Matéria de Capa RFA 138
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Os céus desolados sobre o deserto de Atacama, na região do Norte do Chile, entre Iquique e Antofagasta, tornaram-se o cenário ideal para o exercício multinacional SALITRE IV, realizado entre 10 e 21 de outubro. A Fuerza Aérea de Chile (FACH) assumiu a tarefa de organizar a quarta edição do Exercício SALITRE, sob o comando do General de Aviación Leonardo Romanini Gutierrez “Romano”. Junto com o tradicional exercício “CRUZEX” promovido pelo Brasil, o SALITRE é um dos mais importantes encontros de interoperabilidade entre as Forças Aéreas da América Latina, que simula as ações de uma possível crise de fronteira, empregando diretrizes da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Texto e fotos: Cees-Jan van der Ende e René van Woezik
Em 2004, a Força Aérea do Chile (FACH) organizou, no Norte do país, a primeira edição do exercício multinacional de paz SALITRE. Desde então, as forças azuis/amarelas operam sempe na Base Aérea da FACH de Cerro Moreno, situada ao Norte de Antofagasta, e as forças opostas — “vermelhas” — operam na Base Aérea da FACH de Los Cóndores, localizada ao Sul de Iquique.
As diretrizes do Exercício SALITRE foram estabelecidas em 2002, no Instituto de Política de Defesa do governo chileno. Lendas da aviação militar sul-americanas, tais como os IAI Finger da Fuerza Aérea Argentina e um Fokker F-27 Friendship da Força Aérea Argentina (FAA); Mirage 5 Elkans, Mirage 50 Panteras e a icônica plataforma Boeing/IAI EB-707 Cóndor AWACS da FACH, além dos F-5E e um KC-137 da FAB, foram alguns dos participantes em 2004. As outras duas edições do SALITRE foram realizadas em 2009 e 2014, sempre utilizando as mesmas regiões desérticas do Norte do Chile, que proporcionam um local ideal para treinamento, pois, além da meteorologia sempre favorável, a área de treinamento oferece pouco tráfego comercial. Em 2004, o Brasil enviou aeronaves F-5E do 1º GAVCA; em 2009, os A-1 de Santa Maria (1º e 3º/10º GAV) e, em 2014, os F-5EM do 1º GAVCA.
O nome SALITRE ou “Saltpetre” é uma mercadoria encontrada nos desertos do Peru e do Chile. É uma forma de nitrato de potássio (KNO3) com diversas aplicações em fertilizantes, propulsores de foguetes, pólvora, entre outros.
O SALITRE IV foi prejudicado pela pandemia global da Covid-19. O vice-diretor do exercício, General de Brigada Aérea Maximo Venegas Raggio “Vudu”, e Diretor de Operações da FACH, observou que o planejamento para a quarta edição do encontro multinacional de forças aéreas havia começado em 2019 e, consequentemente, interrompido. A equipe do “Vudu”, chefiada pelo Coronel Alejandro Arevalo Alegría “Asterix” – um ex-piloto de F-16C/D Block-50 –, pegou os planos para a IV edição e uma xícara de café, por volta do segundo trimestre de 2021. O estudo dos planos debruçado sobre o “café” evoluiu e foi adiante. Isso levou à conferência de planejamento inicial em novembro de 2021 com as Forças Aéreas da Argentina, Brasil, Estados Unidos e Uruguai listadas como participantes “LIVEX” (Live Exercise). A Força Aérea da Colômbia (FAC) acabou recusando o convite da FACH, devido a restrições orçamentárias, segundo informou o Comandante de Operações da FAC.
A conferência de planejamento final de SALITRE foi concluída em 10 de julho de 2022, com a Fuerza Aérea Uruguaya (FAU) ainda como participante “LIVEX” com seus Cessna A-37B Dragonflies e um Lockheed Martin KC-130H Hercules, que recentemente havia sido adquirido do Ejército del Aire (Força Aérea Espanhola). Infelizmente, a FAU desistiu logo após um de seus KC-130H ter sido danificado após sair da pista em 7 de julho em Artigas – Uruguai. Os uruguaios informaram à FACH que encontraram problemas com peças de reposição de seus A-37B. Canadá, México, Peru e, finalmente, Uruguai optaram por participar apenas como observadores.
Cerca de 3 semanas antes do início do SALITRE IV – em 10 de outubro, o pessoal da FACH começou a transformar a Base Aérea de Cerro Moreno, onde está sediada a V Brigada Aérea comandada pelo General de Brigada Aérea Pedro Nadeau Pavez. O general comanda e controla uma grande parte do espaço aéreo do Norte do Chile, o que inclui as unidades de General Dynamics/Fokker F-16AM/AM M4 Fighting Falcons do Grupo 7 e Grupo 8, que foram entregues à FACH sob dois contatos “Peace Amstel” com o Ministério Holandês de Defesa. O Grupo 8 também opera vários Bell 412EP na função de Busca e Resgate (SAR) e Operações Especiais. O bimotor Enhanced Performance da Bell chegou ao Chile em 2009. O FACH opera 12 Bell 412EP e quatro variantes básicas Bell 412. Esses helicópteros são baseados no Norte do Chile, e operaram até a Antártida. Ao lado dos Bell 412EP, uma versão polonesa do Sikorsky MH-60M Blackhawk, fabricada pela PZL, – o S-70I H-08, forneceu capacidade SAR e CSAR para as operações de combate.
Os primeiros participantes do Brasil desembarcaram em Cerro Moreno AB no sábado, 8 de outubro. Os seis Northrop F-5EM Tiger II foram acompanhados pelos mais novos ativos da Força Aérea Brasileira (FAB); o Airbus C-30 (A330-243 FAB 2901) do 2º/2º GT – “Esquadrão Corsário” – e um Embraer KC-390 Millenium (FAB 2857) do 1º/1º GT – “Gordo” –, que, em missão de reabastecimento, usou o código-rádio “Barão”. Este último forneceu combustível aos F-5EM desde a Base Aérea de Canoas, no Sul do no Brasil, até Antofagasta, no Chile, em sua primeira missão operacional internacional. Os Tigres do Brasil foram divididos igualmente entre o 2º/1º CAVCA – “Esquadrão Pif-Paf” da Base Aérea de Santa Cruz – Rio de Janeiro e o 1º/14º GAV – “Esquadrão Pampa” da Base Aérea Canoas/RS.
O segundo participante com seus meios de combate e transportes chegou domingo, dia 9 de outubro, a Antofagasta. A Fuerza Aérea Argentina (FAA) veio ao Chile com três McDonnell Douglas A-4AR Fightinghawks do Grupo Aéreo 5 de Caza (G5C) da V Brigada Aérea baseado na Base Aérea Villa Reynolds, província de San Luis, e três IA-63 Pampa III do Grupo Aéreo 6 de Caza (G6C) de VI Brigada Aérea, que opera a partir da Base Aérea de Tandil, na província de Buenos Aires. Os jatos argentinos foram acompanhados por um Lockheed C-130H+ Hercules (TC-61) e um Boeing 737-76N (T-99). As delegações argentina e brasileira passaram pelos procedimentos aduaneiros e pelos protocolos locais de Covid-19, após sua chegada.
Na segunda-feira, dia 10, foi realizada uma instrução geral, e deu-se início da FAMon (Fase de Mobilização) SALITRE IV, que contou com a presença do Comandante de Combate da FACH, General Leonardo Romanini Gutierrez, e do General Pedro Nadeau Pavez, da V Brigada Aérea.
As forças multinacionais subiram aos céus do Atacama para o período de 3 dias FAM-FIT (Familiarisation-Flight Instruction Training) a partir do dia 11, durante o qual tarefas de Identificação de Ameaças (TI – Threat Identification) e tarefas de Ataque de Superfície (SAT – Surface Attack) foram realizadas em conjunto com os Vipers dos Grupos 7 e 8, bem como três CASA/ENAER A-36 Toqui pertencente ao Grupo 1, que normalmente opera a partir da Base Aérea de Los Cóndores. Infelizmente, para essas aeronaves, o SALITRE IV marcou seu último ato operacional, visto que o treinador desenvolvido na Espanha deve se aposentar em 19 de dezembro, após 40 anos de serviço.
O novíssimo KC-390 Millenium do 1º/1ºGT – “Esquadrão Gordo” – do Brasil operou a partir de Cerro Moreno para a fase FAM-FIT e LIVEX do Exercício SALITRE, fornecendo exclusivamente REVO aos Tigers da FAB em céus chilenos.
O Comandante do “Barão 57”, Major Flávio Diniz Pereira, disse que “cada COMAO (Combined Air Operations) tem cronogramas e táticas bem-definidos para sua realização. Nesse contexto, o reabastecimento em voo garante maior flexibilidade no planejamento de combate para nossos F-5M. Posso dizer que o KC-390 se comportou excepcionalmente nesse ambiente, e seus sistemas se mostraram extremamente confiáveis durante todo o exercício”.
“A Força Aérea Brasileira encerrou sua participação no SALITRE IV com a satisfação de um dever cumprido; com mais de 50 missões de combate realizadas, seguindo todos os protocolos de segurança estabelecidos”, concluiu o Comandante do Destacamento e do 1º/14º GAV, Tenente Coronel Davi de Abreu.
Para a Força Aérea Argentina, o SALITRE IV foi um exercício importante, pois sua última operação multinacional internacional foi a SALITRE III, em 2014. “Desde então, muita coisa mudou e também muitas coisas foram feitas para elevar o nível de nossos pilotos. Foi uma boa chance de ver se as tripulações do Pampa III e do Flightinghawk estavam à altura da tarefa e se estavam falando a mesma língua das outras forças aéreas”, observou um oficial da FAA. O oficial continuou: “o mais importante – para os pilotos mais jovens – foi sua primeira experiência em um ambiente internacional com outros ativos. Para eles, eu acho, foi o maior lucro. Voar junto com outras aeronaves, voar em outros cenários e voar com outros controladores de combate é um ponto importante. Temos muitas trocas com outras forças aéreas, mas é diferente quando você tem que atuar como um esquadrão”.
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