“Dois 24 de setembro” Por muitos anos, o dia 24 de setembro de 2020 será lembrado como o dia do primeiro voo do Saab Gripen E em solo brasileiro, realizado entre Navegantes/SC e Gavião Peixoto/SP. Certamente, daqui a alguns anos, quando a história do novo vetor de caça da Força Aérea brasileira (FAB) for contada, naturalmente, haverá um capítulo dedicado a sua passagem por NVT, bem como, também será lembrado que ele voou na ala de dois Northrop F-5M do Esquadrão Pampa em um dia 24 de setembro!
Se isto foi coincidência ou não (deve ter sido), o que importa é que parece que a data foi escolhida a dedo. Isto porque há 66 anos, outro 24 de setembro também marcava não só para a história da Força Aérea Brasileira, mas a história da Aviação Brasileira, do 1º/14º GAV e da jovem cidade de Canoas/RS.
Neste dia chegavam ao sul os primeiros oito Gloster Meteor para reequipar o Esquadrão Pampa. Não foi uma simples reequipagem, foi um marco, pois até aquele momento, o voo a jato no Brasil existia somente no Rio de Janeiro, mais precisamente na Base Aérea de Santa Cruz, lar dos dois esquadrões do 1º Grupo de Aviação de Caça.
E não fazia muito que os “jatos” haviam se tornado sensação no Brasil, pois os Gloster dos Jambock’s (1º/1º GAvCA) e Pif-Paf’s (2º/1º GAvCA) haviam sido entregues um ano antes, em 1953. Nem empresas aéreas operaram aeronaves a reação no país. A Varig, por exemplo, só voaria seu primeiro jato em 1959, com a chegada do PP-VJC, seu primeiro SE-210 Caravelle III, que curiosamente chegou as oficinas da empresa em Porto Alegre em outro 24 de setembro!!!
Pensando com “a visão das pessoas da época”, se a chegada do jato ao Rio de Janeiro foi um evento, o zunido dos motores Rolls-Royce Derwent 8 sobre quase rural Canoas e a pacata Porto Alegre dos anos 1950 foi um assombro!
Não havia previsão de reequipar o “14” como também é conhecido o 1º/14º GAV, em 1954. A saída dos P-40 só deveria ocorrer em fins de 1955, quando o Gloster chegaria de fato a Canoas, podendo inclusive, ser adida para 1956. Porém, os velhos P-40 não conseguiram esperar tanto, e após o acidente de 9 de maio de 1954 durante um voo de ensaio com o P-40K FAB 4035, que vitimou o Capitão Flávio Argolo em Canoas, toda a frota foi desativada. Em em poucas semanas, os Warhawk haviam virado história no Pampa e na FAB! Em 9 de julho de 1954 foi feita a cerimônia de despedida do P-40 na FAB em Canoas. Pouco mais de dois meses depois, os jatos chegariam ao Sul.
A reequipagem teve que ser feita as pressas e precisou de uma grande dose de superação da unidade. O “14” receberia inicialmente 16 F-8/TF-7, sendo os oito primeiros – dois TF-7 e seis F-8 em setembro de 1954, após serem montados e revisados pelo então Parque de Aeronáutica de São Paulo (Campo de Marte) hoje Parque de Material Aeronáutica de São Paulo (PAMA-SP).
Os primeiros Meteors do 1º/14º GAV saíram do Campo de Marte para a Base Aérea de Cumbica em 03 de setembro de 1954. No dia 06, com previsão de tempo bom em Gravataí (SBGI) a esquadrilha decolou em direção à então BAPA, apesar de uma frente fria sobre os estados de Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Canoas era designada à época Base Aérea de Porto Alegre (BAPA) e ficava no aeródromo militar do Gravataí (SBGI). Como as aeronaves ainda não tinham sido equipadas com rádio-goniômetro (ADF), o Comandante do Esquadrão, Maj.-Av. Magalhães Motta, tencionava subir até 35.000ft, passando, assim, por cima da frente fria. Porém, com 25 minutos de voo, foram forçados a retornar a Cumbica, devido à frente mostrar-se intransponível. Esse retorno trouxe mais uma dificuldade: em Cumbica (BASP) não havia como recarregar os Meteors com oxigênio, de forma que as oito aeronaves decolaram para Santa Cruz, onde os pilotos do Esquadrão aguardaram a melhora do tempo no Sul por uma semana!
Neste período o Maj.-Av. Magalhães Motta conseguiu, junto ao comandante do 1º GAvCa – Maj.-Av. Josino Maia de Assis, o empréstimo do F-8 4443 equipado com rádio-goniômetro, que foi pilotado pelo Maj.-Av. Magalhães Motta. No dia 16, os nove aviões decolaram com destino a Gravataí, mas mais uma vez, não conseguiram atravessar a frente, mesmo voando a 30.000ft, sendo forçados a retornarem a Cumbica (BASP). Mais precavida, a BASP solicitou o apoio do PASP, que reabasteceu de oxigênio as aeronaves para, no dia 18, decolarem para, mais uma vez, serem barrados pela frente fria estacionária no Sul, vindo desta vez a alternar em Curitiba.
Finalmente, o dia 24 amanheceu com os céus limpos, um verdadeiro “cavok” em toda a região Sul, que se estendia até a fronteira com o Uruguai. Assim, o Esquadrão Pampa, formado por duas esquadrilhas + uma aeronave isolada decolou rumo sul e, após pouco mais de uma hora de voo, finalmente, chegavam em casa. Eram 13 horas locais e a BAPA estava à espera em festa, com diversos militares e convidados para ver os Jatos! Foram diversas passagens de saudação, com algumas, individuais, muito baixas e hoje consideradas “insanas”, especialmente, nas passagens individuais sobre a base.
Para uma região quase rural comporta pelas cidades Canoas e Cachoeirinha e Gravataí e uma pacata Capital – Porto Alegre, a chegada dos jatos foi um evento!! Foi um espetáculo nunca antes visto no Sul. Um zunido diferente que veio naquele 24 de setembro de 1954 trazendo em definitivo a era à jato!
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