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O Boeing E/A-18G Growler é, nos dias atuais, o principal vetor de Airborne Electronic Attack (AEA) dos EUA. Além disso, é a única aeronave projetada atualmente em serviço para a missão. Hoje, a versão de AEA do Super Hornet possui dois operadores básicos: a US Navy e a Royal Asutralian Air Froce (RAAF). Mesmo com apenas dois operadores, o número de unidades que hoje voam a versão SEAD/DEAD do Super Hornet chega a 21 esquadrões, 20 deles americanos e um australiano.
Leandro Casella
Em novembro de 2010, a base aérea de Al Asad no Iraque viu algo inédito: a chegada de cinco Boeing EA-18G Growler do Electromagnetic Attack Squadron 132 (VAQ-132) – Scorpions. Por que inédito? Era a primeira implantação operacional da então mais nova aeronave de ataque eletromagnética da US Navy. Os Scorpions – que haviam sido convertidos, em 2009, do EA-6B para o EA-18G – passaram a apoiar as ações da Operação New Dawn (Novo Amanhecer), realizada entre 2010 e 2011, e que visava conduzir operações de estabilidade, com foco em assessorar, auxiliar e treinar as Forças de Segurança Iraquianas. As operações eram coordenadas pela UnitedStatesCentralCommand (USCENTCOM), responsável pelas operações americanas desde o Chifre da África, passando pelo Golfo Pérsico, até a Ásia Central.
Meses depois, os EA-18G teriam uma prova de fogo. Isso porque, com a crise na Líbia, fruto da instabilidade gerada pela primavera árabe, o USCENTCOM despachou os Growlers do VAQ-132 para a Base Aérea de Aviano, na Itália, para operar na Operação Odyssey Dawn para as forças americanas (Unified Protector para as Nações Unidas).
Diversos países membros da OTAN participaram sob o comando dos EUA entre 19 e 31 de março de 2011, para cumprir a Resolução 1973 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A operação inicial implementou uma zona de exclusão aérea durante a Guerra Civil da Líbia, a fim de impedir que as forças do governo leais a Muammar Kaddafi realizasse ataques aéreos contra as forças anti-Kaddafi.
Durante os primeiros dias da operação, o EA-18G Growler foi usado pela primeira vez em combate, com o codinome “Grizzly”. Para “cegar” a defesa aérea líbia, os EA-18G, junto com F-16CJ da USAF e Tonados IDS da Aeronautica Militare Italiana (AMI), empregaram mísseis antirradiação AGM-88 HARM (High-speed Anti-Radiation Missile). Os Scorpions realizaram mais de 20 surtidas e alguns “splashs” (acerto em cheio nos alvos), o que fez do VAQ-132 a primeira unidade a voar missões de combate real e a lançar mísseis antirradar contra alvos operacionais. Em poucos dias, a coalizão havia retirado todos os radares de defesa e tráfego aéreo do ar. Após 31 de março, os EA-18G permaneceram voando sobre a Líbia, geralmente em missões de apoio e escolta eletrônica a aeronaves de ataque.
Os Scorpions retornaram com segurança aos EUA, em 9 de julho de 2011, à Estação Aérea Naval de Whidbey Island – Condado de Island, Washington. O regresso marcou 8 meses de implantação no exterior. Durante sua implantação, os Scorpions realizaram mais de 700 missões e registraram mais de 3.000 horas de voo, mantendo uma taxa de realização de surtidas de 100%. Isso foi realizado com cinco aeronaves, 10 tripulações e apoio de 190 praças.
“Foi uma sensação de missão cumprida; é muito bom saber que a aeronave teve um desempenho tão bom”, disse o Cmdr. Jeff Craig, Comandante do VAQ-132. “É uma aeronave muito confiável, muito capaz”.
O Growler havia provado seu valor e, dali para a frente, passaria a ser o protagonista das missões de Suppression and Destruction of Enemy Air Defenses (SEAD/DEAD). Aliás, ele é, hoje, a única aeronave em serviço, projetada e pensada exclusivamente para essa missão perigosa e vital nos dias atuais.
A Supressão e Destruição das Defesas Aéreas Inimigas (SEAD/DEAD) é uma missão de Superioridade Aérea definida como “operações ofensivas para destruir, interromper ou neutralizar aeronaves inimigas, mísseis (balísticos, cruzeiro ou SAM), plataformas de lançamento, sítios-radar e suas estruturas e sistemas de suporte”.
Ela pode ser preventiva – ataque direto ou atuar como parte de uma escolta de ataque –, cujo papel da aeronave de ataque eletrônico é anular, cegar ou confundir as defesas, permitindo o ataque e a destruição de um ou mais alvos estratégicos de alto valor. Em suma: o que se quer é controlar o espectro eletromagnético que o rádio e o radar percorrem, suprimindo a capacidade do inimigo de detectar aeronaves e atirar nelas.
Podemos dizer que a missão SEAD/DEAD foi definida na Guerra do Vietnã, quando o Exército do Vietnã do Norte montou Sistemas Integrados de Defesa Aérea altamente eficaz, centrado no míssil superfície-ar (SAM) SA-2 “Guideline” de fabricação soviética. Na época, a USAF teve que responder rapidamente a essa ameaça mortal, introduzindo uma série de novos armamentos e equipamentos de guerra eletrônica, bem como táticas avançadas para neutralizar a baterias de SA-2.
Nasciam aí as famosas aeronaves Wild Weasel, e a missão de SEAD (hoje SEAD/DEAD) que continua cada vez mais importante. Campanhas aéreas militares recentes no Oriente Médio e Norte da África – incluindo Iraque, Líbia e Síria – demonstraram a necessidade de interromper e destruir as defesas aéreas inimigas, incluindo sua infraestrutura associada, para permitir que as forças aliadas manobrem livremente no espaço aéreo (battlespace) inimigo.
Antes da Guerra do Vietnã, o SEAD era uma missão indefinida. Não que não houvesse tentativas de destruir a defesa aérea e radares inimigos, mas elas eram feitas visando a alvos ou operações específicas, e não como parte de uma estratégia ou doutrina operacional de supressão de defesas, buscando “cegar e imobilizar”. Além do mais, com o advento do míssil superfície-ar (SAM), a necessidade se tornou maior, e o SEAD/DAD passou a ser uma doutrina operacional de combate.
“A mais crítica do SEAD/DEAD e mais importante, a negação da ameaça de mísseis terra-ar – é realmente um princípio básico na guerra”, explicou Mike Stuart, diretor de desenvolvimento de negócios de programas avançados da Northrop Grumman e piloto de AEA. “Isso significa ter liberdade de manobra no campo de batalha”.
Para isso, o elemento cinético-chave da missão SEAD/DEAD é o míssil antirradiação que detecta passivamente a energia de radiofrequência (RF) irradiada de um radar de defesa aérea, usando esta para se guiar e destruir o sítio-radar. Desde a Guerra do Vietnã, os ARM (Anti-Radiation Missile) são a peça-chave da missão e, desde lá, avançaram significativamente em termos de capacidade, incluindo maiores alcances e capacidades de busca aprimoradas.
Antes da chegada do EA-18G, o titular da missão de ataque eletromagnético era o Grumman EA-6B Prowler. Aeronave lendária, derivada do EA-6A Eletric Intruder, que, por sua vez, era uma modificação da versão de ataque naval A-6A Intruder. Nitidamente, era uma aeronave adaptada para a missão. Vale lembrar que a missão de SAED tomou corpo na Guerra do Vietnã, e adaptar uma aeronave para AEA era a melhor e mais rápida solução.
O EA-6A voou pela primeira vez em 26 de abril de 1963 e, em dezembro de 1966, estreou na guerra na Ásia, voando em três unidade dos MARINES – VMCJ-1, VMCJ-2 e VMCJ-3. Apenas 28 EA-6As foram construídos (dois protótipos, 15 novos e 11 conversões a partir de A-6A). Eles serviram em esquadrões operacionais do Corpo de Fuzileiros Navais e da Marinha até o início dos anos 1970.
Com evolução da guerra, era necessário ter uma aeronave dedicada. Nascia o EA-6B Prowler, que, apesar de derivar do A-6/EA-6 – compartilhando asas motores e grande parte da fuselagem –, era um avião novo, com um cockpit ampliado de dois assentos em lado a lado para quatro dispostos dois a dois. O Prowler começou a ser desenvolvido em 1966, voando pela primeira vez em 25 de maio de 1968, e entrou em serviço em setembro de 1971 no VAQ-129.
Foi, de fato, o primeiro avião a ser concebido para a missão de SEAD. Ao longo dos anos, ele foi sendo modernizado até atingir a versão INCAP III (Increased Capability II), em 1980, em que o AGM-88 formou a famosa dupla com o pod AN/ALQ-99 Tactical Jamming System (TJS). A INCAP III trouxe, em 2010, novas capacidades, incluindo o ALQ-218 criado para o EA-18G. Ao todo, 170 foram produzidos para a US Navy e os Marines (USMC – United States Marine Corps). Ele foi a base das missões de SEAD da Marinha e dos Fuzileiros, por mais de quatro décadas, operando em 21 esquadrões (4 USMC e 17 US Navy).
Ao longo de décadas, o Prowler participou de inúmeras missões reais e de todos os conflitos que a US Navy/USMC esteve envolvida de 1971 para cá – operando em terra e embarcado, sendo sempre essencial. Em 1998, com a retirada dos EF-111A Reaven da USAF, o US DoD decidiu delegar a US Navy todas as missões de guerra eletrônica, ou seja, passando a realizar também missões AEA para a USAF, que passou a ter tripulantes (EWO) a bordo dos EA-6B. O Prowler passou a ser mais exigido, e ficava claro que era preciso repensar e definir um sucessor, inclusive porque o velho avião naval de 40 anos já não comportava novas tecnologias.
A solução viria novamente em usar uma aeronave já operacional e “formatar” para a missão. Não seria apenas adaptar, mas, a partir do design básico, criar um novo vetor. A aeronave escolhida foi F/A-18F Super Hornet, versão melhorada do F/A-18C/D Hornet, que havia voado em 1995. A escolha do “Fox” (bipacle) era lógica e deixava claro que a missão poderia ser executada apenas por dois tripulantes (em vez de quatro do EA-6B). Além disso, ao escolher uma variante do F/A-18E/F, haveria, de imediato, a padronização de vários itens comuns, que iam de logísticos a manutenção; de treinamento a operacionais.
Em 15 de novembro de 2001, a Boeing concluiu com sucesso uma demonstração de voo inicial do F/A-18F “F-1” (BuNo 165166) equipado com o sistema de guerra eletrônica AN/ALQ-99 TJS para servir como a aeronave conceitual do projeto EA-18 AEA. Os testes foram bem-sucedidos e, após alguns ajustes, em dezembro de 2003, a US Navy concedeu um contrato de desenvolvimento para o agora redesignado EA-18G Growler à Boeing.
No entanto, nem tudo era perfeito. Em um relatório de abril de 2006, o US Government Accountability Office (US GAO) expressou preocupação com o EA-18G. O GAO é órgão do Poder Legislativo dos EUA, responsável por serviços de auditoria, avaliações e investigações das contas públicas do governo dos EUA. Em sua avaliação, ele sentiu que os sistemas de guerra eletrônica no EA-18G não estavam totalmente maduros, então havia um risco de “crescimento futuro de custos e atrasos no cronograma”.
O relatório recomendou que o US DoD procedesse as atualizações ICAP III para os EA-6B (em serviço em 2010) para preencher as lacunas operacionais (os EUA estavam em plena Guerra ao Terror) e, ao mesmo tempo, reestruturar os planos de produção do EA-18G, para só após a aeronave “demonstrar funcionalidade completa”. Em outro relatório de 2008, o diretor do Departamento de Teste e Avaliação Operacional do US DoD questionou a carga de trabalho da tripulação do Growler, que é apenas dois, em vez de quatro do Prowler. EA-18G é formada por piloto e Electronic Warfare Officer (EWO). No EA-6B, consistia em piloto + três EWO.
Como contratada principal, a Boeing deveria construir a fuselagem dianteira e as asas, e realizar a montagem final. Já a Northrop Grumman, principal subcontratada, forneceria a fuselagem central e traseira, bem como o sistema de combate eletrônico. O primeiro protótipo do Growler (EA-1) entrou em produção em 22 de outubro de 2004, fazendo seu roll-out em 3 de agosto de 2006. Seu voo inaugural na planta de St. Louis da Boeing foi em 15 de agosto de 2006. O passo seguinte levou o EA-1 para a Estação Aérea Naval de Patuxent River, Maryland, em 22 de setembro de 2006, para realizar, principalmente, testes de solo e de compatibilidade eletromagnética. Já a segunda aeronave (EA-2) voou pela primeira vez em 10 de novembro do mesmo ano, sendo entregue a NAS Patuxent River em 29 de novembro. O EA-2 foi o responsável pelo desenvolvimento do sistema AEA.
Ambos foram, em 2007, enviados ao esquadrão de ensaios da US Navy VX-23 da Naval Air Weapons Station de China Lake, na Califórnia. EA-1 e EA-2 são F/A-18Fs F-134 e F-135, retirados da linha de produção de St. Louis e modificados pela Boeing para a configuração EA-18G. No entanto, como não foram construídos inicialmente como Growlers, a Marinha designou essas duas aeronaves de teste como NEA-18G. Houve cinco Growlers voando no programa de teste de voo a partir de junho de 2008. O objetivo era acelerar o processo de certificação.
@CAS