‘Mostremos valor, constância, nesta ímpia e injusta guerra” .
O trecho do Hino do Rio Grande do Sul serve como grito de guerra, diante a situação que vivermos. Entre a guerra de informações veiculadas pela internet e verdadeira versão dos fatos, existe uma grande diferença, mas, felizmente, a verdade sempre prevalece. É apenas questão de tempo!
O Rio Grande do Sul está vivendo talvez a maior tragédia da sua história recente. A tão falada enchente de 1941, que tinha atingido a marca histórica de 4,76 metros, não se compara com a magnitude desta junção de fatores meteorológicos que, combinadas de uma forma totalmente imprevisível, sem a ação do homem, tornaram este evento climático algo surpreendente. A marca de 5,33 metros de altura do Rio Guaíba dá uma exata dimensão do que está sendo esta tragédia, superando toda e qualquer previsão feita ao longo dos anos passados sobre previsão e prevenção de enchentes.
Em Porto Alegre, é bem verdade, que o famoso Muro da Avenida Mauá ajudou a evitar a entrada de água na cidade nas chuvas de setembro do ano passado, que quase alagou a cidade, mas ficou impossível prever e segurar o volume de água que atingiu toda Porto Alegre neste evento. Como consequência, todo o centro histórico de Porto Alegre ficou alagado.
Os habitantes do Vale do Rio Taquari, que recentemente tiveram danos irreparáveis nas suas propriedades, voltaram a sentir o efeito devastador desta tragédia. A Região Metropolitana de Porto Alegre foi severamente atingida. Cidades que ficaram completamente alagadas, viveram, vivem e viverão momentos de grande apreensão até que a situação se normalize. E não será em pouco tempo! Até que a ajuda prometida se materialize, o sofrimento de muitos será grande.
A maioria da população, de todos os níveis sociais, vendo a água subir, mesmo devidamente avisados, não acreditaram que seria a catástrofe que foi. Preferiram, no primeiro momento, não abandonar suas residências com receio de saques e esperaram até o último momento. Quando quiseram sair, já durante a noite, não puderam mais! A água já estava invadindo casas com uma velocidade que surpreendeu a todos.
Para que se possa aquilatar o tamanho de área, foram afetadas mais de 350 cidades, sendo os danos maiores nas localidades anteriormente informadas. Imagine ainda mais a amplitude do problema quando, cada uma destas pessoas, munidas com seu celular, consegue enviar para o mundo um pedido de socorro? E geralmente um pedido desesperado para amigos e familiares que, certamente, comove a todos e requer providências imediatas.
Os relatos foram chocantes e repletos de muita dor para todos.
Nesta hora, surge a lembranças das Forças Armadas. Sempre, em momentos de grande comoção nacional, elas são lembradas e chamadas para salvar a Pátria.
Com a velocidade das informações transitando loucamente pelas redes sociais, inverdades passam a ser verdades e são difundidas como se fossem a tradução de um descaso de quem deveria estar onipresente no ponto exato da transmissão do problema. Se a pessoa não é atendida naquele momento, aquela mensagem percorre o mundo e é amplificada. Alguns meios de comunicação reverberaram estes relatos e o que era uma necessidade pontual, passa a ser encarado como um descaso, o que não é verdade.
Vamos aos fatos!
“Mas não basta, pra ser livre, ser forte, aguerrido e bravo” (trecho do Hino do Rio Grande do Sul).
As Forças Armadas, com todas as limitações orçamentárias, que todos conhecem, estão fazendo um trabalho exemplar no atendimento à população. É um trabalho que nem sempre é mostrado ou, quando é, muitas vezes é desvirtuado. Mas, silentes, cumprem o seu dever constitucional. Muitas vezes, indo até além destes.
Inicialmente, os dois locais que serviram de ponto para as Operações Aéreas foram as Bases Aéreas de Canoas e Santa Maria. A primeira, abriga as Unidades Aéreas de Caça de F-5M (Esquadrão Pampa), Patrulha P-95M (Esquadrão Phoenix), e Transporte Aéreo C-95M/C-97/C-98 (Esquadrão Pégaso); e a segunda, com Unidades de Caça RA-1/A-1 (Esquadrões Poker e Centauro), de Veículos Aéreos Não Tripulados RQ-900 (Esquadrão Hórus) e Helicópteros H-60L (Esquadrão Pantera).
Em Santa Maria, o Esquadrão Pantera (5º/8ºGAV), equipado com helicópteros H-60L Black Hawks, foi envolvido, desde o início da tragédia, no salvamento de pessoas, missão primordial do Esquadrão, desde o primeiro momento da inundação. O Esquadrão e seus helicópteros são capacitados para executar missões de alta complexidade, inclusive com o emprego de óculos de visão noturna. Mesmo com as severas condições meteorológicas reinantes na maior parte do início das operações, partissem para realizar todos os chamamentos de socorro. Todos os helicópteros disponíveis não pararam. Todo o esforço do Esquadrão foi direcionado para atender ao resgate de pessoas ou ao transporte de pessoas em perigo de vida.
Mas ninguém, certamente, ficará sabendo, até agora, que um destes helicóptero foi atingido por um raio durante à noite, quando foram realizados resgates utilizando óculos de visão noturna. Mesmo assim, a manutenção do Esquadrão trabalhou toda a noite para disponibilizar o helicóptero para estar pronto para a missão no dia seguinte. Ou então, poucos sabem do sargento que içou uma mãe agarrada no seu filho para dentro de um helicóptero que salvou a vida de ambos! O sorriso do salvador e dos salvados, ninguém ficará sabendo, mas, para os dois salvos, será eterno. Quantas histórias este menino contará sobre este fato a vida toda?
Ou então resgatando grávidas na eminência de entrarem em trabalho de parto a noite, transportando-as para locais onde pudessem dar à luz com segurança. Ou então aquele menino, de dois anos, que necessitava de cuidados especiais, pois onde estava, as facilidades que o mantinham estáveis foram atingidas durante a tragédia. Mas poucos sabem, até agora!
E, certamente após terminarem os resgates, os tripulantes que resgataram vidas, e delas terão gratidão eterna, transportarão suprimentos para diversas cidades, cujos acessos foram destruídos. Também levarão geradores para restabelecer a energia para muitas pequenas cidades. Estão também transportando médicos para ativar a infraestrutura de saúde, remédios e alimentos e água para mitigar a fome e tudo mais o que for necessário para restabelecer a vida normal das pessoas.
Um Esquadrão é formado por pessoas iguais a todos nós e que, muitas vezes, têm que deixar suas famílias em áreas de risco, para poder cumprir a sua missão. E cumprem, para que outros possam viver. Afinal, são treinados para isto e, se preciso, darão a vida pela Pátria.
Assim como um avião comercial não consegue pousar em determinadas localidades com nevoeiro, as aeronaves militares também se sujeitam a estas regras meteorológicas imutáveis, que afetam não só a segurança de voo, mas podem, ao invés de ajudar, agravar o problema, com acidentes de maior ou menor gravidade que, ao final, podem indisponibilizar a aeronave que poderia salvar muitas vidas. Mesmo com todos estes óbices, cumpriam, e continuarão a cumprir a sua missão.
Até um Veículo Aéreo Não Tripulado (RQ-900 do 1º/12ºGAV), equipado com câmeras especiais, está envolvido na missão. Poderá ficar voando um dia inteiro, revezando apenas a tripulação em solo. Graças as suas câmeras, poderão localizar, de dia ou à noite, pessoas que estão isoladas, sem comunicação, direcionando todos os esforços para salvar vidas.
Foi o que aconteceu durante esta tragédia, quando foi realizada a primeira missão de Combate SAR (CSAR), onde um VANT, o RQ-900 do Esquadrão Hórus, localizou um grupo de pessoas que estavam isoladas há quase uma semana. O VANT localizou o grupo, passou as informações para um H-60 Black Hawk, do Esquadrão Pantera, direcionado o helicóptero, com o uso do marcador laser, até resgatar vinte pessoas. Mas poucos sabem disto! Agora saberão!
Em Canoas, mesmo não tendo helicópteros para o apoio imediato das ações na Base Aérea, foi o local que permaneceu fora da área alagada. Com isto, toda a infraestrutura da Base foi imediatamente colocada à disposição para apoiar todas as ações, tanto de aeronaves civis como as militares, sem qualquer distinção.
Vale recordar que o aeroporto Salgado Filho ficou completamente inundado, deixando de operar para pousos e decolagens a partir do dia 02 de maio. A previsão para a retomada das operações aéreas naquele aeroporto está prevista apenas para o final do mês de maio. Com isto, todo o apoio aéreo ficou concentrado na Base Aérea de Canoas, que comporta apenas as operações da FAB. Mas, mesmo com as limitações de infraestrutura para atender aviões comerciais de transporte de passageiros, a Base Aérea está montando uma verdadeira operação de guerra para que, a partir do próximo dia 10/05, passe a receber aviões comerciais que transportarão não só passageiros, mas carga para o atendimento dos necessitados. Esta não é a finalidade de uma Base Aérea, mas passará a ser a partir desta semana!
Desta forma, a Base Aérea de Canoas passou a ser o centro de operações de todos os tipos de helicópteros que vieram para o sul do Brasil para ajudar no resgate dos sobreviventes, que clamavam por socorro. Além disto, começou a receber todo o tipo de suprimentos que os aviões de transporte da FAB estavam transportando.
Foi montada uma verdadeira operação de guerra, pois, a todo o momento, aeronaves decolavam e pousavam com resgatados, aumentando, em mais de 1.000%, o tráfego aéreo diário normalmente encontrado na Base nos dias de operação normal.
Para que isto se tornasse possível, toda uma infraestrutura já existente desde o tempo de paz, foi utilizada e ampliada para que o esforço demandado pela população fosse atendido. Como todo o esforço da Base foi direcionado para as aeronaves de transporte, os pilotos de Caça ficaram gerenciando toda as operações para apoiar as aeronaves que pousavam e decolavam. Ninguém ficará sabendo, até agora, que estes pilotos, altamente qualificados, estão se dedicando a outro tipo de missão. Mesmo dormindo em colchonetes no próprio Esquadrão, pois tinham que descansar, estão dormindo ou trabalhando. Só fizeram e continuarão fazendo isto, ajudando na coordenação das missões. Suas esposas ajudam a preparar refeições para que o esforço não cesse.
O hangar do Esquadrão Pampa, destinado a manter as aeronaves, estava repleto de suprimentos para serem distribuídos para os necessitados. Primeiro salvar, depois suprir.
A Base Aérea de Canoas parece que virou uma base cosmopolita, tamanha a diversidade de pessoas envolvidas e de diversas matizes e sotaques que estão ajudando no esforço coletivo. Até o cachorro Boris, especialista em Salvamento, ficou extasiado, juntamente com o seu tutor, ao chegar perto de uma aeronave F-5M, jamais vista anteriormente. Eles, que vieram do Tocantins, em breve, estarão em busca de mais sobreviventes perdidos nos escombros de muitas localidades.
Vindos dos diversos estados, bombeiros militares, policiais militares e civis estão, organismos federais, como a PRF e Receita Federal, com seus equipamentos, ao lado dos militares de tantos outros locais, estão de braços unidos no esforço conjunto para o resgate. Barracas montadas para servir de apoio aparecem à vista de todos na Base e um hospital de campanha foi montado para atender a população.
Além disto, hospedar todos os tripulantes das aeronaves envolvidas no resgate, exigiu um esforço extra de todos, pois uma operação deste quilate, não prevista e planejada, exigiu triplicar os esforços. Alimentar quem está envolvido no resgate, oferecendo refeições servidas no refeitório, é de extrema importância. Além disto, para não parar a operação, marmitas são fornecidas para que a tripulação faça a sua refeição durante o reabastecimento entre um voo e outro. Mas isto poucos saberão.
Certamente que ninguém ficará sabendo, até agora, que o KC-390 da FAB pousou, com chuva, na Base Aérea de Canoas, onde, na madrugada, desembarcou um hospital de Campanha do Exército que será montado em Lajeado para atender a população. Logo após, a tripulação retornou para buscar mais suprimentos e gêneros. Estes suprimentos, abastecerão desabrigados nestes momentos cruciais até que retornem as suas vidas normais.
Em paralelo, no Comando Militar do Sul, que posteriormente também foi atingido pela enchente no Centro Histórico de Porto Alegre, teve que mudar de local e, do novo local, coordenou todas as ações de socorro. Militares da Marinha, do Exército e da Foça Aérea, irmanados no planejamento de missões para que outros possam viver, trabalham, diuturnamente no recebimento das diversas demandas das mais de 350 cidades, priorizando quais eram as necessidades mais urgentes e direcionando o helicóptero que tinha a capacidade técnica de realizar aquele resgate ou atedimento. A prioridade era a necessidade mais premente e isto só pode ser definido quando existe um centro integrado que coordena todas as missões, dentro de uma prioridade. Quem tem a visão de todo o problema, pode agir com mais rapidez.
Por isto, em alguns momentos, esta priorização de quem estava gerenciando a situação, transpareceu, para alguns, que houve falta de apoio, quando que, na realidade, isto não aconteceu. Ninguém deixou de ser atendido.
Relatos de helicóptero fazendo 17 içamentos de resgatados em apenas um voo. E com um udetalhe interessante: uma jovem Tenente, operacional na missão de Busca e Salvamento, estava voando e coordenando a tripulação para realizar os resgates, sem qualquer distinção. Para que se possa aquilatar o que é uma missão de içamento, o helicóptero deve localizar o naufragado, fazer um voo pairado sobre o local e descer um militar altamente qualificado. Este, ao chegar na pessoa, tem que explicar o procedimento, colocar o equipamento e, por sinais visuais, autorizar o içamento. Muitas vezes, quem é resgatado traz objetos que não quer se desfazer, pois, muitas vezes, são histórias de vida.
Agora, amplifiquem estes salvamentos por grande parte da população das mais de 350 cidades afetadas. As Forças Armadas precisaríam de muitos helicópteros para atender a todas as demandas, que não se tem, pois, nem sempre, as prioridades políticas estão alinhadas com os anseios das necessidades militares e que poderiam atender a população.
Mas a verdade é que, apesar da grande maioria da população não saber, é que, desde que começaram as ações desta verdadeira guerra, muito se fez, mas pouco se fala. Só ganha espaço as demandas com foco na negatividade, ampliando algo que não reflete a realidade.
Ninguém ficará sabendo, até aqui, que um Tenente do Esquadrão Pégaso, pentatleta, de folga em casa, pegou um jet-ski emprestado e saiu a salvar vidas. Ia de casa em casa resgatando idosos, pessoas simples e, muitas vezes, teve que ir nadando para convencer as pessoas a aceitarem o resgate.
Vidas nasceram, muitas outras foram salvas graças ao trabalho anônimo das Forças Armadas. Muitas outras prestarão eterna gratidão ao trabalho dos nossos militares! Outros, apenas criticarão o trabalho sério, profissional e competente que está sendo realizado. A que salvam, o nosso reconhecimento e aplauso!
“Sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra” (trecho do Hino do Rio Grande do Sul)
Foram feitos pela FAB até aqui, 113 resgates, sendo 66 por guincho e 47 EVAM (embarque e desembarque), mais 6 animais (5 cachorros e 1 gato). Infiltração NVG de 6 Operações Especiais no telhado de uma igreja em Guaíba para auxiliar na extração de 147 pessoas. Além da FAB, da Marinha e do Exército, forças parapúblicas com aeronaves, como Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Receita Federal, e aeronaves das polícias e bombeiros do RS, SC, PR, RJ, SP, DF, MT, MG e, claro, privadas, estão atuando em sinergia com as Força Armadas em diversas missões, que vão de transporte, resgate, apoio, transporte médico e até mesmo de segurnaça pública.
Texto: Antonio Ricieri Biasus.
@CAS