Matéria de Capa RFA 140 — O Rafale Grego
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Em agosto de 2020, a Grécia anunciou a aquisição de 18 aeronaves multifuncionais Dassault Rafale F3-R para substituir seus Dassault Mirage 2000BGM/EGM, que não haviam sido atualizados para a versão Mirage 2000-5BG/EG (Mirage 2000-5F Mk.2). Finalmente, em janeiro de 2021, um acordo oficial com a Dassault Aviation foi ratificado no Parlamento, em Atenas, fechando a compra de 6 Rafale novos de fábrica e mais 12 ex-Armée de l’Air et de l’Espace (AAE), em um acordo de € 2,4 bilhões. Em março de 2022, outros seis F3-R zero quilômetro foram encomendados, elevando o total para 24 unidades, a um custo de cerca de € 3 bilhões.
Leandro Casella
A Grécia se tornou o quarto operador estrangeiro e o primeiro país europeu – depois da França – do caça multifuncional Dassault Rafale. A venda para o país mediterrâneo marca também um ponto importante: a chegada de uma onda de novos clientes, fazendo do caça francês um dos mais vendidos dos últimos anos, conquistando, além da Grécia (24), a Croácia (12), os Emirados Árabes Unidos (80) e a Indonésia (42). São 158 aeronaves, 24 das quais usadas (ex-Armée de l’Air et de l’Espace [AAE]) e 134 novas de fábrica. Isso sem falar da polêmica tentativa de venda para a Colômbia de 16 unidades no final de 2022, que, por ora, está adiada, e, da Sérvia, que desde o ano passado também negocia a compra de 6 a 12 Rafale usados ex-AAE.
Da compra à implantação dos Rafale na Hellenic Air Force (HAF), ou Força Aérea Helênica (Grécia), isto é, da efetiva chegada em solo grego das primeiras aeronaves, foi necessário apenas 1 ano, algo considerado um tempo extraordinariamente curto, ainda mais se tratando de um vetor da complexidade do Rafale. Vale lembrar que, para a entrega de aeronaves de ponta como o Lockheed Martin F-35 Lightning II, Eurofighter Typhoon e Saab Gripen E, o tempo entre aquisição e entrega tem sido muito superior.
A compra dos Rafale agitou a região do Mar Egeu, onde Grécia e Turquia, historicamente, mantêm uma grande rivalidade, muitas vezes com atos belicosos. A compra do caça francês veio na esteira do embargo norte-americano à aquisição pela Turkish Air Force (TuAF), ou Força Aérea da Turquia, do F-35A, devido à compra de sistemas de defesa antiaérea russos S-400 por aquele país. A compra dos S-400 e a aproximação da Turquia com a Rússia desagradaram a OTAN e, em particular, os EUA.
A principal alegação americana é a de que o uso do S-400 pela Turquia poderia comprometer a capacidade furtiva do F-35, além da possibilidade de existir vazamento de informações críticas da aeronave aos russos e aos chineses. Os EUA pediram o cancelamento do negócio, o que não foi atendido. O imbróglio resultou não só na retenção das oito de 30 aeronaves já em fase de pré-entrega, mas também na suspensão do treinamento dos pilotos em solo americano, além da exclusão, em julho de 2019, da Turquia do programa Joint Strike Fighter (JSF). A TuAF planejava ter 100 F-35A.
Isso gerou vários transtornos na cadeia produtiva do F-35. A Turquia era parceira nível 3 (investidor) do JSF, e várias empresas locais forneciam peças e insumos à cadeia global de produção, que precisou ser reordenada, gerando atrasos nas entregas, que se agravaram com a Covid-19, culminando em mais prejuízos. A Lochkeed Martin informou que, só em 2019, o prejuízo com a saída turca foi da ordem de US$ 1,21 bilhão, e que eles isso seria sentido por anos, ampliando as perdas que o projeto vem acumulando.
Desde 2020, a situação na região do Egeu tem piorado, com disputas de fronteira; disputa por uma área de reservas de gás natural no leste do Mediterrâneo; além, é claro, da velada situação do Chipre, dividido desde 1974 entre lados apoiados pelos dois países. Com isso, Grécia e Turquia vêm tentando fortalecer suas defesas, que habitualmente estão sempre em prontidão e, vira e mexe, protagonizam incidentes e provocações.
Nesse jogo, a HAF tem saído na frente. Além de modernizarem localmente sua frota de 83 caças F-16C/D Block 52, elevados para o padrão F-16C/D Block 72 Viper, em um trabalho realizado pela Hellenic Aerospace Industries (HAI), em Tanagra, com apoio da Lockheed Martin, os gregos adquiriram o Rafale, novas aeronaves de treinamento, na forma de 10 treinadores Leonardo M-346B, e estão negociando a compra de um lote de F-35A.
Já a TuAF, após o baque da perda dos F-35, não teve modificações significativas em sua ordem de batalha. O foco, hoje, está em comprar 40 novos F-16V do Bloco 70 e elevar outros 80 F-16C/D para o padrão F-16V, em uma nítida busca por uma compensação financeira pela sua retirada do Programa JSF. No entanto, essa venda está esbarrando em negativas por parte do congresso americano há quase 2 anos, mesmo com o apoio dado em 2022 pela Administração Biden, em troca do apoio do presidente turco, Recep Erdogan, ao ingresso na OTAN de Finlândia e Suécia.
A situação está no “limbo” e sem uma solução definida, pois depende de aprovação do Congresso dos EUA, onde há forte resistência ao presidente turco. A única boa notícia recente é o sinal verde para a modernização dos F-16C/D Bloco 30, que será feita em solo turco. As aeronaves receberão um radar AESA e novos aviônicos da empresa Aselsan. O Bloco 30 é o único que a Turquia pode alterar sem restrições, pois o código-fonte está aberto ao país.
Por outro lado, a forte indústria da Turquia tem mostrado que, em breve, dará a TuAF bons frutos, como o drone de combate a jato Bayraktar Kizilelma-A e o caça de 5ª geração TAI TF-X. No entanto, ambos ainda serão uma realidade futura, pois devem levar alguns anos para entrar em serviço. Isso deixa a TuAF, hoje, calçada apenas em seus mais de 200 F-16C/D dos Blocos 30/50/52.
Os gregos sempre foram muito próximos da indústria francesa. Algo que se iniciou em 1974 com a compra de aeronaves Dassault Mirage F-1CG. Desde 1985, a HAF vem fazendo movimentos para modernizar sua aviação de combate. Em março de 1985, o governo grego anunciou a compra de 36 F-16C/D Block 30. Seria o primeiro de quatro lotes do programa Peace Xenia, que, entre 1985 e 2005, colocariam 170 F-16 dos modelos C (126) e D (44) dos Blocos 30, 50 e 52 na Força Aérea Helênica. Ao longo dos anos, várias modernizações foram feitas nessas aeronaves, sendo a última a elevação de 83 F-16C-52+ e F-16D-52+, para o Bloco 72. Ela está a pleno vapor, sendo feita em solo grego pela HAI a um custo de US$ 998 milhões. As duas primeiras unidades foram entregues em setembro de 2022 ao 343 Mira (Esquadrão 343).
No mesmo mês de março de 1985, a Grécia encomendou 36 Mirage 2000EG (Export Greece) e 4 Mirage 2000BG, que foram entregues a partir de abril de 1988 ao Esquadrão 331 (331 Mira), e, em 1989, ao Esquadrão 332 (332 Mira), ambos da Base Aérea de Tanagra, que fica próxima a Atenas. A partir de 1996, os BG/EG começaram a ser modernizados, recebendo várias melhorias e sendo redesignados Mirage 2000BGM e EGM.
Em 2000, a Grécia assinou um novo acordo com a Dassault para adquirir 15 Mirage 2000-5F Mk.2, sendo cinco deles biplaces. Além das novas aeronaves, mais 10 Mirage 2000EGM foram modernizados para o padrão 2000-5F Mk.2 pela HAI, usando kits de atualização fornecidos pela Dassault. As 10 fuselagens foram selecionadas com base em seu menor nível de fadiga. A designação passou a ser Mirage 2000-5BG (biplace) e Mirage 2000-5EG (monoplace). Os primeiros Mirage 2000-5F Mk.2 chegaram ao Esquadrão 331 em 3 de maio de 2007, com o último “-5” sendo entregue em novembro daquele ano. Assim, o 331 ficou composto por 25 “-5BG//EG”, e o 332 com outros 25 “5BGM/EGM”.
Portanto, desde 2007 não havia uma renovação significativa na frota de combate grega. A necessidade de se ter um novo vetor vinha sendo discutida desde 2015, mas só tomou forma em 2020, com um novo aumento das tensões com a Turquia. Várias opções vieram à mesa: de caças F-16 até Typhoon usados e ex-Royal Air Force (RAF), passando por aeronaves F-35, inclusive com a possibilidade de receber as aeronaves turcas embargadas.
Depois de algumas especulações, a HAF tomou dois caminhos. Modernizar sua frota de F-16C/D e adquirir um novo caça. Em 14 de setembro de 2020, o primeiro-ministro grego Kyriakos Mitsotakis veio a público para ressaltar a parceria entre a Polemikí Aeroporía (Força Aérea Helênica) e a Dassault Aviation, que reflete a posição estratégica e duradoura da Grécia e da França, para, logo a seguir, anunciar a compra do Rafale.
A parceria estratégia se renovava, em especial a da HAL com a Dassault. Em quase meio século de parceria, os gregos compraram da Dassault 40 Mirage F1CG (1974), que foram seguidos por 40 Mirage 2000BG/EG (1985), e, finalmente, 15 Mirage 2000-5 (2000). Agora, são 18 Rafales (2021), complementados por mais seis (2022).
Em 14 de janeiro de 2021, o Parlamento Grego aprovava a compra de 18 Dassault Rafale F3-R, sendo quatro B e 14 C, por um valor estimado de € 2,4 bilhões (US$ 3,04 bilhões). O negócio determinou que os seis Rafale usados deveriam ser entregues até julho de 2021, e os demais 12 (seis usados e seis novos) a partir de 2023. Com a aprovação, o contrato foi assinado em Atenas no dia 25 de janeiro de 2022, pelo Diretor-Geral de Armamentos e Investimentos do Ministério da Defesa da Grécia – Theodoros Lagios – e o Presidente e CEO da Dassault Aviation – Eric Trappier –, na presença da Sra. Florence Parly, Ministra das Forças Armadas da França, e do Sr. Nikolaos Panagiotopoulos, Ministro da Defesa Nacional da Grécia.
O contrato abrangeu, além das aeronaves, treinamento (feito na França), apoio logístico, suporte e armamento fornecido pela MBDA, que incluem, além do canhão de 30 mm GIAT 30/M791 com 125 cartuchos, mísseis ar-ar BVR Meteor; mísseis de cruzeiro SCALP EG (Système de Croisière Autonome à Longue Portée – Emploi Général); mísseis ar-ar multimissão MICA (Missile d’Interception, de Combat et d’Autodéfense) e mísseis antinavio AM39 Exocet.
Em 11 de setembro de 2021, o primeiro-ministro grego anunciou a compra de mais seis novos Rafale monoplace adicionais, elevando o número total de pedidos para 24. A compra foi assinada em 24 de março de 2022, com a Dassault aumentando o negócio para cerca de € 3 bilhões. Este segundo lote deverá ser entregue a partir de 2024.
Designados para a Grécia como Rafale DG (biplace) e Rafale EG (monoplace), todos são do modelo 3F-R, sendo 12 ex-AAE (dois B e 10 C) e 12 novos de fábrica (2 DG e 10 EG). Os Rafales foram adquiridos para substituir os Mirage 2000BGM/EGM (versão não atualizada para o padrão Mirage 2000-5BG/EG) operacionais no 332 Mira, unidade vinculada à Ala 114ª Ala de Combate (114 PM), sediada na Base Aérea de Tanagra. Com a chegada dos Rafale, a 114 PM mantém seus dois esquadrões subordinados: o 331 Mira – Thiseas (Mares) equipado com cerca de 25 Mirage 2000-5BG/EG e o 332 Mira – Geraki (Falcão), que terá 24 Rafale BG/EG.
Com o contrato assinado, imediatamente, começaram os preparativos em Tanagra e em Istres, na França, para a chegada dos primeiros Rafale. Os futuros pilotos da HAF fizeram a conversão operacional no AAE, voando aeronaves francesas e, por fim, gregas. O primeiro grupo de pilotos da HAF passou vários meses no AAE treinando na Base 113 – Saint Dizier/Robinson (LFSI) – e também na Base 125 – Istres/Le Tubé (LFMI). Eles permaneceram na França de março a setembro de 2021. Além deles, 50 técnicos da HAF foram formados no Centro de Treinamento de Conversão de Aviação (CTC) da Dassault em Mérignac, França. A partir de março de 2021, a 4ª Ala de Caça em Saint-Dizier e a 30ª Ala de Caça em Mont-de-Marsan prepararam, cada uma, um Rafale B e dois Rafale C de seu inventário, para que fossem repassados à HAF. As aeronaves foram trasladadas por tripulações do AAE a Istres, para serem preparadas pela Dassault.
Em junho de 2021, os dois primeiros Rafale da HAF foram vistos em Istres, já matriculados HAF 401 e 402. O primeiro Rafale B (DG) foi entregue oficialmente em 21 de julho de 2021 à HAF. A aeronave com marcações gregas e matrícula 401 (ex-AAE 305) foi oficialmente entregue por Eric Trappier, Presidente e CEO da Dassault Aviation, no Dassault Aviation Flight Test Center em Istres-Le Tubé, no sul da França, em uma cerimônia que contou com a presença do Sr. Nikolaos Panagiotopoulos, Ministro da Defesa Nacional da Grécia. Foi um dia histórico para a Grécia, que passava a ser o 5º país a operar o caça francês, junto de França, Índia, Qatar e Egito. A entrega acorreu em tempo recorde, após apenas 6 meses da assinatura do contrato original feita em 25 de janeiro. Com os dois Rafale DG da HAF prontos, os pilotos do 332 Mira passaram a voar suas aeronaves em solo francês.
“Após o Mirage F1 (em 1974), o Mirage 2000 (em 1985) e o Mirage 2000-5 (em 2000), o Rafale agora voa orgulhosamente com as cores da Força Aérea Helênica. O Rafale desempenhará um papel ativo ao assegurar a liderança da Grécia como uma grande potência regional. Gostaria de reafirmar nosso compromisso total com o sucesso do Rafale na Grécia”. – Eric Trappier, Presidente e CEO da Dassault Aviation.
O Rafale foi uma “virada de jogo” estratégica para a HAF. Desempenhará um papel ativo, garantindo a liderança da Grécia como uma grande potência regional, afirmou o Chefe do Estado-Maior General, Contra-Almirante George Blioumis, durante a cerimônia de aceitação do primeiro caça Rafale em Istres, França, em julho de 2021:
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