Falhas de procedimentos e uma fita derrubaram o F-22 na Flórida em 2020. Falhas de procedimento na manutenção e pilotagem, além de uma fita, causaram o acidente de um caça F-22 Raptor da USAF, na Flórida, em maio de 2020. As informações estão em um relatório sobre a investigação da queda do jato de US$ 202 milhões, obtido pela Air Force Times, por meio da Lei de Liberdade de Informação.
Em outubro de 2021, publicamos aqui, um relatório preliminar obtido pela AFT, onde as informações davam conta que o F-22 entrou em uma atitude instável após a decolagem, se recusando a obedecer os comandos do piloto. Como resultado, o jato colidiu com o solo, e o piloto conseguiu se ejetar com segurança. Na época, a investigação concluiu que as falhas foram causadas por uma lavagem mal gerenciada da aeronave, onde equipamentos eletrônicos que comandam as superfícies móveis do F-22, foram indevidamente expostas a umidade.
O piloto envolvido no acidente não teve sua identidade divulgada, mas sabe-se que era um Capitão que atuava como Oficial de Operações do 43rd Fighter Squadron (43rd FS). Esta é a única unidade da USAF que fornece treinamento inicial e de requalificação para pilotos de F-22 da ativa, Guarda Aérea Nacional e da Reserva da Força Aérea.
Os problemas começaram dois dias antes (18/05/2020), quando os técnicos rebocaram o Raptor, matrícula 01-4022, para a lavagem mensal preventiva contra corrosão. Um chefe de equipe foi encarregado de supervisionar os quatro técnicos durante a correta limpeza do caça. Um piloto-chefe vistoriou o trabalho periodicamente, mas não ficou durante todo o processo. Ele fez a inspeção final após a conclusão da lavagem, disse o relatório.
A ordem técnica, ou manual de manutenção, diz aos técnicos de manutenção como lavar o F-22, e informa que um supervisor precisa acompanhar e participar da limpeza. Mas o único membro da equipe com treinamento nessa função, não sabia quem deveria ser o supervisor da atividade.
Um dos elos da corrente que culminou no acidente, foi o furacão Michael. Em 2018, este furacão de categoria 5, destruiu parcialmente a Base Aérea de Tyndall, na Flórida, então a sede do 43rd FS. Assim, a unidade foi enviada para a Base Aérea de Eglin. “A disciplina e a padronização das lavagens nesta unidade sofreram quando as operações mudaram de Tyndall AFB, para Eglin AFB, após o furacão Michael”, disse o relatório.
Os pilotos não viram problemas durante as verificações pré-voo de rotina antes e no dia do acidente, embora não esteja claro o quão minuciosamente o jato foi inspecionado. Algo crucial foi passado.
A Fita
Os técnicos de manutenção precisam cobrir os dispositivos eletrônicos que possam ser afetados pela água, antes de iniciar uma lavagem. Segundo o relatório, os pilotos deixaram uma fita que cobria uma parte do equipamento de dados de voo do F-22, conhecido como “Beta Port”, e que ninguém removeu antes da decolagem.
Fabricada pela Collins Aerospace, a “Beta Port” é uma unidade de coleta e processamento de dados e parâmetros do voo, e que constantemente envia informações para um sistema de controle de voo, que ajusta as atitudes da aeronave.
Enquanto o jato ainda estava na pista, um alerta apareceu informando ao piloto que havia algo errado com o sistema de controle de voo. O piloto ignorou e prosseguiu com a decolagem.
Cerca de 15 dias antes do acidente, um novo procedimento de emergência havia sido instituído para o F-22. O procedimento orienta os pilotos para abortar a decolagem se um aviso do sistema de controle de voo surgisse durante a decolagem.
O piloto que em breve enfrentaria essa situação, não revisou as atualizações antes de assinar o novo arquivo e não estava ciente das alterações no protocolo de emergência, segundo a investigação.
Um funcionário encarregado da padronização do F-22, enviou uma mensagem para os pilotos no aplicativo de bate-papo do Slack, informando que o manual de voo havia mudado, mas os pilotos não são obrigados a ler as mensagens deste aplicativo. Eles também não precisam ler o novo material em seus tablets para aceitar um manual de voo atualizado.
De acordo com o relatório, entre as funções da “Beta Port esquerda”, coberta com a fita, estava o processamento dos parâmetros de pressão do ar, e repassá-las para o controle de voo do F-22. Portanto, se o piloto tivesse abortado a decolagem, a aeronave teria salva, disse o investigador no relatório.
Uma semana após o acidente, vários tablets de outros pilotos também não haviam sido atualizados com o novo manual de voo. “Na minha opinião, más práticas de distribuição [de ordem técnica] falharam em notificar proativamente a comunidade F-22 sobre a existência [de] uma nova publicação, e quaisquer mudanças críticas de segurança de voo contidas na nova versão. Esse fator contribuiu substancialmente para o acidente”, disse no relatório, o Coronel Jonathan King, Chefe da Investigação.
Quando perguntada se o incidente estimulou mudanças na forma como os pilotos são notificados sobre as revisões do manual, a Capitã Sarah Johnson, porta-voz da 325rd Fighter Wing, disse que a organização “segue as orientações e procedimentos da Força Aérea para atualizações de ordens técnicas”.
Durante o voo, dados incorretos foram enviados pela “Beta Port esquerda”, coberta com a fita, interferindo na operação do F-22, e apresentando ao piloto dados errados, como uma altitude e velocidade de cerca de 1.000 pés e 40 nós, segundo o relatório.
Normalmente, as redundâncias de sistemas que equipam os F-22 permitem que mesmo assim ele voe quando um componente não está funcionando. O sistema de controle de voo pode determinar qual parte está fornecendo dados falsos e ignorá-lo, de acordo com o relatório.
No entanto, esse recurso não entrou em ação porque o voo estava em uma faixa operacional conhecida como “happy place”, após o piloto incrementar o angulo de subida. O termo refere-se a não voar mais que 1 G, 400 nós ou 20 graus de pitch positivo, porém o jato estava subindo a 480 nós, 5,5 Gs e 55 graus.
A subida acentuada após a decolagem, fora dos parâmetros do “happy place”, e a fita cobrindo a “Beta port esquerda”, fez os computadores do F-22 desligar a outra porta, para ajustar as diferenças de pressão recebidas. “Neste momento, não era mais possível para o piloto controlar a aeronave com segurança”, disse o relatório.
Se o piloto tivesse ficado dentro dos parâmetros “happy place” do avião, e reiniciado os controles de voo, o computador do F-22 teria desligado a porta Beta esquerda, para ignorar os dados errados. “A aeronave teria controle suficiente para realizar um pouso seguro”, disse o relatório.
A Lockheed Martin, fabricante do F-22, executou o cenário por meio de um simulador cerca de 100 vezes. Cada vez, segundo o relatório, a partida instável do avião fazia com que os controles de voo desligassem parte dos sensores de coletas de dados.
O porta-voz da Collins Aerospace, Al Killeffer, fabricante da Beta Port, questinou a USAF se ela tinha atualizado os seus dados de voo e componentes de controle de voo, após o acidente, e se problemas relacionados afetaram outros jatos. a Capitã Johnson da 325rd FW, se recusou a responder se alguém foi punido por seus erros naquele dia, citando preocupações com a privacidade.
A FW “continua focada em uma cultura de manutenção que garante que as aeronaves e equipamentos atribuídos sejam seguros, úteis e configurados adequadamente para atender às necessidades da missão”, disse ela.
O depoimento de testemunhas revelou que “violações claras” também ocorreram durante outras lavagens do F-22, disse o relatório. Johnson disse ao Air Force Times que os protocolos de limpeza inadequada não causaram nenhum outro mau funcionamento dos caças.
Em 2008 a USAF perdeu um bombardeiro B-2 Spirit devido a um problema semelhante. Nesse caso, a chuva interferiu no sensor de dados de voo na decolagem, causando a queda da aeronave.
Após o acidente com o F-22, o 43rd FS “fez alguns ajustes internos para fornecer maior supervisão nas lavagens de aeronaves”, disse Johnson, sem entrar em detalhes.
A pandemia de coronavírus também contribuiu para a falha de alguns procedimentos na manutenção. Os líderes do 43rd FS e do 325th Aircraft Maintenance Squadron se dividiram em duas equipes e começaram a alternar entre o trabalho presencial e o teletrabalho a cada duas semanas. “A maioria das reuniões, incluindo dos pilotos, foi cancelada ou realizada virtualmente de acordo com as diretrizes de mitigação do COVID-19. Isso interrompeu o fluxo normal de comunicação e aprendizado”, disse o relatório.
No total, o acidente do F-22 custou mais de US$ 202 milhões em danos, incluindo a aeronave de US$ 201,6 milhões, dois mísseis de treinamento de interceptação aérea CATM-9 avaliados em US$ 32.000 cada e US$ 850.000 em custos de limpeza ambiental.
Fonte: AFT
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