Em janeiro deste ano de 2021, a Força Aérea Brasileira (FAB) atingiu oito décadas de existência. Foram, sem dúvida, 80 anos de pioneirismo, desafios, operacionalidade, inovações tecnológicas e muito trabalho para integrar o país e fomentar a indústria nacional, a aviação civil e a aviação militar. Sempre que o Brasil chamou, a FAB esteve presente, muitas vezes indo além do seu dever.
Hoje, beneficiada pela maturidade de ser uma das instituições mais importantes do país, a FAB não só exalta seu passado e seus feitos, mas, consciente da importância de sua missão, já projeta seu centenário em 2041.
Leandro Casella
A criação do Ministério da Aeronáutica (MAer) e, por consequência, da Força Aérea Brasileira (FAB) deu-se a partir da necessidade crescente de se ter um órgão especificamente voltado para o meio aeronáutico, capaz não somente administrar e gerir recursos e infraestrutura, mas, também, desenvolver plenamente a aviação militar e civil. Além de defender, era preciso integrar e sedimentar o meio aeronáutico em um país, que nada mais era que o berço do gênio Alberto Santos-Dumont.
Quando o então Presidente Getúlio Vargas assinou o decreto-lei nº 2.961, de 20 de janeiro de 1941, que criava o MAer, ele estava, portanto, atendendo à aspiração de grande parte da comunidade aeronáutica da época que, já há alguns anos, vinha fazendo campanha pelo “Ministério do Ar”.
Como em muitos lugares do mundo, a nova Força surgia da fusão das aviações do Exército e da Marinha. O decreto não só extinguiu a Aviação Militar e a Aviação Naval, como transferiu militares, servidores civis, aviões e instalações da Marinha, do Exército e, também, do então Ministério da Viação e Obras Públicas para compor inicialmente as Forças Aéreas Nacionais (FAN), denominação que foi alterada em 22 de maio de 1941, pelo decreto-lei nº 3.302, para Força Aérea Brasileira (FAB).
Como primeiro Ministro da Aeronáutica, foi escolhido Dr. Joaquim Pedro Salgado Filho, que, junto com a sua equipe, abraçou o desafio de desenvolver a aviação civil, a infraestrutura, a indústria nacional, as escolas de formação e o braço-armado do MAer – a FAB.
A FAB, que nasceu em meio a um dos momentos mais conturbados da história recente da humanidade – a II Grande Guerra –, havia herdado um grande número de aeronaves já obsoletas, com instalações modestas, algumas espartanas. Como o desafio era colocar a FAB “no ar”, no primeiro momento, foi mantida toda a estrutura usada pela Aviação Militar, o que incluiu um organograma constituído por Regimentos de Aviação (RAv) e esquadrilhas, subordinadas a zonas aéreas.
Em seus primeiros meses de vida, a jovem Força Aérea viu não só o conflito mundial piorar na Europa, na África e no Pacífico, mas chegar ao nosso litoral. A partir de maio de 1942, submarinos alemães levaram a efeito sucessivos ataques contra a frota mercante do Brasil por termos rompido relações diplomáticas com os países do Eixo Alemanha-Itália-Japão em janeiro do mesmo ano. No total, 31 navios foram afundados, fazendo o Governo Brasileiro declarar guerra ao Eixo, em 22 de agosto de 1942, e, definitivamente, passarmos a estar do lado dos aliados.
A partir dessa data, a situação começou a mudar, inclusive com a chegada de vetores de combate modernos ao Brasil. Em combinação com a Marinha do Brasil e com as Forças Armadas dos Estados Unidos, postadas principalmente no Nordeste, a FAB passou a cumprir frequentes missões antissubmarino no Atlântico Sul. Em diversas ocasiões, aeronaves da US Navy e da FAB, tais como B-25, PBY Catalina, A-28A Hudson, B-18, Vultee V-11GB2 e PV-1 Ventura, entraram em combate direto com submarinos italianos e alemães.
Em 31 de julho de 1943, o submarino alemão U-199 foi atacado e afundado ao largo da baía de Guanabara por dois aviões da FAB, um A-28A Hudson e um PBY-5 Catalina (ambos da Unidade Volante do Galeão), que desferiu o golpe fatal. Ele afundou nas coordenadas 23°54’S e 42°54’W a cerca de 60 milhas náuticas ou 100 km ao sul do Rio de Janeiro, quando se posicionava para atacar o comboio JT3 formado por uns 20 navios em início de viagem para Trinidad e EUA. Era o batismo de fogo da FAB, que, pouco mais de um ano depois, em outubro de 1944, faria sua estreia no Teatro de Operações Europeu. Com a entrada na guerra, o país enviaria a Força Expedicionária Brasileira (FEB), composta por tropas do Exército Brasileiro, além de duas unidades da FAB: a 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação (1ª ELO) e o 1º Grupo de Aviação de Caça (1º GAVCA).
A 1ª ELO estava subordinada à Artilharia Divisionária da FEB e equipada com 10 aviões leves Piper L-4H Grasshopper. Cumpria missões de ligação, condução de tiro e observação. Operando na região dos montes Apeninos, Itália, a unidade foi peça importante para o sucesso da FEB durante seus vários meses de combate.
O 1º GAVCA foi formado no Brasil e submetido a treinamento na United States Army Air Force – USAAF (Força Aérea do Exército dos Estados Unidos), inicialmente no Panamá (P-40) e, a seguir, nos EUA, onde voou com os Republic P-47D, aeronave com o qual faria história nos campos de batalha da Europa. A unidade foi enviada à Itália, passando a operar subordinada ao 350th Fighter Group da USAAF. Sua primeira missão operacional se deu em 31 de outubro de 1944. Até 2 de maio de 1945, o 1º GAVCA cumpriu 445 missões com 2.550 saídas de combate. Os resultados foram tão expressivos, que o “Esquadrão Jambock” foi uma das três unidades fora dos EUA a receber a Presidential Unit Citation, também conhecida como Blue Ribbon (fita azul). Criada em 26 de fevereiro de 1942 pelo Presidente Franklin Delano Roosevelt, com o objetivo de reconhecer os feitos de unidades que se distinguiram no campo de batalha, a fita azul foi oficialmente entregue ao 1º GAVCA em 22 de abril de 1986, na Base de Santa Cruz, no Rio de Janeiro.
Guerras não trazem felicidade e, em geral, deixam marcas profundas por décadas a fio. No entanto, seus aprendizados, especialmente para o meio militar, são importantes e, quase sempre, norteiam o rumo das Forças Armadas após conflito. Sendo assim, as lições trazidas da Europa foram importantes para segmentar a estrutura da jovem FAB.
Com os ensinamentos e conceitos operacionais advindos da participação na II Guerra Mundial aliados à necessidade de estruturar e administrar uma aviação (principalmente civil) que crescia a cada dia, o MAer realizou a maior reorganização da sua estrutura, por meio do decreto-lei nº 9.889, de 16 de setembro de 1946, que organizou desde o Estado Maior até o serviço mais básico da aeronáutica no país.
Essa reestruturação fez a FAB abandonar o organograma herdado da Aviação do Exército e criar sua própria identidade. Ela foi regulamentada pelo decreto-lei nº 22.802 de 24 de março de 1947, que extinguiu oito RAv, dois Grupos de Patrulha (GP), dois Grupos de Bombardeio Leve (GBL), seis Grupos de Bombardeio Médio (GBM) e um Grupo de Bombardeio Picado (GBP). Em seu lugar, o decreto regulamentou uma estrutura formada por Grupos de Aviação, Esquadrões e Esquadrilhas, regida por então cinco Zona Aéreas. Era uma organização típica de Força Aérea que se mantém até hoje.
Foram também criadas naquela época duas das mais importantes escolas da FAB – a Escola Preparatória de Cadetes do Ar (EPCAR), em 1949, e a Escola de Comando e Estado Maior da Aeronáutica (ECEMAR), em 1947 –, que se juntaram à Escola de Aeronáutica (atual Academia da Força Aérea), criada em março de 1941. Já na área da engenharia, o Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), hoje denominado Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), foi iniciado em 1949 e ativado em 1953, e foi importantíssimo para a implantação definitiva da indústria aeronáutica nacional gerando em seus diversos frutos a Embraer.
Foi um período de grandes transformações e de consolidação não só do braço armado do MAer, mas de toda uma estrutura de controle de tráfego aéreo, aeroportos, aviação comercial e civil, por meio do Ministério da Viação e Obras Públicas incorporado ao MAer e redesignado Departamento de Aviação Civil (DAC) em 1969.
Em termos de frota, no período 1944 até o final dos anos 1970, houve três grandes renovações que permitiram à Força Aérea se manter como uma das mais importantes da América Latina. A primeira transformação na frota veio na década 1940 e foi fruto direto da II Guerra, especialmente a partir do final de 1942, após o Brasil se envolver no conflito. Diversos tipos de aeronaves de origem americana foram incorporadas. Com o fim da guerra em 1945, várias aeronaves excedentes de guerra foram adquiridas através do plano Foreign Liquidation Commission do governo americano, o que ampliou e modernizou de forma significativa a frota.