Real ou não, o ataque com drones no Kremlin perturbou a Rússia. Segundo as autoridades russas, dois drones ucranianos teriam entrado no espaço aéreo de Moscou, voando na noite do dia 3/05 na “proa” do Kremlin. Objetivo seria um ataque a sede do governo. Eles foram abatidos no último minuto pelas defesas russas.
Uma nuvem de perguntas paira sobre a afirmação do Kremlin. Uma delas se realmente isto aconteceu. Por que o anúncio do Kremlin veio cerca de 12 horas após o suposto incidente? Por que não surgiram relatos de explosões dos supostos drones, nos aplicativos de mensagens? Pois apesar da repressão da Rússia à mídia, as redes sociais continuam cheio de críticas à guerra na Ucrânia? O vídeo “oficial” mostrado pelos russos tem ares de ser hollywoodiano, deixando mais perguntas que respostas.
Além de anunciar o ataque, horas depois disto, a Rússia acusou os Estados Unidos de terem tramado o mesmo, para matar o Vladimir Putin. Para Putin, drones ucranianos chegando ao Kremlin pode ser justificado como retaliação de uma intensificação brutal dos ataques à Ucrânia. Oficiais russos afirmam persistentemente que perseguem apenas alvos militares, apesar isto ser amplamente contraditório.
Um ataque de drones ao Kremlin seria a penetração mais severa do espaço aéreo russo desde que o adolescente alemão Matthias Rust pousou seu pequeno avião monomotor nas margens da Praça Vermelha em 1987. Anunciar o ataque — ou mesmo fingir — a Rússia arrisca minar seus cidadãos sobre a superioridade militar do país.
Soma-se ao fato ele ter ocorrido a menos de uma semana da celebração do Dia da Vitória, o principal feriado militar da Rússia. Em alguns dos vídeos do alegado ataque, as arquibancadas decoradas e a tribuna para o desfile militar da Praça Vermelha podem ser vistos com destaque.
Ao mesmo tempo que acusam os EUA, a retaliação severa já está no ar, incluindo ameaças dirigidas especificamente ao presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy, que negou ter atacado o Kremlin. “Depois do ato terrorista de hoje, não resta outra variante senão a eliminação física de Zelenskyy”, disse o ex-presidente russo e vice-presidente do concelho de segurança russo, Dmitry Medvedev.
O presidente da poderosa câmara baixa do parlamento, Vyacheslav Volodin, comparou o governo ucraniano com o terrorista Estado Islâmico e disse que exigirá “o uso de armas capazes de destruí-lo”.
A doutrina nuclear da Rússia diz que o país pode usar armas nucleares se sofrer um ataque nuclear ou se enfrentar um ataque com armas convencionais que ameace “a própria existência” do Estado russo.
Mas Phillips O’Brien, professor de estudos estratégicos da Universidade de St. Andrews, minimizou a possibilidade relacionada ao suposto ataque ao Kremlin. “Você não vai dizer: ‘Agora que houve um ataque com um pequeno drone, agora podemos usar armas nucleares’”, disse ele.
O comentarista Abbas Gallyamov, ex-redator de discursos de Putin que fugiu do país, também levantou dúvidas. “Se os drones inimigos atingirem o Kremlin, isso significa que qualquer outro objeto no território da parte europeia da Rússia está indefeso”, disse ele. “Portanto, não acredito que tenha sido uma provocação concebida pelo Kremlin para influenciar a opinião pública.” Se a Ucrânia realmente atacou, “considere isso um ataque performático, uma demonstração de capacidade e uma declaração de intenção: não pense que Moscou é segura”, disse Mark Galeotti, analista militar e de segurança russo do University College, em Londres.
Os nervos dos russos já foram abalados por ataques, provavelmente da Ucrânia ou de adversários domésticos, que aumentaram acentuadamente nas últimas semanas. Dois trens de carga descarrilaram esta semana em explosões de bombas na região de Bryansk, que faz fronteira com a Ucrânia. Notavelmente, as autoridades da região não culparam a Ucrânia, o que poderia ser uma tentativa de encobrir as capacidades de sabotagem ucranianas.
Mas as autoridades de Bryansk afirmaram em março que duas pessoas foram baleadas e mortas quando supostos sabotadores ucranianos penetraram na região. A região também foi atingida por bombardeios transfronteiriços esporádicos, incluindo um que matou quatro pessoas em abril.
Drones ucranianos supostamente penetraram profundamente na Rússia várias vezes. Em dezembro, a Rússia alegou ter abatido drones em aeródromos nas regiões de Saratov e Ryazan. Três soldados foram mortos no ataque em Saratov, que teve como alvo um importante aeródromo militar. Mais cedo, a Rússia relatou ter abatido um drone ucraniano que tinha como alvo a sede de sua Frota do Mar Negro em Sevastopol, na Crimeia, anexada à Rússia.
Além disso, dois proeminentes apoiadores da guerra da Rússia na Ucrânia foram mortos em seu território. Darya Dugina, comentarista de um canal de TV nacionalista, morreu em um carro-bomba perto de Moscou que as autoridades atribuíram à Ucrânia. E as autoridades disseram que a inteligência ucraniana estava por trás do assassinato do proeminente blogueiro pró-guerra Vladlen Tatarsky, que foi morto em abril quando uma bomba dentro de uma estatueta que ele recebeu em uma festa explodiu.
@CAS