A última cartada da Luftwaffe
No primeiro dia de 1945, a Força Aérea da Alemanha Nazista iniciou a Operação Bodenplatte, uma ofensiva decisiva e, para muitos, desesperada contra os Aliados. Seu principal objetivo era infringir uma séria derrota aos Aliados e, assim, forçá-los a negociar a paz em separado da URSS. O plano não foi bem-sucedido e a Bodenplatte acabou sendo um dos últimos importantes atos da Luftwaffe na II Grande Guerra.
Texto: Marcelo Mendonça
Arte da Abertura: Jack Fellows
Fotos: Arquivo Action
Amanhece na Bélgica e, ao contrário das últimas manhãs, o tempo encontra-se bom neste primeiro dia de janeiro de 1945. Desde o desembarque na Normandia na Operação Overlord, em 6 de junho de 1944, conhecida também como “Dia D”, os Aliados caminhavam para a recuperação da Europa das mãos dos nazistas. Em sangrentos combates, eles foram obrigados a retornar à fronteira alemã.
A maior parte da Bélgica foi libertada no decorrer do outono de 1944. Agora seu território estava preenchido com diversas bases aéreas aliadas, principalmente da Força Aérea Real (RAF – Royal Air Force) e das Forças Aéreas do Exército Americano (USAAF – United States Army Air Forces). Eram usadas para aumentar o tempo de voo dos caças em missões de escolta de bombardeiros e pelos caças-bombardeiros nas missões de apoio aéreo aproximado que davam suporte ao avanço aliado. A outrora poderosa força aérea alemã, a Luftwaffe, aparentava ter se tornado apenas uma sombra de seu glorioso passado recente em que aterrorizava seus inimigos. Ela praticamente havia sumido dos céus, atuando basicamente em missões defensivas.
Porém não hoje, no primeiro dia do ano novo, ela mostraria a velha forma. Ao raiar do dia, diversas aeronaves aliadas se encontram no solo nos preparativos para as suas missões. Foi nesse momento que o inferno desceu sobre as Ardenas. Centenas de aeronaves alemãs cruzaram a fronteira, voando baixo para fugir do radar, se lançando sobre as bases aliadas. A Luftwaffe queria mostrar que ainda tinha garras afiadas. O som dos caças alemães e das rajadas das suas armas se fez ouvir e o uivo da morte chegou vindo dos céus. A Operação Bodenplatte havia começado.
Ataque surpresa
A Alemanha de Adolf Hitler estava envolvida em três grandes frentes de combate terrestres desde o “Dia D”. Logo após o desembarque na Europa Ocidental, os exércitos aliados avançaram e no fim de 1944 já haviam libertado França, Bélgica e parte da Holanda. Na campanha da Itália, os Aliados rumavam para o Norte, ainda faltando parte dessa região para ser tomada. Por sua vez, também logo após o “Dia D”, os soviéticos lançaram sua grande ofensiva (Operação Bragation), que expulsou de vez os nazistas de suas terras a Leste abrindo o caminho para a invasão da própria Alemanha.
A disponibilidade de recursos e o fornecimento suprimentos sempre serão o calcanhar de Aquiles de qualquer campanha militar. Em qualquer guerra, a linha de suprimentos do inimigo sempre será um alvo prioritário, assim como evitar que seus próprios recursos caiam em mãos inimigas. Os próprios Aliados sofreram com a falta de suprimentos após o “Dia D”, o que atrasou seu avanço, pois não tiveram como suprir suas necessidades. Tal fato chegou a gerar certa animosidade entre seus comandantes, principalmente entre o General Montgomery e os americanos, que tentavam priorizar seus próprios objetivos.
O alto comando das forças aliadas acabou por priorizar o general inglês, que era o responsável pela libertação da Holanda e pelo avanço até o coração da região industrial alemã, o estratégico e vital Vale do Ruhr. O problema de suprimentos somente foi resolvido no final de novembro de 1944, quando foi possível usar em sua plenitude o porto de Antuérpia na Bélgica, tomado desde setembro, que permitiu que os mesmos chegassem na velocidade e quantidade necessárias, de modo a amenizar a disputa interna.
Ao final de setembro de 1944, o Führer alemão elaborou um ousado plano de ataque que tinha diversos objetivos. O principal deles era infringir uma séria derrota aos Aliados e, assim, forçá-los a negociar a paz em separado da URSS. Isso permitiria aos alemães que se concentrassem na esmagadora força soviética que vinha do Leste.
Para isso, era necessário retomar o Porto de Antuérpia, negando novamente aos Aliados a chegada dos suprimentos, prejudicando assim sua cadeia logística. Ao fazer isso, Hitler também tentaria reacender as recentes dissensões internas e usá-las a seu favor. Em virtude de sua importância estratégica e política, Bruxelas seria outro alvo do ataque alemão. Seria adotada a tática de “dividir para conquistar” e suas forças atacariam entre o exército inglês e o americano, separando-os. Era um plano extremamente ambicioso e, para a sobrevivência do III Reich, teria que dar certo.
O líder alemão pretendia repetir o sucesso de 1940, quando invadiu a Bélgica, a Holanda e, na sequência, a França, tomando esses países em uma Blitzkrieg (guerra-relâmpago) avassaladora. Novamente iria pela região da floresta das Ardenas, região fronteiriça entre Alemanha, Bélgica, França e Luxemburgo. Era nesse local, pelo lado dos Aliados, que havia parado o avanço destes após a ofensiva da primavera/outono. Eles estavam usando esta região para descansar suas tropas que estavam exauridas pelo combate contínuo desde o “Dia D”, esperando o pior do inverno passar para retomar seus avanços, ao mesmo tempo que aproveitavam para repor os estoques de suprimento.
Não se acreditava que, a essa altura da Guerra, a Alemanha fosse capaz de lançar uma ofensiva em larga escala. Os Aliados não se preocuparam em montar uma defesa eficaz, ficando muito espaçados ao longo de uma linha que corria das margens do Rio Escalda (Scheldt), na Bélgica, até o curso superior do Rio Reno, na fronteira da Suíça. Os Aliados também não contavam que os alemães lançariam um ataque em uma região reconhecidamente propícia à defesa pela sua geografia ruim e por ser escassa em estradas, o que dificultava o avanço de uma força atacante.
O líder alemão contava com essa incredulidade para surpreender exatamente com um ataque em um local pouco provável, tirando proveito das fracas posições defensivas aliadas. Como a surpresa era o componente vital da estratégia, a própria denominação do ataque, Operação Vigilância do Reno (Unternehmen Wacht am Rhein), remetia a uma ideia defensiva e não ofensiva para ludibriar a Inteligência dos Aliados, com base principalmente no sistema ULTRA inglês. Além disso, existiriam operações paralelas para confundir os Aliados, como a Operação Névoa de Outono (Unternehmen Herbstnebel). Inicialmente, o ataque deveria ser lançado no final de novembro.
A força de ataque seria composta principalmente pelo recém-criado 6o Exército Panzer SS, que tinha como alvo a região de Antuérpia e era comandada pelo Oberstgruppenführer Josef “Sepp” Dietrich, e pelo 5o Exército Panzer, sob o comando do experiente General der Panzertruppe Hasso-Eccard von Manteuffel, que foi encarregado de capturar Bruxelas. Outras duas unidades deveriam prover missões de apoio, o 7o Exército ao Sul e o 15o Exército ao Norte.
O Plano encontrou forte resistência dentro do próprio Oberkommando der Wehrmacht – OKW (Alto Comando das Forças Armadas), em que diversos oficiais de alta patente entenderam que tal ação não seria viável, pois não havia efetivo necessário e era contraproducente retirar os mesmos da frente leste. Se não bastasse, havia crônica falta de combustível desde a perda das refinarias de Ploesti, na Romênia, para os soviéticos. A quantidade disponível daria para apenas um terço do caminho.
Já Hitler acreditava que conseguiria eliminar o velho problema de se conseguir suprimentos simplesmente tomando-os dos Aliados à medida que avançassem. Ao mesmo tempo, confiava que o tempo desfavorável forçaria as aeronaves aliadas a permanecer no solo e, assim, os alemães conseguiriam sustentar sua linha de suprimentos. Para isso, seria necessário um avanço rápido. No entanto, a geografia das Ardenas, associada ao clima nessa época do ano, transformava essa possibilidade em praticamente uma utopia.
Na tentativa de evitar o pior, o comandante-chefe do Oeste, Generaloberst Gerd von Rundstedt, e seu antecessor nesse comando e atual comandante do Exército B, Generalfeldmarschall Otto Moritz Walter Model, ambos experientes veteranos de diversas campanhas, apresentaram planos alternativos a Hitler, que os descartou solenemente. Apesar de toda a sua esperança, a falta de suprimentos fez-se valer, e a data do ataque foi transferida de final de novembro para meados de dezembro.
O lado positivo foi que os Aliados foram completamente enganados. Com o recuo para seu solo pátrio, os alemães passaram a usar mais o sistema de telefonia e existia pouco tráfego de informações via rádio. Como despistamento, houve aumento de conversas via rádio apenas no norte do Rio Reno, região que também teve reforço no número de FLAK (Flugabwehrkanone – artilharia antiaérea). O engodo deu certo e os Aliados acreditaram que se tratavam de preparativos de defesa frente ao iminente ataque aliado ao Vale do Ruhr.
O movimento de tropas alemãs sempre acontecia à noite e de forma a não levantar suspeitas, uma vez que uma movimentação em massa de soldados chamaria muito a atenção. Apesar de a Inteligência dos Aliados ter notado diversos sinais de que tais fatos poderiam estar ligados a um possível ataque, havia muitos fragmentos e não foi feito um esforço de perceber exatamente o que se passava, e as poucas vozes que alertavam nesse sentido não foram ouvidas.
A Luftwaffe
As necessidades da guerra muitas vezes provocaram modificações, mas, de maneira geral, é possível explicar a organização da Luftwaffe da seguinte forma: a menor unidade operacional era o Staffein, equivalente a um esquadrão, com 12 a 16 aviões, 20 a 25 pilotos e aproximadamente 150 homens. Um Gruppe (Grupo), era a união de três ou quatro Staffein. Inicialmente, o 4º Staffein era dedicado ao treinamento dentro do Gruppe; no entanto, a necessidade fez com que se engajasse nos combates. O Gruppe também tinha uma esquadrilha de quatro aeronaves dedicada ao seu comandante e estado maior, conhecida como Stabsschwarm, que também voavam em missões de combate. Normalmente, a dotação de uma base aérea era a de um Gruppe.
A reunião de Gruppes formava a Geschwader (Ala). Cada Geschwader tinha apenas aviões de uma determinada especialidade (caças, caça-noturna, bombardeiros, bombardeiros de mergulho, reconhecimento etc.). O comando de uma Geschwader também possuía uma Stabsschwarm. Embora pudesse ser formada por vários tipos de aeronaves, estas teriam que obrigatoriamente exercer a função da Geschwader, que entrava como abreviatura em sua designação, seguida do seu número em algarismos arábicos. Então a Ala (Geschwader) de Caças (Jagd) 3 seria escrita como Jagdgeschwader 3 e abreviada como JG 3.
Também era a Geschwader que ditava a organização das unidades; os esquadrões eram numerados tendo-a como referência. Assim, os Staffein do Gruppe I eram numerados em 1, 2 e 3, enquanto os do Gruppe II eram 4, 5 e 6, e a numeração continuava por esta ordem ao longo dos grupos. Quando um esquadrão era transferido de um grupo para o outro, ou de uma Geschwader para outra, seria redesignado de acordo com a necessidade ou a disponibilidade. Era utilizada a numeração árabe, sendo adicionada à frente a abreviação da designação da sua Geschwader. Por exemplo, o esquadrão 3 (Staffein 3) da Jagdgeschwader 300 seria referido como 3/JG 300.
Os Gruppe, por sua vez, eram identificados por um número em algarismo romano precedendo a identificação da Geschwader. Assim, o 2º Gruppe da Jagdgeschwader 51 seria escrito como II/JG 51. As esquadrilhas de Stabsschwarm de cada Gruppe eram identificadas como Stab, seguida da identificação do Gruppe. A partir do mesmo exemplo anterior, ficaria Stab.II/JG 51. Para a identificação da Stabsschwarm da Geschwader, era utilizada a abreviatura Stab seguida da designação desta – Stab/JG 51.
Operação Bodenplatte
Caberia a Luftwaffe novamente o papel de apoiar o avanço alemão, mas, dessa vez, além das missões tradicionais de apoio aéreo aproximado, ela deveria efetuar um ataque contra as bases aéreas aliadas na Holanda, Bélgica e França. O objetivo era destruir no solo as aeronaves, assim como a infraestrutura necessária para sua operação, tais como depósitos de combustíveis, hangares e pistas de pouso, paralisando a aviação aliada na região e impedindo seu uso contra o ataque alemão e suas linhas de suprimento. Esperava-se contar com pelo menos 1.000 aeronaves para lançar essa ofensiva. A ideia era esmagar os Aliados, deixando-o achatados ao solo – daí o nome da operação, Bodenplatte (placa de base). Esse plano foi proposto pelo próprio Comandante Supremo da Luftwaffe, Reichsmarschall Hermann Göring.
Assim como no Exército, membros do alto comando da Luftwaffe foram contra a operação, particularmente o veterano Ás General der Jagdflieger Adolf Galland (Comandante da Força de Caças). Ele preferia reunir 800 caças para dar o que chamava de Schlag Grosser, um golpe mortal na força de bombardeiros dos Aliados, e fazer com que estes se retirassem dos céus alemães, permitindo que a Alemanha se recuperasse um pouco e reunisse recursos para enfrentar os soviéticos. No entanto, assim como Rundstedt e Model, Galland também foi ignorado.
Em um lugar em que os relacionamentos e laços de amizade têm muita importância, como na Alemanha Nazista, Galland tinha contra si o fato de não ter a menor habilidade política e de ter se tornado um opositor de Hermann Göring. Este não contava com o apoio irrestrito de seus subordinados, pois muitos, como Galland, discordavam de seus planos e ideias, que sempre visavam atender aos desejos do Führer, independentemente de serem viáveis ou não. Para muitos, era exatamente o que estava ocorrendo com a Bodenplatte.
O ataque seria responsabilidade do Luftwaffenkommando West (Comando Aéreo Oeste), antiga Luftflotte 3 até setembro de 1944. O Generalmajor Dietrich Peltz, Comandante do II Jagdkorps, que tinha como base Flammersfeld, próximo a Koblenz, ficou responsável pela sua elaboração. Peltz foi o mais novo oficial da Luftwaffe a alcançar a patente de General com apenas 26 anos de idade. Era um líder eficaz, veterano nos combates, tendo pilotado o Junkers Ju 87 Stuka na campanha da Polônia e o Junkers Ju 88 na Batalha da Inglaterra e na campanha a Leste contra os soviéticos. Era considerado o maior especialista em missões de ataque ao solo da Luftwaffe e o homem certo para elaborar um plano que pudesse ter êxito. Além disso, era aliado fiel a Göring e inimigo político de Galland.
A Bodenplatte seguiu em frente. No início de novembro, uma reunião com os Comandantes de Jagdgeschwader, de Gruppe e de boa parte dos Staffein apresentou os planos, em que eles puderam opinar em sua elaboração. A responsabilidade principal do ataque estaria sobre os ombros de 3 Gruppe do SG 4 (única unidade de caça-bombardeiro designada para a operação) e de 38 Gruppe de 11 Jagdgeschwader (JG 1, JG 2, JG 3, JG 4, JG 6, JG 11, JG 26, JG 27, JG 53, JG 54 e JG 77).
O normal eram essas Jagdgeschwader operarem uma mistura de Bf 109 e Fw 190. A exceção era o SG4, o qual era equipado apenas com o Fw 190 e três Jagdgeschwader (JG 27, JG 53 e JG 77), equipados apenas com o Bf 109. Nas Jagdgeschwader que operavam os dois tipos, os Gruppe que operavam o Bf 109 seriam os responsáveis pela cobertura aérea contra caças aliados, enquanto os Gruppe formados pelos Fw 190 fariam o ataque em si. Essas unidades decolariam de 36 bases aéreas alemãs e seriam a ponta de lança que os alemães esperavam que destruísse o poderio aéreo aliado, a ponto de torná-lo inoperante.
Elas teriam o apoio de apenas uma unidade de Me 262, a Kampfgeschwader 51, que foi designada para a operação. A princípio, seu papel seria principalmente o de reconhecimento pré e pós-ataque, mas acabaram participando ativamente dos ataques às bases de Eindhoven e, principalmente, Gilze-Rijen. O apoio de unidades de caça-noturna servindo como aeronave-guia seria necessário, pois as decolagens seriam ainda antes do alvorecer, o que, nessa época do ano nesta região, acontecia um pouco depois das nove da manhã. Seus alvos eram nada menos que 81 esquadrões aliados distribuídos por 17 bases aéreas, que muitas vezes, na verdade, eram um complexo de bases próximas umas das outras.
Os Aliados identificavam suas bases também por códigos. Os alvos dos alemães eram Metz-Frescaty (A-90) na França; Heesch (B.88), Volkel (B.80), Eindhoven (B.78), Gilze-Rijen (B.77), Ophoven (Y.32) e Woensdrecht (B.79) na Holanda; e dez bases na Bélgica. Asch (Y-29), St-trond (A-92) e Le Culot (A-89) eram as mais próximas das Ardenas. Deurne (B.70) era na região de Antuérpia e, assim como Maldeghem (B.65) e Ursel (B.67), ficava próxima à costa. Mais para o interior, situava-se St-Denijs Westrem (B.61) e as três da região de Bruxelas, Grimbergen (B.60), Evère (B.56) e Melsbroek (B.58). De modo geral, as bases com código inicial em B eram inglesas e as de código A ou Y eram americanas. Tratava-se de um objetivo gigantesco, e o sigilo da operação passou a ser ainda mais urgente.
Foi estabelecido que até mesmo após a decolagem o silêncio do rádio seria mantido a todo custo. Bastava um pequeno alerta e todos os caças aliados cairiam em cima da força atacante. Esta deveria voar baixo para evitar o radar e em formação cerrada, principalmente para que pudessem seguir as rotas planejadas e evitar que os novatos se desgarrassem. Em uma reunião em 15 de dezembro de 1944 no Quartel-General da II Jagdkorps em Altenkirchen, mapas em escala 1:500.000 foram entregues com essas rotas. Porém, os mesmos continham apenas as informações básicas, como a linha de frente, sem rotas de fuga que pudessem informar aos Aliados a localização das bases alemãs.
Um total de cinco palavras-código foram elaboradas especificamente para a Bodenplatte. VARUS seguido da data, indicaria a data do ataque e chegaria com apenas 24 horas de antecedência ou menos. TEUTONICUS autorizava o briefing das tripulações e preparação das aeronaves. HERMANN indicaria a hora do ataque e com base nele seriam feitos os ajustes para a decolagem, pois todas deveriam chegar sobre o alvo ao mesmo tempo. DOROTHEA indicaria um atraso na operação e SPATLESE cancelaria o ataque no caso de as aeronaves já terem decolado.
Apesar dos esforços dos Aliados em destruir o parque industrial alemão, este conseguia repor a perda das aeronaves no ritmo necessário, fruto do excepcional trabalho do Ministro do Armamento do Terceiro Reich, Albert Speer. Os maiores problemas enfrentados pela Luftwaffe ao final de 1944 não se tratavam da falta de meios, mas sim da crônica falta de combustível e de qualidade e quantidade do material humano. A necessidade de repor as perdas operacionais fazia com que os jovens pilotos fossem lançados na linha de frente sem o treinamento necessário, o que lhes privava de desenvolver suas habilidades de voo, ou seja, sem estarem prontos para o combate. Para agravar a situação, praticamente não existiam locais sobre o espaço aéreo alemão livre do risco da chegada de caças aliados que emboscavam os jovens pilotos em seus voos de treinamento. Era com uma massa desses novatos, que geralmente mal sobreviviam a três missões de combate antes de serem abatidos e mortos, que a Bodenplatte seria levada a cabo. Para um número significativo, seria sua primeira missão ofensiva, para outros tantos, a primeira de combate. Para um em cada cinco, seria a última.
Às 5h30min. do dia 16 de dezembro de 1944, 1.900 peças de artilharia do 6o Exército Panzer da SS iniciaram uma barragem de fogo de 90 minutos que pegou os Aliados completamente desprevenidos. Era o início da Operação Vigilância do Reno. A esperança alemã estava em jogo. Hitler lançava seus dados. Começava a Batalha das Ardenas.
A última Blitzkrieg
Inicialmente, o avanço alemão teve alguns resultados positivos, principalmente pela surpresa obtida e o uso de tropas infiltradas atrás das linhas, que conseguiram causar alguns transtornos. Em poucos dias, no entanto, a reação dos Aliados estabeleceu uma forte resistência que paralisou os alemães. Apesar de, em alguns lugares, estes conseguirem obter suprimentos, que era a base do plano, essa não foi a regra e logo se fez sentir a falta de combustível. Hitler desdenhava a capacidade de lutar dos americanos e pagou caro por isso. Entrou para a história, por exemplo, a lendária defesa da estratégica cidade de Bastogne pela 101o Divisão Aerotransportada Americana. Os combates ficaram conhecidos como “A Batalha das Ardenas”, também chamada de “A Batalha do Bulge”.
No ar, as péssimas condições climáticas impediram por alguns dias uma participação mais efetiva de ambas as forças, mas as aeronaves decolaram assim que o tempo melhorou um pouco. Os Aliados executaram raids contra as forças atacantes, prejudicando ainda mais sua cadeia logística de suprimentos. Unidades da 9a Força Aérea dos EUA foram transferidas para a Second Tactical Air Force da RAF, cujo comandante era o Air Marshal Arthur Coningham, para reforçar suas unidades. A Luftwaffe, por sua vez, também se fez presente quando possível, mas pagou um preço alto. Ao tentar apoiar a ofensiva, a Força Aérea da Alemanha perdeu, em dezembro, nessa região um total de 644 aeronaves com mais 227 danificadas. Isso resultou em 322 pilotos mortos, 23 capturados e 133 feridos.
Na tarde do último dia do ano, uma patrulha de Fw 190 D9 do III/JG 54 atuando sobre a região de Bastogne deparou-se com uma formação de Consolidated B-24 Liberator. Ao alijarem seus tanques externos de combustível e se prepararem para o combate, veio a ordem de desengajar e retornar a base. Não haveria comemorações e bebedeiras pelo ano-novo. Os pilotos alemães iriam ir dormir cedo. VARUS 01.01.45 havia chegado.
HERMANN 0920
Logo após a chegada do aviso VARUS indicando o dia do ano-novo como a data do ataque, chegou o código TEUTONICUS, liberando a instrução dos pilotos e a preparação das aeronaves. Cientes do sigilo necessário para o sucesso, a maioria dos comandantes das unidades, entretanto, optou por, em um primeiro momento, passar apenas o necessário. Muitos pilotos decolaram sem sequer entender ao certo o que fariam.
A chegada de HERMANN 0920 fez com que as equipes de terra trabalhassem a noite toda para preparar todos os aviões. O sargento-piloto Werner Molge, de 19 anos do II./JG 26, nunca esqueceu sua chegada à base: “Quando voltamos ao campo, uma visão fantástica se espalhou diante de nossos olhos. As aeronaves haviam sido taxiadas de suas dispersões pelas equipes de terra e estavam alinhadas no campo, como se fossem para uma inspeção no desfile. Cinquenta Fw-190D-9s na última luz da lua”.
Apesar de todo o esforço, ocorreram falhas grotescas no planejamento da Bodenplatte. O sigilo foi levado tão a sério, que as unidades de FLAK alemãs não foram avisadas e abriram fogo contra suas próprias aeronaves quando estas cruzaram a fronteira rumo aos seus objetivos. Diversas rotas passavam sobre bases bem defendidas das bombas V2, como Haia na Holanda.
O mau planejamento também se estendeu à seleção de alvos. Por exemplo, as unidades da JG26 se separaram. Metade encontrou o campo em Grimbergen, na Bélgica, deserto, pois a 132nd Wing da RAF havia se mudado recentemente para Woensdrecht, na Holanda, que escapou completamente do ataque. A meia dúzia de aeronaves restantes, no entanto, foi protegida por uma intensa defesa antiaérea. Isso se deve ao fato de que, mesmo ausente dos céus na figura da Luftwaffe, os alemães executavam ataques por meio do uso das V1, o que forçava os Aliados a dispor de uma forte Artilharia Antiaérea (AAA). Para destruir alguns B-17, Lancaster, Mustang e Spitfire em Grimbergen, o JG26 teve 21 aviões e 17 pilotos perdidos. Nem tudo foi ruim para o JG 26. O restante da Ala atacou Evère, um dos campos mais movimentados da Bélgica, no exato momento que alguns Spitfires estavam decolando. Eles foram rapidamente abatidos pelos alemães que desceram sobre centenas de aeronaves estacionadas na base. No total, Evère teve 34 aeronaves destruídas e 29 danificadas.
Desde 18 de setembro de 1944 a RAF ocupava a antiga base da Luftwaffe em Eindhoven, na Holanda. Por ter sido projetada para ser uma base aérea permanente, para deleite dos novos inquilinos, era equipada com prédios de tijolos, alojamentos bem construídos e pistas de taxi dispersas; enfim, um oásis perto das diversas bases avançadas de tempos de guerra.
Nesse dia, ela era o alvo da Jagdeschwader 3. A 208 km dali, nos aeródromos de Gütersloh, Sennelager, Paderborn e Lippspringe, todos na região Oeste da Alemanha, seus pilotos foram acordados em seus quartos às 5h. Após um pequeno café da manhã às 7h, o alvo do dia foi finalmente revelado como Eindhoven. Cada piloto deveria realizar vários ataques e circular o aeródromo no sentido anti-horário entre cada ataque individual. Nenhum alvo alternativo foi dado. Os pilotos receberam mapas nos quais o percurso foi marcado, e as instruções a serem seguidas durante o voo foram inseridas anteriormente. Na ida, seguiram um voo direto Leste-Oeste. O voo de volta deveria ser realizado a partir do alvo em uma posição de aproximadamente 90 graus, e os pilotos foram instruídos a seguir para qualquer um dos campos de pouso que haviam sido marcados em seus mapas, de acordo com a preferência. Às 8h22min., a primeira aeronave decolou. Agora, eles chegaram sobe seu objetivo acompanhadas de alguns Me 262 da Kampfgeschwader 51.
As aeronaves do JG 3 começaram sua primeira corrida de ataque às 9h20min., lideradas pelo Geshwaderkommodore Heinrich Bӓr, um dos ases com maior pontuação da guerra com 221 vitórias. Sobre Eindhoven, os alemães foram pontuais e conseguiram pegar os Aliados de surpresa. Lá estavam baseados permanentemente, oito esquadrões de Typhoon, divididos em duas Alas, a 124 Wing (Sqn 137,181,182 e 247) e a 143 Wing (Sqn 168, 438, 439 e 440), ambas subordinadas ao 83 Group da RAF. O 440 Squadron estava alinhado para decolar quando os caças alemães chegaram baixo do Sudoeste. Pilotos saltaram de suas aeronaves e correram para valas para se abrigar, e milagrosamente ninguém se feriu. Menos sorte teve o Flight Lieutenant Pete Wilson do 438 Squadron. Ele acabara de ser designado o novo comandante de seu esquadrão e, a bordo de seu Typhoon (PD556), estava na corrida de decolagem juntamente com seu ala, o Flying Officer Ross Keller, para uma missão de reconhecimento armado, quando o JG 3 chegou. Ambos foram atingidos e mortos pelo Geshwaderkommodore Heinrich Bӓr.
O Spitfire do Flight Lieutenant RC Smith tinha decolado mais cedo, porém seu caça apresentou problemas de combustível; ele abortou o voo e voltou a Eindhoven ao mesmo tempo que JG 3. Um contra 40. Smith mergulhou no ataque, derrubando um Messerschmitt e atacando outros nove antes de ficar sem munição. O F/Lt. Howard P. “Gibby” Gibbons estava retornando a Eindhoven de um voo de teste no Typhoon QC-D no momento do ataque. Gibbons foi visto atrás de um Focke-Wulf 190 que foi abatido. Assim que o 190 caiu, no entanto, três Bf 109 que estavam na cobertura atingiram Gibbons, que foi abatido e caiu perto de sua vítima. Ele foi listado como KIA (Killer In Action – morto em ação).
Os alemães executaram pelo menos três passes de ataque, sempre circulando e voltando da direção do sol. Os quatro esquadrões de baterias antiaéreas da RAF, dotados com canhões Bofors de 40 mm, reagiram ao ataque e derrubaram vários oponentes. Os sargentos Large e McGee do 438 Squadron correram até o paiol, pegaram metralhadoras Bren de 7,92 mm e, expostos próximos à pista de decolagem, atiraram em mais de 10 caças inimigos que voavam a 15 metros do solo. Em pelo menos dois, observaram impactos. Seu heroísmo foi recompensado quando viram fumaça sair de um Fw 190. Ele era pilotado pelo Hauptmann Ewald Trost, que foi atingido e ferido no braço direito pelos tiros dos sargentos. Sua aeronave caiu 500 metros a Sudoeste da Vila de Oirschot, ao norte do aeroporto de Eindhoven, e foi feito prisioneiro.
A presença de Trost em Eindhoven era um erro. Ele era o comandante do Staffel 2, do Gruppe I da JG 6. Essa Jagdgeschwader, sob a liderança do Oberstleutnant Johann Kogler, tinha como alvo Volkel, a 30 km de Eindhoven, mas se perdeu de sua aeronave-guia – um Ju 88. Acabaram se deparando com a nova base de Heesch e a atacaram de forma desordenada. Na sequência, passaram pela base de Helmond, defendida por forte AAA e que derruba vários deles, especialmente dos Gruppe II e III, inclusive Kogler. Os pilotos do Gruppe I, por sua vez, avistaram a fumaça de Eindhoven e lá se juntaram ao ataque da JG 3. Por esse motivo, Trost, que tinha como alvo Volkel, foi ali derrubado.
Por volta de 9h45min., a provação para o aeroporto de Eindhoven finalmente terminou e os últimos pilotos do Jagdeschwader 3, em pequenos grupos ou individualmente, foram para casa deixando um rastro de destruição com diversas aeronaves em chamas, incêndios varrendo depósitos de combustível e munição, explosões diversas, muitas causadas pelas próprias bombas e foguetes que estavam sendo colocadas nas aeronaves para as missões do dia. Pelo menos 26 Typhoons e cinco Spitfires estavam completamente destruídos, além de cerca de 30 Typhoons seriamente avariados e muitos outros precisando de reparos. Toda essa destruição teve como saldo 15 aeronaves alemãs perdidas e três avariadas, com nove pilotos mortos e seis prisioneiros de guerra. Se toda a operação seguisse o mesmo caminho de Eindhoven, Bodenplatte teria sido considerada um sucesso, porém não foi bem assim. De acordo com os alemães, apenas 11 dos 34 grupos de ataque chegaram sobre o alvo no horário previsto, o que ajudou a alertar os Aliados que se preparavam para se defender.
Em algumas bases, o revés alemão foi terrível. Na região de Asch e na vizinha Ophoven (Y.32), próximo entre a fronteira entre Holanda e Bélgica, 65 caças do JG 11 chegaram às 9h20min., liderados pelo Major Günther Specht, veterano da frente Ocidental com 34 vitórias e que havia perdido um olho ao enfrentar a RAF logo no início da Guerra. Eles haviam decolado as 8h08min. de suas bases em Darmstadt-Griesheim, Zellhausen e Gross-Ostheim. O I./JG 11 e o III./JG 11 voavam Fw 190 A-9, assim como a Stab/JG 11. O II./JG 11 estava com o Bf 109G. Dois Junkers Ju 188 Pathfinders serviram como guias.
Specht determinou um voo a 120 metros, o que se mostrou um grande desafio diante da inexperiência de uma parte considerável de seus pilotos, que só piorou ao também ser alvo da FLAK alemã que derrubou pelo menos um dos seus. Ao chegar à área de Asch, que era o lar dos três esquadrões (328th, 486th e 487th FS) de P-51 Mustang do 352th Fighter Group (352th FG) da 8th Força Aérea e dos três esquadrões (389th, 390th e 391st FS) de P-47 Thunderbolt do 366th Fighter Group (366th FG) da 9a Força Aérea, Specht ordenou uma subida a 460 metros. Foi quando a artilharia antiaérea da base abriu fogo e logo foi necessário manobrar seu Fw 190 A-9 (205033), o “Black 4”. Ele logrou manter seu caça a salvo, mas alguns dos seus foram pegos.
Para piorar a situação do JG11, oito P-47 Thunderbolts do 390th FS estavam no ar retornando de um ataque matinal contra tanques alemães perto de St. Vith, assim como P-51 Mustangs do 487th FS estavam aguardando autorização para decolar. Os Thunderbolts avistaram os caças do JG11 e partiram para a luta. Destaque para o 1st Lt. Melvyn R. Paisley, do 390th FS, que, a bordo de seu P-47 B2-M, apelidado “Le Mort”, derrubou quatro aeronaves, uma delas com o uso de uma salva de foguetes ar-terra. Ele aterrissou e pediu às equipes de solo que rearmassem seu caça, mas, em meio ao ataque alemão, estes se recusaram a sair de seus abrigos e Paisley não pôde voltar ao combate. Os P-47 reivindicaram sete vitórias contra uma perda em dogfight.
Já os pilotos dos P-51 ficaram no dilema entre pular de suas carlingas e correr para se proteger ou decolar. O Mustang do Lieutenant Colonel (Tenente-Coronel) John C. Meyer estava programado para uma missão de escolta de bombardeiros naquela tarde, mas ele conseguiu a permissão para uma patrulha aérea de combate no início da manhã e tinha acabado de finalizar seu táxi a bordo do seu P-51D HO-M “Petie 3rd” e aguardava autorização para decolar com três esquadrilhas. Sem pestanejar, ele liberou os freios e liderou os 12 P-51 do 487th FS pela pista de 1.500 metros da Y-29 em meio ao ataque alemão. Anos mais tarde, um de seus pilotos lembrou que decolaram sem autorização e que pensou: “Bem, ou vamos para corte marcial, ou viraremos heróis”. Seus pilotos não só viraram heróis, como também se tornaram lendas, pois conseguiram abater 23 caças inimigos tendo apenas dois Mustang danificados. Meyer relata: “Imediatamente depois de levantar minhas rodas, vi mais de 15 Fw 190 em direção ao campo a partir do Leste. Eu ataquei um com uma rajada de dois segundos a 275 metros com um desvio de 30 graus, conseguindo bons golpes na fuselagem e nas raízes da asa”. A vítima de Meyer caiu próximo ao campo e ele reivindicou mais uma aeronave derrubada nesse embate.
O líder da Esquadrilha Vermelha da força de Meyer, o Captain William Thomas Whisner Jr., a bordo do P-51D HO-W “Moonbeam McSwine”, no dogfight que se seguiu em baixa altitude, derrubou um Fw 190 e, na sequência, foi atingido nas asas e no radiador de óleo por tiros de 20 mm. “Estando em território amigo”, ele relatou, “eu não via motivo para aterrissar imediatamente, então virei-me e retornei para o dogfight”. Com seu para-brisa e capota cobertos de óleo e um aileron danificado, Whisner abateu mais um Fw 190 e dois Bf 109. Pelos dados americanos, destaque também para o Lt. Alden P. Rigby com quatro vitórias, e os Capitães Sanford Moats, também com quatro vitórias, Henry M. Stewart, com três, e Raymond H. Littge, com duas. Um total de 11 pilotos do 487th FS teria derrubado 23 inimigos contra nenhuma perda. A reação dos seus caças poupou Asch da destruição.
O JG 11 teve, pelos dados alemães, 21 pilotos mortos ou desaparecidos com quatro pilotos capturados. O Major Specht estava entre os desaparecidos. Houve muita controvérsia sobre a derrubada de Specht e, durante anos, acreditou-se que teria sido obra do F/O David Johnson, piloto de P-47 do 366th FG. Pesquisas posteriores, além do próprio depoimento de Johnson (que afirma ter derrubado um Bf 109), elucidaram que sua vítima, na verdade, foi o Oberleutnant August Engel do 8./JG 11. O fato de ter uma patente superior e estar voando o BF 109, que foi a aeronave que consagrou Specht, ajudou na confusão. Na Bodenplatte, Specht voava um Fw 190 e tinha a patente de Major. Apenas postumamente ele foi promovido a Oberleutnant. Outra perda significativa do JG11 foi a do Gruppenkommandeur (Gruppe III) Hauptman (Capitão) Horst Günther Fassong, experiente piloto com 136 vitórias, que a bordo do Fw 190 A8 (682792) do Stab III./JG 11 foi derrubado por um P-47.
Sobre a França
O único alvo alemão sobre a França era a base de Metz-Frescaty. O relato do Oberfeldwebel (Sargento) Stefan Kohl nos mostra o ponto de vista da tripulação alemã nesse ataque da Bodenplatte.
“Fomos acordados às 3 horas da manhã e meia hora depois, todos os pilotos da JG 26 estavam reunidos na sala de briefing. O Hptm. Worner entrou com o envelope ameaçador já aberto na mão. ‘Para ser breve, garotos, estamos decolando com mais de mil caças ao raiar do dia para percorrer vários campos de pouso na fronteira entre a Holanda e a Bélgica’. Em seguida, seguiu os detalhes da decolagem, ordem de voo, objetivos e rotas de volta. Toda a missão deveria ser realizada a menos de 180 metros até chegarmos aos alvos, para que as estações terrestres inimigas não pudessem nos pegar. Para esse fim, o silêncio do rádio foi a ordem até alcançarmos o alvo. Ofereceram um café da manhã magnífico, com costeletas, rosbife e até um copo de vinho. Havia ainda doces e várias xícaras de café perfumado. Os últimos minutos antes de estarmos no ar pareciam uma eternidade. Dedos nervosos apagavam cigarros meio fumados. No brilho escarlate, o sol apareceu lentamente acima do horizonte a Leste. Eram 8h25min. E a Armada decolou.”
A bordo do Bf 109 G-14 “White 11”, o Oberfeldwebel Stefan Kohl pertencia ao 13º Staffel, Gruppe IV do JG 53. Decolou de St. Echterdingen e, junto a centenas de camaradas de sua Luftwaffe, sabia o quão importante era essa missão. A moral era elevada e estava certo de que eles dariam um golpe esmagador aos Aliados, destruindo seus 17 campos de aviação e encerrando seus recursos de uma vez por todas. O alvo designado para o II e IV/JG53 era Metz-Frescaty, na França, a base do 365th Fighter Group da 9th Força Aérea da USAAF, conhecidos como “Hell Hawks”, e dotado com três esquadrões (386th FS, 387th FS e 388th FS) de P-47 Thunderbolts. O III/JG 53 deveria atingir Etain a Noroeste de Metz. Os Gruppe do JG 53 se encontraram próximo a Kaiserslautern e iniciaram a viagem de 260 km até seus alvos, direcionados por Ju 88 do NJG 100.
Na base de Metz, diversos P-47D Thunderbolts estavam alinhados em fila, prontos para iniciar as missões do dia. Foi nesse momento que as equipes de solo e pilotos ouviram o barulho das explosões da AAA ao norte do campo e alguém gritou: “Messerschmitts!!!”. Todos buscaram proteção e diversos Bf 109 passaram atirando, entre eles Kohl, que rasgou os céus a meros 30 metros de altura atirando e atingindo diversos P-47 estacionados. Os alemães fizeram diversos passes de ataque e Kohl acabou atingido e saltou de paraquedas, caindo próximo ao campo. Sabendo que seria inútil tentar escapar, ele caminhou para a base e se entregou ao Major “Bob” Brooking, Comandante do 386th FS.
Os homens do 365th FG estavam em combate sobre a Europa há muito tempo, mas nunca haviam sofrido nada parecido com a destruição infligida pelos Bf 109 nesse dia de ano-novo. As perdas da USAAF em Metz foram de 22 P-47 destruídos e 11 danificados. Kohl estava confiante de que o ataque fora um sucesso, não importando que seu Bf 109 tivesse sido abatido e que ele fosse um prisioneiro de guerra. Ele apontou para os destroços fumegantes dos 22 Thunderbolts na pista de pouso e perguntou: “O que você acha disso?”. Apenas dois dias depois, Brooking o levou à linha de voo lotada com diversos P-47 novos de fábrica e reluzindo ao sol (era como se Bodenplatte nunca tivesse acontecido) e indagou: “Agora, o que você acha disso?”. O alemão olhou para um dos novos aviões recém-chegados e disse: “É isso que está nos vencendo”.
Quando o ataque contra os campos de pouso de Metz e Etain terminou, o JG 53 “Pik As” relatou a perda de 20 Bf 109s e sete danificados. Isso representou quase 50% dos 52 atacantes. Cerca de 13 pilotos estavam desaparecidos, três foram mortos e quatro foram capturados. Outros três retornaram feridos. Entre os capturados estava Kohl. Entre os mortos estava o Unteroffizier Herbert Maxis, que, a bordo do Bf 109 G-14 (784998) “White 13”, foi derrubado pela AAA e caiu a menos de 100 metros da 739th Field Artillery Battalion, cujos membros interpretaram um gesto de Maxis ao sair da aeronave com o de sacar uma pistola e o fuzilaram imediatamente.
O resultado da operação Bodenplatte foi variável em relação aos seus alvos. Em Eindhoven e Evère, assim como em Melsbroek e St-Denijs/Westrem, na Bélgica, foi um sucesso. Em Melsbroek, 35 aeronaves aliadas foram destruídas e nove danificadas. Em St-Denijs Westrem, a 131 Wing da RAF, formada por pilotos poloneses, estava voltando de uma missão de apoio ao solo quando se deparou com a força atacante da JG 1. Seus Spitfires abateram 18 inimigos e perderam dois. Em terra, porém, mais 19 Spitfires foram destruídos. Em outros lugares como Metz, é possível considerar a Bodenplate um empate. O pior foi em Asch, com uma grande perda por parte dos alemães, para não falar dos erros de inteligência ou até mesmo de navegação, que fizeram com que os alemães simplesmente não encontrassem seus alvos ou apenas parte da força atacante chegasse até eles. Por isso, lugares como Heesch, na Holanda, e Le Culot, na Bélgica, saíram praticamente ilesos.
Ao retornarem para suas bases, os pilotos alemães deixaram um rastro de destruição que, nas ultimas análises elaboradas pelos historiadores e estudiosos, chega a 305 aeronaves destruídas e 180 avariadas contra a perda de 271 aeronaves alemãs. Em números aproximados, a perda alemã foi de 60% das perdas causadas aos Aliados. Destas, cerca de 20 foram por fogo amigo de sua própria FLAK, ou seja, cerca de 7%. Embora contrarie a crença que chegou a apontar 25% das perdas por esta causa, não deixa de ser um número expressivo para fogo amigo.
Um dos poucos pontos positivos para os Aliados é que, apesar de toda a sua perda, eles rapidamente repuseram seus estoques. A fabricação nessa fase da Guerra do P-47, por exemplo, era de um por hora. As perdas humanas foram mínimas, e em apenas duas semanas todas as unidades estavam de volta à ação com seus efetivos completos. A Bodenplatte falhou.
A morte da Luftwaffe
O número der aeronaves alemãs perdidas acabou sendo irrelevante. A maior perda, sem dúvida, foi a de material humano na Luftwaffe. Um total de 143 pilotos foram mortos, 70 feitos prisioneiros de guerra e 21 desaparecidos. Nunca a Luftwaffe havia perdido tantos homens em um único combate. Nada menos que três Comandantes de Geschwader, cinco de Gruppe e 14 de Staffel foram postos fora de ação. A perda de seus pilotos veteranos de guerra transformou o que poderia ser considerado uma vitória em uma enorme catástrofe, uma vez que não havia como repô-los em quantidade e qualidade necessárias ao esforço de guerra. Esses homens eram insubstituíveis a essa altura. Os pilotos novatos perderam não somente seus líderes, mas suas referências e ídolos. A queda na moral foi perceptível e o outrora orgulho se esvaneceu. Na frente Ocidental, a falta de pilotos fez com que os alemães nunca mais tivessem como tomar a iniciativa, e a invasão ao seu solo pátrio era puramente uma questão de tempo. Foi o fim da Luftwaffe como arma ofensiva.
No campo político, Adolf Galland, que criticou veementemente a Bodenplatte, chegando a declarar “Nós sacrificamos nossa última substância”, foi destituído de seu cargo de forma vexatória, o que levou alguns pilotos veteranos e de relativa expressão – tais como Günther Lützow, Hermann Graf, Gerhard Michalski, Helmut Bennemann, Kurt Bühligen, Erich Leie, Herbert Ihlefeld e Johannes Steinhoff – a confrontarem o Reichsmarschall Hermann Göring. Todos foram destituídos de seus cargos de chefia e voltaram para unidades da linha de frente, a maioria para pilotar o Me 262. Essa injeção de experiência não ajudou muito a Luftwafffe. Nos primeiros meses de 1945, cada vez menos caças alemães foram vistos nos céus. Menos de cinco meses após a Operação Bodenplatte, a Alemanha nazista se rendeu.
PERFIS DAS PRINCIPAIS AERONAVES USADAS NA OPERAÇÃO BODENPLATTE
II GRANDE GUERRA MUNDIAL – 1° DE JANEIRO DE 1945