Pilotos de A400M espanhóis falam sobre os voos em Cabul: “tensão e nó na garganta”. Temperatura, armas e pessoas cruzando a pista. Essas foram as três principais preocupações enfrentadas pelos pilotos de Airbus A400M do Ejército del Aire espanhol (EdA), que realizaram a evacuação de cerca de 1.900 afegãos e conterrâneos, do Afeganistão para os Emirados Árabes Unidos. Do Oriente Médio partiam voos da Air Europa, fretados pelo governo, para levá-los até Torrejón de Ardoz, Madri.
Três grandes preocupações e uma importante limitação: o tempo
“Nos primeiros voos tínhamos de fazer tudo em meia hora, ou seja, pousar, embarcar e decolar. Então, quando começamos a carregar mais passageiros, os americanos perceberam que demorava mais tempo do que o previsto, até uma hora. Foi uma missão contra o relógio.”
Desta forma, os pilotos de A400M da Ala 31, sediada em Zaragoza, relataram alguns detalhes e dificuldades enfrentadas nas missões de evacuação em Cabul que, ao contrário dos voos militares de transporte de tropas ou e logística, tinha um componente emocional “nunca experimentado por nós, mais habituados a missões de rotina onde simplesmente pousamos, carregamos e decolamos.“
Sexta-feira, 13 de agosto: aviso prévio
O Capitão José Fernández Prados foi pego em serviço pelo planejamento de missão na Base Aérea de Zaragoza, no dia 13 de agosto. “No dia seguinte já sentimos que iríamos voar para lá. No dia 16 já me falaram: ‘tu tens que ir lá'”.
Concluídas as autorizações de sobrevoo diplomático e tendo Dubai como base operacional, a missão do EdA foi iniciada, com o primeiro voo de resgate realizado na quarta-feira (18/08). Este foi o “Dia D” para os espanhóis, e tudo, tudo correu bem. “Embora apenas 53 pessoas pudessem ser evacuadas [naquele dia], porque a situação nos portões do aeroporto impediram o resgate de mais gente”, explicou o militar.
“Quando pousamos, vimos imagens dramáticas”
No total, a Força Aérea Espanhola realizou 17 voos entre Cabul e Dubai, onde estava o posto avançado da Base Militar de Al Minhad, nos Emirados Árabes Unidos. O Capitão Padros fez cinco voos Dubai – Cabul – Dubai.
“Quando pousamos [em Cabul], vimos imagens dramáticas. No primeiro pouso, fiquei impressionado com o número de pessoas, afegãos, ao longo de toda a pista de 3.000 metros. As pessoas se amontoaram em grupos, e dezenas de aviões militares esperavam para decolar. Uma evacuação em massa”, contou ele quando questionado sobre o impacto que sentiu com a tragédia, em seu primeiro pouso, no dia 20 de agosto. Aquele que foi o segundo voo espanhol para o Afeganistão.
Naqueles primeiros momentos, os pilotos e militares espanhóis ainda estavam sob o “trauma” das imagens das centenas de pessoas amontoadas em torno dos trens de pouso de um C-17 Globemaster III americano: “Embora tenhamos ficado tranquilos ao ver que a situação de segurança no aeroporto de fato já havia melhorado, era o que queríamos evitar a todo custo. Enfim, tínhamos uma escolta de segurança e um procedimento de solo de deixar os motores funcionando, caso fosse necessário decolar com urgência.”
Horário de embarque no aeroporto de Cabul
Os voos dos A400M espanhóis foram realizados de acordo com as janelas disponibilizadas pelas autoridades americanas. Dadas as condições geográficas e orográficas do terreno de grande altitude onde fica o Aeroporto de Cabul, evitava-se pousar em horários de altas temperaturas: “Um dos perigos que o próprio aeroporto de Cabul acarreta é a sua orografia, com a pista situada a uma altitude de 6.000 pés (1.800 metros). Quando a temperatura está alta, há pouca densidade de ar e, portanto, os compressores dos motores não atingem o desempenho adequado. Nossa intenção era chegar o mais cedo possível, com temperatura mais baixa, e com mais potência [nos motores] poder tirar o maior número possível de pessoas de lá.”
“Primeiras luzes do amanhecer”
Os planejamentos dos voos previam as decolagens de Dubai entre as 13h45 e as 15h15 (local), para que os pousos em Cabul ocorressem nas primeiras luzes do amanhecer, por volta de 05h15 e 05h45 (local).
Piloto experiente de C-130 Hércules, o Capitão Prados já havia realizado três missões anteriores no Afeganistão, em 2012, 2013 e 2014, onde operou em locais como Herat, Qala i Nao, Mazar i Shariff, Kandahar ou Camp Bastion (base britânica na província de Helmand). Desde 2019 ele voa a nova aeronave de transporte do Ejército del Aire, o Airbus A400M, que comprovou seu desempenho em missões de alto risco.
Inteligência apontava a ausência de mísseis terra-ar
Esse foi o terceiro fator de grande preocupação para os militares espanhóis. Era real a possibilidade de ataques dos grupos talibãs ou jihadistas – como o Daesh ou a Al Qaeda, contra as aeronaves pousando ou decolando no Aeroporto Internacional Hamid Karzai.
“Os relatórios de inteligência que obtivemos foram no mínimo tranquilizadores, e relatavam a falta de armas com mísseis terra-ar. Embora você sempre tenha a incerteza de que finalmente será assim”, disse o Capitão.
Por este motivo, sempre voamos fora do envelope padrão, fazendo subidas com maior velocidade e o mais rápido possível, para chegar logo na altitude de 1.700 metros (5.500 pés), considerada de segurança contra armas portáteis terra-ar.
“Fazíamos descidas de penetração na área, [voando] a cerca de 290 nós (537 km/h), com o máximo 300 nós… Estávamos realizando manobras táticas evasivas. Você voa com mais energia e velocidade, fazemos mais curvas, para mudar a atitude e a posição do avião. O objetivo é evitar que em caso de fogo inimigo, [ disparos ] atinjam a fuselagem do avião.”
As tripulações do A400M estavam compostas por três pilotos, três loadmasters, uma equipe de segurança, três funcionários do Esquadrão de Apoio ao Desdobramento Aéreo (EADA), dois médicos, enfermeiras e paramédicos, além de dois técnicos de manutenção, para o caso de necessidade de algum reparo oriundo por tiros na fuselagem. No caso de um colapso em Cabul, “nunca deixe o avião para trás”, disse o Capitão.
Sensação agridoce
Além da preocupação com os aspectos técnicos, e das tensas condições operacionais, esta missão teve um componente humano que impressionou a todos os 130 militares espanhóis. “Agora é que sabemos que ajudamos a salvar vidas”, explica o Capitão Prados, que expressa o lembrança de “ter sido uma missão com um nó na garganta e olhos lacrimejantes”, principalmente na decolagem de Cabul ou no desembarque em Dubai, pela “satisfação pessoal de oferecer uma nova oportunidade [de vida] para uma parte do povo afegão”.
No cockpit do A400M, o Capitão Prados disse que ouvia os gritos e choros de crianças pequenas. Ao chegarem a Dubai, os rostos daqueles pais e filhos já se transformavam em tranquilidade e calma, e tinha até alguns aplausos. “Quando subiam [no avião], juntavam as mãos, como se estivessem rezando, e diziam ‘muito obrigado’. Nós não tínhamos visto ou feito nada parecido… e olhe, nós tínhamos estado no Afeganistão. Impacta!”
O ataque da tarde de quinta-feira (26/08) também foi um ponto de tensão máxima. Naquela hora um A400M espanhol estava no solo de Cabul. “Claro, entendemos que a evacuação já estava chegando ao fim. Os americanos fecharam as portas.”
O Capitão Prados está satisfeito com o trabalho que realizaram – “todos demos 110% sem reclamar” – embora o seu sentimento ao voltar no sábado (28/08) para a Base Aérea de Saragoça tivesse uma sensação “agridoce”: “Pelas pessoas que não conseguimos retirar de lá. É uma pena.”
Teste do fogo do A400M espanhol
Uma das incógnitas desta missão era sobre o comportamento do A400M, avião de transporte militar da Força Aérea Espanhola, uma vez que os C-130 Hércules foram desativados. “Ele [o A400M] tem se comportado muito bem, e foi a sua prova de fogo”, destaca o Capitão Prados, que ressaltou que uma equipe de manutenção estava a bordo durante o missão. Atualmente EdA tem nove A400M, devendo receber o seu décimo neste mês.
Fonte: Jornal ABC e Canal Infodefensa
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