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O icônico e lendário quadrimotor Lockheed Martin C-130 Hércules saiu de cena das fileiras da Força Aérea Brasileira (FAB), após quase seis décadas de serviço. Desde agosto de 1964, quando foi recebido, até fevereiro deste ano, quando deu adeus, o Hércules não só acumulou milhares de horas de voo em missões de transporte, apoio logístico, reabastecimento em voo, SAR, combate a incêndios e missões antárticas, mas revolucionou conceitos dentro da FAB. Existe uma Aviação de Transporte e uma Força Aérea antes e depois do C-130.
Leandro Casella
A Força Aérea Brasileira (FAB) está entre os 80 usuários militares de 73 países que voam ou voaram o C-130. Nenhum outro avião do seu porte voou por tantos usuários, realizou um leque tão diverso de missões ou esteve em tantas guerras e conflitos ao redor do mundo. E nenhuma outra aeronave de transporte ocidental está em produção há tanto tempo, devendo fechar em 2024, o 70º ano em que sua linha de montagem está aberta, sempre construída na fábrica da Lockheed Martin, em Marietta – Geórgia, nos EUA.
Sinônimo de transporte aéreo militar! Assim podemos definir o Lockheed Martin C-130 Hércules que, em agosto, completará 70 anos do seu primeiro voo, com fôlego para voar mais duas décadas, pelo menos. Seu desenvolvimento tem muito do aprendizado advindo da Ponte Aérea de Berlim (1948) e da Guerra da Coreia (1950-1953), quando ficou evidente a necessidade de se ter uma aeronave capaz de levar um grande volume de carga, ser rapidamente carregada/descarregada e ter a vocação para cumprir várias missões.
Partindo desses conceitos, os projetistas da Lockheed criaram uma aeronave quadrimotora, de asa alta, com trens de pouso dotados de pneus de baixa pressão, capazes de operar em pistas não preparadas e com rampa de carga traseira ao nível do solo, tudo aliado a uma fuselagem com grande volume interno. Designado L-382 Hércules, o projeto da então Lockheed (a partir de 1995 a fusão da Lockheed Corporation com a Martin Marietta resultou na Lockheed Martin) sagrou-se vencedora do General Operating Requirement (GOR) da USAF, lançado em fevereiro de 1951, superando as propostas da Boeing, Douglas, Fairchild, Martin, North American, Northrop e Airlifts Inc.
O primeiro protótipo, designado militarmente YC-130A, voou em 23 de agosto de 1954, em Burbank, CA, equipado com quatro motores Allison T-56-A. Sua entrada em serviço ocorreu em dezembro de 1957, dando início a uma revolução na aviação de transporte. A partir das versões básicas de transporte C-130B/E/H/K, surgiram mais de 40 variantes/subvariantes dedicadas às mais diversas missões: Busca e Resgate (SAR), Evacuação Aeromédica (EVAM), Inteligência Eletrônica (ELINT), Reabastecimento em Voo (REVO), Reconhecimento Meteorológico, operações especiais, combate a incêndios, drone, ataque (Gunship), Alerta Aéreo Antecipado (AWACS), cargueiro e transporte civil de passageiros, entre outras muitas subvariantes.
Além da versão básica, a Lockheed também desenvolveu duas versões com a fuselagem alongada em 2,5 m e 4,6 m, designadas L-100-20 e L-100-30, respectivamente, na versão civil, e C-130-20 e C-130-30, na versão militar. Em 1996, a agora Lockheed Martin apresentou o C-130J, chamado de Super Hércules, também nos modelos C-130J, C-130J-30 e KC-130J, que hoje são o carro-chefe da produção.
A aeronave é uma versão atualizada, com nova aviônica digital e um novo conjunto de motores Rolls-Royce AE 2100D3 que emprega hélices hexapás em vez das clássicas quadripás. O “J”, que entrou em serviço em 1999.
Atualmente, mais de 540 Super Hércules operam em 26 usuários de 22 países. Se somadas todas as suas versões, o Hércules passa de 2.600 unidades fabricadas, que já ultrapassaram 2,1 milhões de horas voadas. O C-130 esteve em praticamente todas as ações militares dos anos 1960 para cá, atuando não só no apoio logístico, mas também em ações diretas, como REVO, emprego tático e até mesmo ataque.
A história do C-130 no Brasil começou no início dos anos 1960. Ao avaliar sua aviação de transporte, então calçada nos Douglas C-47A/B, nos Fairchild C-82A Packet e nos recém-chegados Fairchild C-119G Flying Boxcar, a FAB percebeu que precisava de um avião mais moderno, versátil e que desse uma capacidade mais global à Força. Todas as aeronaves então em serviço eram ex-USAAF/USAF, portanto, usadas que haviam sido fabricadas nos anos 1940.
Ao examinar o mercado, a FAB não teve dúvida: a aeronave ideal era o Lockheed C-130 Hércules, uma aeronave projetada no início dos anos 1950, que havia entrado em serviço no final de 1957, em sua versão C-130A. Rapidamente, o projeto evoluiu e, em 1962, a versão “E” já estava em serviço com grande sucesso. Foi por essa versão que a FAB se interessou, adquirida em dezembro de 1963. A encomenda original comtemplou 5 unidades, todas novas de fábrica, que saíram de Marietta matriculadas como FAB C-130 2450 a 2454. A FAB passava a ter o vetor de transporte mais moderno do mundo.
As duas primeiras aeronaves chegaram ao Brasil em 31 de agosto de 1964, seguidas de uma terceira, em 12 de dezembro do mesmo ano. As duas últimas chegaram em 19 de dezembro de 1965. O C-130E foi alocado ao 1°/1° GT da Base Aérea do Galeão, a partir de 18 de fevereiro de 1965. Ele substituiu os Douglas C-47A/B em serviço desde 1953 na unidade. Em 1966, outros três C-130E, matriculados de 2455 a 2457, foram encomendados à Lockheed. As aeronaves foram entregues em 10 de maio de 1967 (2455) e em 5 de dezembro de 1968 (2456 e 2457), mais uma vez, ao 1°/1° GT.
A chegada dos 8 C-130 mudou de vez a cara da aviação de transporte, colocando-a em um novo patamar. Até então, a FAB tinha dois vetores de transporte médio, os Fairchild C-82 e C-119G, este último uma evolução do primeiro. Junto com dezenas de Douglas C-47, eles formavam a base do transporte aéreo da FAB, que era muito mais voltado para integração e logística, em vez de cunho estratégico e tático. O foco dos anos 1940 a 1960 era a integração nacional, através do Correio Aéreo Nacional (CAN), e muitos voos eram de transporte de suprimentos, malotes e de passageiros, com foco em integrar a Amazônia e o Centro-Oeste ao restante do país. A aviação de transporte era muito pouco utilizada em missões táticas, lançamentos de cargas e Paraquedistas (PQds), seja em operações da FAB ou com o Exército.
Essa mudança começaria a acontecer com a chegada dos C-130E, e seria ainda mais acelerada com os 24 De Havilland DHC-5A Buffalo (1968) – o C-115 na FAB –, que formataram literalmente uma nova aviação de transporte, cujo lema, com o tempo, passaria a ser: “Lançar, Suprir e Resgatar”.
Para efeito de comparação, apesar de terem um alcance similar (3.700 km), o C-119G era mais lento (quase 200 km a menos), voava mais baixo (cerca de 7 mil pés) e possuía uma aviônica, em especial comunicações/navegação, uma geração atrás do C-130E. Além disso, a grande diferença estava na capacidade de carga. O C-119G tem um peso máximo de decolagem de 33,5 toneladas (12 toneladas de carga ou 41 passageiros/PQds). Já o C-130 tem um peso máximo de decolagem de 70 toneladas (19 toneladas de carga ou 92 passageiros ou 64 PQds equipados). Era uma diferença e tanto. O novo avião era mais rápido, transportava mais carga e passageiros e era mais econômico. Essa capacidade, aliada a uma série de características táticas, como poder lançar tropas, veículos e transportar diversos tipos de carga, abriu um leque antes impossível de ser feito com os C-47/82/119.
Junto com os C-130E, a FAB também adquiriu três SC-130E, versão SAR do Hércules. Designados C-130 FAB 2458, 2459 e 2460, essas aeronaves permitiram a ativação do segundo esquadrão de Hércules na FAB: o 1°/6° GAV. Sediada em Recife, a unidade recebeu seus SC-130 em janeiro de 1969 para substituir os Boeing RB-17 nas missões SAR, aerofotogrametria e reconhecimento fotográfico. O diferencial desses três Hércules é que eles tinham janelas SAR (maiores e retangulares) na parte frontal da fuselagem, a fim de facilitar a busca visual; opção de portas transparentes na parte traseira com o mesmo objetivo, e, para missões de aerofogrametria, havia no piso uma abertura para acomodar as câmeras fotográficas. A chegada dos “SC” encerrou a cota de aquisições de aeronaves baseadas no modelo “E”, totalizando 11 unidades.
Para repor perdas operacionais e ampliar sua frota, em 1974, a FAB encomendou mais cinco unidades, sendo três C-130H, matriculados FAB 2463, 2464 e 2465, e dois KC-130H, versão de reabastecimento em voo (REVO) do Hércules, matriculados FAB 2461 e 2462. Os “KCs” pousaram nos Afonsos nos dias 30 de outubro e 18 de dezembro de 1975, respectivamente. O C-130H, externamente, é idêntico ao C-130E, porém traz alguns requintes em termos de aviônicos, acréscimo de uma APU (unidade auxiliar de força), além de ser equipado com quatro Allison T-56-A-15 (4.910 shp), mais potentes e econômicos que os T-56-A-7 do C-130E (4.050 shp).
Já o KC-130H é a versão dedicada a missões de REVO do C-130H. Sua principal diferença interna é a presença de dois cilindros com capacidade para 10 mil litros de combustível cada, presentes no compartimento de carga, e os dois pods de reabastecimento presentes dispostos sob o terço final de cada asa, que, por meio de um sistema probe and drogue, faz a conexão com as aeronaves receptoras.
Parte dos “H” e os “KC” foram alocados ao 2º/1º GTT, criando assim o terceiro esquadrão de Hércules, em que substituíram justamente os C-119G, aposentados no final de 1974.
Após a aquisição da chamada frota original de 16 C-130 (8 C-130E, 3 SC-130E, 3 C-130H e 2 KC-130H), o inventário se manteria sem novidades por mais de 10 anos, exceto pela perda de duas aeronaves em acidentes. Para repor essas aeronaves, em 1986, a FAB compraria mais 3 C-130H, matriculados FAB 2466, 2467 e 2469, que começaram a chegar a partir de janeiro de 1987. Foi o fim da aquisição de aeronaves novas de fábrica.
Isso porque, em maio de 2001, o novo lote de 10 C-130H seria de aeronaves usadas. Eles até foram comprados da Lockheed Martin por US$ 66 milhões, mas eram todos ex-Aeronautica Militare Italiana (AMI), que os forneceu como parte do pagamento à empresa americana pela aquisição de um lote de 22 C-130J novos. Todos vieram da 46ª Brigata Aérea “Silvio Angelucci”, sediada na base de Pisa/San Giusto (LIRP).
No Brasil, eles foram matriculados de FAB 2470 a 2479. Curiosamente, a sequência foi pulada, não havendo o FAB 2469. Não se sabe se foi por superstição ou se a FAB queria abrir o novo lote com uma nova série de matrículas. Esta compra fecha o ciclo de aquisições, deixando o total de C-130 em 29 células. Contudo, nunca houve mais que 22 aeronaves no inventário ao mesmo tempo, e esse ápice durou entre 2002 e 2012. A partir de 2017, a frota começou a decair, ficando, em média, com 10 aeronaves disponíveis até 2021, quando iniciou a desativação.
Desde a chegada, em 1964, os Hércules sempre foram um projeto de Parque de Aeronáutica do Galeão (PAGL) e, após 1975, do Parque de Material Aeronáutico do Galeão (PAMA-GL), nova denominação do PAGL, que sempre foi sediado ao lado da Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro. Vale lembrar que, nos últimos 14 anos de vida, os C-130 tinham o apoio de manutenção privada, feita na empresa DIGEX, em São José dos Campos, e, após, na OGMA (Indústria Aeronáutica de Portugal, S.A.), empresa do Grupo Embraer com sede em Alverca do Ribatejo, Portugal. Entretanto, o projeto sempre foi gerenciado pelo PAMA-GL. Na DIGEX, além de manutenção, foi feita parte das modernizações do C-130M. Em Portugal, foram feitas apenas inspeções previstas de grande monta, como check D, e poucos C-130, de fato, foram revisados lá.
Os C-130 usaram muitos uniformes na FAB, e vale ressaltar que o camuflado tático da FAB, adotado em 2003 como padrão, foi apenas a segunda vez que toda a frota em uso teve um padrão único de pintura. A outra foi entre 1985 e 2004, com o padrão TO 1-1-14, conhecido como Southwest Asia, ou seja, o camuflado estilo Vietnã. Mas quais foram os padrões? Foram basicamente sete os padrões de cores. No entanto, em todos os padrões, sempre havia a inscrição “Força Aérea Brasileira” na fuselagem, matrícula na deriva e a bolacha da unidade, com algumas variações de marcas na deriva.
Day-Glo – Os 5 primeiros C-130E vieram de Marietta em um padrão de alta visibilidade, composto por branco na parte superior da fuselagem e prateado (Alumillac) nas asas, profundores, parte da cauda e parte inferior da fuselagem. Dividindo o brando e o Alumillac, havia uma linha em preto ao longo da fuselagem. Outro detalhe importante é que a aeronave tinha faixas em Day-Glo nas asas, parte traseira da fuselagem e no nariz. As faixas vistosas em Day-Glo eram muito comuns nas aeronaves militares dos anos 1950/60, servindo como um sistema anticolisão, pois ainda não havia luzes anticolisão, e o controle com radar e uso do transponder (ainda mais com radar secundário) era algo insipiente à época.
@CAS