Antes de se tornar um piloto da Esquadrilha da Fumaça, um dos times acrobáticos mais importantes e respeitados do mundo, o novo piloto do Esquadrão de Demonstração Aérea (EDA) da Força Aérea Brasileira (FAB) precisará “suar um pouco o macacão como aluno” e aprender as técnicas e nuances do voo de acrobacia aérea.
Mas, afinal de contas, como são formados os pilotos da Esquadrilha da Fumaça? É o que vamos descobrir!
Leandro Casella
Há menos de um ano de completar seus 70 anos, o Esquadrão de Demonstração Aérea (EDA) vive, talvez, um de seus períodos mais emblemáticos e, sem dúvida, dolorosos. Apesar de a unidade já ter ficado no solo em algumas oportunidades devido a problemas de disponibilidade ou por troca de equipamento, é a primeira vez que isso ocorre por causa de uma pandemia, e mais, com a unidade plenamente operacional. A COVID-19 cancelou toda a agenda da Esquadrilha da Fumaça, deixando-a longe de seu público, que a cada apresentação lotava a arena para vibrar com as manobras dos Super Tucanos com as cores da bandeira do nosso país.
No ano de 2019, foram feitas 63 apresentações, mas, em 2020, apenas três foram realizadas em março, todas no interior de Minas Gerais. Desde então, a agenda de demonstrações públicas está suspensa, atendendo às recomendações de distanciamento social, uma vez que as demonstrações costumam atrair um grande público. Até o retorno, o Esquadrão irá manter uma rotina de voos de treinamento em sede. O Setor de Operações também tem programado uma agenda de treinamentos fora de sede, em Bases Aéreas cujas características de relevo e clima sejam diferentes das encontradas em Pirassununga/SP, com o intuito de manter a doutrina de demonstrações aéreas, de deslocamento em Esquadrão, de manutenções fora de sede e de treinamento em simulador de voo em dia.
Cada demonstração do EDA é montada para ser um espetáculo de sedução visual, de modo a prender o expectador por 30 a 40 minutos, o que inclui desde o guarnecer, táxi, demonstração, pouso e corte dos motores. Quem assistiu a uma apresentação no meio do público, certamente, já ouviu: “Como eles fazem isto?”, “Como não se “batem?”, ou simplesmente um “wouuuu”, sem muito sentido fonético, mas que diz tudo. O que poucos percebem é que cada apresentação é fruto de muito planejamento, segurança e, principalmente, treinamento e mais treinamento. Cada um sabe muito bem o que fazer e o momento de fazer. Ninguém entra na Fumaça e “vai se apresentando”. Tudo tem seu tempo e preparação e, antes de rabiscar os céus em frente a uma multidão, cada novo piloto, após ser selecionado pelo EDA, ingressa no Curso de Demonstração Aérea, ministrado pela Unidade e que, ao final, formará um novo “Fumaceiro”.
Oficialmente, o EDA foi criado a 21 de outubro de 1982, por meio do decreto-lei 87.730, sendo, na realidade, a redenção de um ideal chamado Esquadrilha da Fumaça. A reativação de uma unidade de demonstração aérea na FAB veio sob a forma de um Esquadrão bem estruturado e operacional, que, no entanto, não perdeu o idealismo e o legado de seus precursores. Por isso, o EDA é legítimo herdeiro da velha Fumaça, criada no início dos anos 1950.
A Esquadrilha da Fumaça nasceu da iniciativa de jovens instrutores de voo da antiga Escola de Aeronáutica, no Rio de Janeiro, que, em suas horas de folga, treinavam acrobacias em grupo, com o objetivo de mostrar aos cadetes a capacidade e a segurança dos aviões, incutindo-lhes confiança e motivando-os para a pilotagem militar. Tal iniciativa cresceu e, em 14 de maio de 1952, aconteceu a primeira demonstração oficial da esquadrilha dos instrutores, no Rio de Janeiro, durante uma formatura militar no próprio Campo dos Afonsos.
Surgia aí a Esquadrilha da Fumaça, que só passaria a ser chamada assim a partir de 1953, em função, obviamente, da fumaça que, desde então, foi incorporada às demonstrações com o objetivo de facilitar o acompanhamento das manobras. O nome surgiu entre os cadetes da aeronáutica, sendo adotado e consagrado pelo público. Um fato interessante é que somente em setembro de 1955 a unidade deixaria de usar os North American T-6D Texan da Escola de Aeronáutica, passando a contar com cinco T-6D próprios, que, posteriormente, seriam substituídos por aeronaves do modelo G. Foi só então que a Esquadrilha passou a ter uma identidade própria, inclusive adotando um padrão de pintura especialmente criado para a Unidade.
Nos primeiros 10 anos, a unidade não era reconhecida oficialmente, sendo condicionada a uma esquadrilha da Escola de Aeronáutica. Somente em 1963, o então Ministério da Aeronáutica (MAer) reconheceu a Esquadrilha da Fumaça como uma unidade independente, ao denominá-la Unidade Oficial de Demonstrações Acrobáticas da Força Aérea Brasileira.
Em meio à operação do T-6, a Fumaça experimentou o emprego de uma aeronave à reação. Em 1969, ela foi reequipada com sete Fouga CM-170-2 Super Magister (T-24 FAB 1720 a 1726), pintados nas cores nacionais, que realizaram sua apresentação de estreia em 18 de abril de 1969, na cidade do Rio de Janeiro. O Fouga trouxe impacto às demonstrações e a inovação da fumaça colorida, mas sua operação tornou-se um problema, diante de pouca autonomia, alto custo de manutenção e operação somente em pistas pavimentadas.
Por esse motivo, eles foram desativados em 1974, após apenas 46 demonstrações. Era o retorno dos “T-Meias”, o que, em verdade, nunca foram completamente desativados, pois, na “era Fouga”, em algumas localidades, as apresentações foram feitas com essas aeronaves devido à impossibilidade de operar o jato. As apresentações continuaram até 31 de janeiro de 1976, quando, na cidade de Piquete/SP, ocorreu a demonstração número 1.272, a última da velha Fumaça. Os altos custos operacionais, a crise mundial do petróleo e a decisão da FAB de desativar o T-6 apagaram a fumaça dos céus. Oficialmente, a unidade não foi desativada, apenas suas operações foram paralisadas até que um novo vetor fosse escolhido.
Na prática, ela ficou no limbo por quase seis anos até o seu retorno oficial, sob a forma de uma nova unidade. O retorno só começaria a virar realidade em 1980, quando surgiu, com incentivo do Comandante da Academia da Força Aérea (AFA), o “Cometa Branco”. Formado por instrutores e aeronaves Neiva T-25 Universal do 1ª Esquadrão de Instrução Aérea (1º EIA), o “Cometa” fez sua estreia em 10 de julho de 1980, em Pirassununga/SP, na entrega dos espadins aos cadetes da AFA. Foram 55 demonstrações dos “Tangões” que, a partir de abril de 1982, na cidade de Itanhaém/SP, incorporaram a famosa fumaça. A iniciativa contribuiu decisivamente para que, em 21 de outubro de 1982, fosse criado o EDA. Os T-25 permaneceram “soltando fumaça” até 1983, já sob a batuta da nova unidade, visando manter o adestramento para a operação do novo vetor. Em 29 de setembro de 1983, foram entregues pela Embraer os seis primeiros T-27 (EMB-312) Tucanos vermelhos do EDA, matriculados FAB 1305 a 1310, que realizaram sua primeira exibição pública em 8 de dezembro do mesmo ano, durante a formatura dos mesmos cadetes da AFA que viram o nascimento do “Cometa Branco”, em 1980.
A Esquadrilha da Fumaça havia voltado definitivamente e, a partir de então, forjou uma trajetória invejável, mostrando o quanto foi acertada a criação do EDA. Ao longo dos últimos 38 anos, a Fumaça percorreu literalmente todo o país, além de se apresentar na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina. Em 1999,a Embraer constatou um problema de fadiga nas aeronaves T-27. Era necessário um reforço estrutural nas asas de toda a frota, o que resultou no cancelamento da agenda de demonstrações durante 21 meses. Seria um período difícil, em que, para manter a operacionalidade, a unidade se socorreu dos T-27 da AFA. Foi também a oportunidade de reformular a pintura das aeronaves, que passaram a ostentar um antigo anseio dos “Fumaceiros”: as cores nacionais.
O primeiro T-27 entregue já revisado e de roupa nova foi o FAB 1308, em 11 de setembro de 2001, quando, a partir de então, gradativamente, as atividades aéreas foram retomadas. Em 2002, durante as comemorações do seu cinquentenário (por respeito às origens, o EDA aniversaria em 14 de maio, data da primeira apresentação realizada em 1952), a Fumaça estabeleceria, em 18 de maio, o recorde mundial de voo invertido, ao realizar um voo de dorso com 11 aeronaves a 300 pés sobre a pista da AFA em Pirassununga, diante de 60 mil pessoas! A Fumaça havia quebrado seu próprio recorde, estabelecido em 23 de outubro de 1996, quando fez o mesmo voo, só que com 10 T-27. A manobra, que foi repetida em 29 de outubro de 2006 com 12 aeronaves, está registrada no Guinness Book como recorde mundial de maior número de aeronaves em formação em um voo invertido.
O T-27 se despediu no dia 31 de março de 2013, quando realizou sua apresentação número 2.363 na Capital Federal. O Tucano foi substituído pelo Embraer A-29A/B Super Tucano, cujos primeiros dois exemplares (5964 e 5966) foram entregues em 30 de setembro de 2012, dando início à fase de transição. Em janeiro de 2014, iniciaram os treinamentos visando à primeira apresentação. Depois de um longo período de preparação e 27 meses sem apresentações ao público, em 3 de julho de 2015, foi feita a primeira demonstração, em Pirassununga, durante a entrega dos espadins aos novos cadetes da AFA.
Em 69 anos de história, o EDA já realizou mais de 3.923 demonstrações no Brasil em mais 21 países, sendo o segundo esquadrão de demonstração mais antigo do mundo. O A-29 Super Tucano já superou a marca de 234 demonstrações e será o vetor com o qual a Fumaça atingirá a marca de 4 mil demonstrações.
EDA – Quadro de demonstrações aéreas (1952-2021) |
NA T-6D/G Texan – 1.272 |
Fouga T-24 Super Magister – 46 |
Neiva T-25 Universal – 8 |
Embraer T-27 Tucano – 2.363 |
Embraer A-29 Super Tucano – 234 |
Total – 3.923 |
Apesar de ter nuances que o diferenciam, basicamente, o EDA é uma unidade como qualquer outra na FAB, tendo, inclusive, a mesma estrutura organizacional, operacional e de efetivo. Se a missão de uma unidade de caça é defesa aérea e interceptação, a do EDA é realizar demonstração aérea com o máximo de perfeição e segurança. Subordinado operacionalmente ao Gabinete do Comandante da Aeronáutica (GABAER) em Brasília, e administrativamente a Academia da Força Aérea (AFA) em Pirassununga/SP, onde é sediado, o EDA tem por objetivo aproximar os meios aeronáuticos civis e militares; contribuir para a maior integração entre a FAB e as demais Forças Armadas; marcar a presença da FAB nos grandes eventos no Brasil e exterior; despertar nos jovens a vocação para carreira aeronáutica civil e militar; e mostrar a qualidade da indústria nacional, bem como a capacidade e o grau de treinamento dos pilotos militares brasileiros.