Depois de mais de dez anos de seu primeiro voo, a última e maior versão do F-35 Lightning II atingiu a capacidade operacional completa (FOC – Full Operational Capability) em 2021, iniciando neste ano sua primeira comissão embarcada em um porta-aviões nuclear americano. A entrada em serviço do F-35C marca uma nova etapa nas aviações navais da US Navy e do USMC.
Leandro Casella
Originário doprojeto Joint Strike Fighter (JSF) ou Caça de Ataque Conjunto, o Lockheed Martin F-35 começou a se tornar uma realidade operacional quase 30 anos depois de ser idealizado. As origens do JSF remontam ao início dos anos 90 quando o Departamento de Defesa (DoD) americano desenvolvia programas importantes como o F/A-18E/F Super Hornet e o F-22 Raptor, bem como em paralelo, se via imerso em uma série de estudos e projetos pontuais (boa parte iniciada nos anos 1980), que tinham como foco criar a futura geração de aeronaves de combate dos Estados Unidos.
Os ensinamentos da Guerra do Golfo em 1991, somados a drásticas reduções orçamentárias, globalização, e um misto de novas tecnologias e necessidades, obrigaram o Departamento de Defesa dos Estados Unidos (US DoD) a focar em “norte verdadeiro”. Era necessário racionalizar, aliando custos e necessidades. A palavra de ordem era multimissão. Assim, o US DoD instituiu em 1993 o Bottom-Up-Review (BUR) cujo objetivo era reavaliar cada projeto em andamento, e cujo “mantra” passou a ser eliminar os projetos focados em atender apenas necessidades operacionais pontuais. Era preciso condensar tudo em um só projeto. O resultado do BUR manteve os programas F-22 e F/A-18E/F, cancelou os demais projetos e criou o Joint Advanced Strike Technology (JAST), estabelecido em 27 de janeiro de 1994. O JAST condensou ideias e projetos, passando a ser o programa responsável por estabelecer não um novo vetor, mas sim, um novo conceito operacional. Este ditou que o novo caça seria supersônico, multimissão, monomotor, monoplace, stealth e em três versões, com alto grau de comunalidade entre elas, o que garantiria baixo custo de produção, manutenção e operacionalidade. Era o embrião do JSF, que foi assim denominado em agosto de 1995.
Em cima desse conceito, o DoD publicou um Requests For Proposal (RFP) respondido pelo mercado em março de 1996. O consórcio McDonnell Douglas/British Aerospace/Northrop Grumman apresentou um modelo similar ao Boeing YF-23, desclassificado em 16 de novembro de 1996, da Concept Definition Design Research (CDDR), por apresentar alto risco de desenvolvimento. Dois modelos passaram pela CDDR, habilitando-se para a fase de Concept Demonstration (1996 – 2001). Foram eles o Boeing X-32, um caça de asa em delta stealth com uma grande tomada de ar frontal e o Lockheed X-35, uma versão monomotora do Lockheed F-22 Raptor. Durante cinco anos, a comissão do JSF analisou, avaliou e ensaiou exaustivamente cada um dos protótipos (X-32A/B/C e X35A/B/C).
Finalmente, em 26 de outubro de 2001, a Lockheed Martin foi declarada vencedora, levando consigo o maior contrato militar da história já assinado para uma aeronave de combate. Para um projeto dessa envergadura, a Lockheed Martin agregou diversas empresas, entre elas a BAE Systems, Northrop Grumman, Pratt & Whitney, General Electric/Rolls-Royce Fighter Engine Team. Além dessas, mais de 100 empresas do setor aeroespacial também foram subcontratadas ao longo dos anos para atuar no projeto.
Um legítimo caça de 5ª geração. Assim podemos definir o Lockheed F-35 Lightning II, uma aeronave de combate multirole e stealth, que primariamente é destinada a cumprir missões de ataque, mas que também atua com a mesma desenvoltura na arena ar-ar. A versatilidade da plataforma também fará com que ele cumpra missões de guerra eletrônica (EW), reconhecimento e supressão de defesas (SEAD) e, mais recentemente, como aeronave agressora (Red Air). Segundo a Lockheed, as três versões possuem 29% das peças e sistemas idênticos, e outros 49%, são “primos de primeiro grau”.
Para atender a todo o espectro operacional, tanto em nível de força aérea, quando naval – operando embarcado, a Lockheed Martin atendeu à prerrogativa-base do projeto JSF e desenvolveu três versões distintas, porém, com alto grau de comunalidade, que chega próximo dos 80%. Entre os pontos em comum está o motor, um Pratt & Whitney F135-PW cuja versão “PW-100” (25 mil lb/40 mil lb – com pós-combustão) equipados F-35A/C e a “PW-600” (26 mil lb/38 mil lb – com pós-combustão) uma versão equipada com sistema vertorado Shaft-Driven Lift Fan (SDLF)da Rolls-Royce equipa os F-35B.
O ingresso da BAE Systems proporcionou o interesse dos ingleses e abriu espaço para uma modalidade de participação global. Assim, oF-35 trilhou um caminho oposto ao do F-117, B-2 e F-22 e foi ofertado para um seleto grupo de países alinhados. No entanto, nem tudo foi só vantagem. Os americanos sabiamente aproveitaram a oportunidade para capitalizar até 15% do valor de desenvolvimento do projeto. Para entrar no projeto era necessário tornar-se parceiro investidor, assumindo também o risco financeiro de uma empreitada dessa envergadura. Assim, em fins de 2001, foi criado um fundo para participação do projeto JSF que atraiu oito países. Ele foi dividido em três níveis: I – Parceiro Colaborador (Reino Unido); II – Parceiro Associado (Itália e Holanda) e III – Parceiro Informado (Austrália, Canadá, Dinamarca, Noruega e Turquia). Além disso, foi aberta uma modalidade chamada Security Cooperative Participants, destinada a países aliados, que incluíram vendas a Israel, Japão e Coreia do Sul.
Nesses mais de 20 anos desde que o F-35 venceu o JSF, ele conquistou vários outros clientes, fechando hoje em 22 operadores em 18 países, grande parte vendidos via Foreign Military Sales (FMS). Poderiam ser 23 operadores, se a Turquia não tivesse sido alijada em 2019 do JSF, após o impasse da compra do sistema de defesa antiaérea S400 da Rússia. À época, oito F-35A já estavam prontos e nas cores da Turkish Air Force (TuAF) que acabaram retidos nos EUA. Outros dois operadores estão em vista. Grécia e Emirados Árabes Unidos (EAU), que negociam a compra do caça americano na versão F-35A. Nenhuma outra aeronave de combate conquistou tantos clientes neste século. A perspectiva é fabricar mais de três mil F-35. Em agosto de 2022, mais de 825 F-35 dos três modelos já haviam sido entregues a 14 usuários.
Hoje, o F-35 está em operação: Estados Unidos – USAF (F-35A), US Marine Corps (F-35B) e US Navy/US Marine Corps (F-35C); Dinamarca – Royal Danish Air Force (F-35A); Holanda – Royal Netherlnds Air Force (F-35A); Itália – Aeronautica Militare Italiana (F-35A) e Marine Militare (F-35B); Noruega – Royal Norwegian Air Force (F-35A); Reino Unido – Royal Air Force e Fleet Air Arm (F-35B); Israel – Israeli Air Force (F-35I); Austrália – Royal Australian Air Force (F-35A); Coreia do Sul – Republic of Koean Air Force (F-35A) e Japão – Japan Air Self-Defense Force (F-35A/B).
Ele também foi encomendado por: Alemanha – Luftwaffe; Bélgica – Belgian Air Force; Canadá – Royal Canadian Air Force; Finlândia – Finnish Air Force; Polônia – Polish Air Force; República Tcheca – Czech Air Force; Suíça – Schweizer Luftwaffe; Cingapura – Royal Singapore Air Force, onde todos optaram pelo modelo F-35A. Grécia – Hellenic Air Force e EAU – United Arab Emirates Air Force, também pretendem adquirir o F-35A.
F-35A – É a versão CTOL (Conventional Take-Off and Landing/Pouso e Decolagem Convencional) sendo considerado o modelo mais importante de produção. Fez seu primeiro voo em 15 de dezembro de 2006 em Fort Worth/TX. Destinado a substituir os Lockheed F-16C/D/CJ, o “Alfa”é uma aeronave de caça convencional típica, similar ao F-22A, não só no aspecto visual, como nos quesitos conceitual e operacional. Das três versões do F-35, esse é o único a ter o canhão rotativo de quatro canos Gatling GAU-22/A (25 mm) com 182 cartuchos e o sistema de Reabastecimento em Voo (REVO) padrão USAF (flying boom + Universal Aerial Refueling Receptacle Slipway Installation – UARRSI).
O GAU-22/A é baseado no GAU-12 (usado no AV-8B), que curiosamente, “quebrou” a forte tradição vista nas últimas décadas do emprego do canhão rotativo de seis canos Vulcan M61 (20 mm) pelos caças americanos. Nas demais versões, o GAU-22 é levado em um pod externo disposto no pilone central da fuselagem, capaz de levar 220 projéteis, e o sistema de REVO adotado é o padrão universal (probe and drogue). Além do F-35A, também foi desenvolvido o F-35I Adir, uma versão customizada para Israel.
O F-35A foi a versão escolhida por 16 dos 18 países que encomendam a aeronave até aqui. Se contarmos o F-35I, são 17 operadores da versão CTOL.
F-35B -A segunda versão de produção é o primeiro jato supersônico com capacidade STOVL (Short-Take-Off and Vertical-Landing/Decolagem Curta e Pouso na Vertical). Seu primeiro voo foi em 11 de junho de 2008 em Forth WorthTX. O F-35B surge como herdeiro da notável família de jatos Harrier/Sea Harrier. Se excluirmos a presença do sistema Rolls-RoyceSDLF e do bocal do motor com empuxo vetorado, responsáveis pela capacidade STOVL da aeronave, externamente o “Bravo” é basicamente idêntico ao F-35A. O F-35B foi escolhida por quatro dos 18 países que encomendam a aeronave até aqui.
F-35C – A versão naval F-35 CV (Carrier Variant) é otimizada para a operação embarcada em porta-aviões convencionais. Ela tem o mesmo comprimento do F-35 e é 10 cm maior que o F-35B. Nasceu da necessidade da US Navy em ter um vetor que formasse junto com os F/A-18E/F/EA-18G, o que hoje é a sua principal força de ataque/defesa aérea. Seu primeiro voo foi em 10 de junho de 2010 em Forth WorthTX. Para atender às especificações da Marinha, o Charlie possui um trem de pouso navalizado e asas dobráveis que possuem uma envergadura 18,3% maior que os F-35A/B (um aumento de 2,4 m). Isso permitiu a introdução de ailerons convencionais, inexistentes nos F-35A/B, onde o controle de rolagem é feito por flaperons e/ou profundores. O F-35C foi adquirido apenas pela Marinha Americana. Ele tem um probe retrátil de REVO do lado direito e seus profundores são maiores que os F-35A/B. O único operador é os EUA.
O F-35C é o primeiro e único caça furtivo (Stealth) de longo alcance do mundo projetado e construído explicitamente para operações de porta-aviões convencionais. De certa forma, ele foi feito para ser “exclusivo” da Marinha Americana, que tem planos de adquirir 273 F-35C para as unidades de caça da US Navy e do USMC. Mas por que exclusivo? Dificilmente haverá outro operador, pois ele foi concebido para o ambiente naval convencional, isto é, com uso de catapulta, onde apenas EUA e França operam atualmente. Alguém poderá dizer que o F/A-18 também foi concebido para o ambiente naval, e, mesmo assim, vendido para forças aéreas, isto é, para operação exclusiva em bases terrestres. É o caso de Austrália, Suíça, Canadá, Malásia, Kuwait e Finlândia. No entanto, isso certamente não vai ocorrer com o F-35C, pois ao contrário do Hornet/Super Hornet, o Lightning II possui uma versão voltada ao emprego por forças aéreas – o F-35A, o que é mais barato e sem as complexidades de um avião naval.
Sua configuração, sensores, capacidade interna de combustível e armas, bordas alinhadas e processos de fabricação de última geração, contribuem para o desempenho furtivo com baixa reflexão radar (RCS – Radar Cross Section). Isso permite que os pilotos evitem ou minimizem a detecção por parte do inimigo, e operam em ambientes “antiacesso” com espaço aéreo contestado, melhorando a letalidade e a capacidade de sobrevivência.
Seu principal sensor embarcado é o radar Northrop Grumman AN/APG-81 AESA (Active Electronically Scanned Array). Além desse, o F-35C possui um Distributed Aperture System (DAS), o Electro Optical Targeting System (EOTS) e o Helmet Mounted Display System (HMDS), que permitem que o piloto veja tudo no espaço de batalha com uma consciência situacional sem precedentes.
Com seu alcance de 1.200 nm (2.200 km) sem reabastecimento em voo, o F-35C acaba se tornado um vetor ideal para projetar força lançado de um porta-aviões, pois permite à US Navy efetivar ações ofensivas em qualquer parte do mundo. O F-35C pode atingir velocidades de 1,6 Mach (+ ou – 1.200 mph) mesmo com uma carga interna completa de armas. Com sua carga de combustível e armas internas, o F-35C pode voar mais rápido e sem arrasto associado a tanques externos e armas externas. O F-35C pode transportar mais de 5.000 libras (2.267,9 kg) de armas no bombay interno e mais de 13.000 libras (5.896,7 kg) de armas externas, em um total de 18.000 libras (8164,6 kg) combinados. Isso permite que a marinha opere furtivamente quando necessário, ou aumente a letalidade com armas adicionais nos cabides externos, quando o espaço aéreo for permissivo.
Inicialmente, os protótipos do F-35C foram entregues às unidades de ensaio – VX-9 Det e o VX-23 que passaram a testar a aeronave a partir de 2011, inclusive, realizando os primeiros pousos e lançamentos via catapulta, embarcados. O VX-9 Det (destacamento) – “Vampires” – está sediado em Edwards AFB (KEDW) – Califórnia, sendo é parte do F-35 Joint Operational Test Team (JOTT). O VX-9 Det é um destacamento do VX-9, sediado na NASW China Lake (KMID), também na Califórnia e emprega exclusivamente o F-35C no ensaio com armamentos. Já o VX-23 – “Salty Dogs” sediadona NAS Patuxent River (KNHK) – Maryland é uma unidade de ensaios em voo, que opera diversas aeronaves, inclusive o F-35C ao lado de aeronaves como F/A-18B/C/D/E/F, EA-18G, T-45 e F-35B. Ambos (VX-9 e VX-23) ainda operam seus F-35C, testando e integrando novos sistemas.
A primeira unidade a receber um F-35C de série foi o VFA-101 – “Grim Reapers”, esquadrão reativado em 10 de setembro de 2012, e que recebeu seu primeiro exemplar em junho de 2013. O VFA-101 – oriundo do VF-101 (F-14D) e desativado em 30 de setembro de 2005, foi recriado na base da USAF de Eglin AFB, FL para ser a unidade US Navy Fleet Replacement Squadron (FRS), voltada para formar os futuros pilotos de F-35 Charlie da USN e do USMC. A implantação em Eglin – uma base da Força Aérea e não da Marinha se justificava, pois, além de grande experiência com outro caça stealth – o F-22A, a base era o centro de formação e treinamento dos F-35A da USAF, o que justificou condensar a formação de F-35 lá. Durante sete anos o VFA-101 foi o responsável por formar os primeiros pilotos e instrutores de F-35C, inclusive com a formação embarcada. Com sua missão cumprida, o VFA-101 foi desativado novamente em 1º de julho de 2019, com a cerimônia militar sendo realizada em 23 de maio do mesmo ano.
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