70 anos após sua criação, como está sendo reconstruída a Força Aérea do Líbano depois anos de estagnação? Com a palavra o Brigadeiro-General Ziad Haykal, comandante da LAF, que fala um pouco não só do atual estágio da Al Quwwat al-Jawwiya al-Lubnaniyya, mas também sobre seu principal papel hoje.
Texto Jeroen van Veenendaal.
Fotos: Ralph Blok
A Força Aérea Libanesa (Lebanese Air Force – LAF, ou em árabe, Al Quwwat al-Jawwiya al-Lubnaniyya) foi fundada em 1949, seis anos depois do país se tornar independente da França. Logo após sua criação, várias aeronaves foram doadas pelos governos britânico, francês e italiano, marcando uma trajetória de altos e baixos desta “small air force” que, em 2019, completou 70 anos.
No passado, ela chegou a ser bem-equipada, tendo voado os lendários caças De Havilland Vampire (1953/1974), Hawker Hunter (1968/1994) e Dassault Mirage IIIBL/EL (1969/1988).
Porém, gradualmente a LAF foi perdendo sua capacidade operacional, não só após a desativação dos Mirage — que foram vendidos ao Paquistão no ano 2000 —, e dos Hunter, ainda estocados no Líbano, porém sem condições de voo, mas devido a dificuldades operacionais e financeiras, fruto inclusive de conflitos com Israel ao longo dos anos. Com isso, durante muito tempo, a LAF teve que contar apenas com uma força de helicópteros, alguns dos quais em condições de voo limitadas, em especial entre o final dos anos 1990 e 2010. Mas, nos últimos anos uma reconstrução vem sendo feita, e a LAF recebeu novos vetores para missões de reconhecimento, apoio aéreo e ataque, compostos por três Cessna AC-208 Combat Caravan e seis aeronaves de ataque Embraer EMB 314 Super Tucano, hoje o mais importante vetor de combate libanês.
A guerra em Nahr al-Bared
A pequena, mas pujante força aérea, já teve seus dias de lutas ao longo de sua história. Hoje ela começa a escrever um novo capítulo dessa história, onde a luta contra o terrorismo vem aumentando não só seu efetivo, mas principalmente seu profissionalismo.
Conversamos com o Brigadeiro-General Ziad Haykal, um piloto de helicóptero que gradualmente foi galgando os degraus na carreira militar, até chegar ao cargo de comandante da Força Aérea Libanesa. Ele começa contando uma história recente, a fim de enfatizar o crescimento da LAF na última década.
“Em 2007, estivemos envolvidos em uma grande batalha com o Fatah al-Islam, uma organização militante islâmica em um campo palestino no norte do Líbano, que se chamava Nahr al-Bared.”
Vale ressaltar que Força Aérea Libanesa também estava realizando missões de evacuação médica e transporte de vítimas, além de executar missões de fotografia aérea. Nesse cenário, surgiu a necessidade de projetar uma plataforma capaz de empregar bombas convencionais, tipo Mk.82 de 500 libras e Mk.83 de 1.000 libras, com uma certa precisão.
“A dimensão do campo de batalha não era tão grande, e estava cercado por forças amigas. Portanto, o grande desafio era atingir as forças inimigas, lançando centenas de quilos de bombas, sem atingir as forças amigas. Por sermos engenhosos, modificamos os nossos Bell UH-1H, que basicamente são feitos para transporte, para helicópteros de bombardeio”.
Essa etapa – emprego dos UH-1H como bombardeiros – mostrou-se muito importante e foi a principal razão para o término da batalha com o grupo terrorista do Fatah al-Islam, que costumava se esconder em posições fortificadas, e só foram desmobilizados graças ao uso das bombas Mk.82/83. Desde então, as Forças Armadas Libanesas começaram a planejar a capacidade aérea, pois perceberam a importância do poder aéreo naquelas situações.
A partir daí a LAF enviou um plano aos Estados Unidos, a fim de obter uma plataforma aérea capaz de fornecer apoio aéreo aproximado (CAS). Em 2009, eles receberam o primeiro dos três Cessna AC-208 Combat Caravan, versão armada do C-208B Grand Caravan, capazes de transportar dois mísseis Hellfire AGM-114.
Guerra com o Daesh (Estado Islâmico)
O Líbano sabia que a guerra na Síria afetaria de alguma forma seu território, e as forças armadas conscientes disso, começaram a se preparar para o caso o conflito chegasse ao lado libanês da fronteira. O General Haykal comenta:
“A guerra com os terroristas do Daesh (IS) e Al-Nusra começou no Líbano em 2013, na fronteira norte e nordeste do país. A capacidade trazida pelo Cessna AC-208 Combat Caravan chegou na hora certa e nos ajudou muito a conter a ameaça, tendo também a ajuda do SA/IAR 330 Puma e do SA342 Gazelle, que juntos auxiliaram nas necessidades de suporte e apoio aéreo”.
A guerra com o terror contou também com o apoio de Veículos Aéreos Não Tripulados (UAV) AeroVironment RQ-11 Raven recém-adquiridos, que cumpriram missões de vigilância e reconhecimento, permitindo à LAF saber exatamente onde havia armazenamento de munição, que tipo de armas continha, o número de soldados em cada posição e as rotas de acesso que os terroristas estavam usando. O General recorda como foi:
“Atingimos vários alvos com precisão, e os obrigamos a mudar suas técnicas, táticas e posições. Primeiro, fomos capazes de reforçar a posição do exército e depois mudamos para uma posição de ataque. Começamos a bombardear posições do Daesh nas profundezas da área onde eles tinham controle. Na operação final, chamada Dawn of the Suburbs (Amanhecer dos Subúrbios ou em árabe: Fajr Al Jouroud), bombardeamos todos os alvos de defesa durante uma semana e, na verdade, quase limpamos todo o terreno para que as forças especiais do exército libanês pudessem entrar no local. Terminamos a batalha em questão de uma semana”.
Chegam os Super Tucanos
Durante a batalha contra o Daesh, o governo formalizou o pedido de uma plataforma de armas contra insurgentes, aos Estados Unidos. “O processo de solicitação geralmente leva algum tempo”, explica o General Haykal.
“Enviamos uma carta de solicitação escrita pelo Ministério da Defesa libanês contendo especificações sobre o que a Força Aérea Libanesa necessitava, como o tipo de tarefa que quereríamos executar – seja de asa fixa ou de asa rotativa –, que tipo de armas gostaríamos de carregar, a velocidade do ar, e o comprimento da pista que tínhamos, entre outras necessidades. As autoridades americanas estudaram essas especificações e designaram uma plataforma ideal”.
Para a Força Aérea Libanesa, a resposta americana veio sob a forma do Embraer/Sierra Nevada A-29 Super Tucano. Essas aeronaves fazem parte de um pacote de apoio do governo dos Estados Unidos para ajudar na luta contra os terroristas.
Os A-29 libaneses foram fabricados no Brasil pela Embraer Defesa e Segurança e, após isso, armados pela corporação de Sierra Nevada, sediada em Jacksonville, nos Estados Unidos. Esse é o primeiro tipo de aeronave – e também o primeiro A-29 do mundo – capaz de disparar os Advanced Precision Kill Weapon System (APKWS). Esse APKWS é uma conversão dos foguetes não guiados Hydra 70 (70 mm), equipados com um kit de orientação a laser, que os transforma em uma munição de precisão. Hoje, o APKWS pode ser lançado também a partir de aeronaves de combate, como o Lochkeed F-16 e os helicópteros de ataque Boeing AH-64 Apache.
A plataforma turboélice é considerada perfeita para proteger o Líbano. Ela preenche com sobras as necessidades inerentes às missões de reconhecimento e bombardeios de precisão. Para olhos destreinados, o A-29 pode parecer inexpressivo em comparação com um avião de caça quatro vezes mais rápido. Mas esse não é o caso. O General Haykal explica, sob a ótica da LAF:
“Ele é muito conveniente para missões antiterroristas. Tem as mesmas armas dos caças a reação, bem como a mesma eficácia e precisão, mas custa significativamente menos por hora de voo”.
Para fazer uma comparação, um Boeing F-15E Strike Eagle custa cerca de US$ 27.000 por hora de voo. Já o A-29 Super Tucano custa entre US$ 4.000 e US$ 5.000 por hora de voo, e faz o mesmo trabalho. Mesmo os Estados Unidos vêm estabelecendo estudos e concorrências visando adquirir aviões de ataque leve que possam executar missões de combate no Oriente Médio a um preço mais acessível. No momento, está em aberto uma concorrência entre o A-29 Super Tucano e o AT-6 Wolverine pelo contrato do AO-X. Uma dessas aeronaves atuará ao lado dos caças de 4a e 5a gerações, que os EUA empregam atualmente no Oriente Médio em missões contra terroristas. O General Haykal acrescenta:
“Essas aeronaves não devem ter um papel de superioridade aérea. A principal missão dos Tucano é fornecer apoio aéreo aproximado (CAS – Closed Air Support) ao exército “.
Os pilotos libaneses de Super Tucano receberam treinamento de voo junto ao 81st FS, sediado na Moody AFB da USAF – Geórgia, Estados Unidos. Eles são considerados excelentes pilotos, e todos terminam o curso de pilotagem com notas excelentes. Os dois primeiros Super Tucano chegaram em outubro de 2017, e os quatro últimos em maio de 2018, à Base Aérea de Hamat, sede do 7th Squadron da LAF. Dentro do pedido feito pela LAF, um dos itens em que foi exigido era que a Base de Hamat tivesse uma capacidade mínima não só de operação, mas também para manter a aeronave no Líbano em termos de manutenção, armamento e estações de pré e pós voo. O General Haykal diz:
“No primeiro dia em que chegaram ao Líbano, os A-29 tinham uma capacidade mínima para missões contra o Daesh. Isso é normal. Qualquer nova plataforma do nosso inventário exigirá um certo período de tempo para ser bem-implementada operacionalmente. Para dar um exemplo, o Super Tucano não está trabalhando sozinho em nenhuma batalha. Ele está sempre atuando em cooperação com outras plataformas como a Caravan, o Puma ou o Gazelle. Portanto, para implementar a nova plataforma, você precisa criar certos procedimentos. Não há outra força aérea que use um Super Tucano e o Combat Caravan juntos, e, portanto, não existem ainda procedimentos totalmente consagrados. O Combat Caravan é capaz de designar alvos para os mísseis guiados a laser AGM-114 Hellfire, e também, de suportar a designação de alvos para o Super Tucano. Nossos pilotos treinaram para ter dois Super Tucanos trabalhando juntos o tempo todo, um designando para o outro. Um Combat Caravan é capaz de designar alvos para os dois Super Tucanos a uma distância maior. É preciso criar certos procedimentos e normas operacionais para operarmos todas essas plataformas juntas. Esses procedimentos operacionais conhecidos como SOP (Standard Operating Procedure) foram sendo executados e refinados ao longo das missões e, agora, estamos em um período de avaliação e validação dos mesmos”.
Capacidades de combate dos Pumas
Quando a guerra começou na Síria, em 2013, a LAF iniciou um estudo para instalar dois canhões ADEN de 30 mm e dois pods de foguete Matra SNEB 68 mm, herdados dos Hawker Hunters no SA/IAR 330 Puma.
O General Haykal estava trabalhando em Hamat como oficial de inteligência quando a modificação no Puma foi desenvolvida. Ele tem um provérbio apropriado: “A necessidade é a mãe da invenção”. O processo de instalação e testes levou 13 meses, e começou com ensaios no solo antes de passar para os testes em voo.
“Não era apenas um ensaio porque na prática estávamos colocando um armamento de um caça Hunter em um Puma, vetores totalmente diferentes. Instalar e integrar os controles do canhão de 30 mm, foguetes e bombas no sistema elétrico do Puma, empregando ainda um visor de tiro de Alouette III, não foi um desafio fácil. Todos os três artefatos – canhão, foguetes e bombas –, têm seus próprios requisitos, parâmetros e procedimentos de instalação e segurança. São três sistemas de armas muito diferentes de instalar. Todas as trajetórias balísticas e desvios tiveram que ser calculadas corretamente. Além de tudo isso, tivemos que definir procedimentos para que os mantenedores executassem suas tarefas com segurança. O próprio sistema foi projetado para ser removido da aeronave e instalado em questão de poucas horas em outra aeronave em caso de mau funcionamento”.
A chegada do Embraer Super Tucano não tornou o SA/IAR 330 Puma obsoleto. Seu principal papel voltará a ser a missão primária de transporte, sem, entretanto, perder a capacidade de transportar foguetes de 70 mm. O General Haykal diz:
“De acordo com a ameaça, de acordo com a missão e de acordo com o tipo de alvo, você irá usar a plataforma ou o armamento mais conveniente. Se, por exemplo, precisamos fazer um bombardeio a um alvo que necessite de uma carga de 1.300 kg de explosivos, não temos nenhuma plataforma capaz de carregar essa carga, exceto o Puma”.
Inovações de artilharia
As mudanças na frota não são as únicas inovações da LAF. Há outros exemplos de inovação:
“Em 2015, recebemos o Cannon-Launched Guided Projectile (CLGP) M712 Copperhead ou projétil guiado lançado por canhão, com 155 mm de calibre. De fabricação americana, o Copperhead também funciona com designadores de laser. Uma vez detectado o sinal de laser, o sistema de orientação a bordo manobra o projétil até o alvo. Inicialmente estávamos limitados apenas ao uso dessas peças de artilharia apenas do solo, isso porque possuímos uma longa área de fronteira e muitas áreas de terreno acidentado, o que dificultava enviar pessoal com designadores de laser a áreas de conflito onde houvesse desvantagem tática. Aí percebemos que tínhamos a possibilidade de usar o designador a laser do Cessna 208, restando saber se eles eram compatíveis com os Copperhead. Depois de estudarmos o processo, os riscos e a porcentagem de sucesso, o comandante do Exército libanês decidiu iniciar o emprego. Foi um grande sucesso. A quantidade de explosivos em um míssil Hellfire é limitada quando comparada a um projétil de Copperhead de 155 mm. Durante uma missão antiterrorista contra o Daesh (Estado Islâmico), um piloto foi condecorado por sua capacidade de atingir 18 alvos diferentes em uma hora de voo, iluminando estes para o pessoal de artilharia. Trata-se de uma carga útil que nenhum avião de combate existente pode transportar”.
Alvos a 10 km de distância das baterias de artilharia foram atingidos com precisão. Embora essa técnica já tenha sido inventada no início dos anos 1980, ela nunca foi usada no campo de batalha por causa dos requisitos e limitações da época. Isso chamou a atenção dos EUA, e um general da Força Aérea dos EUA lotado no Comando Central veio ao Líbano para testemunhar essa nova invenção. Os Estados Unidos estão agora reconsiderando seus procedimentos em relação ao uso do Copperhead M172 e à capacidade de designá-los a partir do ar. O General Haykal fala visivelmente orgulhoso sobre essas inovações: “Nós nos obrigamos a ter um papel importante na guerra contra o terrorismo e na importante tarefa de defender nosso país. Estudamos, experimentamos e executamos todas essas invenções localmente”.
O futuro
A Força Aérea Libanesa ainda se encontra em um fraco processo de reconstrução e evolução. O General Haykal comenta os planos da LAF para o futuro:
“Solicitaremos mais seis aeronaves Super Tucano. Em 2021, esperamos receber também seis helicópteros leves multifuncionais McDonnell Douglas MD-530G Defender, uma versão capaz de disparar foguetes guiados a laser. Assim, daqui a cinco anos, nossa expectativa é de termos em nosso inventário 12 aparelhos Super Tucano e 12 MD-530G”.
Ele continua reforçando que a prioridade da LAF é aumentar sensivelmente a capacidade de apoio aéreo aproximado (Close Air Support).
“Basicamente, o MD 530 está sendo adquirido para substituir definitivamente o Aérospatiale Gazelle num espaço de tempo de 10 anos. Já o Puma voltará a ser um helicóptero de transporte, pelo simples fato de precisarmos dessa capacidade na Força Aérea. Planejamos ainda atualizar todos os UH-1 Hueys existentes para o padrão Bell UH-1H-II Super Huey. Estamos também em pleno processo de colocar a frota de Agusta-Bell AB-212 em operação novamente depois de mais de 25 anos parados. Todas as novas plataformas virão de um apoio direto do governo dos EUA. Estamos tentando negociar, convencendo os americanos de que isso é o mínimo que a Força Aérea Libanesa precisa para operar. Precisamos continuar trabalhando no fortalecimento da segurança das nossas fronteiras, e permanecer firmes em nossa luta contra grupos terroristas”.