte leve que vai ao encontro ao que a Força Aérea Brasileira está procurando. Trata-se do Harbin Y-12, o primeiro avião chinês certificado pela FAA – Federal Aviation Administration norte-americana.
Oriundo do Harbin Y-11, um avião bimotor de asa alta e cauda convencional, com motores a pistão, que voou pela primeira vez em 1975, o Harbin Y-12 sofreu inúmeras revisões e redesenhos até chegar à sua versão atual, totalmente compatível com o mercado ocidental. Fabricado pela Harbin Aircraft Industry Group (HAIG), uma divisão da Aviation Industry Corporation of China (AVIC), e tendo completado o seu voo inicial em 29 de dezembro de 2010, o Y-12F é um bimotor turboélice de asa alta com montantes, cauda convencional em forma retangular com as empenagens afixadas quase no limite inferior da fuselagem traseira. O trem de pouso triciclo é retrátil e bastante resistente para permitir a operação em pistas não pavimentadas e em condições climáticas extremas.
O grupo motopropulsor, composto de dois motores Pratt & Whitney PT6A-65B e hélices Hartzell pentapás, garante ao avião um peso máximo de decolagem de cerca de 5.300 kg, e um alcance de 1.350 quilômetros.
Sua cabine principal é capaz de transportar 19 passageiros ou três contêineres LD3 na versão cargueira. O avião foi certificado na China, nos EUA e na Europa. Mais de 400 unidades do Y-12 já foram produzidas, operando na versão militar nos seguintes países além da China: Afeganistão, Cambodja, Djibuti, Eritreia, Gana, Guiana, Irã, Quênia, Mali, Mauritânia, Mianmar, Namíbia, Paquistão, Peru, Sri Lanka, Tanzânia e Zâmbia. É empregado em missões governamentais na Costa Rica, República do Congo e nos Estados Federados da Micronésia, além da China.
Em 2017, um grupo de ex-engenheiros da Embraer formou uma nova empresa, a DESAER (Desenvolvimento Aeronáutico), justamente por saberem que o Bandeirante se aproximava do fim de sua vida útil. A ideia inicial era projetar um avião do mesmo porte e, de outro, na classe do EMB-120 Brasília, que se chamaria ATL-300.
A empresa nasceu na INCUBAERO, um departamento da Fundação Casimiro Montenegro Filho, no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos/SP.
A DESAER passou então a desenvolver uma aeronave não pressurizada de transporte leve bimotora, com asa alta, trem fixo, capacidade STOL, e com uma rampa de carga na fuselagem traseira. Seu projeto visava atender todos os requisitos da FAR Part 23, o que significa operar com 19 passageiros ou três contêineres do tipo LD3. O avião também poderia acomodar 12 paraquedistas militares totalmente equipados. Seu peso máximo de decolagem seria de 8.618 quilos, e, com dois motores turboélice de mais de 1.000 cavalos cada, a aeronave atingiria uma velocidade de cruzeiro de 380 km/h e um alcance de 1.398 quilômetros.
O ATL100 está projetado para realizar todas as missões do Bandeirante, com a rampa de carga melhorando o manejo de fardos e contêineres principalmente em localidades com pouco apoio.
Em setembro de 2020, após consultas a executivos da Embraer, firmaram acordo de parceria com o CEIIA-Centro de Engenharia e Desenvolvimento do governo português. Seus engenheiros haviam acumulado importante conhecimento no desenvolvimento do Embraer C-390, parcela do qual foi desenvolvido em Portugal. A ideia inicial era buscarem conjuntamente financiamento local e da União Europeia para o programa.
A DESAER partiu, então, atrás de financiamento e de um local para erguer a sua fábrica. Inicialmente, a versão brasileira do avião seria produzida na cidade de Araxá/MG, em uma área de 277,8 mil m2, contígua ao Aeroporto Romeu Zema, e concedido pela prefeitura. A variante portuguesa seria fabricada na cidade de Évora, na região do Alentejo.
No ano de 2022, a Força Aérea Brasileira estudava um conceito de aeronave capaz de substituir, de uma só vez, o C-95 Bandeirante e o C-97 Brasília, ambos fabricados pela Embraer e já com pouco tempo operacional pela frente. Esse estudo interessou à empresa brasileira que, em paralelo, analisava a viabilidade de uma aeronave regional turboélice. Devido a fatores econômicos, a FAB acabou optando por uma licitação menos ambiciosa que incluía apenas o Bandeirante. O projeto da Embraer tampouco foi adiante, o que deixaria a empresa de São José dos Campos fora do RFI-ATL.
Nesse mesmo ano, a DESAER anunciou que desenvolveria uma segunda versão do ATL-100, esta denominada ATL-100H, de híbrido, pois incorporaria dois motores elétricos norte-americanos magni350 ao avião, além dos convencionais, visando reduzir o consumo de combustível da aeronave entre 25 e 40% de acordo com as necessidades de cada missão, bem como o grau de ruído na cabine.
Após um breve período, no entanto, não se conseguiu o financiamento pretendido, e a parceria entre brasileiros e portugueses se desfez.
Como o aporte financeiro era também uma das condições para obter o apoio do Governo de Minas Gerais, a DESAER passou a buscar outra alternativa para sua fábrica.
Recentemente, os executivos da DESAER buscaram apoio com a prefeitura de Maricá, no estado do Rio de Janeiro, município rico graças a um elevado royalty advindo da exploração de petróleo. Interessada em buscar alternativas para a principal fonte de renda da cidade, a prefeitura, através da Companhia de Desenvolvimento de Maricá (CODEMAR), buscava opções no campo da tecnologia, e o programa da DESAER interessou imediatamente.
Os atrasos na gênese do ATL-100/H não ajudam a DESAER no cronograma vislumbrado pela Força Aérea. Se o avião cumprirá o que no mercado se conhece como time-to-market, é, por enquanto, o que se observa de perto.
O Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Portugal (CEIIA), um órgão que tem o apoio da Força Aérea e do governo português, não seguiu adiante em sua parceria com a empresa brasileira DESAER para a fabricação do ATL 100, que seria construído em conjunto pelas duas empresas.
Passada a quarentena contratual firmada entre as empresas, foi lançada, em Portugal, uma nova aeronave batizada de LUS 222.
Respondendo ao FAR Part 23, o novo avião foi projetado para transportar 19 passageiros e dois tripulantes ou 2.000 quilos de carga, em fardos ou três pallets LD3. Com características STOL, pode atuar como aeronave comercial ou militar, cumprindo, nessa versão, todas as missões que hoje realiza o Bandeirante. A vantagem sobre o C-95 é que o LUS 222 será entregue com uma rampa traseira, o que facilita o lançamento de carga e paraquedistas ou de sonoboias, na missão de patrulha marítima. O carregamento e o descarregamento de cargas no solo também são muito mais simples com a rampa traseira.
O LUS 222 é um bimotor de asa alta, com trem de pouso fixo e cauda alta com configuração em T. Seus dois motores turboélice do tipo Pratt & Whitney Canada PT6A-65 permitirão à aeronave atingir uma velocidade máxima de 370 km/h e um alcance de 2.100 quilômetros. Estudos estão em andamento para, no futuro, adaptar o avião a combustíveis mais sustentáveis, a fim de observar as atuais tendências ambientais. A configuração de cabine ainda não foi anunciada, porém é certo que terá uma suíte digital integrada como os demais aviões da categoria. O que a EEA já anunciou é que a maior parte dos componentes utilizados na aeronave serão off-the-shelf, o que simplifica imensamente a logística. Com cerca de € 220 milhões dedicados ao programa, advindos de fundos públicos e privados alinhados com as fases de desenvolvimento da aeronave, o LUS 222 tem seu primeiro voo planejado para o ano de 2028.
No final do ano passado, foi anunciado que a empresa brasileira Akaer, de São José dos Campos (SP), foi escolhida pela EEA para produzir as estruturas da aeronave, bem como boa parte de sua integração. Isso inclui fuselagem, asas, estabilizadores horizontais e verticais, assim como todas as superfícies de controle e as cablagens necessárias aos subsistemas da aeronave. A parceria prevê o início dos trabalhos conjuntos na Akaer, já neste ano, e o começo da produção seriada em 2026. Resta ver se o cronograma será mantido colocando o LUS 222 no mercado na hora certa.
Como vimos, fizemos uma breve pincelada, e são muitas as aeronaves que podem responder ao RFI da Força Aérea Brasileira. Todas possuem características parecidas balizadas pela FAR Part 23, que padroniza os requisitos de aeronaves de uma mesma categoria. O que muda entre uma e outra são os detalhes. Nos próximos números da Revista Força Aérea, examinaremos as mais promissoras minuciosamente, com detalhes importantes do desempenho, do preço, da concepção do projeto, da cadência do programa, do pacote logístico e de instrução, da motorização, do pós-vendas, da confiabilidade da fabricante e até da tradição de fábricas e países no meio aeronáutico. Essa vai ser resolvida nos detalhes…
O inverno de 1944 para 1945 foi um dos mais severos dos últimos tempos na Itália. A Segunda Guerra Mundial entrava no seu sexto ano e em todas as frentes notava-se que a vitória dos Aliados era agora mera questão de tempo. O que não se sabia era quanto tempo ainda teriam que lutar até que as forças alemãs capitulassem. O inimigo era ferrenho, não entregava um palmo sequer de terreno sem uma encarniçada resistência. Muita gente ainda estava morrendo na Europa naquele inverno.
Neste 22 de abril de 2025, celebramos os 80 anos daquele 22 de abril de 1945. Dia que se tornou lendário. Dia que passou a ser conhecido aqui como Dia de Aviação de Caça!
Carlos Lorch
Na Península Italiana propriamente dita, os alemães, sob o comando do Marechal Albert Kesselring vinham recuando de forma ordenada desde que os Aliados iniciaram a invasão da bota na Sicília, em 10 de julho de 1943. Depois dos desembarques em Salerno e Anzio, da sangrenta resistência em Cassino e da queda de Roma, os alemães se entrincheiraram detrás de uma série de linhas defensivas. Cada uma destas linhas (Gustav, Adolf Hitler e Gótica) demandou um enorme sacrifício das tropas aliadas para desalojar os alemães, que, ordenadamente, recuavam para a linha seguinte. No inverno de 44/45, os Aliados haviam avançado até os Apeninos, onde os alemães se entrincheiraram mais uma vez, aproveitando a barreira natural provida por aquele escarpado terreno.
Ao norte, os Apeninos davam vez à fértil planície dominada pelo Rio Pó, que corria “latitudinalmente” da fronteira francesa para o Mar Adriático. Além do terreno plano e de fácil passagem para veículos, o Vale do Pó concentrava ainda as grandes cidades do norte italiano. Milão, Turim, Bolonha, Verona, Padova e Veneza, a queda das quais, fatalmente selaria a conquista da Península Italiana como um todo. Continuando rumo às fronteiras suíça e austríaca apareciam os Alpes, uma espessa muralha de montanhas geladas, transponíveis somente através de alguns poucos passes alpinos.
Os Aliados haviam avançado rumo ao norte como um rolo compressor. As tropas britânicas comandadas pelo General Alexander guarneciam o flanco leste, enquanto os Americanos, liderados pelo General Mark Clark, avançavam pela costa do Mar Tirreno a oeste. O inverno havia parado o avanço e, enquanto aguardavam o degelo das neves com a chegada da primavera em abril, os Aliados não poupavam esforços para fustigar os alemães onde quer que estivessem. E, como a progressão no solo estava praticamente paralisada, a arma que causava os maiores danos ao inimigo eram os bombardeiros e caça-bombardeiros da 12ª Força Aérea, operando de diversos aeródromos capturados pouco antes ao inimigo.
Nas bases avançadas da aviação Aliada na Itália, os pilotos e equipes de apoio engendraram grandes esforços para manter um ritmo de voo constante, visando martelar a capacidade de luta e de suprimento das forças alemãs do outro lado dos Apeninos. O brutal inverno exigia grandes esforços de homens e máquinas. As constantes nevascas, chuvas e nevoeiros, típicos do inverno europeu, impediam grande parte das missões planejadas contra alvos estratégicos do inimigo. A destruição destes se somaria a um esforço global para paralisar suas ações e sufocar seus suprimentos, minando sua vontade de resistir. Fábricas, comboios de veículos, trens, trilhos de estrada de ferro, pontes sobre rios e canais, depósitos de munição, concentrações de tropas e veículos, aeródromos, sítios de artilharia e muitos outros alvos eram sistematicamente atacados numa crescente campanha ofensiva. No entanto, mesmo com todo esse esforço para atacar o inimigo pelos céus, o inverno se tornara um inimigo tão tenaz quanto os alemães. Mas isto mudaria na primavera…
No inverno de 1944, o 1º Grupo de Aviação de Caça da Força Aérea Brasileira, então baseado em Pisa e operando como um dos quatro esquadrões que compunham o 350 Fighter Group da USAAF, já acumulara vasta experiência em combate. Pilotos e mecânicos já haviam se acostumado à frenética rotina diária, cujo objetivo era fazer decolar as esquadrilhas responsáveis pelos ataques aos alvos estratégicos do inimigo, determinados pelo comando da 12ª Força Aérea. “Em média, cada piloto voava dia sim dia não”, recorda-se o então Segundo-Tenente-Aviador José Rebelo Meira de Vasconcelos, veterano
daquela campanha, “no início chegávamos a decolar em esquadrilhas de até doze aviões. Mas aos poucos fomos perdendo aviões e pilotos e portanto, no final do inverno eram mais comuns as decolagens de quatro aeronaves por esquadrilha”. Ainda assim, um dia normal para o 1º Grupo de Caça, na Base de Pisa, via sair em média duas esquadrilhas de oito aeronaves cada, num total de 16 surtidas diárias.
“Poucos dias depois de deslanchada a Ofensiva da Primavera”, gostava de lembrar o então 2o Tenente Alberto Martins Torres, “houve um grande rebuliço entre os oficiais de inteligência e de operações da Base.‘The Hun is on the Run!1’, exclamavam! Os Alemães haviam iniciado uma retirada de proporções monumentais por todo o Vale do Pó! Em todas as estradas que rumavam para o norte, centenas de veículos, carroças, tanques e tropas à pé se aglomeravam para fugir dos tanques Aliados que desciam dos Apeninos formando a vanguarda da grande ofensiva”.
Os alemães sabiam que não poderiam resistir ao avanço das forças Aliadas, que vinham se preparando para atacá-los durante todo o inverno. Utilizaram aquele período de relativa calma para preparar mais uma de suas retiradas. “A retirada alemã foi razoavelmente organizada”, recorda-se o então Tenente Meira, “não foi uma debandada no sentido amplo da palavra. Foi uma rápida retirada visando os poucos passes alpinos que levavam da Itália para a Áustria. Os alemães se retiravam com as unidades inteiras, formadas e defendidas. Mas ainda assim, sua preocupação era a de dar o fora da Itália o mais rápido possível. E isto invariavelmente exigia que atravessassem determinadas áreas de confluência como entroncamentos rodoviários, pontes e passes de montanha, que certamente seriam os locais onde lhes cairíamos em cima!”.
Com a Ofensiva da Primavera rendendo os frutos esperados, e o inimigo em franca debandada, não tardou para que as diversas unidades aéreas fossem ordenadas a fustigá-lo.
De repente, a cadência de operações aumentou de forma dramática. Os pilotos do Grupo de Caça, integrantes que eram do 350th FG, receberam suas missões e logo estavam voando em busca do inimigo. Ocorre que, ao contrário do que acontecia com seus pares norte-americanos, a unidade brasileira não vinha recebendo um recompletamento conforme o esperado. Apesar de alguns pilotos terem chegado no meio da campanha, a maioria não poderia ser substituída, vindo a voar em combate até o fim da Guerra. Convém lembrar que o 1º Grupo de Aviação de Caça vinha colecionando perdas desde sua chegada na Itália em outubro de 1944. Diversos pilotos foram abatidos, vindo a morrer em combate. Outros caíram pelo fogo antiaéreo, sendo feitos prisioneiros nos temidos Stalaglufts – os campos de prisioneiros no coração da Alemanha. Um terceiro grupo de pilotos abatidos encontrava-se junto aos partisanos da resistência italiana escondendo-se atrás das linhas inimigas.
Houve aqueles que pereceram em acidentes. E, finalmente, aqueles que retornaram para casa por motivos de saúde, após completarem um grande número de missões de combate.
Para se ter uma idéia da gravidade causada pela escassez de pilotos naquele 22 de abril de 1945, basta dizer que a Esquadrilha Amarela, uma das quatro que compunham o Grupo, havia deixado de existir! Não sobravam pilotos para mantê-la voando! Os elementos restantes foram divididos entre as outras três esquadrilhas, junto das quais voariam até o fim da Guerra.
O Comando do 350th ainda tentou aliviar o 1º Grupo de Caça das missões operacionais da primavera, mas seu Comandante, o então Tenente-Coronel Nero Moura, foi inflexível após consultar seus pilotos. Os brasileiros lutariam conforme haviam se comprometido. Não queriam tratamento especial, ou qualquer outra vantagem. E assim foi feito. No dia 14, o Grupo voou 24 surtidas; em 15, 16 e 17, decolaram para 20 em cada um. E dali em diante, o número de missões e de aeronaves em missões operacionais só fez aumentar a cada dia que se passava. E se anteriormente cada piloto voava uma missão em média a cada dois dias, naquelas semanas finais de abril começaram a voar duas ou até três missões num dia só! O inimigo estava em fuga e o Primeiro Grupo de Aviação de Caça ainda tinha uma missão a cumprir!
Dentre os dias que marcaram aquele esforço hercúleo dos pilotos e equipes de solo do 1º Grupo de Aviação de Caça, um se destacou por ter sido aquele no qual o número de missões, e de surtidas voadas pela unidade brasileira, atingiu o ápice. No dia 22 de Abril de 1945, o 1º Grupo de Aviação de Caça voou 11 missões, cada qual com quatro aeronaves, o que totalizou 44 surtidas. Muito acima das 16 que até então constavam como a média da unidade. As forças alemãs da Wehrmacht e SS foram bombardeadas e metralhadas ao longo do dia numa pequena faixa do Vale do Rio Pó, que era de responsabilidade dos brasileiros.
Havia amanhecido com céu claro e muito frio no aeródromo de Pisa, de onde operava o 1º Grupo de Aviação de Caça. O vento aumentava a sensação térmica, o que incomodava os mecânicos que aprontavam os caças para as missões do dia. Na beira da pista, os pesados Republic P-47 Thunderbolt eram abastecidos com gasolina de aviação de 130 octanos nas asas e em tanques ventrais de 75 galões e municiados com projéteis de quatro tipos diferentes: traçantes, incendiários, explosivos e perfurantes. Além disso, cada um estava armado com duas bombas de emprego geral de quinhentas libras, uma sob cada asa. Nas naceles, os mecânicos faziam os últimos cheques nos instrumentos, garantindo quetudo estivesse funcionando a contento. Em alguns aviões, cabos e sargentos mais perfeccionistas se debruçavam sobre as avestruzes pintadas sobre a carenagem do motor para passar um pano no pára-brisas do canopí.
Eram oito da manhã de um dia como tantos outros na rotina daqueles homens. O Capitão-Aviador Newton Lagares Silva, operações do Grupo desde a partida do Major Pamplona por motivo de saúde, em 10 de março, já havia escalado os pilotos que formariam as esquadrilhas do dia. Na sala de briefing os pilotos ouviam atentamente às últimas instruções. Ao longo de meia hora, cada esquadrilha recebia as últimas informações sobre o cenário que encontrariam na área de combate, incluindo a meteorologia, a disposição da antiaérea inimiga, as características dos alvos a serem atacados, as providências a serem tomadas no caso de serem abatidos, e as forças amigas mais próximas em cada região.
Os códigos de chamada eram acertados e os relógios sincronizados. “Os briefings ocorriam numa sala localizada numa área do prédio principal da base que havia sido bombardeada”, recorda-se o então Primeiro-Tenente José Carlos de Miranda Correa, oficial de informações do Grupo de Caça até fins de março de 1945. “Quando chovia era um inferno porque molhava lá dentro. Quando a assumimos mandamos pintar as paredes, fizemos cadeiras novas e melhoramos aquilo. Em pouco tempo estava confortável, com mapas com capa de alumínio, e outros com a localização do Flak no norte da Itália”.
No início de abril, o Tenente Miranda Correa foi substituído como oficial de informações pelo Primeiro Tenente Oscar de Souza Spinola. Era ele, juntamente com o Capitão-Aviador Lagares, quem preparava os briefings e as missões de cada dia. “Até o final de março, os americanos é que indicavam os objetivos que deveríamos atacar. Toda noite, entre as nove e dez horas, chegava a relação dos alvos a serem atacados na manhã seguinte. Ela continha entre outras determinações o objetivo a ser atacado, o número de aeronaves que deveria partir para a missão, e o armamento que deveriam carregar. Quando começou a Ofensiva da Primavera, foi-nos passada a incumbência de começar a selecionar os alvos numa faixa do Norte da Itália alocada ao Grupo de Caça. É por isso que praticamente todas as missões do dia 22 ocorreram numa área comum, entre as estradas 40 e 70. Os briefings eram preparados e transmitidos aos pilotos por mim e pelo Lagares, que havia substituído o Pamplona como oficial de operações. Passávamos aos pilotos o posicionamento das baterias de antiaérea, e preparávamos a melhor rota até o objetivo, tratando de conduzí-la através das áreas livre do Flak. Em seguida determinávamos o melhor armamento para realizarem a missão e falávamos sobre a volta na qual buscariam alvos de oportunidade. O caminho de volta era traçado pelo comandante da esquadrilha tendo em vista a presença da antiaérea e o melhor aproveitamento do combustível, geralmente optando pelo caminho mais curto. A altitude também era definida por ele e em geral era determinada pela presença dos canhões de 40mm do inimigo”.
Ninguém naquela sala poderia dizer que não estava apreensivo naquele momento. Afinal, em pouco tempo, alguns dos ali presentes estariam em combate, lançando-se contra os objetivos no solo a grande velocidade, enquanto a antiaérea fazia de tudo para acertá-los. Mas, ainda assim, aqueles jovens pilotos ainda encontravam tempo para achar graça; “Às vezes ocorriam brincadeiras criadas pela mania que este ou aquele piloto desenvolvia”, lembra o então Tenente Meira, “Os briefings eram preparados e apresentados pelos oficiais de operações e de informações. Para auxiliá-los, utilizavam fotos aéreas trazidas pelos aviões de reconhecimento da 12a Força Aérea ou pelas esquadrilhas que atacaram determinado alvo anteriormente, fotografando-o com as câmeras K-25, que levavam sob a asa esquerda. O Keller (N.E. – 2o Tenente Helio Langsch Keller) sempre que via aquelas fotos pegava numa lupa para tentar ver detalhes menores, mas aquilo invariavelmente deslanchava uma torrente de provocações, lembrando-o que ele não conseguiria ver nada daquele jeito porque estava muito alto! Além de nossos apupos não o incomodarem, não demoviam a idéia da cabeça dele pois no briefing seguinte lá estava ele, talvez inconscientemente, buscando a lupa para tentar ver os homenzinhos e caminhõezinhos nas fotos”.
O então Primeiro-Tenente Rui Moreira Lima completa: “Na verdade, o Keller foi um grande auxiliar de informações porque ele vivia em cima dos mapas procurando detalhes. Ele chegava a ficar ‘xeretando’ os briefings das outras esquadrilhas, mesmo sem estar escalado! No meio da exposição ele dizia: ‘Olha, um detalhe. Esse ponto aqui tem tal e tal coisa’. Porque ele tinha estudado aquele alvo e o conhecia a fundo. A curiosidade dele nos ajudou muito, mas não podíamos deixar de lhe cair na pele. Adorávamos chamá-lo de ‘Espião Keller’, entre outros adjetivos zombeteiros”.
Da sala de briefing, os pilotos passavam na sala ao lado, que era a seção de equipamento, onde apanhavam seus pára-quedas, o papo amarelo, as máscaras de oxigênio e o kit de sobrevivência, entre outros apetrechos. Em seguida, saíam a pé ou de camionete para a linha de voo, na área reservada para o Esquadrão Brasileiro no pátio de manobra. Meira lembra-se daqueles momentos: “O pára-quedas pesava pra burro! Eu e o Pamplona (N.E. – Major Oswaldo Pamplona Pinto – Oficial de Operações do Grupo até 10/03/45) que éramos magrinhos tínhamos dificuldade para carregá-los nas costas e andávamos quase a 45o para contrabalançar o peso. Quando eu chegava no avião, eu virava de costas e largava o pára-quedas sobre a asa. Dali em diante os mecânicos se encarregavam do resto. Já o Wanderley (Tenente-Coronel-Aviador Nelson Freire Lavénère Wanderley – Oficial de Ligação com a 12ª Força Aérea) era impressionante, porque ele pegava aquilo com uma mão só e saía para o avião”.
Naquele dia, três esquadrilhas caminhavam para suas aeronaves com o passo rápido e decidido de alguém com muito trabalho pela frente. Ao chegar ao seu Thunderbolt, cada piloto repetia o ritual de checagem final, dando uma volta completa no aparelho para garantir que as superfícies de comando estavam operando a contento, que não havia ranhuras ou mossas na fuselagem, e que os pneus estavam inflados corretamente. Olhavam também os amortecedores para ver se estavam na altura correta, se as tampas das metralhadoras e do coletor de munição estavam bem fechadas. Por último, tiravam a capa do Pitot, uma vez que estes não deveriam entupir com neve ou poeira. Certificavam-se de que não havia qualquer vazamento de óleo nas hélices e tiravam as travas de comando, finalizando o cheque externo. Na verdade, cada mecânico já havia checado suas aeronaves detalhadamente. Para aqueles homens era como se cada avião e cada piloto fosse seu. Seria inadmissível perder uma aeronave por displicência. O então Tenente Meira recorda-se com carinho do esforço daqueles homens: “O trabalho dos nossos mecânicos foi uma coisa impressionante que é pouco lembrada hoje em dia. Às vezes eles trabalhavam com luvas a noite inteira, debaixo de um frio intenso, para deixar os aviões prontos para as missões da manhã seguinte. Em outras ocasiões, o serviço que tinham que executar exigia maior precisão manual. Naqueles casos, as luvas saíam e dane-se o frio! Eu não contei, mas foram pouquíssimas as missões que não pude fazer com o meu avião, porque não estava disponível”.
Depois de checar seus aviões, os pilotos entravam nas naceles caminhando sobre a asa esquerda e encaixando seus corpos no assento sobre o pára-quedas, que já estava na posição certa. Uma vez sentados, se amarravam com a ajuda dos mecânicos, checavam o funcionamento dos instrumentos do painel e logo estavam acionando os motores e prontos
para o táxi. “Blackball Tower, this is Jambock Blue, requesting instructions to taxi”, transmitiu o Capitão-Aviador Horácio Monteiro Machado enquanto o pátio tremia sob o ronco dos cinco motores, pois um avião reserva sempre acompanhava a esquadrilha até a cabeceira, para o caso de algum dos P-47 escalados para a missão apresentar alguma pane.
Após um rápido tráfego até a cabeceira, a Blue finalmente chegou ao limite da pista ativa e rapidamente cada piloto tomou sua posição para a corrida de decolagem.
“Blackball Tower, Jambock Blue. Ready for takeoff” avisou o líder.
“Roger Jambock Blue, cleared for takeoff”. Respondeu a torre. Ao que se seguiu rapidamente a direção e intensidade do vento. Às 8:30h, a Esquadrilha Azul decolava rumo ao sudoeste, cada avião correndo separadamente na pista em curtos intervalos e reunindose rapidamente para formar a esquadrilha no ar, antes de curvar pela esquerda e aproar o norte. Nas naceles cada piloto acionava uma pequena cobertura vermelha que liberava a switch das metralhadoras. Cada um dos quatro Thunderbolt estava armado com duas bombas de emprego geral de 500 libras e 1.920 projéteis de munição .50. Nos comandos estavam o Capitão-Aviador Horácio Monteiro Machado, o Segundo-Tenente-Aviador Leon Rousseliere Lara de Araujo, o Segundo-Tenente-Aviador Pedro de Lima Mendes e o Segundo-Tenente Raymundo da Costa Canário. Cinco minutos depois, deixava o chão de Pisa a Green Flight, composta pelo Capitão-Aviador Roberto Pessoa Ramos, o Segundo-Tenente Fernando Corrêa Rocha, o Primeiro-Tenente Luiz Felipe Perdigão M. Fonseca e o Segundo-Tenente Paulo Costa. Além das bombas e do mesmo número de projéteis para as metralhadoras, carregavam três tubos de foguetes M8 de 4.5 polegadas sob as asas, cada qual armado com um foguete. A terceira esquadrilha já esperava a saída das duas primeiras na área de dispersão e, tão logo saiu a Verde, já ingressava na cabeceira oposta sem perder muito tempo para alçar-se aos céus. Eram 8:40h quando o Segundo-Tenente Fernando Pereyron Mocelin trazia o manche levemente para trás descolando suas rodas do chão. Ele era o número quatro da Esquadrilha Vermelha, a Red Flight na fonia. Composta além dele pelo Primeiro Tenente-Aviador Luiz Lopes Dornelles, pelo Aspirante Jorge Maia Poucinha, e pelo Primeiro-Tenente Alvaro Eustórgio de O e Silva como números um, dois e três respectivamente.
Eram 8:40h de uma fria manhã de primavera em Pisa e três esquadrilhas já haviam partido para o combate. O dia prometia! era como os pilotos conheciam a linha de demarcação entre as áreas amigas e as inimigas. Pouco antes chamavam o controle de área: Hello Rhubarb, this is Jambock Blue.
“Roger Jambock Blue, this is Rhubarb. Activate IFF”.
Era então quando os pilotos acionavam seus transponders, que os identificava como aeronaves amigas. Havia nuvens esparsas a 7.000 pés mas a visibilidade sobre o Vale do Pó era excelente. Os pilotos se ajeitavam na nacele e aguçavam seus sentidos porque a partir dela estavam sobre território inimigo. A missão da Blue era de Reconhecimento Armado entre as rodovias de número 40 e 70, no Vale do Pó. Com os alemães em retirada, não faltariam alvos.
Após vinte minutos de voo alinhados em linha de frente e buscando algo no chão que valesse a pena, alguém apontou uma ponte portátil formada por balsas sobre um pequeno rio, que certamente atrasava a retirada alemã. O líder deu o pronto e deitou a asa esquerda girando sua aeronave longitudinalmente num meio tounneau para mergulhar contra o alvo, sem perder tempo. Subseqüentemente, e em intervalos de cerca de 100 metros entre cada, os três outros aviões da esquadrilha seguiram seu líder. Numa longa cobrinha que se estendia pelo céu, os quatro aviões mergulharam contra a ponte.
Eram 9:10h da manhã e iniciavam-se as ações daquele dia que ficaria para sempre na História. No mergulho, os pilotos miravam o avião no alvo, seus visores de tiro enquadrando o objetivo, enquanto que no manche o polegar direito esperava o momento de largar as bombas à medida que o indicador disparava as metralhadoras. A concentração era total para não perder o momento. Pouco depois de mergulharem contra o alvo, os pilotos começaram a ver as explosões dos projéteis antiaéreos à sua volta. O céu de repente irrompera em dezenas de pipocos negros dos canhões 88 e brancos dos de 20mm. Mais abaixo começaram a ver as traçantes zunindo diante de seus pára-brisas. Foi talvez pela antiaérea pesada e concentrada que os resultados não foram bons. Os primeiros dois aviões largaram suas quatro bombas, todas indo cair ao largo do objetivo. O segundo elemento soltou as suas um pouco mais baixo, recuperando rapidamente para fugir da antiaérea que os tinha como pontos fixos no céu. Estas também caíram longe do alvo. No mergulho, os pilotos da Blue viram outras 20 pontes de balsas numa dobra do Rio Pó, um alvo ainda mais atraente do que o que eles haviam acabado de atacar.
Reunindo-se após o mergulho, os quatro aviões desceram para cerca de 200 pés buscando alvos de oportunidade. Apesar de observarem um grande número de soldados inimigos evoluindo à pé, ao norte da ponte de Borgo; um caminhão com um trailer rumando para o norte na estrada número 9, saindo de Reggio; e grupos de soldados inimigos na estrada 62, ao sul de Mantova; estes alvos não foram atacados. A ponte de Borgo, assinalaram, teimava em permanecer de pé após sucessivos ataques, apesar de não mais permitir o tráfego de caminhões. Talvez após errarem as bombas no ataque inicial, a Azul procurasse um alvo de maior importância para metralhar. O strafing – palavra inglesa pela qual os nossos pilotos se
referiam ao metralhamento – se dava do ponto mais distante do ataque, já retornando para Pisa, a fim de garantir que o combustível não se tornasse escasso no meio da missão. De repente, o Capitão Horácio alertou a Esquadrilha para um grande número de tanques à frente. Mas como portavam painéis amarelos na parte superior da blindagem, foram facilmente identificados como a vanguarda aliada que avançava velozmente rumo ao Pó. Estavam ao norte de Modena. Uma última observação constatou a ausência de tráfego na estrada que liga Mantova e Verona. Sem mais o que fazer, e com os Apeninos a vista e os ponteiros dos marcadores de combustível indicando quantidades propícias ao retorno, voltaram para Pisa.
No momento exato em que os quatro Thunderbolt da Blue mergulhavam contra as pontes portáteis, os aviões da Esquadrilha Verde também já haviam escolhido o seu alvo e o estavam atacando. Era uma ponte rodoviária sobre um canal. Três dos quatro aviões lançaram suas causado nenhum dano a ela. As pontes eram estreitas linhas que mal enchiam o escantilhão, quando vistas do céu. Alvos muito difíceis de serem atingidos.
Na volta para Pisa, realizada a baixa altura, a Green iniciou o que acabou sendo uma enorme lenha no norte da Itália quando o líder, Capitão-Aviador Roberto Pessoa Ramos atacou quatro casas entre as localidades de Quistello e Schievenoglia. As casas não tardaram a arder em chamas. Os alemães não tinham tido tempo de camuflar diversos veículos que haviam sido estacionados do lado das casas, e o Segundo-Tenente Fernando Corrêa Rocha não perdeu tempo efetuando diversos passes e deixando diversos deles destruídos. Uma outra casa nas cercanias foi identificada pelo Primeiro-Tenente Luiz Felipe M. Perdigão Fonseca.
Ela não tardou a explodir soltando uma intensa fumaça azulada, o que leva a crer que se tratava de um depósito de gasolina. Talvez por ser o marraio – como era chamado o último elemento da esquadrilha – o Segundo-Tenente Paulo Costa guardou sua munição, que foi bem utilizada na varredura que a esquadrilha efetuou mais à frente no caminho de Pisa. Um carro em alta velocidade foi visto numa das diversas estradas que cruzavam aquela região rica e industrializada. Paulo não hesitou em se lançar sobre ele com as oito metralhadoras Browning .50 cuspindo fogo e vários foguetes deixando os tubos sob as asas. Não sobrou nada do carro. A esquadrilha ainda lançou uma rajada de foguetes contra uma ponte de estrada de ferro cortando os trilhos, o que exigiria trabalho redobrado por parte dos grupos de engenheiros alemães, que naquele momento estavam mais preocupados em escapar do Norte da Itália do que em consertar as linhas férreas.
“Podíamos lançar nossos foguetes de dois modos”, explica o então Tenente Fernando Corrêa Rocha, “havia uma alavanca que nos permitia dispará-los um a um ou em salvas, de forma intercalada e controlada por um intervalômetro. Mas não eram precisos e, por aumentar o arrastro sob as asas, eram bastante impopulares”.
Dez minutos depois do ataque da Green, foi a vez da Esquadrilha Vermelha atacar seu objetivo. Assim como as outras esquadrilhas com as quais decolou, a Red deveria procurar alvos de oportunidade entre as estradas 40 e 70. Mas possuía também um objetivo secundário, a estação ferroviária de Suzzara, de onde tropas alemãs ainda poderiam fugir de trem. Da mesma forma que as esquadrilhas que a precederam, a Vermelha atacou uma ponte portátil num dos riachos que compunham o sistema do Pó. Seis bombas foram lançadas de uma altura de 2.000’, os pilotos observando impactos muito próximos da ponte, o que os levou a acreditar que a haviam danificado. Após a recuperação e a reunião partiram a baixa altura para o objetivo secundário, procurando alvos para metralhar no caminho. Uma casa que estava sendo utilizada pelo inimigo foi metralhada e destruída. Sem outros alvos para atacar, os quatro P–47 logo se aproximaram de Suzzara. Aquela cidade era uma velha conhecida dos pilotos do 1º Grupo de Aviação de Caça. A mesma estação
que a Red do Dornelles se preparava para atacar já havia sido visitada inúmeras vezes pelos Jambocks, o alvo sendo considerado um dos mais duros por causa da intensa e certeira antiaérea que sempre os recebia.
O relacionamento de Dornelles com as estações de trem parecia no entanto estar selado. Aquele bravo gaúcho encontraria seu fim dias mais tarde ao atacar a estação ferroviária de Alessandria, poucas horas antes de tropas brasileiras capturarem a cidade. Mas, desta vez, sua esquadrilha lançou duas bombas sobre os trilhos que deixavam a estação. O piloto que ficara de Top Cover, dando cobertura aos companheiros desde o poleiro, viu quando cada bomba cortou uma linha distinta. Além dos trilhos, quatro vagões de carga receberam impactos, sendo danificados.
A Esquadrilha ainda metralhou três casas camufladas na saída de Suzzara mas não foram observados os resultados, se bem que um caminhão parcialmente escondido dentro de uma delas pegou fogo. Os pilotos ainda observaram 14 ambulâncias na estrada para Quistello e notaram o fato de que a ponte da estrada de ferro em Borgoforte, um alvo prioritário do comando Aliado, havia sido destruída por um ataque anterior. No retorno, a Red ainda teve tempo (e munição) para atacar uma bateria de 20 mm mas sem resultados aparentes.
Tanques Aliados foram vistos avançando ao norte de Modena e na estrada número 9, a oeste da cidade. Assim como a Verde, os pilotos liderados por Dornelles reportaram uma névoa seca sobre o Pó, condição que prevaleceria ao longo do dia. Em Pisa, o Comandante do Grupo, Tenente-Coronel Nero Moura, liderava a quarta esquadrilha a partir para o combate naquela manhã. Às 9h45 ele deu uma última olhada para o seu ala naquela missão, o Capitão da USAAF John Buyers, oficial de ligação dos norte-americanos com a unidade brasileira, e atochou a manete de potência sentindo as grandes hélices aumentarem a rotação, tracionando o pesado Thunderbolt para frente. O caça correu sobre as placas de aço que estendiam a pista de Pisa e logo suas rodas rolaram mais suavemente sobre o concreto da metade original até que, ao atingir cerca de 2.700 rpm, deixaram o chão, alçando o líder para os céus. Buyers veio logo depois, seguido de perto pelo segundo elemento formado pelo Primeiro-Tenente Newton Neiva de Figueiredo e pelo Segundo-Tenente Renato Goulart Pereira.
Apesar de os aviões sumirem rapidamente no horizonte, os mecânicos permaneceram na beira da pista de olho fixo no horizonte, e menos de dez minutos mais tarde apareceram os dois primeiros pontinhos pretos no horizonte. Eram as duas primeiras aeronaves da Blue que retornavam para casa. Às 10h25, chegaram os quatro Thunderbolt da Red, e cinco minutos mais tarde pousavam os outros seis aviões da manhã.
Das esquadrilhas que partiram à primeira hora, a Vermelha foi a que mais munição utilizou, suas aeronaves retornando com 1.700 projéteis dos 7.680 carregados por uma esquadrilha de quatro aeronaves. A Azul só disparou 320 tiros e a Green 2.720. As três esquadrilhas da manhã também foram as únicas armadas com bombas e foguetes. A partir da quarta missão, as aeronaves só levavam munição para suas metralhadoras. Naquele dia, os alvos eram as tropas inimigas em fuga. Não havia mais a necessidade de atingir os alvos de infra-estrutura como vinham fazendo desde que chegaram na Itália. Mais valia ter os aviões mais
leves e manobráveis, além de trocar bombas por combustível, o que permitiria que as aeronaves permanecessem mais tempo na zona para onde convergiam os comboios inimigos. Nas três missões, apesar da ação intensa da antiaérea inimiga, somente uma aeronave da Azul retornou com danos leves, conhecidos como de Categoria I. Mas o dia estava longe de ter terminado.
Aesquadrilha liderada pelo Tenente-Coronel Nero chegou sobre o objetivo às 10h40, cinquenta minutos depois de decolar de Pisa. Sua missão era o reconhecimento armado, como foram todas as missões daquele dia. A área designada, entre as estradas 40 e 70, a mesma onde os brasileiros haviam atuado de manhã. Quando o Tenente-Coronel Nero Moura mergulhou, foi para atacar um grande estacionamento de caminhões no qual havia entre 80 e 100 veículos. Além de reunir caminhões, carros e blindados, estes em menor número, o estacionamento provia combustível o que explicava tal aglomeração. “Achamos aquele alvo por acaso”, relata o então Segundo-Tenente Renato Goulart Pereira, “Vínhamos numa altura de busca prontos para atacar o que aparecesse pela frente quando o Neiva deu o alerta. Começamos então a fazer os passes metralhando o que víamos pela frente. Entravamos rasante e quando o alvo estava a 350 ou 400 metros à
frente acionávamos as metralhadoras, que estavam ajustadas para que
seus tiros convergissem naquela distância”.
O ataque das quatro aeronaves destruiu grande número de veículos deixando um canto do estacionamento em chamas. A coluna de fumaça negra atingiu 1.500 pés de altura, aproximadamente o mesmo que, por exemplo, o Morro do Pão de Açúcar no Rio de Janeiro. Só que, como o terreno no Pó consiste de uma longa planície, a coluna de fumaça tornou-se um grande marco naquela manhã, em que dezenas de esquadrilhas Aliadas fustigavam o inimigo por todo o Norte da Itália. Era comum utilizar estas colunas de fumaça como referência, marcando a localidade de alvos inimigos para esquadrilhas subseqüentes usando-as como base. Os líderes diziam: “Alvo, a oeste da coluna de fumaça”, e assim por diante. Os pilotos liderados por Nero Moura utilizaram grande parte de sua munição no ataque ao estacionamento alemão, o que certamente valia a pena pois incapacitando um número de veículo como aquele, certamente negaria transporte às tropas que poderiam vir a cair prisioneiras antes que atingissem a segurança dos passes austríacos. Foi nesta missão que o então Capitão USAAF John Buyers se lembra bem do stress que um piloto sente em combate:
“Eu era o número dois e mergulhei logo depois do Ten-Cel Nero. O estacionamento, apinhado de viaturas, era um alvo atraente demais para nos preocuparmos com a antiaérea e logo estávamos fazendo diversos passes com nossas metralhado- ras. Nossas aeronaves estavam espaçadas, cada uma num ‘canto de retângulo’ como se estivéssemos num estande de tiro, girando em volta do alvo. De repente ouvi um “rá-tá-tá-tá” como se uma metralhadora estivesse disparando do lado da minha nacele. Mas não vi nada porque estava concentrado nos alvos que estava atacando. Foi quando ouvi a voz do Neiva nos fones de ouvido: “Buyers! Estão atirando em você!”. Aí comecei a ver os traçantes convergindo em volta do meu avião. O susto e o choque foi tamanho que vomitei dentro da máscara. Tive que continuar a missão ao mesmo tempo em que limpava a cara”.
Os relatos das missões de combate raramente ilustram a tensão nervosa com que os pilotos convivem ao mergulharem para o ataque. O susto de John Buyers certamente desencadeou uma reação em seu organismo, que estava no limite do autocontrole de suas reações nervosas. E a percepção de que estava preste a ser atingido foi demais para ele.
Ao retornarem para Pisa, assinalaram grande movimento no solo. Neste exato momento, decolava de Pisa mais uma esquadrilha brasileira. Eram 10h55 quando a Green saiu, tendo como líder o Primeiro-Tenente-Aviador Rui Moreira Lima, seguido pelos Segundo-Tenentes
José Rebelo Meira de Vasconcelos, Roberto Tormin Costa e Marcos E. Coelho de Magalhães. Seu objetivo, o mesmo da maioria das esquadrilhas que a precederam, uma varredura entre as estradas 40 e 70. Enquanto isso sobre o Pó, os quatro Thunderbolt de Nero Moura observaram uma balsa com 10 tambores navegando a descoberto num afluente. Viram outras seis ou oito balsas na confluência do Pó com o Rio Mincio, a oeste de Borgoforte. O tráfego de balsas no Pó era constante, e toda vez que se aproximavam para vê-las melhor eram recebidos por intenso fogo de antiaérea leve. As balsas não puderam ser atacadas uma vez que a esquadrilha já havia gasto toda a sua munição. Um enorme número de ambulâncias, todas marcadas com a cruz vermelha, pôde ser observado dos dois lados do Pó e num ponto específico observaram grande movimento de balsas cruzando o Rio, mas novamente a falta de munição evitou um ataque. Os pilotos brasileiros sabiam que um número tão grande de ambulâncias só poderia significar um estratagema do inimigo para escapar com o maior número de veículos da Itália. Acreditaram também ter visto um grande estacionamento com cerca de 60 caminhões sob camuflagem que simulava montes de feno. Feita a anotação mental do alvo, a esquadrilha rumou para Pisa onde um elemento pousou às 11h30 e o outro às 11H55. Estranhamente, o relatório pós-missão demonstra que a esquadrilha voltou para a Base com capacidade de disparar 1.600 tiros, ou 400 por aeronave. Talvez muito pouco para um arriscado ataque a alvos tão bem defendidos. Talvez por que a munição do líder, sempre o primeiro a atacar, havia se esgotado.
O HSO da segunda Green do dia foi às 11h55, exatamente quando o segundo elemento da esquadrilha que a precedera tocava o chão. A missão da Verde se desenrolou no mesmo setor que vinha sendo visitado pelas outras esquadrilhas brasileiras naquele dia, a margem norte do Pó entre as estradas 40 e 70. A oeste de Nogara o líder comandou um ataque a um sistema de trincheiras que foi devidamente metralhado, sem que se observasse qualquer resultado positivo. “Na ida havia uma camada que no entanto não era uniforme, e logo encontramos um buraco e passamos para baixo, notando que estávamos perto de Milão. Às vezes na beira das estradas, os alemães cavavam uns buracos onde se protegiam do ataque dos caças-bombardeiros”, recorda-se o então Tenente Rui, líder da Green. “Me lembro que às vezes a gente dava uma rajada nelas e nos surpreendíamos com uma explosão secundária, o que demonstra que estavam cheias de munição. Na verdade”, continua, “você não se preocupava com a quantidade de tiros que dava. Preocupava-se, isso sim, era com o número de rajadas. O dedo era educado para fazer “bbrrrrpp”. Por que se fizesse ‘ehehehehehehe’, os tiros saíam castigando mas nem acertavam no alvo. Só se atirava costurando pelo chão contra pessoal espalhado no solo. Contra uma fila de soldados alinhados para o rancho, por exemplo, atira-se assim e o pessoal vai caindo feito dominó. Contra qualquer outro alvo, a rajada tinha que ser curta. Fosse ele uma bicicleta ou um tanque. O ideal era que não disparássemos mais do que quatro tiros de cada uma das oito metralhadoras. No final da Guerra, já estávamos tão apurados no combate que tínhamos uma idéia de quantas rajadas ainda possuíamos. Lembro-me bem de uma missão na qual cheguei a falar pelo rádio para o Paulo Costa que ainda possuía munição para mais uma rajada nas metralhadoras!”.
Os aviões da Verde observaram ainda intenso tráfego de ambulâncias indo para o norte e para o oeste em Quistello, Nogara e Novelara além das estradas de Mantova, Ostiglia e Verona. Na volta encontraram a área de Pisa encoberta e chamaram um dos radares para que os auxiliassem até o campo. O Tenente Rui recorda-se daquela volta:
“Na volta sobrevoamos os aeródromos de Villafranca e Isola a baixa altura. Como de costume, fomos recebidos por intenso fogo de metralhadora. Isola di Scala, principalmente, era uma localidade desgraçada2. Quando nos reunimos passamos para cima da camada e começamos a voltar para casa. Pouco antes de chegarmos onde deveriam estar nos Apeninos, chamei Cooler, que era o radar da área3. Vínhamos a uns 17.000 pés e estava tudo fechado em baixo. A verdade é que não tínhamos nenhuma prática de voo por instrumentos, e com três outros Thunderbolt na minha ala as coisas estavam um pouco tensas. Quando falei com o Cooler pedi home – que era a rota para casa – e ele me respondeu perguntando os meus Angels – que era como indicávamos a altura – e em seguida me deu um vetor para seguir. Logo, ele me passou outro rumo e pouco depois notei que estava indo para o mar, só que a grande distância da costa. Pensei comigo mesmo: ‘Caramba!4 Esse cara está me mandando para a Córsega!’. Avisei o controlador que ainda não estava vendo nada. O Meirinha, o Tormin e o Coelho, cerrados ali em formatura, confiando cegamente em mim. Aí ele me deu outro rumo ainda mais aberto e pediu que o chamasse em cinco minutos. Passado o tempo, quando o piloto não chamava ele entrava perguntando: ‘Jambock Green, onde você está?’ Comecei a pensar comigo mesmo: Poxa, esse cara está me mandando para a África! Foi quando ele pediu: ‘Transmit for fix’, que era o pedido para que eu transmitisse a fim de que eles triangulassem o meu chamado com o goniômetro”.
A Verde estava prestes a iniciar os procedimentos. “One, two, three, four, five, four, three, two, one, zero, e quando eu acabava de dizer zero ele me dava o vector para onde deveria ir. Aí ele me deu o steering que era a direção da Base. Confirmei que estávamos aproando o leste mas ainda não sabia se voltava para o continente ou se estava me preparando para pousar na Córsega. Em seguida o controlador me pediu uma descida de 500 pés por minuto durante um tempo curto após o qual deveria ‘transmit for fix’ novamente. E, quando o fiz , ele me deu outro vetor com pequena variação”. A Green já estava alinhada.
“Quando chegamos a 2.000 pés, finalmente entramos visual e pude ver lá no raio que o parta5 o Porto de Livorno. Chamei o controlador e disse: ‘I’m happy’ que significava que estava visual e poderia levar o voo dali em diante”. Cooler se despediu e solicitou que a Green passasse para a freqüência da torre para a aproximação final. “Aquela para mim foi uma das missões mais bonitas de toda a Guerra,” recorda-se o Tenente Rui, “não estávamos acostumados a voar por instrumentos”.
Eram 12h45 quando a Green retornou para Pisa tendo disparado meros 440 tiros. Quando a Verde ainda buscava alvos para atacar ao norte do Pó, mais uma esquadrilha decolava de Pisa. Eram 11h40 e a Blue do Capitão Horácio Monteiro Machado, e dos Tenentes Lara, Lima Mendes e Canário, a mesma que efetuou o primeiro ataque brasileiro do dia contra a ponte portátil nas cercanias do Pó, estava de novo no ar. Trinta minutos mais tarde já haviam cruzado a Bomb Line e mergulhavam sobre o alvo. Às 12h10 a Blue “caiu em cima” de um estacionamento, que havia sido reportado anteriormente, metralhando um grande número de caminhões, dos quais pelo menos 15 foram destruídos. O ataque gerou densa fumaça o que impediu uma análise maior dos danos. Uma casa nas proximidades do estacionamento foi posta em chamas enquanto os Thunderbolt da Azul se retiravam da zona do ataque. Nas cercanias da estrada entre Quistello e Schivenoglia mais duas casas foram atacadas pegando fogo em seguida. Havia veículos dentro delas e provavelmente foram destruídos sendo o seu combustível o provável causador das chamas.
A varredura se seguiu sobre a estrada entre Puggio Rusco e Bondeno, e os pilotos provavelmente só precisaram abaixar levemente os narizes de seus P-47 para atirar contra dois caminhões que trafegavam nela. Outro caminhão escondido numa floresta ao sul de Cizzolo foi danificado a seguir e, poucos minutos mais tarde, a Blue deu de cara com um comboio de carroças puxadas à cavalo, a nordeste de San Felice carnificina foi total, os pilotos estimando em trinta os veículos destruídos com grandes baixas entre homens e animais. Além dos alvos atacados, a Azul ainda assinalou o tráfego leve de ambulâncias – sempre elas – na estrada que rumava de Mantova para o norte, e outros veículos do mesmo
tipo escondidos debaixo de arvores no mesmo trecho de rodovia.
Na estrada 62, ao norte de Borgoforte, os alemães certamente aprontavam algo porque ergueram sem demoras uma barreira de fumaça, que impedia a observação desde o ar. Um barco a motor navegava no Pó, de San Felice para o leste, e logo a seguir ocorreu um episódio desagradável, porém inevitável nas operações de guerra. O Número Dois, Tenente
Lara avistou caminhões sem painéis amarelos perto da Bomb Line. O líder ainda tentou identificá-los chamando pelo rádio mas já era tarde demais. Fogo começou a ser cuspido de um dos Thunderbolt brasileiros em direção aos caminhões, o que por sorte durou pouco, porque o Capitão Horácio ordenou que seu ala parasse o ataque, pois notou que o comboio
lançava fumaça amarela. Era muito provável que fossem britânicos.
Diversas ambulâncias com as tradicionais cruzes vermelhas e puxando traileres foram vistas. Em seguida, enquanto a Blue retornava para Pisa, cada piloto na sua nacele torcia para que não tivessem ocorrido baixas entre os soldados aliados, que haviam sido atacados há pouco por engano. Às 13H25, tendo gasto 6.260 projéteis de munição .50, completavam
sua segunda missão do dia taxiando para a área brasileira no grande pátio do aeródromo de San Giusto.
O ritmo nunca fora tão frenético para os integrantes do 1º Grupo de Aviação de Caça, quanto naquele 22 de Abril. Os mecânicos não tiveram nem tempo de deixar a pista. “Na noite de 21 para 22 de abril, dormi no hangar”, recorda o então soldado 1ª classe David Rosal Gabriel, um dos mecânicos de suprimento, “diversos companheiros como o Ilo, o Nelson Barbosa e o Orlando Bracco6, entre outros, se amontoaram tentando se proteger do frio que era intenso. No suprimento, estávamos malucos! Nunca havíamos precisado de tanta coisa em tão pouco tempo. Pegávamos o que necessitávamos ao lado com os americanos dos outros três esquadrões para conseguir manter os aviões voando. Trabalhávamos todos encapotados. Às vezes, o pessoal de chapas levava o maçarico para a linha de voo e fazia os remendos e reparos necessários diretamente nos aviões para não perder tempo. Foi só no dia seguinte, quando saíram mais dez missões que começamos a nos acostumar com o novo ritmo”.
Em momento algum, até ali, houvera apenas uma esquadrilha no céu. Enquanto a Blue se envolvia no seu segundo combate do dia, a Vermelha com o Capitão Dornelles, o Primeiro-Tenente Eustórgio, o Segundo-Tenente Alberto Martins Torres e o Aspirante Poucinha decolava novamente. Destes, todos com a exceção de Torres partiam para sua segunda missão, e ainda era meio dia e quarenta! Até então, os oficiais de operações haviam enviado as esquadrilhas brasileiras para uma zona de atuação entre as estradas 40 e 70 ao norte do Pó. A partir do meio dia a retirada alemã era total e as ordens pararam de especificar um local fixo. Agora elas indicavam somente: Vale do Pó! O que se iniciara como um ataque agora se transformara numa caçada. Os pilotos estavam livres para buscar o inimigo onde bem quisessem!
A Missão 378 do Grupo de Caça era a sétima daquele dia. Quando partiram para seus aviões, notaram que uma camada se formava a 3.000 pés sobre Pisa com 8/10. Após atravessarem a Bomb Line, começaram a procurar alvos que valessem a pena. A meteorologia na área de operações mudava rapidamente, e de Cumulus esparsos entre 7 e 10.000 pés sobre os Apeninos e somente uma névoa seca que reduzia a visibilidade para 5
milhas ao sul do rio, havia piorado para uma cobertura de 10/10s do solo a 12.000’ na margem norte do Pó, porém descendo rapidamente para o sul.
A missão da Vermelha nesse começo de tarde foi típica do reconhecimento armado com os quatro caças varrendo o terreno a baixa altura, enquanto seus pilotos buscavam tudo o que se mexesse ou parecesse suspeito. Às vezes os alvos apareciam no canto do olho e o líder dava ordem para iniciar o ataque o mais brevemente possível, antes que o inimigo tivesse chance de se esconder ou de escapar. Dornelles avistou quatro prédios ocupados pelos alemães de relance e mandou que se iniciasse o ataque. Caminhões mal escondidos apareciam dentro deles. Talvez os bombardeiros de altitude não os vissem, mas para os pilotos de P-47, que só faltavam bater na porta da frente de tão baixo que voavam, eram um prato cheio. Os quatro prédios foram atacados em sucessivos passes da Red e logo um deles e um dos caminhões escondidos no seu interior soltavam espessa fumaça negra. Outro prédio destruído começou a lançar fumaça branca no céu. Um segundo caminhão escondido foi destruído e mais dois dos pequenos edifícios irromperam em chamas, devido aos impactos dos projéteis incendiários em montes de feno encostados neles. A varredura prosseguiu após esse breve ataque, e um pequeno carro de comando – provavelmente um Kubelwagen, fabricado pela Volkswagen – foi destruído numa estrada com prováveis baixas de oficiais. A caçada continuou deixando no seu rastro mais um caminhão danificado e duas balsas pesadamente atingidas num dos rios da região.
Outros dois carros de comando foram metralhados, aumentando o número de prováveis baixas entre os oficiais inimigos que tentavam fugir sem atrair atenção, ou que coordenavam a retirada das forças principais do Vale do Pó. A Vermelha ainda observou 20 ambulâncias estacionadas em Nordara, além de um ponto de travessia de um rio no qual o inimigo havia reunido cerca de 20 canoas, certamente esperando a chegada de tropas que precisavam atravessar para a margem norte. Mais ao sul, avistaram tanques e jipes Aliados em Concórdia; e nas estradas entre Bastiglia e Carpi, e entre Canezzo e Carpi. No entanto, as colunas alemãs não estavam muito longe dali e foram vistas em diversas estradas que partiam de Beggio, rumo ao oeste. Eram 14h30, quando a esquadrilha liderada por Dornelles descobriu um grande número de caminhões rumando para o oeste, ao sul da estrada número 9. Não os atacaram e pouco depois já estavam pousados em Pisa tendo disparado um total de 7.420 tiros na sua longa varredura pelo norte da Itália.
Às 13h45 havia decolado a Esquadrilha Verde, a mesma Green da manhã, tendo Pessoa Ramos, Rocha, Perdigão e Paulo Costa aos comandos. Vinte minutos depois cruzaram a linha de frente e interessantemente observaram que, apesar de as condições nos Apeninos com Cumulus esparsos entre 8.000 e 16.000’ estarem condizentes com o relatório da esquadrilha que os precedera, as condições sobre o Pó estavam bem melhores do que a Red do Dornelles reportara, em função de uma grande frente que estaria movendo-se para o sul. A Verde indicou no seu relatório que uma camada com 4/10s e a 7.000’ movia-se lentamente para o sul, o que indicava que a frente estava se dissipando ou que o relatório anterior havia sido exagerado.
AVerde identificou um estacionamento que foi atacado por todos, mas nenhum resultado foi observado. Em seguida, o segundo elemento atacou uma série de balsas que navegavam expostas num rio, o 1º Tenente Luiz Felipe Perdigão M. Fonseca e o 2º Tenente-Aviador Paulo Costa mergulhando por trás delas e metralhando-as com rajadas certeiras, que deixaram quatro danificadas. Na região entre Cremona e Legnano, o líder e o Tenente Rocha encontraram um estacionamento sobre o qual mergulharam deixando um caminhão destruído e outros três danificados.
Estes resultados foram obtidos com tiros rápidos e certeiros, uma vez que a esquadrilha retornou a Pisa tendo disparado somente 3.620 projéteis de .50. A Green voou o tempo todo em condições de combate e suas observações nos dão uma excelente noção histórica do que estava ocorrendo no norte da Itália naqueles dias.
A ponte ferroviária ao norte de Mantova, um importante alvo estratégico para a 12ªAF, foi vista intacta e precisava ser atacada. Na posição F-5715, uma formação de bombardeiros North American B-25 Mitchell lançava bombas de fósforo (WP – White Phosphorus) sobre
um estacionamento carregado de veículos. E nossos pilotos certamente curvaram sobre a região entre Carpi e Novellara para ver a festa que a população local fazia para receber uma coluna de tanques Aliados que acabara de libertá-los.
“…encontrei e destruí um motor pool de 90 caminhões, que já vinha sendo atacado por outras esquadrilhas nossas – sudoeste de Mantova”, escreveu Roberto Pessoa Ramos em seu diário na noite daquele dia. “No regresso dessa missão”, continua, “encontrei uma coluna de tanques e caminhões americanos avançada. Passei baixo, balançando as asas. Foi uma festa! Vi outra coluna americana sendo recebida pela população de uma cidadezinha…Havia muita bruma e grande turbulência no Vale do Pó”. Em algum momento da missão, os dois elementos haviam se separado vindo o primeiro a pousar às 15h20, e o segundo somente quinze minutos mais tarde.
Havia chovido em Pisa por volta das 14h, mas a chuva foi breve e passou rápido. Ainda assim, a nona missão do dia decolou sem perder tempo. O Ten-Cel Nero Moura era novamente o líder, tendo como ala o Tenente Goulart. Neiva e Pereyron formavam o segundo elemento. A missão, igual a todas as outras: reconhecimento armado, atirem em tudo o que se mexer! Área de atuação: o Vale do Pó. Sem mais delongas, boa caçada! O relatório de missão foi curto e grosso, mas não os resultados nele contidos. Treze caminhões inimigos haviam sido destruídos e três danificados. Duas casas, que provavelmente serviam de QG para a coluna atacada, também foram pelos ares. Quatorze ambulâncias rumavam para o oeste e nada mais. Interessantemente a meteorologia sobre o Pó estava CAVOK, com exceção da constante nevoa que, para a esquadrilha comandada por Nero Moura, reduzia a visibilidade para oito milhas. Com 5.700 tiros disparados pousaram às 16h55, uma hora após a decolagem da outra esquadrilha do Grupo, que atuava no Norte da Itália naquele mesmo momento.
A Azul, composta pelo Capitão-Aviador Horácio Monteiro Machado, o Capitão USAAF John Buyers, e os Segundo-Tenentes Lima Mendes e Lara decolou às 15h15. Horácio, Lima Mendes e Lara partiam para a sua terceira missão do dia! A Green decolou logo depois, às 15h45. Era comandada pelo Segundo-Tenente José Rebelo Meira de Vasconcelos e completada pelos Segundo-Tenentes Roberto Tormin Costa, Helio Langsch Keller e Marcos E. Coelho de Magalhães. Apesar de a Blue ter decolado antes, recebeu a numeração 382, talvez porque seus aviões retornaram para Pisa depois da Green, que chegou cinco minutos mais cedo e acabou recebendo o número de missão 381. Armados apenas com as costumeiras fitas contendo 1.920 projéteis de munição .50, a Green partiu para o Vale do Pó.
Após cruzarem a Bomb Line, abriram em linha de frente e começaram a procurar os seus alvos. Ao se aproximarem do objetivo, encontraram severa turbulência e a teimosa névoa seca, que reduzia a visibilidade para cinco milhas. Ainda assim, os alvos começaram a aparecer. Às 16h15, iniciaram o ataque. Quatro veículos puxados à cavalo e três caminhões foram destruídos numa estrada próxima a Scandiano. Após deixar os alvos em chamas, a esquadrilha era novamente reunida para uma nova busca.
O hoje Major-Brigadeiro-do-Ar José Rebelo Meira de Vasconcelos assume a narrativa: “Estávamos nos reunindo quando de repente o Tormin, que era meu ala, deu o grito: ‘A esquerda, dezenas deles cruzando o rio!’Foi quando vimos o leito de rio seco, ainda recebendo finas lâminas das águas do degelo, e um número enorme de veículos de todos os tipos aproveitando uma área rasa, para cruzar para a margem norte. Não perdemos tempo. Deitei a asa esquerda e mergulhei, certo de que os outros três aviões me seguiam. Pegamos o inimigo de surpresa. Ao passar metralhando ficava difícil escolher um alvo, tamanha era a confusão que causamos. Caminhões e tanques eram abandonados, soldados corriam para todas as direções. Eram tantos os alvos que me lembro de ter “pedalado” no leme para aumentar o arco de tiro de minhas metralhadoras, acertando alvos em todos os lados. Fizemos várias passagens deixando muitos caminhões e tanques em chamas. Quando finalmente tivemos que abandonar o ataque e nos reunir para a volta a Pisa, devido a falta de munição, foi que notamos que o Coelho não estava mais lá…”.
Naquele momento, o então Tenente Meira não sabia, mas o P-47 42-26773 havia sido abatido momentos antes do ataque. Quando já se preparava para reunir com os outros elementos da esquadrilha, que se afastavam na direção de Reggio, Coelho viu dois tanques inimigos camuflados sob um toldo num barracão, além de diversos caminhões escondidos numa localidade próxima. Ao atacá-los foi atingido pela antiaérea e obrigado a abandonar seu avião saltando de pára-quedas. Quando descia, foi alvejado por dois soldados italianos fascistas armados de metralhadoras, cujos tiros danificaram o seu pára-quedas aumentando sensivelmente a sua queda. Despencando rapidamente, veio a cair violenta- mente no telhado de um casarão, quebrando as duas pernas e os dois tornozelos. Imediatamente, apareceram quatro soldados alemães comandados por um cabo que o fizeram jogar fora sua pistola e resgataram-no com o uso de uma escada. Ao chegar ao chão, ficou patente para todos presentes, que a situação do Tenente Coelho era crítica.
O Cabo alemão Anton Schmidt, que o trouxera para baixo, ordenou que o carregassem numa maca improvisada para uma outra casa perto dali. Enquanto se decidia o que seria feito com o prisioneiro, chegaram os dois oficiais italianos que o haviam alvejado enquanto descia de pára-quedas. Tentaram executá-lo sumariamente, mas foram impedidos pelo Cabo alemão que fez valer sua personalidade. Os italianos ainda fizeram um grande esforço tentando caracterizá-lo como um italiano a soldo dos Aliados, o que exigiu uma série de explicações por parte do Coelho. Como exigissem que provasse sua nacionalidade falando o português, o Tenente brasileiro acabou por perder a calma bradando um palavrão em alto e bom tom. Recebeu como resposta uma cusparada, seguida de um tapa na cara. Anton Schmidt, por sua vez, cansou do impasse e disparou no pé do oficial italiano. Como este e seu colega optaram por não permanecer no local, para ver no que dava, trataram de
dar no pé. O que foi seguido de uma saraivada de tiros dos alemães, mais para assustar do que para atingir.
Com a situação sobre controle, o cabo alemão, com a ajuda da família que ali morava, utilizou compressas de água fria para aliviar a intensa dor que o jovem brasileiro sentia nas pernas e nos pés. Mas ainda assim, ficara claro que seu caso exigiria imediato atendimento médico. Eram 19h quando anoitecera e Coelho poderia ser transferido sem o risco de ser atingido pelos aviões Aliados. A Green já havia voltado há muito tempo para Pisa.
Um enorme comboio alemão aproveitou a noite para se deslocar nas perigosas estradas do Vale do Pó. No meio dele, deitado no gelado fundo de aço de um dos caminhões, estava o Tenente Coelho. Durante a viagem, conheceu um Capitão da Luftwaffe, nascido em Joinville, e que tendo ouvido falar da presença de um prisioneiro brasileiro, saíra gritando pelo Coelho em alto e bom português até encontrá-lo. No meio da madrugada, o caminhão foi escondido numa casa da região. Tornara-se um daqueles que os pilotos do Grupo de Caça vinham encontrando e destruindo em seu dia-a-dia. Coelho aproveitou a pausa para dormir numa cama de campanha, que fora montada dentro do caminhão no qual viajava.
Na manhã do dia seguinte, 23 de abril, o Tenente Coelho foi levado para o lado de fora, a fim de poder tomar sol, antes de ser novamente carregado por seus guardas para dentro. Uma vez escondidos, lhe aplicaram mais compressas nos pés e nas pernas. Pouco depois, ficou decidido que o prisioneiro ferido deveria ser transferido para o Hospital de Reggio. No entanto, a presença constante dos caças Aliados na região impedia qualquer movimento de viaturas nas estradas durante o dia. O piloto brasileiro foi então levado numa maca afixada sobre um triciclo e duas bicicletas e lentamente encaminhado para Reggio. Quando apareciam os Thunderbolt nos céus próximos, todos se atiravam nas valas à beira da estrada, deixando o Coelho cair de qualquer jeito. A dor, viria a comentar depois, sendo a mais terrível que jamais sentira na vida. Quando finalmente chegou ao Hospital Alemão de Reggio, foi entregue ao seu comandante, o 1º Tenente Médico Lubben. A retirada alemã havia deixado o hospital com poucos recursos, explicou o Dr. Lubben. Coelho teria que ser operado sem o uso de Raios-X, anestesia ou gesso. Após uma dolorosa porém bem-sucedida operação, foi levado para um quarto onde se recuperaria, deixando a natureza fazer o resto.
Passou quatro dias convalescendo, período no qual alternava o banho de sol em sua confortável varanda, com partidas de Bridge com o Dr. Lubben ou a observação dos ataques que os Thunderbolt Aliados faziam nas cercanias. Até que às nove da manhã do dia 26 de abril, foi incumbido pelo Dr. Lubben de zelar pelo hospital, uma vez que ele e os poucos médicos e enfermeiros que haviam ficado para trás se juntariam às últimas tropas alemãs que deixavam Reggio. Sacou de sua pistola e deu-a ao Tenente brasileiro confiando-lhe 12 feridos graves, que não podiam ser removidos, e três corajosos enfermeiros que haviam se apresentado como voluntários para cuidar daqueles homens.
Tão logo os alemães se retiraram, civis italianos começaram a chegar ao hospital. Trouxeram comida para o oficial brasileiro, mas pediram-lhe que os entregasse todos os alemães que haviam ficado para trás, para que fossem julgados e executados. Coelho argumentou que aquilo não seria possível, apelando até para a Convenção de Genebra para acalmar os ânimos. Mentiu para um grupo de Partisanos mais afoitos, dizendo que as tropas norte-americanas, que não tardariam a chegar, já sabiam que ele era agora o Comandante daquele hospital e que caso algo anormal ocorresse por ali, que ele teria que relatar o fato para elas ante o risco de ser considerado um assassino.
Na madrugada de 27 de abril, uma unidade médica norte-americana ocupou o hospital de Reggio. O comando do Tenente Marcos Eduardo Coelho de Magalhães acabava de chegar ao fim. Entregou o hospital, os três enfermeiros alemães e oito dos 12 feridos graves. Quatro não haviam conseguido atravessar a noite. Partiu de Reggio Emilia no dia 1º de maio, indo chegar a um hospital do Exército norte-americano em Bolonha no dia três, um dia após o fim das hostilidades na Itália. Naquele mesmo dia notícia de que estava vivo chegou a Pisa.
AGreen havia flagrado um enorme comboio que carregava explosivos e munição. Cerca de 21 caminhões foram destruídos sobre o leito do Rio, cada qual explodindo em grandes bolas de fogo. Outros cinco caminhões foram danificados, e cerca de 30 ambulâncias observadas.
Os alemães sabiam que a aviação aliada procurava poupar as ambulâncias e a Verde concentrou seu fogo nos caminhões e tanques que ofereciam alvos comprovadamente militares. Outros dois caminhões foram destruídos quando a Green deixou o alvo, e um comboio de cerca de 30 carroças rumando para Reggio do sul não foi atacado por falta de munição.
Eram 17h15 quando os três aviões da Verde pousaram em Pisa. Além da falta de um piloto, um dos Thunderbolt, o de número 42-26757 foi atingido levemente pela antiaérea. “Não estávamos para muita conversa quando entramos no debriefing com o oficial de informações”, lembra Meira, “a perda do Coelho nos deixou abalados. O nosso relato foi feito rapidamente e sem detalhes”. Talvez isto explique os dados incluídos no relatório pós-missão que dividiu os cerca de 40 alvos de forma igual, oito caminhões e duas carroças para cada piloto. Se lembrarmos que o avião do Tenente Coelho foi derrubado antes do grande ataque ao leito de rio seco, no qual a maior parte de alvos foi destruído, fica difícil de acreditar na exatidão do relatório. Enquanto a Esquadrilha do Tenente Meira caía sobre os alemães com fúria, a Azul entrava em combate, não muito longe dali. Apesar de estarem voando sua terceira missão do dia, os pilotos da Blue não diminuíram o ritmo de seus ataques e logo estavam encontrando alvos no norte da Itália.
Horácio Monteiro Machado metralhou um carro de comando (Kubelwagen) danificando-o; enquanto seu ala, o Capitão Buyers, fazia o mesmo a um caminhão inimigo. O Tenente Lima Mendes danificou um tanque leve e o Tenente Lara metralhou uma casa destruindo-a. A esquadrilha ainda observou a presença de três caminhões inimigos com trailers, dez outros veículos do mesmo tipo escondidos em prédios e seis ambulâncias, todos numa pequena área. No entanto, optaram por não atacá-los pois havia tropas amigas nas cercanias a noroeste dali, e de duas uma, ou temiam acertar os tanques e jipes Aliados com seus ataques ou preferiram deixar as tropas de terra cuidar do bolsão inimigo, que certamente havia ficado para trás.
Em seguida a Azul iniciou seu retorno para Pisa, nada observando nas estradas ao sul de Parma. Mais de 100 tanques foram vistos pouco afrente rumando para o oeste, mas portavam os painéis amarelos, que os identificavam como amigos. A refinaria de Fidenza, notaram, ardia em chamas, certamente atingida por uma outra esquadrilha Aliada.
Às 17:20h, já com o céu querendo escurecer, a Blue finalmente pousou de volta em Pisa. Os armeiros contaram 1.360 projéteis disparados entre as quatro aeronaves. Os mecânicos correram para os aviões afim de começar a prepará-los para as missões do dia seguinte. O Jipe do oficial de informações já havia chegado para as primeiras informações ainda na pista. Miranda Correa se lembra bem do procedimento utilizado na chegada dos aviões: “Depois das missões fazíamos o que chamávamos de interrogation. Às vezes eu ouvia os aviões e ia até a pista para ver se todos estavam voltando. Aí recebia os pilotos ali mesmo, já tratando de saber como havia sido a missão. Em seguida íamos para a sala de briefing onde eu fazia perguntas para cada um e depois para o grupo como tal. Quando tinha uma noção exata do transcorrer da missão eu saía e após escrever os resumos, passava os formulários para o oficial de informações do 350th FG”. O então Tenente Spinola deixava transparecer um pouco da tensão que era uma constante naqueles dias, quando se lembra que: “…geralmente eu esperava as missões no pátio, tamanha era minha ansiedade. Quando estavam se aproximando contávamos os pontinhos pretos no céu para saber quantos estavam voltando”.
Uma vez feito o debriefing, os pilotos rumaram para a camionete na qual o espirituoso 3º Sargento Joaquim Moura Dias, o Zé Maria, os esperava para levá-los à cidade e ao Albergo Nettuno, onde finalmente poderiam relaxar até o dia seguinte. Ninguém se deu conta de que aquele fora o dia. Isto viria mais tarde. Assim como veio, o 22 de Abril de 1945 se foi. Mais um dia no qual o dever chamava para o 1º Grupo de Aviação de Caça sobre os céus da Itália.
Os integrantes do Grupo de Caça, não precisaram de estudos para saber que as operações aéreas que acompanharam a Ofensiva da Primavera foram as mais significativas da campanha. Não somente pelo número de missões e alvos atingidos, mas pelo sacrifício que aquele ritmo exigiu. O contingente brasileiro não contou com um número expressivo de pilotos substitutos, e os que vieram não foram em número suficiente para recompletar a unidade das perdas em combate, ou por motivos de saúde. Assim, não foi por acaso que o Comando do 350th Fighter Group ofereceu ao Tenente-Coronel Nero Moura a opção de não participar das ações da primavera. Até o final da Guerra, o Grupo de Caça ainda perderia um piloto além de outros dois feridos em combate e outros dois abatidos e recuperados para lutar novamente.
Fazendo parte dos últimos esforços para desalojar o inimigo do Norte da Itália, os pilotos da Força Aérea Brasileira puderam comemorar o fim da Guerra, em cinco de maio, quando finalmente começaram a se dedicar a encontrar seus companheiros que por alguma razão estavam do outro lado das linhas e aos alegres preparativos para voltar para casa com a missão cumprida.
Tentei remontar o 22 de Abril de 1945 com os elementos disponíveis para a pesquisa em nossos dias. Inicialmente, busquei interpretar os relatórios de missão que sobreviveram à Guerra, para narrar os seus resultados. Notei imediatamente que apesar de serem os melhores documentos disponíveis, não são de todo precisos, talvez porque, como disse o Major-Brigadeiro Meira: “Os debriefings às vezes duravam 15 minutos ou até menos. Lembrem-se que às vezes chegavam duas ou mais esquadrilhas ao mesmo tempo. E nem sempre estávamos com o espírito para entrevistas”. Conversas com alguns dos veteranos que participaram das ações no céu e em Pisa ajudaram a dar uma noção de como foram as missões e o dia a dia no Teatro de Operações.
No entanto, esta reportagem deve ser lida e interpretada com cuidado, ative-me unicamente às informações oficiais disponíveis e notei que mesmo estas são passíveis de erros, como por exemplo o número de foguetes atribuídos ao Tenente Paulo Costa na terceira missão do dia, 12, quando cada aeronave só levava seis! Ou ainda, a divisão exata de alvos atingidos entre os quatro pilotos da penúltima missão, executada pela Green quando se sabe, hoje, que o Tenente Coelho foi abatido antes do grande ataque que se seguiu. Assim, sugiro que esta reportagem seja utilizada somente como base sobre a qual futuros pesquisadores mais
capazes ou tenazes do que este possam somar dados. Existe, em algum lugar, provavelmente com os historiadores do 350th FG, mapas com as coordenadas do Teatro Italiano de Operações que sobrepostos às localidades assinaladas pelos comandantes das missões permitem descobrir as cercanias dos locais de ataques e observações. No entanto, quisemos lançar esta reportagem perto do mês de abril, o que não me permitiu incluí-las neste texto. Mas estou pesquisando-as e certamente aparecerão num futuro próximo, pois não pretendo parar por aqui.
Sempre me perguntei como teria sido o dia 22 de Abril de 1945. Mas ainda não consigo pisar sobre a lama do campo de Pisa, sentir o peso do páraquedas nas costas, o cheiro da gasolina no ar ou a sensação do aço áspero da fuselagem do P-47 na ponta dos dedos. Consigo apenas imaginar o ronco do motor impelindo um daqueles Thunderbolt para os céus, a visão dos ondulados Apeninos cheios de neve e os objetivos e a antiaérea do Pó cobertos por uma misteriosa bruma à frente. Procuro preparar o corpo para a sensação do mergulho, os músculos tensos, o olhar fixo no objetivo à frente, uma estranha sensação de pronto, agora já foi, não tem mais volta, e o sangue secando da cabeça rumo aos pés na cegante puxada de recuperação. Imagino o alívio que não deveria ser o cruzamento da Bomb Line no caminho de volta, e a visão da rudimentar pista de Pisa como: o lugar mais lindo do mundo! Mas, por mais que eu tente imaginar, é impossível ter a noção exata do que foram aqueles dias, naquela longínqua primavera de 1945. Esta foi uma tentativa de recriá-los, não sei se com sucesso. Mas para este autor, pelo menos, serviu para reforçar ainda mais o profundo respeito e a admiração por aqueles heróis de jeito simples que dão a milhões de brasileiros enormes motivos para se orgulhar de sua Força Aérea.
O autor agradece o apoio e a paciência daqueles sem os quais esta tentativa de reconstruir um dia tão importante para nossa aviação teria sido impossível: Major-Brigadeiro-do-Ar José Rebelo Meira de Vasconcelos, Major-Brigadeiro-do-Ar Rui Moreira Lima, Coronel-Aviador Renato Goulart Pereira, Major USAAF John Buyers, Sr. Davi Gabriel, Jackson Flores Jr, Coronel USAF Hugh Dow, Coronel Oscar de Souza Spinola, Major-Brigadeiro-do-Ar José Carlos de Miranda Correia, Comandante Fernando Corrêa Rocha, Comandante Alberto MartinsTorres.