Na história da humanidade, a região do Mediterrâneo sempre foi, e, sempre será, muito importante não só historicamente, mas em termos políticos, religiosos, econômicos, culturais e militares. Ao longo dos séculos, a região foi palco de muitos momentos cruciais da história, parte deles embasam e explicam as conjunturas que vivemos atualmente.
O Mediterrâneo é o encontro entre Ásia e a Europa, Ocidente e o Oriente, Islã e potências ocidentais. Hoje é um dos pontos do planeta onde existe e, pelo jeito sempre existirá, uma tensão militar aliada a uma constante renovação dos vetores de combate.
Carlos Lorch e Leandro Casella
O Mediterrâneo é o mais importante, e mais contestado corpo d’água do planeta Terra. Incrustado entre a Europa, a África e o oeste da Ásia, foi fundamental para a evolução da civilização ocidental. Possui poucos acessos a outros oceanos e mares, como o Atlântico através do estreito de Gibraltar (Mar Alborão), entre a Espanha e o Marrocos; os estreitos de Dardanelles e do Bósforo, que o ligam ao Mar de Marmara e o Mar Negro, respectivamente; entre a Turquia e a Ásia Menor; e o Canal de Suez, uma hidrovia artificial que o conecta ao Mar Vermelho, e consequentemente, ao Oceano Índico e além.
Ao longo da História, várias civilizações nasceram e floresceram utilizando o Mediterrâneo para empreender o comércio, destacando-se os fenícios, os gregos e os romanos que, durante séculos, dominaram aquelas águas ao longo de seus quase 4 mil quilômetros de extensão. Na idade média, o mar foi palco de conflitos entre o Islã e o Império Bizantino, o que mexeu com todo o comércio da Eurásia, da África do Norte e do Oriente Médio. Quando o mar “pertencia” a um poder, este negava o acesso aos demais que eram forçados a buscar alternativas que, por sua vez e apesar de mais custosas, abriam novas rotas de comércio.
Na Idade Média e na Renascença, ocorreram as Cruzadas, expedições cristãs para expulsar o Islã da Terra Santa. Após um longo período de vitórias e revezes as Cruzadas acabaram fracassando e o Mediterrâneo passou a ser contestado entre os mouros, membros islâmicos do Maghreb, ou do norte da África, e as nações comerciantes do Leste, como Veneza, Gênova e outras. Bizâncio foi aos poucos sendo tomado pelos Turcos Otomanos, que estabeleceram a liderança do mundo islâmico, situação que se estendeu até hoje. Em 1571, a derrota da frota Otomana para uma coalizão dos países católicos na Batalha Naval de Lepanto afetou a supremacia do Islã na região.
Dali em diante, dotados de melhor tecnologia os europeus dominaram o Mediterrâneo, e algumas potências até chegaram a colonizar o norte da África e o Oriente Médio. França, Itália, Espanha, Grã-Bretanha e o Império Otomano conquistaram territórios, com os turcos permanecendo com vastas colônias, até sua derrota para os aliados na Primeira Guerra Mundial.
Durante a Segunda Guerra, a região foi palco de diversos embates aéreos, fosse no leste do Mediterrâneo, onde ocorreram as batalhas aéreas de Taranto, Malta, Líbia, Sicília e da Península Italiana, como no Oeste, onde os norte-americanos derrotaram forças francesas de Vichy e alemãs após os desembarques da Operação Torch, que ocorreu nas costas do Marrocos e da Argélia, em 1942.
Após o fim da Segunda Guerra, em 1945, o Mediterrâneo continuou tenso e ocorreram conflitos importantes, como a Operação Musketeer cujo objetivo era a retomada por parte da Inglaterra e da França do Canal de Suez que fora nacionalizado pelo Egito; por conflitos árabe-israelenses, pela conquista da metade norte da Ilha de Chipre pela Turquia e a decorrente guerra contra a Grécia; pela Guerra do Golfo (1991) e de operações antiterroristas de norte-americanos e seus aliados já neste século – a partir de 2001, contra alvos no Líbano, na Síria, na Líbia, no Mali e na Tunísia.
Hoje, os 23 países com litorais no Mediterrâneo, e outros cuja influência se faz sentir na região, como é o caso dos Estados Unidos, da Rússia, do Irã e dos Emirados Árabes, vivem uma paz incerta.
A Espanha é praticamente a guardiã da entrada ocidental do Mar Mediterrâneo. Separada do Reino do Marrocos pelos escassos 16 quilômetros de água do Estreito de Gibraltar, ela ocupa uma posição estratégica não só para si, mas para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que entende que qualquer ameaça à integridade daquela passagem, coloca todo o Mediterrâneo em cheque.
O relacionamento entre a Espanha e o Marrocos é cordial apesar de existirem vários pontos de fricção entre os dois países. A conquista de grande parte da Península Ibérica em 711, por mouros provenientes da região do Maghreb, que permaneceram na Espanha até a Reconquista pelos Reis Católicos, em 1492, marcou profundamente a Espanha. Três enclaves espanhóis em território marroquino – Ceuta, Melilla e Peñón de Velez de la Gomera – são causa de disputa, bem como o mar territorial entre o Marrocos e as Ilhas Canárias, uma comunidade autônoma espanhola na costa da África.
A ingerência espanhola na questão da independência do Saara Ocidental, uma vasta faixa de território reivindicada pelo Marrocos, tampouco ajuda. Mesmo atuando juntos em operações de contraterrorismo, antinarcóticos e anti-imigração ilegal, os dois países vivem uma paz tensa exigindo forças armadas capazes.
Uma questão tão bizarra quanto antiga é a disputa com a Grã-Bretanha pelo controle sobre a rocha de Gibraltar que marca o lado norte do estreito do mesmo nome. Considerada estratégica para os britânicos, é importante o suficiente para que a Espanha mantenha contingências para um pouco provável conflito com o Reino Unido. A Espanha, com grande comprometimento à OTAN possui uma força aérea poderosa composta de cerca de 410 aeronaves.
A espinha dorsal do Ejército del Aire (EdA), ou Força Aérea Espanhola, são os caças Boeing F/A-18A/B Hornet (EF-18A/B) e os Eurofighter Typhoon (EF-2000/T). Os Hornet, que hoje servem em cinco esquadrões, foram recebidos a partir de 1985 e chegaram a 96 unidades. Eles passaram por alguns processos de modernização ao longo dos anos, a última entre 2000 e 2013, que elevou 67 unidades ao padrão EF-18M/EF-18BM – similar aos F/A-18C/D. Hoje, eles são os vetores mais importantes ao lado dos 70 EF-2000/T, que também voam em cinco unidades. O EdA está negociando desde 2020 a compra de mais 20 Typhoons da tranche 4.
Como vetores de apoio ao combate, o EdA conta hoje com 11 dos 27 Airbus A400M encomendados, que são capazes de realizar missões de transporte, apoio logístico e reabastecimento em voo. No futuro eles se juntarão a três Airbus A330 MRTT, que recentemente (julho 2021) foram adquiridos e devem entrar em serviço em 2023. Outros dois vetores importantes do EdA são uma pequena frota de três P-3M Orion e 11 CN235MPA-100, voltados para a missão de ASW/ASuW e patrulha marítima, respectivamente.
Outro ponto importante para projetar força são os McDonnell Douglas AV-8B Harrier II (designados EAV-8B/TAV-8B) da Armada Espanhola (Marinha Espanhola). São 11 EAV-8B e um único TAV-8B, que com a aposentadoria do porta-aviões Príncipe de Astúrias (R11) em 2013, passaram a operar no Landing Helicopter Dock (LHD) Juan Carlos I (L-61), recebido em 2010. Se necessário, os caças com capacidade Vertical or Short Takeoff and Landing (V/STOL), podem operar em outros porta-aviões ou porta-helicópteros da OTAN e da US Navy.
Além de potenciais hostilidades com a Espanha, o problema mais premente para a Força Aérea do Marrocos (Royal Moroccan Air Force – RMAF) é o seu conflito com a Frente Polisario, um bem-organizado grupo militar que, apoiado pela vizinha Argélia, e pela Líbia e a Tunísia, luta há anos pela independência do Saara Ocidental.
Ao longo dos anos, diversas aeronaves marroquinas de combate (oito F-5, três Mirage F1, um C-130 e um Bronco) foram abatidas por mísseis de ombro (MANPADS – Man-portable air-defense systems) sobre aquele Teatro de Operações. O Marrocos também mandou aviões para atuar no conflito árabe-israelense, de 1973. De lá para cá as relações do Marrocos com Israel melhoraram, a ponto de o país norte-africano possuir em seu inventário Aeronaves Remotamente Pilotadas (ARP) israelenses IAI Heron. A RMAF também disponibilizou aeronaves F-16 para atuar com as forças da coalizão nas recentes operações contra o ISIS, na Síria e no Iraque.
Hoje, a RMAF que tem cerca de 350 aeronaves, possui vários vetores de 3ª geração modernizados como 24 Northrop F-5E/F, 25 Mirage F-1CH/EH e alguns Dornier Alpha Jet H, que operaram ao lado dos 23 F-16C/D Bloco 52. Recentemente (2020), a RMAF encomendou mais 25 F-16V Bloco 72 à Lockheed Martin e a modernização dos 23 F-16C/D para o padrão F-16V.
Os F-5E/F – chamados de Tiger III, foram modernizados pela SOGERMA, recebendo um novo radar (Leonardo Grifo), sistemas de contramedidas eletrônicas, aviônicos digitais, HUD, HOTAS e capacidade de empregar mísseis BVR e bombas inteligentes guiadas a laser, designadas pelo pod AN/AAQ-28 Litening. Já os F-1CE/CH foram atualizados pelo consórcio ASTRAC (Association Sagem Thales pour la Rénovation d’Avions de Combat) e receberam muitas das capacidades do Mirage 2000-5, isso incluiu novo radar RDY-3, novos aviônicos, HUD, HOTAS, pod Damocles, chaff e flare e o uso de mísseis MICA, AM-39 Exocet e bombas Paveway (laser/GPS).
@CAS